SANEAMENTO BÁSICO - CONCESSÃO MUNICIPAL -
- A tarifa percebida por concessionário de serviço municipal de esgoto
não tem natureza tributária.
PARECER
A COMPANHIA DE SANEAMENTO
BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
(SABESP) celebrou, em 11 de agosto de
1982, contrato de concessão para execução e
exploração de saneamento básico no Municí-
pio de A varé, pelo prazo de 30 anos.
O contrato de concessão foi autorizado pela
Lei Municipal nl! 1.222, de 9 de setembro de
1980, compreendendo os serviços de abaste-
cimento de água e de coleta e destino final de
esgotos sanitários no Município.
Nos termos dos artigos 31! e 41! da referida
lei os serviços concedidos devem obediência
ao Programa Estadual de Águas e Esgotos,
devendo ser adotadas as tarifas resultantes dos
estudos de viabilidade econômico-financeira
realizados em consonância com as diretrizes
do Plano Nacional de Saneamento - PLA-
NAS A, sujeitos a reajustes periódicos como
garantia do equilíbrio econômico-financeiro
da concessão.
Com base na disposição legal em causa, o
contrato de concessão prevê a fixação e a
revisão periódica de tarifas pela prestação dos
serviços concedidos (cláusula quarta).
A concessionária se obriga pela assunção
do sistema de águas e esgotos e de garantir-lhe
o funcionamento adequado, promovendo as
ampliações necessárias (cláusula décima e dé-
cima segunda).
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Estando em curso regular, nos termos do
contrato celebrado, a exploração dos serviços
concedidos, foi proposta, pelo Ministério PÚ-
blico, Ação Civil Pública sob o fundamento
de ser ilegal a cobrança, pela concessionária,
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TARIFA.
de tarifa de esgotos, a título de que os serviços
públicos de esgotos deveriam ser remunera-
dos pela cobrança de taxas, privativa do Es-
tado.
Oferecida contestação pela SABESP, foi
proferida sentença em 3 de novembro de
1993, julgando improcedente a ação, desta-
cando que, se realizados diretamente pelo
Município, os serviços de esgotos seriam co-
brados mediante taxa. Todavia, uma vez con-
cedidos, não estaria impedida a cobrança de
tarifas.
Em grau de apelação foi, porém, acolhida
a pretensão inicial determinando-se à conces-
sionária a abstenção de cobrar qualquer remu-
neração ou vantagem pela coleta e tratamento
de esgotos sob pena de multa. Em 25 de no-
vembro de 1998 foi a ré intimada ao cumpri-
mento da decisão, tendo sido opostos embar-
gos à execução em 2 de janeiro de 1999.
Paralelamente, a SABESP propôs ação res-
cisória com pedido de tutela antecipada, em
15 de dezembro de 1998. Denegada anteci pa-
ção da tutela foi interposto agravo regimental
em 6 de janeiro de 1999, ao qual foi negado
provimento, nos termos de acórdão de 24 de
março de 1999.
O Ministério Público propôs em 29 de julho
de 1999, ação de responsabilidade ci vil por
ato de improbidade administrativa contra os
diretores Presidente e Vice-Presidente da SA-
BESP, a título de omissão no cumprimento
da decisão, com pedido de indisponibilidade
de bens que mereceu acolhida em despacho
de 2 de agosto corrente do Juiz de Direito,
tendo sido suspenso pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo em apreciação preliminar de
agravo de instrumento.
Diante do exposto, a consulta que nos é
formulada cuida de conceito da remuneração
correspondente à prestação dos serviços de
esgoto, por parte da concessionária e da legi-
timidade de sua cobrança.
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A concessão outorgada à SABESP para ex-
plorar os serviços de abastecimento de água
e coleta de esgotos no Município de Avaré foi
objeto de contrato de concessão autorizada
em Lei Municipal n2 1.222, de 9 de setembro
de 1980, com apoio no Plano Nacional de
Saneamento (PLANASA), regulado na Lei
federal n2 6.528, de II de maio de 1978. A
cláusula 4a do contrato especialmente disci-
plina as tarifas correspondentes aos serviços
concedidos.
A lei federal em referência regula a opera-
ção dos serviços públicos de saneamento bá-
sico, estipulando, expressamente, que seria
remunerada mediante tarifas, inclusive quan-
do explorados por companhias estaduais, na
especialidade, devendo a fixação tari fária le-
var em conta a viabilidade do respectivo equi-
líbrio econômico-financeiro (arts. 12 , 22 e 42 )
A citada Lei Municipal n2 1.222 - que
autorizou a outorga de concessão à SABESP
- igualmente estipula que os serviços con-
cedidos serão remunerados mediante tarifas
resultantes de estudos de viabilidade econô-
mico-financeira realizados segundo as diretri-
zes tarifárias do Plano Nacional de Sanea-
mento - PLANASA (ART. 42 ).
É reconhecido à concessionária o direito de
cobrança de tarifa dos domicílios servidos
pela rede de esgoto (art. 14).
III
A Constituição Federal, em seu art. 175.
prevê a hipótese de prestação de serviços pú-
blicos sob regime de concessão, atribuindo à
lei a regulação da política tarifária (parágrafo
único, n2 I1I).
De modo equivalente a Constituição do Es-
tado de São Paulo dispõe sobre os serviços
concedidos ou permitidos a serem remunera-
dos por tarifa previamente fixada pelo órgão
executivo competente (art. 119 e 120).
A percepção de tarifa pela prestação dos
serviços oferecidos pela SABESP aos muni-
cípios de A varé - seja pelo fornecimento de
água. seja pela coleta de esgotos - está, as-
sim, consagrada em três níveis: na previsão
constitucional, na disposição legal e na deter-
minação contratual.
É próprio e adequado à relação jurídica
constituída pela concessão que ao concessio-
nário seja atribuída a retribuição tarifária pe-
los serviços que presta aos usuários.
A contrapartida de taxas é privativa e pecu-
liar à prestação estatal dos serviços públicos
pelo Município, com base o art. 145, n2 II da
Constituição Federal.
O sujeito ativo da taxa é, necessariamente,
o órgão público, dotado do poder de criação
e incidência do tributo, que integra a receita
pública.
Na definição de LUIZ EMYGDIO DA
ROSA JR "a taxa é um tributo vinculado e,
portanto, a sua hipótese de incidência definida
em lei deve depender de uma atividade estatal
específica relativa ao contribuinte, ou seja, de
uma ação estatal que acarrete ao contribuinte
o gozo individualizado do serviço público"
(Manual de Direito financeiro e Direito Tri-
butário - l3 il edição - Editora Renovar -
1999 - p. 370).
A taxa tem necessariamente como fonte a
criação em lei, ato do Poder Público que di-
retamente presta o serviço.
Na medida em que o serviço é delegado ao
concessionário, a estipulação do valor da ta-
rifa dispensa a fixação em lei e se caracteriza
como ato administrativo, seja quando de logo
definido no contrato, seja quando reajustado
em garantia da equação econômico-financeira
da concessão.
Conforme o autorizado depoimento de
MARÇAL JUSTEN FILHO, "a concessão es-
trutura-se sobre pressuposto de uma modali-
dade de remuneração norteada por princípios
distintos dos que disciplinam a remuneração
do serviço prestado pelo próprio Estado ...
Somente é possível atribuir ao particular o
desempenho dos serviços por conta e risco
próprio se a remuneração a ele atribuída esti-
ver sujeita a um regime jurídico especifico .,.
Quando se reconhece o direito à manuten-
ção da equação econômico-financeira e o ca-
bimento de sua recomposição, constrói-se um
regime jurídico distinto do tributário.
Se a recomposição da equação econômico-
financeira faz-se na via administrativa então
a elevação da remuneração do concessionário
independe de previsão de lei .,.
Portanto, o regime tributário é incompatível
com o regime jurídico de remuneração do
concessionário .. , A Constituição Federal, ao
tutelar a intangibilidade da equação econômi-
co-financeira do contrato administrativo, pro-
duz uma es~cie de redução da amplitude
eficacial do sistema tributário. Retira de seu
âmbito a remuneração atinente aos serviços
públicos outorgados aos particulares pela via
de concessão ou permissão" (Concessão de
Serviços Públicos - Editora Dialética -
1997-p.144).
A SABESP, embora tenha como acionista
o Estado de São Paulo, é titular da concessão
do serviço municipal, mediante contrato ad-
ministrativo, em regime de direito privado.
A sua qualidade é a de concessionário sob
o regime próprio da concessão que tem entre
seus pressupostos a remuneração tarifária e a
permanência do equilíbrio econômico-finan-
ceiro, como previsto no art. 92 , §§ 22 da Lei
n2 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
A Constituição Federal claramente distin-
gue a modalidade de execução de serviços
públicos de interesse local, a serem prestados
"diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão" (art. 80, nl! V).
Quando tais serviços divisíveis e obrigató-
rios forem diretamente oferecidos pelo pró-
prio Município, aos usuários se impõe o pa-
gamento de taxas como obrigação retributiva.
Se, todavia, são delegados a concessionário
a relação financeira não mais se reveste de
caráter tributário.
O preço a ser auferido pelo concessionário
terá a regência contratual, sob forma executi-
va, a cargo do concedente, ao qual incumbe
determinar o valor da tarifa e de seus reajus-
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tes, dentro do principio cardeal de equilíbrio
da equação econômico-financeira do contrato
de concessão.
Será um contra-senso jurídico admitir-se
possa o concessionário (que não integra o
poder estatal) manter com os usuários uma
relação tributária, com a competência coativa
que é inerente à taxa, expressão da soberania
do Estado.
A Constituição de 1967 - à luz da qual foi
celebrado o contrato de concessão em causa
- era manifesta em que o regime das con-
cessões federais, estaduais e municipais obe-
decia ao principio da previsão de "tarifas que
permitam a justa remuneração do capital, o
melhoramento e a expansão dos serviços e
assegurem o equilíbrio econômico e financei-
ro do contrato" (art. 167, n2 lI).
A estipulação constitucional sobrevive, ain-
da que de forma sintética, no preceito atual
do item IIII do parágrafo único do art. 175 da
Carta de 1988.
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO
em lúcido parecer oferecido à consulente em
julho de 1997, traçou, com nitidez, a peculia-
ridade do regime da concessão, com a intrín-
seca natureza do regime remuneratório que a
caracteriza, excluindo a incidência de taxa:
"A meu ver, a distinção quanto à natureza
da imposição, com base no conceito constitu-
cional de taxa, só é cabível quando o serviço
seja prestado diretamente pelo próprio Esta-
do. Porém, não tem nenhum sentido quando
o serviço é prestado por meio de concessão
ou permissão, porque a esses instituídos é
inerente a cobrança de tarifa. Se a Constitui-
ção permite a prestação de serviço público por
meio de concessão ou permissão, também está
permitindo a cobrança de tarifa. Impor a ins-
tituição de taxa (sujeito ao princípio da lega-
lidade) aos serviços públicos concedidos tor-
naria inviável a utilização da concessão, já
que a taxa é inadequada como meio de asse-
gurar ao concessionário o seu direito ao equi-
líbrio econômico-financeiro.
Afirmar que determinado serviço só pode
ser remunerado por meio de taxa é o mesmo
que afirmar que esse serviço não pode ser
objeto de concessão ou permissão" (pág. 12
do citado parecer).
 IV
A orientação prevalentemente na referida
decisão judicial no sentido da natureza tribu-
tária do pagamento a ser feito pelos usuários
pela prestação de serviços de coleta de esgoto,
como se taxa fosse ao invés de tarifa, importa,
a nosso ver, em erro substancial de classifi-
cação.
A concessionária presta serviço próprio
como obtigação vinculada à concessão e o
usuário deve a ele corresponder pelo paga-
mento de tarifa estipulada pelo concedente.
O inadimplemento, pelo usuário, do paga-
mento de tarifas gera para o concessionário o
direito ao corte e suspensão de ligação, além
da possibilidade de execução da dívida, que
não se exerce mediante ação executiva, como
seria próprio, na hipótese de dívida tributária.
Vedar ao concessionário a percepção da ta-
rifa que custeia e remunera o serviço prestado,
a título de que o preço corresponde à natureza
de taxa, eliminará a substância onerosa da
concessão e importaria, em termos objetivos,
na prestação de um serviço gratuito. com ób-
via inviabilidade da concessão.
Mais ainda destoa do sistema concedido
pretender impor-se ao concessionário a equi-
vocada obrigação de repetição dos valores
havidos pela receita tarifária auferida, sob
ameaça de ação de improbidade administrati-
va e de indisponibilidade de bens de seus
dirigentes. Não terá havido, no caso, cobrança
indevida.
V
Por todo exposto, somos de parecer que a
retribuição dos serviços de esgoto - como
os de água - prestados pela consulente tem
a natureza de tarifas, como indicado no res-
pectivo contrato de concessão, sendo legítima
sua cobrança.
Assim nos parece, data venia do oposto en-
tendimento judicial.
Rio de janeiro, 25 de agosto de 1999
CAIO TÁCITO
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