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CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO

O ESTADO, SUA EVOLUÇÃO E A


REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Guilherme Ferreira Silva

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Olá!
Esta unidade tem como objetivo apresentar algumas formas de Estado, com ênfase no Estado moderno e a

relação com o Sistema democrático. A leitura deve ser realizada pensando o contexto histórico e as

transformações sociais, uma vez que os tópicos iniciais se remetem ao surgimento dos estados e da transição

para a era moderna. Além de outros tópicos, falaremos sobre os Sistemas democráticos e suas variáveis,

trazendo ao estudante a possibilidade de comparar o conteúdo com as informações e notícias atuais. Sugerimos

que o leitor pense o mundo atual a partir dos conceitos debatidos.

Bons estudos!

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1.0 Os tipos de Estados e a evolução histórica
Nina Ranieri (2019) afirma que durante toda a história da humanidade os Estados estiveram presentes em uma

parcela pequena da nossa narrativa. Para chegar a esta afirmação, a autora faz uma separação conceitual na qual

analisa o Estado a partir de quatro características. Segundo ela, uma organização deve ser considerada como

Estado se:

a) for diferenciada de outras organizações em atividade no mesmo território;

b) for autônoma;

c) for centralizada;

d) os seus setores estiverem coordenados (RANIERI, 2019, p. 21).

É importante, desde já, chamar a atenção do estudante que este critério adotado pela autora pode variar

bastante se comparado com outros teóricos de teoria do Estado e, inclusive, se percebermos que os elementos de

um Estado moderno serão outros mais específicos e que abarcam a complexidade do seu tempo.

De toda forma, se observarmos as formações sociais que buscaram instituir uma força orgânica, oriunda de

alguma manifestação política, e chamarmos esse ente de Estado, perceberemos outras formas de Estado mais

remotas que são destacadas por outros autores.

Para compreendermos o processo histórico do Estado e como ele chegou à forma moderna atual, buscaremos

expor os traços dos Estados pré-modernos.

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Fonte: Patrick Poendl, shutterstock, 2020

#PraCegoVer: Estátua da Senhora da Justiça (Justitia) em Frankfurt, Alemanha, vista de baixo

Assista aí

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1.1 Estado antigo

Ranieri (2019) cita como exemplos de Estados antigos o Egito a partir de 1500 a.C., a Pérsia do século V a.C.,

assim como o Japão e a China.

Por outro lado, Sahid afirma que:

Os Estados mais antigos que a história relata foram os grandes impérios que se formaram no Oriente

desde 3.000 anos antes da era cristã. Os maiores e mais antigos foram os que se formaram na Baixa

Mesopotâmia, banhada pelas águas do Tigre e do Eufrates, e no Egito, banhado pelo Nilo. (SAHID,

2009, p. 101).

É em razão destes exemplos citados por Ranieri que Streck e Morais (2014) também chamam o Estado antigo

como oriental ou teocrático. Os referidos autores apontam que eram Estados em que a família, a religião, a força

econômica, e a estrutura estatal se misturavam de maneira indissociável.

Era um Estado que se organizava geralmente pela forma de governo monárquico, com reis, príncipes ou

imperadores, com uma noção de direito em face do Estado reduzida a quase nada, com uma estrutura social de

muitas desigualdades e hierarquias bem marcantes.

Enquanto organização burocrática, não havia divisões. Era um Estado unitário, em que as funções se misturavam

entre aqueles que recebiam mais poderes do soberano, quando este decidia por delegar algumas de suas funções.

A ideologia teocrática guiava não só as vidas particulares como também as relações estatais, que por sua vez

fundava o exercício da força e do governo na explicação divina. Era comum que os líderes dos Estados fossem

considerados deuses na Terra, como no caso dos faraós do Egito.

Maluf (2009) reforça uma ideia que nos parece coerente com os relatos históricos e que afasta qualquer

romantismo na análise do Estados antigos. O autor afirma que um traço comum da época era o conflito constante

entre as formações estatais, que se mantinham pela força das suas armas. Desses conflitos, um Estado anexava o

território do outro ao seu poder, inclusive com a escravização do povo vencido.

Outra característica que o autor aponta, e que decorre deste arranjo político, é que de maneira geral, no Estado

antigo, faltava o elemento de um povo, ou nação, em que as pessoas possuíssem um sentimento de

pertencimento àquele Estado.

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1.2 Estado grego

Os Estado grego, também denominado de Estado helênico, pode ser colocado temporalmente entre os anos dos

séculos IX e IV a.C. A evolução e as alterações neste período foram grandes, o que necessita demarcar alguns

fatos para além das características gerais deste modelo de organização social e estatal de muita importância para

a sociedade ocidental.

A partir do século IX a.C., a Grécia era governada na forma monárquica e no modelo patriarcal. O Estado era

formado por cidades que possuíam grande independência entre elas.

Uma característica que geralmente é imaginada pelos estudantes é que o Estado grego seria democrático. Esse

pensamento não pode ser assumido de forma literal, principalmente se o parâmetro do conceito de democracia

for pensado como nos dias atuais.

Sahid destaca, neste sentido, que:

O Estado grego antigo, geralmente apontado como fonte da democracia, nunca chegou a ser um

Estado democrático na acepção do direito público moderno. O próprio Estado ateniense, no auge da

sua glória, sob a liderança de Péricles, apresentava, na sua população de meio milhão de habitantes,

cerca de 60% de escravos, sem direitos políticos de qualquer espécie, além de cerca de 20.000

estrangeiros. Resumiam-se a pouco mais de 40.000 os cidadãos que governavam Atenas e

constituíam a soberania do Estado. (Sahid, 2009, p. 105).

Por outro lado, Lopes, Queiroz e Acca (2013) mostram como alguns elementos que hoje são símbolos da

democracia surgiram no Estado grego, como o julgamento realizado no júri, o qual é decidido por cidadãos e

demonstra a igualdade entre os pares, e a deliberação de decisões políticas em ambientes públicos, que

representa a democracia direta.

Nina Ranieri (2019), por sua vez, diz que as cidades-estados desenvolveram a democracia dos antigos, aquilo

que Said traz como o Conselho dos cidadãos, um autogoverno com decisões que eram tomadas na ágora, as

praças públicas da época.

Os Estados-cidade, também conhecido como polis, passaram por transformações e assumiram formas diversas

de governo, até mesmo com a república democrática direta. De toda forma, a aristocracia sempre teve papel

importante nos governos gregos. A autora destaca que a forma de criação identitária do cidadão grego era

voltada para o passado, sendo que era necessário a manutenção do seu vínculo com a cidade, sem uma noção de

autonomia semelhante com a que temos hoje.

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Neste processo de evolução, Maluf (2009) aponta que no século IV o Estado ateniense editou seu conjunto de

leis, semelhante ao papel de uma Constituição, e instaurou a Assembleia dos Cidadãos, que passa a assumir o

principal papel político no Estado, o que trazia a substituição do Conselho de Anciãos, com características

nitidamente aristocráticas.

Outro traço marcante do Estado grego era a separação das leis e da esfera pública com a religião. Apesar de uma

narrativa mítica que inspirava o pensamento filosófico e político, as leis eram necessariamente pautadas em

algum fundamento racional.

A filosofia, por sua vez, que trouxe uma herança ao mundo ocidental imensurável, é um traço marcante do

Estado, inclusive com os pensadores sendo ouvidos pela população e pelos governantes à época.

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1.3 Estado romano

O Estado romano perdurou por longo período (754 a.C. a 565 d.C.) e teve grande importância no mundo

ocidental, inclusive com influência no mundo oriental, uma vez que o império romano conquistou território do

lado oriental da Europa, norte da África e parte da Ásia.

Roma passou por governos diversos neste período. Apesar de ser conhecido como período do Império Romano,

houve governos monárquicos, republicanos, principados e o imperial. Sahid Maluf (2009) traz que inicialmente o

Estado romano era monárquico, do tipo patriarcal, tendo evoluído da realeza hereditária para a república, com a

presença do Estado-Cidade chamado civitas.

Ranieri (2019) diz que umas das razões da duração do Estado romano deveu-se à organização em bases

municipais e ao exercício de um poder político soberano, exercido por um único detentor.

Importante neste cenário político é a forma com que os romanos aceitavam costumes locais como regras válidas,

ainda que os municípios incorporados ao império tivessem que se submeter ao poder central. Dessa forma foi

possível, ao contrário do que ocorreu ao povo do Estado grego, incorporar as pessoas dos locais dominados.

Neste sentido,

A partir do século III a.C., foram denominados municipia os territórios pertencentes a comunidades

originariamente independentes que, incorporados ao território estatal romano, perdiam a natureza

de civitas. Às municipia eram impostos certos serviços e prestações (denominados munera capere) e

exigida a submissão às leis romanas, garantindo-se, contudo, certa autonomia, que se expressava

pela preservação de normas e costumes locais preexistentes. Tal garantia foi especialmente notada

no campo das relações privadas, mas também na organização administrativa. Esta, exercida pela

magistratura e pelas corporações locais, independentemente da forma de incorporação dos

habitantes à cidadania romana, não incluía direitos políticos (em especial o direito de voto) até

prova de inconteste fidelidade e progressiva latinização. (RANIERI, 2019, P. 27).

O império romano conseguia concretizar as três formas de governos propostas por Aristóteles, sendo que a

realeza era formada pelos cônsules, a democracia pelos cidadãos em comícios e a aristocracia através do Senado.

Maluf também anota características importantes sobre os direitos e função do Estado romano:

O Estado romano, muito semelhante ao Estado grego, tinha suas características peculiares: distinguia

o direito da moral, limitando-se à segurança da ordem pública; a propriedade privada era um direito

quiritário que o Estado tinha empenho em garantir; o homem gozava de relativa liberdade em face

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do poder estatal, não sendo obrigado, praticamente, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei; o Estado era havido como nação organizada; a vontade nacional era a fonte legítima

do Direito. (SAHID, 2009, p. 111).

O papel dos comícios, apesar de variar durante o império, no período republicano teve alguma importância,

tendo sido determinante na aprovação de algumas leis. Por outro lado, os magistrados representavam aqueles

que mais poderes políticos tinham em Roma, sendo as pessoas que realmente governavam o império.

Um estudo aprofundado do Estado romano certamente remeterá o estudante a elementos históricos da

formação do Direito enquanto ciência, bem como a origem dos institutos que são adotados hoje na esfera

jurídica. Anotamos aqui a importância de todo este período para a sociedade ocidental e aquele que deseja ser

um operador do Direito com um conhecimento sólido e aprofundado.

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1.4 Estado medieval

O período medieval é compreendido entre os séculos X e XV, apesar da diferença das datas compreendidas

conforme cada autor.

O Estado medieval teve três elementos presentes que o caracterizaram: o cristianismo, as invasões bárbaras e o

feudalismo (STRECK e MORAIS, 2014).

A igreja católica é sempre citada como um elemento político de grande influência na organização estatal durante

este período. O fato de ter sido uma organização que sobreviveu durante um momento em que os poderes

centralizados foram dissipados deu a ela uma vontade organizacional, perpassando de forma horizontal por

diversos núcleos de poderes da época.

Assim, após as invasões bárbaras e dos povos árabes pelo Europa, e com o fim do império romano, faltaram

poderes políticos organizados e que conseguiram manter-se. Foi o que acabou por dar origem aos feudos.

Os feudos eram grandes porções de terras de propriedade do senhor feudal que tinham em sua extensão os

vassalos, que produziam nos feudos em troca do uso das terras e de proteção. A relação era, portanto,

estritamente contratual, na qual um cedia o uso das terras e proteção militar em troca de produção de alimentos

e suprimentos básico para a vida à época.

Morais e Streck apontam as seguintes características deste novo sistema:

A – permanente instabilidade política, econômica e social;

B – distinção e choque entre poder espiritual e poder temporal;

C – fragmentação do poder, mediante a infinita multiplicação de centros internos de poder político,

distribuídos aos nobres, bispos, universidades, reinos, corporações, etc.;

D – sistema jurídico consuetudinário embasado em regalias nobiliárquicas;

Relações de dependência pessoal, hierarquia de privilégios. (STRECK e MORAIS, 2014, p. 25).

Desse processo histórico não é possível afirmar como cada feudo funcionava e como essa relação estatal se dava

além de tais elementos que se resumiam ao poder destes senhores feudais. De toda forma, um elemento do fim

da idade média que acabou sendo determinante para o modelo absolutista que seguirá é o fato de senhores

feudais terem realizado conquistas territoriais, anexando outros feudos aos seus e, assim, formando-se pequenos

reinos hereditários.

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1.5 Estado moderno

A modernidade é compreendida por muitos com a queda de Constantinopla em 1453 e por outros com a

conquista das Américas a partir de 1492. Destacamos que ambos os fatos históricos são de grande importância e

representam a abertura da Europa para o resto do mundo.

O primeiro deles abre a Europa para o oriente ao passo que acaba com o monopólio da rota comercia por

Veneza, enquanto o segundo abre para a Europa um mundo ainda inexplorado, com possibilidades ainda

desconhecidas de conhecimento e comércio.

Estes fatos vão ao encontro de um pensamento filosófico que retiraria Deus do centro das explicações e colocou

o homem racional como detentor do poder de explicar, dominar e até mudar a natureza. Ainda, encontra amparo

em uma nova classe social que estava em ascensão, a burguesia, que necessitava de um Estado que garantisse

segurança e previsibilidade nas relações militares e tributárias, para lograrem êxito em suas atividades.

Outro fator que deve ser pensado é o advento de teorias que consagraram a ideia de um Estado absolutista,

sendo destaque junto com as teorias contratualistas para a compreensão do Estado como temos hoje.

Mário Lúcio Quintão Soares traz que,

Assim, o poder dos senhores feudais decaiu, diretamente ameaçado pela extinção gradual da

servidão. O resultado disso foi o deslocamento da coerção política, em um sentido ascendente, rumo

a uma cúpula dotada de poder centralizado e militarizado: o Estado absolutista. (SOARES, 2011, p.

79).

Este Estado absolutista passa por algumas fases distintas, sendo que, se por um lado decorre de uma evolução

dos reinos feudais, por outras teorias foram sendo desenvolvidas e solidificadas pela Europa que exigiram

justificações dos reis. Neste sentido, as teorias expostas na Unidade II mostram como os contratualistas

trouxeram explicações sobre o poder do Rei e os limites existentes sobre eles.

As monarquias absolutas encontraram nas Constituições e declarações de direitos fundamentais uma

limitação e uma forma de Estado agora enquanto ente.

Soares (2011) diz que este Estado moderno apresenta duas características marcantes em seu surgimento, ou o

que podemos anotar como a fase de transição, que são o aparato administrativo de forma burocrática, e que

presta alguns serviços públicos, e o monopólio legítimo da força que poderá ser exercido contra todos que

estão sob a égide de um determinado Estado.

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Neste contexto, o pensamento liberal também está presente e é utilizado para justificar um Estado que detenha

este monopólio do poder para que o livre comércio seja exercido. Apesar de parecer paradoxal em um primeiro

momento, a burguesia percebe que somente com um Estado único e centralizado seria possível garantir

segurança e previsibilidade tributária para o exercício livre de suas atividades. Aqui o Estado moderno cumpre

um papel fundamental, que é afastar qualquer poder paralelo. Contudo, ele o faz sempre pautado em um

liberalismo político-econômico de contenção sobre o papel deste poder estatal.

Destacamos que, em nossa visão, a Paz de Westphalia (em 1648) pode ser considerada o principal fato desta

transformação estatal eque solidifica os Estado e seus elementos da era moderna. Paz de Westphalia é o nome

dado aos tratados assinados após a Guerra dos Oitenta Anos e a Guerra dos Trinta Anos, em que Estados

católicos e protestantes disputavam territórios e governos.

Tal fato é de grande importância para o surgimento do Estado moderno, pois os tratados firmam a necessidade

de territórios para a formação de Estados, inclusive com a delimitação destes territórios e de quem os dominava.

Desta característica também resultou no reconhecimento de poderes políticos soberanos sobre cada território.

Com o acordo de não invasão entres os Estados, foi criado o princípio: hujus regio, ejus religio (na região deles, a

religião deles).

O Estado passa a ser uma pessoa artificial, e com essa entificação também surgem características comuns que

são identificadas pela Teoria Geral do Estado e que, apesar da divergência de nomenclatura de autor para autor,

geralmente se estruturam em três elementos: a população, o território e o governo soberano. Eis o advento o

Estado moderno.

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2.0 O Estado e seus elementos constitutivos
Conforme abordamos no tópico anterior, o Estado manifestou muitas formas de organização e de governo, sendo

certo que muito mudou para ser o que identificamos hoje. Por outro lado, é com o advento da modernidade e o

fim da Idade Média que o Estado toma a forma conceitual que adotamos na Teoria do Estado atual.

Apesar disso, alguns autores divergem quanto aos elementos que compõem o Estado e como encará-los. Por isso,

alertamos o estudante que faça uma leitura aprofundada sobre o tema que é cerne da disciplina. Por ora,

traremos a posição que compreendemos ser a mais acertada, e que sintetiza o que os principais autores

brasileiros concluem.

É importante perceber que esses elementos são essenciais para a constituição de um Estado, o que significa

afirmar que eles possuem implicações práticas no reconhecimento do organismo estatal, seja no âmbito interno

e externo. Ou seja, para que possamos chamar uma sociedade de Estado será necessária a cumulação

destes três elementos: o território, a população e o governo soberano.

Antes de explicarmos cada um destes elementos, frisamos o que Soares (2011) traz sobre a personalidade

jurídica do Estado. A teoria que aborda tal concepção, de que o Estado é uma pessoa jurídica, foi inicialmente

concebida por Gierke, Gerber, Jellinek, entre outros. Nela, o Estado seria uma pessoa em si, que ganharia um

status jurídico em virtude de sua organização, com o elemento subjetivo composto pelo seu povo, em um

território delimitado que é a representação corpórea e o governo soberano que exerce a manifestação de

vontade dessa pessoa.

Por último, é necessário tomar nota que alguns autores acrescentam um quarto elemento para a constituição do

Estado. Nina Ranieri, por exemplo, considera que a finalidade é um outro elemento essencial na formação estatal.

Geralmente, os autores que buscam a finalidade como um elemento estão ligados a uma análise mais jurídica das

relações estatais, como Hans Kelsen e Miguel Reale.

Essa finalidade é a própria fundamentação da existência e das ações da organização pública: é o fim para o qual o

Estado é criado e explica sua existência. Nina Ranieri afirma que “atualmente, a proteção da dignidade humana e

a promoção dos direitos fundamentais prevalecem como fins do Estado.” (RANIERI, 2019, p. 135).

Assista aí

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2.1 Território

Azambuja afirma que o território é o próprio corpo físico do estado, um espaço físico que o compõe. É a partir

deste limite que é, em regra, reconhecida a soberania estatal e suas relações jurídicas internas podem ser

formadas.

Faz-se importante perceber que o território é um dos principais critérios para adoção de uma lei. Ou seja, a regra

é que em todo o território é aplicada a lei do Estado.

De início, o referido autor já nos aponta como é essencial o elemento territorial, e traz como um exemplo de

negação o que o povo judeu viveu até o fim da Segunda Guerra Mundial. Assim, ainda que aquele povo tivesse

alguma forma de liderança com poderes políticos, a ausência de um território impedia-lhes de serem

considerados como um Estado.

Essa noção de território, enquanto elemento, surge com a organização westfaliana, como mencionamos

anteriormente. Dessa forma, o reconhecimento por meio de tratados entre os Estados de que há uma porção de

terras que pertence a um deles, e que o outro não o violará, é de grande importância para a compreensão desta

característica nos Estados modernos.

No plano da teoria do Estado, há relevância no estudo sobre as fronteiras, pois em muitos casos elas são

disputadas e podem ser alteradas (são as chamadas fronteiras vivas). Essas áreas de disputas geram tensões e

conflitos, inclusive com a possibilidade de surgir destes espaços geográficos fronteiriços um novo Estado.

Mário Lúcio Quintão Soares destaca duas características básicas do território estatal:

•A delimitação ou o estabelecimento de limites ao poder territorial do Estado: implica um tríplice

significado na vida internacional: é o fator de paz, sinal de independência e elemento de segurança.

Uma zona geográfica fechada possibilita e estimula a criação e solidificação de uma entidade

sociopolítica hermética na qual a vizinhança atuará unindo para dentro e diferenciando para fora;

•A estabilidade: seus limites não se alteram com frequência e a sua população sedentária, submetida

a uma relativa semelhança de condições espaciais de ordenação e vida, pode superar disparidades

sociais, econômicas e nacionais. (SOARES, 2011, p. 121).

Esse território é, portanto, um pedaço físico de terra com seu subsolo e também a atmosfera que o cerca. Inclui-

se os rios, lagos e os mares, conforme tratados internacionais. Contudo, só a partir do momento que há a

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ocupação do ser humano sobre essas terras é que faz sentido mencionarmos que essa área é um elemento

estatal, pois é necessário que o poder soberano seja ali exercido, o que inclui a possibilidade de aplicação do

direito, tecnicamente denominada como jurisdição.

Antigamente falava-se que havia uma relação de propriedade entre o príncipe e o território. Hoje fala-se em uma

relação de imperium. Isso pelo poder que o Estado tem sobre seu povo. A teoria recebe crítica pelas exceções,

como os navios mercantes em alto mar, como aponta Azambuja, que também critica ao afirmar que não há nem

puramente uma propriedade e nem esse império. É na verdade um elemento.

2.2 Poder soberano

As sociedades e organizações humanas acabam se organizando por meio de relações de poderes, que se

manifestam em busca de uma ordem e algum nível de hierarquia. Esses poderes, por sua vez, são a dinâmica da

política, que é essa ordem do poder. É nessa política que surgem os governos soberanos. O governo estatal

possui uma força, uma coação irresistível em relação aos indivíduos e é independente em relação aos demais

Estados. Sobre o tema, remetemos o estudante à Unidade II.

E este poder soberano como elemento estatal exige que essa relação de poder esteja presente em um território

para identificarmos ali um Estado. Um exemplo de território que tem povo e governo mas que não é estado são

os estados-membros, uma vez que eles não possuem soberania, apenas autonomia.

A soberania, portanto, é o poder supremo do estado, que não tem poder semelhante em seu território

competindo com ele. Didaticamente, dividimos esse poder em dois tipos:

soberania interna

a relação do poder com aqueles que vivem no Estado

soberania externa

a relação do Estado com os demais Estados no âmbito internacional, apesar de a soberania ser indivisível,

cientificamente.

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2.3 Povo

Povo é o elemento humano, ou subjetivo, do Estado. É o agrupamento de pessoas que, ao ganharem

complexidade, formam uma sociedade com funções e interesses diversos, mas que convergem para possuir um

mínimo de estabilização social. Há nesta relação entras as pessoas e o Estado um vínculo jurídico.

Alguns autores, como Azambuja (2008), diferenciam o povo da nação. Este último conceito remete a um

conjunto de pessoas com origem comum, unidos por um sentimento e aspirações comuns, um sentimento

complexo muitas vezes traduzido como patriotismo.

Há países que abrigam várias nações, e nações divididas em mais de um país. Apesar do caráter idealista que o

termo nação pode ser compreendido, existem nações pelo mundo. E estes exemplos mostram que o elemento da

nação não está necessariamente ligado à identificação dos Estados, por isso Azambuja (2008) afirma que a nação

não é necessária para constituir o Estado, mas um elemento importante para a grandeza de um Estado.

O Princípio das nacionalidades, advindo pós revolução francesa, traz que toda nação teria o direito de se

tornar um estado. Contudo, a prática não mostrou êxito nesse princípio, ainda que na teoria seja muito aceito. A

dificuldade de se estabelecer realmente o que é uma nação e separar movimentos oportunistas de separação

dificultam a aplicação do princípio.

2.4 O Estado democrático

Nina Ranieri afirma que “O Estado democrático, como tipo específico de Estado moderno, caracteriza-se por

associar a supremacia da vontade popular à garantia da liberdade e à igualdade de direitos” (RANIERI, 2019, p.

315).

É importante perceber que essa noção de Estado democrático parte de uma ideia de democracia liberal

enquanto elemento do Estado de direito. Enquanto isso as pessoas formam a soberania e a ideia de que a

população é livre e que são formalmente iguais, sendo que o direito deve ser aplicado igualmente a todos.

Esta concepção pode ser lida, revisitada, criticada e até ter nova significação de acordo com o paradigma estatal

que será conjugado, razão pela qual estes elementos podem ser ampliados e ressignificados.

Neste sentido, é comum vermos outros elementos que configurariam um Estado democrático, como o direito ao

voto, a cargos públicos, liberdade de manifestação e imprensa, além de instituições livres, independentes e, a

depender, autônomas.

No próximo tópico abordaremos modelos de democracia e traremos algumas reflexões, bem como trataremos

das Constituições na Unidade IV. Por isso alertamos ao estudante que visite estas partes para uma melhor

compreensão do Estado democrático.

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3.0 Modelos de democracia
Mário Lúcio Quintão Soares (2011) traz a origem do termo do grego, demokratia, que remete ao período da

Grécia antiga e à participação direta daqueles que eram considerados cidadãos autônomos. Assim, a origem do

termo remete à ideia da participação popular na governança do Estado.

A democracia é vista, portanto, como o governo do povo e as possibilidades dos cidadãos participarem do

governo.

Fique de olho
Apesar de o termo democracia ser usado cotidianamente por acadêmicos, juristas, jornalistas,
cidadãos em seu cotidiano, há uma variação de significações que merecem atenção. Assim,
apesar da possibilidade da síntese apresentada acima, é sempre importante que o estudante
conheça diversas teorias sobre os sistemas democráticos.

Fonte: Minoru Suzuki, Shutterstock, 2020

#PraCegoVer: Pessoas em manifestação na rua vistas de costas.

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3.1 Democracia representativa

A democracia representativa é uma conquista das revoluções do final do Século XVIII, concebida como uma

forma de acabar com privilégios e não permitir um governo de poucos para poucos.

Neste sentido, o direito fundamental ao voto era importante para que o povo pudesse escolher quem o

representaria. James Madison ainda destaca que as eleições deveriam ser periódicas para que a soberania

popular fosse realmente efetiva (RANIERI, 2019, p. 318).

John Stuart Mill (Ranieri, 2019) também escreveu sobre O Governo Representativo, em 1861, e cunhou o termo

democracia representativa, além de abordar o tema de forma sistemática.

O autor destacou que, além de não ser possível uma democracia direta em Estados que possuem mais que uma

cidade pequena, na representatividade deveria ser garantido que minorias pudessem se ver representadas, para

evitar uma tirania da maioria (Ranieri, 2019, p. 319).

Dessa forma, a democracia representativa teria algumas características em comum para possibilitar a

participação popular e garantir também a representatividade das parcelas de pessoas e suas diferenças.

Podemos afirmar, assim, que a democracia é indireta, pois o governo é gerido por representantes, e que é

comum um pluralismo partidário que consiga trazer a representação das minorias.

Devemos observar que, apesar de teoricamente a democracia representativa ter ganhado voz na transição para o

século XX, na prática ela não era aplicada, visto que poucos votavam no mundo ocidental. Apenas na

segunda metade do século é que a maioria dos países avançaram neste sentido.

Para ilustrar, vale destacar que no Brasil a mulher só passou a escolher seus representantes a partir da

Constituição de 1946, apesar de uma década antes ter tido o direito de voto na Constituição de 1934. Nos

Estados Unidos da América, por sua vez, os negros não votavam em sua totalidade até os movimentos civis da

década de 1960.

Outro ponto que merece ser pensado sobre a democracia representativa é que ela vem passando por crises.

Rousseau (Ranieri, 2019) afirmou que a democracia enquanto realizada por representantes deixa de ser um

autogoverno, uma vez que a vontade não se representa, mas só pode ser manifestada em sua plenitude se feita

diretamente. Essa perspectiva anuncia teoricamente aquilo que muitos autores têm chamado de crise de

representatividade, e que demanda outros arranjos democráticos.

A crise da democracia também ocorre de maneira constante na história da América Latina, incluindo aqui no

Brasil. Avritzer (2018) afirma que o valor que a sociedade brasileira dá à democracia é relativo aos valores e

prioridades dadas pelo governo. O governo que segue um caminho que destoa das forças políticas do momento

acaba sofrendo com instrumentos antidemocráticos. Tivemos a oportunidade de destacar como nossa história é

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pautada em medidas de exceção que suspendem os instrumentos democráticos, e como 21% da população

brasileira não tem aversão à ideia de uma intervenção militar para solucionar os problemas socioeconômicos de

forma autoritária (CRUZ e SILVA, 2018).

No Brasil essa crise ficou evidencia desde as manifestações de julho de 2013, enquanto a população, de forma

geral, manifestou uma forte crítica ao sistema partidário, por não se sentir representada.

3.2 Democracia direta

O modelo da democracia direta, em que os cidadãos possuem o direito de participar diretamente das instituições

públicas, pode ser percebido como uma forma que não mais existe nos Estados modernos, em virtude da

complexidade e do seu tamanho, mas também pode ser visto por meio de instrumentos de participação que vão

além da representatividade e, por isso, recebem hoje o nome de democracia participativa.

Esse modelo, na atualidade, surge como resultado da crise da democracia participativa e como uma crítica à

democracia apenas enquanto forma, e exige que nos instrumentos de governo seja efetivada a

representatividade e a participação das pessoas nos rumos do Estado.

Dessa forma, enquanto a democracia direta em sua essência era o exercício direto do governo pelos cidadãos

gregos, hoje os instrumentos de participação são implantados em graus, e possibilitam o cidadão de participar

das decisões públicas para além do voto.

O Brasil possui alguns mecanismos de participação direta do povo e, por mesclar a representatividade com estes

instrumentos, é chamado de democracia semidireta.

Podemos elencar algumas formas de participação do povo no governo brasileiro, como os orçamentos

participativos; o controle social da administração pública; os conselhos gestores como o de saúde, do meio

ambiente e de educação; o tribunal do Júri; a lei de acesso à informação e a lei de transparência, dentre outros.

A Constituição Federal, por meio do art. 14, deu destaque para três formas de participação direta que são o

plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2015) explica que o plebiscito é uma consulta extraordinária para alteração de

medidas de base da ordem estatal, como formas de Estado ou de governo. Enquanto o referendo é o poder de

aprovar leis após elas terem sido feitas pelo poder legislativo, podendo ser também a extinção de uma lei.

A iniciativa popular de lei é uma maneira de, a partir de critérios formais, o próprio povo propor uma nova lei,

que será aprovada ou não pelo Poder Legislativo. No Brasil, o caso de destaque foi a famosa Lei da Ficha Limpa,

que essencialmente alterou a Lei Complementar nº 64, de 1990.

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3.3 Democracia deliberativa

Bittar (2016) afirma que a democracia liberal representativa se mostrou insuficiente e em crise. A falta de

representatividade e o sentimento de distância entre eleitores e seus representantes trouxeram a necessidade

de o sistema político se reinventar, e regimes políticos adotarem novos mecanismos de participação popular.

Vários autores da segunda metade do século XX e dos dias atuais se debruçam em debates sobre mecanismos e

procedimentos nos quais as pessoas poderiam efetivar a democracia: de terem participação, verem seus direitos

fundamentais serem garantidos na esfera pública e, como consequência, serem parte das decisões de interesse

social.

Na divisão de ondas geracionais de direitos humanos, essa democracia deliberativa entra como um dos direitos

essenciais de todos os indivíduos em face do Estado, que deve garantir formas de participação e de construção

dos projetos de vida por todos os cidadãos que compõe o Estado. É o sentido material da democracia sendo visto

a partir de procedimentos verticais e horizontais das tomadas de decisão.

Neste sentido, a democracia deliberativa não se dissocia da democracia participativa e possui instrumentos dela.

Todavia, ela valoriza o processo comunicativo e de amadurecimento da esfera pública. A democracia é vista para

além da escolha em si.

Uma dessas teorias, que podemos chamar de prodimentalista (CRUZ, 2016), é defendida por Habermas. Ela

defende um processo comunicativo de deliberação que extrapole a mera formalidade da representatividade, que

seja uma busca contínua por mais legitimidade nos processos de criação das leis, da execução de políticas

públicas e até das decisões judiciais.

Para o autor, o legislativo ainda cumpriria o papel de lugar para se estabelecer as normas que garantam a

participação de todos.

Robert Dahl (Ranieri, 2019), por sua vez, desenvolve uma teoria da poliarquia e destaca a accountability como

amadurecimento da democracia. O termo, que não possui uma tradução precisa no português, traz elementos do

que Robert Dahl quis trazer como poliarquia, que por sua vez seria a capacidade de uma sociedade

responsabilizar-se por todos os seus cidadãos.

No Brasil, accountability tem sido associado à obrigação de transparência e prestação de contas dos agentes

públicos em suas ações, bem como a responsabilização efetiva por seus erros. Neste sentido, alguns

instrumentos conjugados trariam um grau maior de responsabilidade de todos os cidadãos pelo regime político

e pela esfera pública.

É possível classificarmos accountability em dois tipos:

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Accountability vertical

que seria a possibilidade de os eleitores pedirem contas a seus representantes;

Accountability horizontal

que seria a prestação de contas dos governantes aos órgãos de controle e às instituições criadas com tal objetivo.

A democracia deliberativa necessita dessa percepção de responsabilização para incluir todos nesse processo

democrático. É possível afirmar que nesta ótica a democracia não é apenas um conceito formal ou material, mas

um processo contínuo de permanente revisão de seus instrumentos.

Fique de olho
A noção de accountability não é encontrada facilmente em textos jurídicos. Apesar disso, a
administração pública vem estudando mecanismos que passam diretamente por regramentos
estatais e pelo direito. O estudante ligado na prática do Estado necessariamente terá de
perceber que mecanismos de accountability e compliance são centrais no debate atual.

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4.0 Representação política
Como trouxemos no tópico sobre a democracia, um dos modelos mais usuais de democracia adotados no mundo

moderno é o sistema representativo. Esse sistema passa por crises e críticas desde o momento que passou a ser

adotado. Contudo, ele se mostra como um mecanismo possível para que a soberania popular seja exercida com

um conteúdo mínimo.

A representação política não exclui as possibilidades e instrumentos de participação direta e deliberativa, mas

tem sido considerada como inevitável diante de um Estado tão plural e com a quantidade populacional que os

Estados contemporâneos possuem.

Na próxima unidade traremos os partidos políticos como institutos que foram criados juntamente com o avanço

e implementação da representação política. Os partidos trazem consigo a possibilidade de aglomeração de

pessoas por identificação de posições políticas e o fortalecimento das representatividades, enquanto, por outro

lado, também reduzem as individualidades e complexidades sociais e identitárias.

Nos sistemas de representação temos também as eleições que merecem um destaque em nossos estudos.

Assista aí

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4.1 As eleições

As eleições são os procedimentos para a escolha daqueles que representarão a vontade popular.

Como já abordamos, Madison dizia que não basta que tenhamos eleições: elas precisam ocorrer de forma

periódica, com a possibilidade de alternância do poder, com poderes e organizações diversas que possam

participar da esfera pública, com vistas a impedir uma hegemonia de um único pensamento de forma autoritária.

Streck e Morais (2014) apresentam três grandes sistemas eleitorais que são utilizados para a escolha dos

representantes populares, sendo que o ordenamento jurídico brasileiro adotou dois deles, razão pela qual vamos

nos ater a estes.

O primeiro é o sistema majoritário, em que o cargo público será ocupado por aquele candidato que tiver mais

votos. Assim, este mecanismo privilegia a escolha a partir do conceito de maioria, em que aqueles que fazem

parte do maior grupo é que poderão escolher quem exercerá aquele posto político.

A depender de como o sistema se organizar, é possível encontrarmos mecanismos de escolha pela maioria

absoluta ou relativa. No caso da maioria absoluta, para ela ser alcançada é necessário que o candidato tenha um

total de votos maior do que 50%, razão pela qual é comum nestes sistemas eleitorais você ter segundo turno.

No Brasil, os cargos de presidente, governador, senadores e prefeitos de Municípios com mais de duzentos mil

eleitores, é necessário que ocorra a maioria absoluta dos votos válidos para estes cargos. Por tal razão, quando

não há essa maioria no primeiro turno, haverá um segundo turno eleitoral, entre os dois mais votados no

primeiro e, assim, necessariamente teremos uma maioria de votos válidos para um dos dois candidatos.

É importante perceber que este sistema compartilha com os eleitores a responsabilidade da escolha do

vencedor, ao passo que ao menos a metade deles terá escolhido aquele que assumirá os cargos de chefe do

executivo, já que tal posto não pode ser exercido senão por uma única pessoa, ao contrário do sistema

proporcional.

Por outro lado, é possível que as eleições se deem de forma proporcional, sistema este originário na Bélgica

(STRECK e MORAIS, 2014), que busca efetivar o princípio da pluralidade política ou partidária.

É certo que a sociedade é plural, John Rawls (2002) afirma que esta é uma premissa a qual todos os cientistas

políticos do mundo contemporâneo não podem fugir.Para construirmos uma sociedade que seja plural e

democrática, são necessários mecanismos em que possamos escolher parcelas de representatividades da

sociedade que possuam algum quantitativo mínimo em relação proporcional aos cargos disputados.

Neste sentido, considerando o caráter e a função do legislativo de representar a população, criar normas e

fiscalizar o representante da maioria, é que no sistema eleitoral brasileiro a escolha dos deputados e vereadores

é feita por meio deste sistema proporcional.

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Veremos mais à frente que os partidos políticos e o sistema multipartidário que adotamos vai ao encontro desta

forma eleitoral por possibilitar que as pessoas se aglutinem em torno de uma legenda e consigam escolher

quantos representantes legislativos lhes forem proporcionais em relação à quantidade de cargos disponíveis.

É por isso que no art. 1º da Constituição Federal o Poder Constituinte deixou expresso que um dos fundamentos

da República é o pluralismo político, resguardando os princípios da diversidade e sua possibilidade de

representação política.

4.2 O voto

O tema do voto pode ser analisado de algumas formas diferentes, sendo possível encontrarmos três palavras

distintas que estão relacionadas ao ato de escolha dos representantes, mas que precisam ser separadas e

conceituadas adequadamente.

O voto também é dito como sufrágio ou escrutínio. Ocorre que o sufrágio é direito de votar e ser votado.

Assim, como regra geral, no Brasil todos os cidadãos possuem o direito ao sufrágio universal, cabendo algumas

exceções quanto a requisitos e impedimentos decorrentes do próprio texto constitucional, uma vez que trata-se

de um direito fundamental.

Sahid Maluf (2009) observa que a expressão universal é vista de uma forma relativa, e dirige-se a uma

universalidade de competências. Segundo ele, se levássemos à literalidade do termo, o Brasil não seria um país

com o sufrágio universal, pois estão excluídos desta classe de direitos os estrangeiros, os menores de 16 anos e

os conscritos durante o período do serviço militar obrigatório.

De toda forma, estas restrições se justificam dentro da lógica constitucional e direitos humanos atual, sendo

exceções aceitas nestes âmbitos argumentativos. A título de exemplo, o Brasil abarca como titular de direito ao

sufrágio os analfabetos desde o ano de 1985, o que demonstra a inclusão da diversidade e não exclusão por

critérios censitários.

Por outro lado, o escrutínio é a forma pela qual o voto se manifesta, o procedimento para que o voto seja

dado. No Brasil o voto é secreto, público e por meio das urnas eletrônicas.

Sob esta perspectiva jurídica, o voto é o exercício do sufrágio na sua modalidade ativa, que é votar, enquanto

na modalidade passiva é o direito de ser votado.

O voto, enquanto a manifestação deste direito, carrega consigo um símbolo de lutas e um processo histórico

indissociável da democracia. A luta das mulheres pelo direito de votar pelo mundo, ou dos negros em países que

foram colonizados, são exemplos de como a democracia representativa, ainda que seja um parâmetro mínimo,

tardou a chegar nos países, ainda que apenas nos ocidentais considerados como democráticos.

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5.0 Alexis de Tocqueville e o regime democrático
Alexis de Tocqueville (1805-1859), francês, tem destaque teórico por ter conhecido os Estados Unidos da

América e, a partir de um olhar empírico, desenvolvido uma análise sobre a liberdade e a democracia na

América.

Desta perspectiva o autor compara os processos revolucionários e os sistemas políticos na Europa com a

América do Norte. Bittar destaca o diferencial do autor da seguinte forma:

Sua originalidade reside no fato de ter sido o empreendedor que, com meticulosa dedicação, soube

viajar, colher evidências, apontar diferenças comparativas com outros sistemas políticos e descrever

a América em seu nascimento, e a própria democracia americana (como modelo) em pleno berço de

crescimento. Sua tarefa foi a de beber na fonte límpida para dela descrever as delícias. (BITTAR,

2016, p. 261).

O autor usa de sua viagem para colher o máximo de informações e, ao descrever, também comparar a

democracia encontrada na américa com os problemas na Europa que dificultaram a consolidação de uma

democracia que poderia conciliar liberdade e igualdade.

Tocqueville (BITTAR, 2016) afirmou, assim, que para a democracia realmente acontecer é necessário que haja

liberdade, igualdade e soberania popular. Aqueles que fundaram as treze colônias e lutaram pela liberdade, até o

momento de formarem o federalismo, buscaram novos modelos, uma vontade de romper com as antigas

instituições da Europa e criar um novo mundo.

A igualdade aparece como condição para todos buscarem seus projetos de vida. O sentimento patriota aparece

com importância para Tocqueville, que apontou que a igualdade enquanto valor garantia, por outra via, a

efetividade da noção de soberania popular.

Ao contrário dos modelos meramente teóricos, nos Estados Unidos da América há a percepção de que todos são

iguais e de que desse povo é que decorria a soberania enquanto poder político estatal. A manifestação do Estado,

de suas leis e de sua força extraí das pessoas, iguais entre si, a legitimidade para garantir a liberdade de todos. A

democracia exige, também, uma soberania justa, que não se paute em abusos, nem mesmo em nome de maiorias.

A justiça é o limite do direito dos homens.

- 26 -
Um outro ponto também observado pelo autor, e que difere o país dos outros na Europa, estaria ligado à menor

desigualdade de riquezas. Se para haver democracia é necessário garantir a igualdade, por outro lado a redução

das desigualdades, como na América do Norte, seria outro fator importante para o desenvolvimento democrático

neste Estado.

Tocqueville (BITTAR, 2016) tinha encontrado um país em que havia uma pluralidade ideológica, uma nação com

diversas associações cíveis que lutavam por seus direitos e representatividade, o que já indicava um grande

amadurecimento da esfera pública.

Na América, o povo nomeia aquele que faz a lei e aquele que a executa; ele mesmo constitui o júri

que pune as infrações à lei. Não apenas as instituições são democráticas, em seu princípio, mas

também em todos os seus desdobramentos. Assim, o povo nomeia diretamente seus representantes

e os escolhe em geral todos os anos, a fim de mantê-los mais ou menos em sua dependência. É, pois,

realmente o povo que dirige e, muito embora a forma do governo seja representativa, é evidente que

as opiniões, os preconceitos, os interesses, até as paixões do povo não podem encontrar obstáculos

duradouros que os impeçam de produzir-se na direção cotidiana da sociedade” (Tocqueville Apud

Bittar, 2016, p. 266).

De toda essa análise de Tocqueville, podemos afirmar que o autor teve grande relevância para o debate da

democracia. Por um lado, o autor teoriza e coloca suas hipóteses em escritos que fomentaram o debate sobre o

tema, por outro lado esse entendimento é realizado a partir de uma análise empírica que dá contornos únicos ao

seu olhar e suas conclusões.

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5.1 A crise da multidão: reivindicações globais de democracia

A multidão é composta por pobreza e amor, reproduzindo o comum, e carrega a possibilidade de atos

revolucionários. Só a multidão pode executar esse movimento. Essa multidão está no que Hardt e Negri

(MASCARO, 2019) chamam de império, e que a soberania muda de formato. Esse formato não exige mais um

território bem delimitado, nem uma bandeira, pois há uma difusão de forma global, muito em razão da

economia. Há nitidamente na análise dos autores que trazemos aqui uma problematização sobre os elementos

do Estado moderno, que foram colocados em xeque com a globalização e a cada dia mais com a informação

fluida.

“Já a multidão corresponde a uma nova forma de inteligência social que, para os que lhe são

exteriores, parece caótica, irracional e anárquica. Contudo, para os que dela participam, a multidão

se identifica com uma estrutura social que tende a preservar no mais alto grau a individualidade, a

autogestão democrática e a espontaneidade, opondo-se a todos os tipos hierárquicos e centralizados

de usufruto do poder social, desde a forma geral do Estado até formas específicas traduzidas em

partidos políticos, exércitos, grupos guerrilheiros etc” (MATOS, 2014, p. 152)

Andityas Matos (2014) diz também que a multidão rompe a distinção nítida entre a esfera pública e privada. Por

um lado, mencionar a relação como pública permite ao Estado lançar mão de medidas de segurança e de exceção,

ou seja, que supostamente servem para resguardar o interesse público, para controlar a vida das pessoas até nas

instâncias mais íntimas e até mesmo biológicas. No outro lado, o privado se reduziria a instâncias econômicas,

que por sua vez carregam um símbolo de sagrado, de uma liberdade irrestrita.

O autor, ao trazer as ideias de Hardt e Negri, critica a estrutura do capitalismo, como algo que afasta a utopia de

algo realmente pluricultural, mas impõe um modelo único. Por isso uma ideia radical de multidão imporia um

rompimento com díades típicas dos estudos da Teoria do Estado, e colocaria o poder realmente na mão de uma

multidão de pessoas que não necessitam estar agrupadas e enquadradas: uma revolução que teria a capacidade

de romper arquétipos.

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5.2 As novas lutas políticas em rede (do biopoder à produção biopolítica –
Michael Hardt e Antônio Negri)

A ideia de multidão abordada por Hardt e Negri (MASCARO, 2019) ganha outro elemento que avança as

perspectivas de lutas por direitos ao inserir o termo rede. Mascaro (2019) mostra que, com o termo rede, os

autores buscam romper as ideias de massa, proletariado ou povo, pois compreende que essas classes acabam

excluindo sujeitos que estariam inseridos nas lutas políticas.

Essa multidão, portanto, poderia ser encarada como uma rede, sempre em expansão possível, que consegue

abarcar as diferenças para um trabalho comum, costurando seus pontos de proximidade e convergência. É a

passagem da revolta para a possibilidade de institucionalizar a ação revolucionária. A nova forma de resistência.

Negri dá à multidão e à sua evolução, a partir da modernidade, a dimensão da carne, o que insere o debate na

questão da biopolítica e o biopoder. A multidão enquanto um corpo, que sofre as negativas de direitos, também é

aquele que busca romper as estruturas de forma revolucionária para suas novas formas de subjetividade, indo

contra o império e na busca da construção por democracia (MARQUES e GOMES, 2013).

É com a reflexão destes autores que propomos o pensar sobre a democracia e a luta por direitos em um mundo

plural e complexo.

é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• refletir questões sobre a democracia e perceber que temos um modelo que parte da ideia de
representatividade.
• entender que a representatividade em um Estado plural busca ir além de políticos eleitos e alocar
porções que representam pessoas e ideologias em comum. Os partidos políticos têm papel importante
neste cenário e veremos no próximo capítulo.
• observar que, por outro lado, há uma nítida crise representatividade no Brasil e no mundo, o que força a
discussão de novos modelos que busquem uma participação direta e um debate enquanto construção de
decisões públicas.
• verificar como os procedimentos como as eleições e o sufrágio são imprescindíveis para os Estados
contemporâneos, assim como diversos mecanismos de atuação popular da administração pública.
• e, por último, compreender a noção de accountability, que concretiza a percepção de transparência
estatal e na responsabilização de todos aqueles que tomam decisões e utilizam de verbas públicas.

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Referências
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CRUZ, A. R. S. Habermas e o direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

CRUZ, A. R. S.; SILVA, G. F. Uma perspectiva levinasiana sobre Estado de exceção e invisibilidades. In: Amor e

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MARQUES, L. M. B.; GOMES, F. M. Política de guerra e resistência: a emergência da multidão no estado de guerra

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MASCARO, A. L. Filosofia do Direito. 7ª ed. São Palo: Atlas, 2019.

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