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Tradução para publicação na revista El Coyote – Texto de Lateef H.

McLeod

Sobre o autor: Lateef McLeod é um escritor e pesquisador; ele está trabalhando em um PhD no
programa de Antropologia e Mudança Social no Instituto Califórina para Estudos Integrais
(California Institute for Integral Studies). Em seu primeiro livro de poesia, “A Declaration Of A
Body Of Love” (tradução livre para o português: Uma Afirmação De Um Corpo de Amor),
apresenta crônicas da vida como um homem negro com deficiência e se deparando com temas
como família, namoro, religião, espiritualidade, sua herança nacional e sexualidade. Atualmente
ele escreve um romance intitulado “The Third Eye Is Crying” (em português: O Terceiro Olho
Está Chorando) e também outro livro de poesia chamado “Whispers of Kripi Love, Shouts of Krip
Revolution” (Sussurros de amor Krip, Gritos da Revolução Krip).

Título: Social Ecology And Disability Justice: Makin A New Society

Artigo publicado na Harbinger: uma Revista de Ecologia Social – Primeira Edição, Inverno de
2019;

Link de Acesso: https://harbinger-journal.com/issue-1/social-ecology-and-disability-justice/

MCLEOD, Lateef. Social Ecology and Disability Justice: Makin a New Society, Harbinger: a Journal
of Social Ecology, Institute For Social Ecology, Vermont, 2019.

TRADUÇÃO:

Ecologia Social E Anticapacitismoii: Construindo Uma Nova Sociedade

Este artigo irá explorar as comunalidades entre a ecologia social e o anticapacitismo em suas
respectivas visões para a libertação. Com foco nos componentes compartilhados da crítica
anticapitalista, do apoio mútuo ou interdependência, e da sustentabilidade ecológica. Eu
ilustrarei como estes dois movimentos podem se alinhar para construir um mundo mais justo,
igualitário e ecologicamente equilibrado. Eu defendo que a ecologia social e o anticapacitismo
compartilham uma variedade de valores e objetivos que os fazem companheiros naturais na luta
por libertação coletiva.

As bases do anticapacitismo emergiram no início dos anos 2000, o movimento foi liderado por
pessoas de coriii, ativistas com deficiência que observaram que o movimento por direitos para
pessoas com deficiência até aquele momento era principalmente liderado por pessoas com
deficiência brancas de classe média. A abordagem anticapacitista surgiu da busca destes
ativistas pela construção de um movimento que fosse muito mais interseccional em seu escopo,
abarcando as questões de raça, classe, sexualidade e ecológica. A posição anticapacitista inclui
dez princípios centrais que defendem uma sociedade mais justa e sustentável para pessoas com
deficiência: interseccionalidade, liderança das pessoas mais impactadas, uma política
anticapitalista, solidariedade entre movimentos sociais, reconhecimento da totalidade,
sustentabilidade, comprometimento com a solidariedade entre pessoas com diferentes tipos de
deficiência, interdependência, acesso coletivo e libertação coletiva. Estes princípios do
anticapacitismo se articulam muito bem com os princípios de não-hierarquia e dominação, apoio
mútuo e sustentabilidade ecológica.

Em relação aos aspectos da ecologia social que eu foco neste artigo, ressalto os efeitos do
capitalismo de devastação do equilíbrio ecológico do planeta, fazendo referência ao artigo de
Brian Tokar publicado pelo Instituto de Estudos Anarquistas (Institute for Anarchist Studies)
intitulado “Movimentos pela Ação Climática: Em direção à Utopia ou ao Apocalipse?”. Eu
também cito o artigo “O que é Ecologia Social” de Murray Bookchin, em seu livro Ecologia Social
e Comunalismo, no qual ele descreve como nossos desafios ecológicos e sociais precisam ser
resolvidos conjuntamente para um mundo mais justo e sustentável. Bookchin argumenta que
ao invés de nos organizarmos pela competição, como no capitalismo, as sociedades humanas
deveriam ser organizadas pelas bases através do princípio do apoio mútuo: o valor humano do
apoio e dependência entre cada um dos membros como em uma comunidade.

A Ecologia Social e o anticapacitismo têm sua intersecção em seus valores compartilhados de


uma variedade de formas. O princípio do apoio mútuo da ecologia social é muito similar ao
princípio anticapacitista da interdependência. Este oitavo princípio reconhece que todos nós
dependemos e nos apoiamos uns aos outros para sobreviver. É especialmente assim para
pessoas com deficiência, pois a interdependência tem sido uma tática importante que permitiu
que muitos de nós nos engajássemos em nossas comunidades. Pessoas com deficiência
reconhecem que a verdadeira liberdade não vem através do isolamento, pela tentativa de ser
completamente autossuficientes e independentes, mas sim através da livre associação entre
pessoas que estão mutuamente lutando pela sobrevivência coletiva. O anticapacitismo também
afirma, “nós enxergamos a libertação de todos os sistemas viventes e da terra como um
integrante necessário para a libertação das nossas comunidades, pois nós compartilhamos um
planeta” (Berne, 2016, p. 18). Emaranhado ao princípio anticapacitista de interdependência está
a afirmação de que todos nós fazemos parte dos ecossistemas viventes neste planeta e devemos
fazer nossa parte para proteger o equilíbrio. Isto reflete outro princípio fundamental do
anticapacitismo que se intersecciona com a ecologia social: sustentabilidade. O anticapacitismo
defende que as pessoas, especialmente aquelas com deficiência, precisam viver em sociedades
nas quais elas têm liberdade para decidir o ritmo de suas próprias vidas enquanto às conduzem
e de não se sentirem pressionadas à performar em um nível capitalista de produção. Indivíduos
com deficiência necessitam a possibilidade de descanso no local de trabalho, ou de terem a
opção de parar de trabalhar como um todo, para manutenção da saúde pessoal. Enquanto a
produção capitalista e o lucro forem colocados à cima de todo o restante, percebemos cada vez
mais e mais que a produção constante danifica não apenas nossos ecossistemas, mas também
nossos corpos.

É crucial para a ecologia social que ela incorpore a crítica anticapacitista em sua filosofia, e para
o anticapacitismo que incorpore as contribuições da ecologia social. Primeiro, ecologistas sociais
precisam perceber que com a crise climática antecipada, as comunidades vulnerabilizadas serão
as mais afetadas, em especial a comunidade das pessoas com deficiência. Se a devastação
climática causar um colapso social, a comunidade de pessoas com deficiência estará entre as
mais vulneráveis e necessitadas de apoio mútuo. Para ecologistas sociais se solidarizarem com
a nossa comunidade, eles precisam levar em conta os princípios do anticapacitismo para
qualquer transição do capitalismo. Ecologistas sociais e outros setores da esquerda também
precisam incluir a comunidade de pessoas com deficiência em suas estratégias organizacionais
e fazer mudanças para garantir que este objetivo seja alcançado. Em um nível básico, isso requer
estar mais atento às necessidades específicas para acessibilidade que as pessoas podem
requerer no seu grupo. Isto reflete o nono princípio do anticapacitismo: acesso coletivo. Isso
pode significar verificar se os espaços são acessíveis para pessoas em cadeira de rodas, verificar
se há um espaço “livre de cheiros” para pessoas alérgicas às fragrâncias, ou a presença de um
intérprete de linguagem de sinais para aquelas pessoas que são surdas e com capacidade
auditiva reduzida. Poderia ser tão simples quanto esperar para alguém com uma necessidade
de comunicação complexa compor algo para falar em seu dispositivo gerador de voziv. Garantir
o atendimento das necessidades de acessibilidade das pessoas ajuda nossos grupos a se
tornarem mais inclusivos para uma comunidade mais abrangente que inclui pessoas com
deficiência.

A Ecologia Social também precisa se responsabilizar pela marginalização capacitista que se


difunde na sociedade dominante. O capacitismo é experienciado por pessoas com deficiência
porque elas não podem cumprir com as expectativas e estilo de vida do corpo sem deficiência.
Mesmo que o capacitismo tenha uma longa história nas sociedades humanas, com a ascensão
do capitalismo as sociedades encontraram uma nova razão para marginalizar pessoas com
deficiência – as encarando como pessoas menos economicamente produtivas que o resto da
população. Como resultado, pessoas com deficiência foram internadas em massa e barradas da
vida americana no século dezenove e início do século vinte. Cidades americanas passaram uma
série de leis chamadas as “leis feias (ugly laws)” que tornaram ilegal para pessoas com
deficiência serem avistadas em público.

A história influenciou nossa cultura de forma que os problemas das pessoas com deficiência são
quase sempre invisibilizados e negligenciados, mesmo nas políticas de esquerda. Questões da
deficiência estão normalmente construídos como problemas médicos individuais e não são
reconhecidos pela sua importância política mais abrangente. Até os anos setenta e oitenta
pessoas com deficiências significativasv eram comumente isoladas em instituições, ausentes da
esfera pública e, portanto, excluídas da possibilidade de se organizarem dentro da esquerda.
Como resultado, ecologistas sociais têm a oportunidade real de se organizarem lado a lado dos
ativistas com deficiência em torno de objetivos comuns. Há um segmento da população de
pessoas com deficiência cujos impedimentos foram causados pela destruição do nosso
ambiente antes vivo, forjando um ponto de conexão entre a ecologia social e o ativismo
anticapacitista. Nós também compartilhamos o objetivo de criar uma sociedade igualitária,
ecologicamente sustentável e acessível.

Eu também gostaria de destacar outro efeito do capacitismo difundido na sociedade dominante:


pessoas com deficiência, especialmente pessoas com deficiências significativa, são isoladas de
suas comunidades devido às diferenças corporais, cognitivas ou psicológicas. Este isolamento,
além de seus efeitos psicológicos e emocionais, também torna pessoas com deficiência mais
vulneráveis ao abuso de membros da família, cuidadores e o crescente movimento fascista.
Como nós sabemos, fascistas historicamente visaram os mais vulneráveis como suas primeiras
vítimas de violência e perseguição. Está nas mãos da comunidade de ecologistas sociais e outras
comunidades na esquerda ajudar a garantir que eles não sejam vítimas imediatas da atual
ascensão do fascismo neste país.

Estas são algumas razões porque a ecologia social e outros movimentos de esquerda precisam
incorporar o anticapacitismo em sua práxis organizacional. Nós devemos trabalhar juntos para
construir uma sociedade que é sustentável, igualitária e baseada na interdependência. Existem
inúmeros ativistas com deficiência que estão dispostos e aguardando para auxiliarem outros
movimentos a atingirem estes objetivos.

i
Krip é uma gíria derivada da palavra ‘cripple’ que é direcionada às pessoas com deficiência nos EUA com
conotação ofensiva e negativa. Trata-se, portanto, de uma ressignificação e afirmação positiva da
expressão.
ii
A expressão original é ‘disability justice’. O emprego de ‘anticapacitismo’ foi uma decisão estilística para
a tradução, tendo em vista que não encontrei alguma expressão com correspondência direta, em língua
portuguesa. Espero ter cumprido com o objetivo de manter o sentido do texto fiel ao original. Se trata de
uma decisão arbitrária e provisória.
iii
People of colour, comumente abreviado para PoC, é uma expressão usada nos estados unidos para se
referir às pessoas que não sejam brancas, incluindo pessoas negras, indígenas, marrons e amarelas de
diversos pertencimentos étnicos.
iv
Conhecido no Brasil como dispositivo de comunicação aumentativa ou alternativa, ou dispositivo de
CAA.
v
Tradução de ‘significant disabilities’. Leva o sentido de ‘deficiências facilmente identificáveis’ quando
comparadas às pessoas com deficiências menos aparentes com marcadores sociais da diferença menos
identificáveis pelo olhar do capacitista.

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