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net/publication/240616475
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Helena Ribeiro
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RESUMO:
O artigo apresenta e discute os resultados da análise comparativa em área de favela, no distrito
de Vila Andrade e no município de São Paulo, da relação entre a distribuição das dez causas principais
de internação hospitalar de crianças, de 1 a 5 anos de idade, e as condições ambientais. Para
realização da análise comparativa em três unidades espaciais foram utilizadas informações do
censo demográfico 2000, publicado originalmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), bem como dados extraídos do sistema de internações hospitalares do DATASUS (Base
de dados do sistema único de saúde) do ano de 2001, além de fotografias aéreas e levantamento
de campo. As análises aplicadas aos dados partiram de alguns pressupostos da geografia médica,
utilizando como ferramentas softwares de estatística e de sistemas de informações geográficas.
Os resultados obtidos apontaram diferentes causas e magnitudes de internações hospitalares, a
partir das taxas do município de São Paulo, do Distrito de Vila Andrade e da favela de Paraisópolis.
PALAVRAS CHAVE:
Geografia Médica, internações hospitalares, crianças, favelas, SIG, município de São Paulo.
ABSTRACT:
This paper presents and discusses the results of a comparative analysis in a shanty-town; in an
upper class district and in the Municipality of São Paulo, as a whole, of the distribution and of the
magnitude of the ten major causes of hospital admissions of children, from one to five years old,
and environmental conditions. For the analysis, National Census data from 2000 and data from
Information System on hospital admissions of Sistema Único de Saúde (DATASUS) of 2001, air photos
and field observation notes were used. References used were those of Medical Geography and
techniques used were those of Geographical Information Systems and Statistical software. Results
indicated different causes and magnitudes of hospital admissions in the Municipality of São Paulo,
in Vila Andrade District and in favela Paraisópolis.
KEYWORDS:
Medical Geography, hospital admissions, children, shanty-towns, GIS, Municipality of São Paulo.
*Geógrafa pós-graduanda em Geografia Física pelo Departamento de Geografia da FFLCH/USP e pesquisadora do CEPID/FAPESP - Centro de
Estudos da Metrópole. E-mail: mariaaparecida@cebrap.org.br
**Tecnóloga em Gestão Ambiental e mestranda pelo Departamento de Saúde Ambiental da USP. E-mail: arteiromg@usp.br
***Geógrafa e professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da FSP/USP. E-mail: lena@usp.br
Distribuição das principais causas de internação hospitalar de crianças em favela
e no município de São Paulo, como resultado do padrão de uso do solo, pp. 112 - 126 113
moradias insalubres, como conseqüência das nutricionais, ambientais e de saúde, uma vez
altas taxas de desemprego das últimas que um número cada vez maior de pessoas
décadas, ocasionadas principalmente pelo passa a viver em favelas e cortiços
alto nível de automação industrial e superlotados, com acesso limitado a infra-
comercial implementado nas empresas estruturas básicas que lhes permitam uma
nacionais e multinacionais. existência produtiva e saudável
(SAWAYA,2002 et. al, p.22).
Segundo CALDEIRA (2000 p.211), a
segregação, tanto social quanto espacial, é Para ODUM (1988, p.295), os
uma característica importante das cidades. organismos que compõem um ecossistema
As regras que organizam o espaço urbano n ã o s ã o a p e n a s “e s c r a v o s ” d o a m b i e n t e
são basicamente padrões de diferenciação físico; eles se adaptam e modificam este
social e de separação. Para esta autora, ultimo para reduzir os efeitos limitantes de
sobrepostas ao padrão de segregação dos temperatura, da iluminação, da água e de
anos 1980, baseado na relação centro outras condições físicas de existência.
periferia, as transformações recentes estão No contexto urbano, os ecossistemas
gerando espaços nos quais diferentes tendem a adquirir novos padrões de
grupos sociais estão muitas vezes próximos, funcionamento, como resposta aos usos que
embora separados por muros e tecnologias são impostos pela ocupação antrópica. Este
de segurança, além de apresentarem a cenário tem gerado impactos ambientais,
tendência a não circular ou interagir em criando áreas com ambientes insalubres que
áreas comuns. têm sido habitadas, preferencialmente, nas
A precariedade das condições de grandes cidades, por população de baixa
trabalho, aliada à ausência ou ineficiência renda. Estas alterações ambientais podem
de políticas públicas de incentivo ao ter efeitos nocivos à saúde humana,
pequeno produtor agrícola, entre outros sobretudo em crianças, que são mais
fatores, tem levado milhões de suscetíveis a efeitos de alteração ambiental.
trabalhadores a continuar nas grandes No interior das grandes cidades,
regiões metropolitanas do país, submetidos muitas áreas sofrem impactos ambientais,
a diferentes níveis de pobreza urbana. Sua originados das mais variadas ações. Dentre
dimensão pode ser analisada tanto pela estes impactos, destacamos a contaminação
ótica das disparidades socioeconômicas, d o s c o r p o s d ’á g u a e d o s s o l o s q u e , n o
como das ambientais, que terão reflexo espaço urbano, pode estar ligada à
direto no nível de saúde dos diferentes deficiência ou ausência de saneamento
grupos sociais que habitam a cidade. básico.
Além dos fatores de segregação Apesar dos indicadores nacionais
espacial de ordem socioeconômica, sinalizarem uma melhora nos serviços de
vastamente discutida na literatura sobre saneamento básico, que já tem produzido
pobreza urbana, a exposição de grupos benefícios ao estado de saúde da população,
sociais a ambientes degradados e / ou ainda há, no interior de nossas cidades, um
insalubres pode ser considerada uma outra grande contingente populacional que não
dimensão da pobreza urbana. dispõe de serviços básicos, tais como:
O crescimento acelerado das ligação regular com rede de abastecimento
populações urbanas aumentou a pobreza, de água e esgoto e coleta de lixo. Este
trazendo enormes conseqüências sociais, quadro tem sido observado principalmente
em loteamentos irregulares e favelas.
114 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, 2007 OLIVEIRA, M. A. de, ARTEIRO, M. G. & RIBEIRO, H.
No interior das grandes e médias cidades impacto na saúde das crianças como, por
brasileiras e, no caso deste estudo, na cidade exemplo: baixo peso ao nascer; nutrição
de São Paulo, as favelas têm sido citadas como inadequada; impacto ambiental; pobreza e
áreas portadoras de alto grau de degradação injustiça.
ambiental e baixa cobertura das redes de
Saneamento inadequado, moradias
abastecimento de água, esgoto e coleta de lixo.
precárias, falta de higiene pessoal, problemas
O crescimento das favelas, como pode ser
freqüentemente agravados pela escassez de
observado na figura 1, se deu exatamente num
água, têm contribuído no desenvolvimento da
momento de grande expansão da cidade, e seu
diarréia, especialmente em crianças. Para WHO
ápice encontrou-se em meados da década de
(2002, p. 5) os fatores ambientais contribuem
1980, que corresponde ao início do período de
significativamente na incidência de mortalidade
desemprego crescente no país, que atinge,
infantil no mundo.
sobretudo, as grandes capitais.
Segundo RIBEIRO (1996, p. 7), acredita-
Para TORRES E MARQUES (2003 p. 65), a
se hoje que o estudo do ambiente, social,
população residente em Favelas, no município
natural e construído, é tão importante quanto
de São Paulo, corresponde a 1.613.000,
o estudo dos agentes das doenças. A doença é
aproximadamente 16 % da população municipal.
vista como uma interação entre o agente, o
É preciso ressaltar que estes números variam
hospedeiro e o ambiente, de forma que os
conforme a fonte e métodos utilizados para o
estudos e as ações visando a saúde da
cálculo das estimativas, já que o município não
população devem, também, enfocar estes três
dispõe de dados oficiais e atualizados da
elementos.
população real residente em favelas.
A investigação de diferenças entre as
Segundo WHO (2002, p. 6), existe uma
doenças relacionadas às internações
lista limitada de fatores que têm aumentado o
Distribuição das principais causas de internação hospitalar de crianças em favela
e no município de São Paulo, como resultado do padrão de uso do solo, pp. 112 - 126 115
localizadas mais distantes do seu centro não Paraisópolis, predomina o uso residencial. O uso
são asfaltadas. Para acesso aos barracos, no misto e comercial encontra-se geralmente
interior das quadras, são utilizadas inúmeras próximo ao eixo viário estruturante. O uso
vielas e becos estreitos e, na maioria das vezes, institucional é marcado pela presença de
obstruindo córregos. escolas, igrejas e, no caso de Paraisópolis, de
De acordo com uma pesquisa algumas instituições de saúde.
desenvolvida por ALMEIDA (2003), o perfil etário Quanto à estrutura dos domicílios, 7,83%
da favela está bastante concentrado no são constituídos de material provisório, 24,23%
intervalo entre os 20 e os 44 anos. A faixa de de alvenaria precária e o restante considerado
idade mais freqüente é de 25 a 34 anos, sendo de alvenaria boa para consolidação. O
este grupo responsável por 40,7% da PEA abastecimento de água, segundo este mesmo
(População Economicamente Ativa) da região, relatório, possui na favela um índice de 100%
ao passo que o grupo mais abrangente – de 20 de abastecimento. A área ocupada pelas
a 44 anos – comporta 83,2% da mesma. Este favelas conta com rede de distribuição de água
perfil coincide com o perfil geral encontrado na e micromedição individual implantada pela
Região Metropolitana de São Paulo, fortemente SABESP, apenas nos domicílios adjacentes às
concentrado entre os 25 e os 40 anos. vias principais, ou seja, os domicílios localizados
A maioria da população é constituída por no interior das quadras são abastecidos de
migrantes nordestinos. No entanto, é forma clandestina, conforme a figura 05.
interessante destacar o período de residência. Quanto ao esgotamento sanitário,
Na pesquisa realizada por ALMEIDA (2003), somente as vias oficiais possuem redes
12,6% dos entrevistados tinham até um ano de coletoras de esgoto, que atendem às
residência na favela, 6,3% de 1 a 3 anos; 29,2% construções lindeiras a elas, porém os barracos
de 3 a 10 anos de residência e 50,2% residiam localizados no interior das quadras são
na favela há mais de 10 anos. atendidos por canais e tubulações implantados
Segundo o relatório da Prefeitura precariamente pelos próprios moradores. As
Municipal de São Paulo, em levantamento instalações elétricas são precárias, com
realizado no ano de 2003, na comunidade de acentuada presença de gambiarras.
118 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, 2007 OLIVEIRA, M. A. de, ARTEIRO, M. G. & RIBEIRO, H.
os layers de favelas do município de São Paulo procedimento, todas as AIHs que estavam
do ano de 2001 e o layer com todas AIHs de localizadas dentro ou a uma distância de 5
crianças de 1 a 5 anos de idade do município. É metros de alguma favela foram selecionadas.
importante destacar que o layer de favelas As bases de dados envolvidas em tal
continha 2018 favelas do cadastro da Prefeitura procedimento podem ser visualizadas na figura
do Município de São Paulo, em 2001. Com este 03.
Resultados e discussão
a terceira posição, totalizando 67% das causas de
Os principais resultados obtidos internação hospitalar. As internações por diarréia e
demonstram variações espaciais na distribuição de gastroenterite de origem infecciosa presumível
doenças presentes nas três unidades de análise. correspondem a 6% das internações. As doenças
No caso do município de São Paulo, a distribuição relacionadas às condições ambientais totalizam 79%
das causas principais de internação hospitalar tem das internações, as 21% restantes são doenças não
as doenças do aparelho respiratório ocupando até relacionáveis às condições ambientais.
Distribuição das principais causas de internação hospitalar de crianças em favela
e no município de São Paulo, como resultado do padrão de uso do solo, pp. 112 - 126 121
Análise comparativa das taxas de internação censitários do IBGE (2000). A taxa de internação
hospitalar baseada no diagnóstico principal hospitalar para o município de São Paulo e os
distritos foi expressa em n/1.000 habitantes.
Devido às limitações da análise com base
somente nos percentuais de internações, que Em São Paulo, a taxa de internação
não nos permite observar a magnitude dos hospitalar por broncopneumonia é de 6/1.000
eventos, optamos por calcular a taxa de hab. No distrito de Vila Andrade esta taxa cai
internação hospitalar das dez causas principais, para 4,5/1.000 habitantes e na Favela de
utilizando para tanto as informações Paraisópolis, esta taxa sobe para 9/1.000
demográficas presentes na base de setores habitantes.
124 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, 2007 OLIVEIRA, M. A. de, ARTEIRO, M. G. & RIBEIRO, H.
Notas
1
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