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DE RE PUBLICA,
de cícero
Ideia
João Pessoa
2016
SUMÁRIO
DE RE PUBLICA, DE CÍCERO – Juvino Alves Maia Junior - ISBN 978-85-463-0086-0 3
Conselho Editoral
___________________________________________
M217d Maia Junior, Juvino Alves.
De Re Publica, de Cícero / Juvino Alves Maia Junior. João
Pessoa: Ideia, 2016.
215 p.
ISBN 978-85-463-0086-0
1. Língua grega
CDU: 807.1
___________________________________________
EDITORA LTDA.
www.ideiaeditora.com.br
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I. 1- História ................................................................................................................... 5
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I. 1- História
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I. 3- História do texto
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Em 55, Pompeu é cônsul pela segunda vez e tem como colega Crasso.
Todos os movimentos políticos do Senado acabam por restringir Cícero em sua
atuação na política romana, já que ele recusara uma delegação a Alexandria,
para reordenar a política romana no Egito, e outra à sua própria província,
ambas oferecidas por César, que assim estaria afastando-o de um meio cada vez
mais hostil a ele, desde a adoção de Clódio por Fonteio em 60. Nesse mesmo
ano, Pompeu queria aprovar a Lex Cornelia, que previa a distribuição de terras
pelas províncias da Itália, tendo como conseqüência um remanejamento da
população da Urbe para o campo. De fato, esse era o fato político dominante
nessa época; essa distribuição, já prevista pelos Gracos e até por Sila, envolvia
interesses óbvios de influência e poder que um e outro lado disputavam havia
no mínimo um século.
Nesse momento César tentava neutralizar e isolar politicamente a
influência de Cícero, que, propondo uma rogatio, ou seja, uma modificação
dessa mesma lei, fazia aumentar o peso da influência de Pompeu. Cícero parece
ter bem definida sua posição nesse jogo de poder, pois seu primeiro discurso
político como pretor, em 66, foi Oratio de imperio Cn. Pompei. Apesar de ter
construído sua carreira política com sua oratória nos tribunais, Cícero não
poderia desprezar, para sua candidatura ao consulado de 63, o valor político de
uma aliança com Pompeu, que se destacava como um grande condutor político
e militar tal qual Cipião Emiliano, principal força representativa na República
romana, na geração anterior.
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Com isso o afastamento de Cícero era estratégico para César, que através
de Servílio Rulo impetrava outra rogatio para a mesma lei agrária, em que a
decisão caberia a dez varões nomeados por Rulo.
É evidente que qualquer dos lados que detivesse tal poder de
distribuição de terras do Estado estaria em posição de superioridade.
Os objetivos imediatos desse programa de distribuição eram primeiro
aliviar a Urbe do excesso populacional e segundo dar direito de propriedade
aos que detinham concessão de terras distribuídas por Sila. Isso fazia que as
cidades da Campânia se enchessem de sequazes, fazendo de Cápua uma
eventual fortaleza para o que viria a acontecer na conjuração de Catilina.
A questão passa a se desenvolver num jogo político em que se sentia a
necessidade de repovoar a Itália, sem invadir posses alheias; porém tais
interesses coletivos apenas velavam os interesses privados.
Esse momento político pode ser avaliado segundo outro ponto de vista
na monografia de Salústio, sobre a conjuração de Catilina, em que se demonstra
que a corrupção política e moral da sociedade desse tempo tem como
conseqüência a dissolução dos valores morais e éticos demonstrados nessa
mesma sociedade em um passado muito recente (Conj. de Cat. X):
“Ambitio multos mortales falsos fieri subegit, aliud clausum in pectore aliud in
lingua promptum habere, amicitias inimicitasque non ex re sed ex commodo aestumare
magisque uoltum quam ingenium bonum habere. Haec primo paulatim crescere,
interdum uindicari; post, ubi contagio quasi pestilentia inuasit, ciuitas inmutata,
imperium ex iustissumo atque optumo crudele intolerandumque factum.”
(A ambição subjugou muitos mortais a tornarem-se falsos: a ter algo
oculto no peito e algo pronto na língua, a estimar amizades e inimizades não de
fato mas de comodidade, a ter antes bom aspecto do que boa alma. Estas coisas
primeiro começam a crescer paulatinamente, de quando em quando punidas;
depois, quando o contágio como que pestilência invadiu, a cidade foi
transmutada: de justíssimo e ótimo o mando fez-se cruel e difícil de tolerar.)
Para Cícero, o período crítico de sua vida política, que coincide com o
processo de dissolução da República, é de 62 a 49, quando ele parte para o
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1 Filho homônimo do cônsul de 98 a.C. Quinto Cecílio Metelo Nepos. Foi pretor em 60, cônsul
em 57 e procônsul na Espanha.
2 Lúcio Calpúrnio Béstia, defendido por Cícero, foi absolvido da acusação de falsificação em sua
eleição a edil para o ano de 56, apesar do principal da acusação se basear na Lex Tullia de
ambitu, do próprio Cícero.
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Oriente contra Roma, para instaurar uma ditadura conservadora, pelo modelo
de Sila.
A situação política de Cícero torna-se extremamente complexa, pois ficar
seria uma vergonhosa deserção, partir, uma ingenuidade e imprudência (Ad
Att. VIII, 15, 2):
Cautior certe est mansio, honestior existimatur traiectio.
(Mais cauteloso certamente é permanecer, mais honrado considera-se
atravessar [o mar]).
Em uma carta pouco posterior, Cícero reforça estilisticamente sua
decisão de ajudar Pompeu (Ad Att. IX, 5, 3):
Ego igitur sicut ille apud Homerum cui et mater et dea dixisset
,
matri ipse respondit
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I. 5- A estrutura da narrativa
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”.
(O que contempla não tem a utilidade de nenhuma dessas tais coisas –
‘escolha e atos’- para a atividade, mas, por assim
dizer, são mesmo impedimentos para a contemplação; com ela
( ‘utilidade’) o homem é e convive com os mais, escolherá praticar as
coisas segundo a virtude; haverá então necessidade de tais coisas (escolha e
atos) para o comportar-se como ser humano).
Apesar dessa experiência adquirida por Cícero, não foi ele que a
organizou com engenho, pois diz ter ouvido de Públio Rutílio Rufo, que teria
lembrado um debate entre os homens mais ilustres e sábios de uma só geração e
narrado a ele e a seu irmão Quinto, em Esmirna.
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mundo, pois a justiça se caracteriza por ser uma virtude que se aplica a todos
indistintamente, ao contrário da sabedoria, que se aplica individualmente. Filo,
como Carnéades e Trasímaco, passa a argumentar sobre o indivíduo que
prefere ir contra o conceito de justiça e obter vantagens, que serão reconhecidas
por todos como honestas, a ser justo e, por um erro de julgamento, ser visto
como vil; para isso recorre a fatos ocorridos em seu próprio consulado, em 136,
por ocasião da guerra da Numância (III, 18). Talvez, no final perdido do
discurso de Filo, tenha-se feito um ajuste entre justiça política, relacionada à
sabedoria, e justiça natural, relacionada ao sentimento de justiça, conforme
Lactâncio (Inst. V, 17):
Transcendebat ergo ad maiora, in quibus nemo posset sine periculo uitae iustus
esse; dicebat enim: Nempe iustitia est hominem non occidere, alienum prorsus non
attingere. Quid ergo iustus faciet, si forte naufragium fecerit et aliquis inbecillior
uiribus tabulam ceperit? Nonne illum tabula deturbabit, ut ipse conscendat eaque nixus
euadat, maxime cum sit nullus medio mari testis? Si sapiens est, faciet: ipsi enim
pereundum est, nisi fecerit; si autem mori maluerit quam manus inferre alteri, iam
iustus ille, sed stultus est qui uitae suae non parcat, dum parcit alienae. Item si acie
suorum fusa hostes insequi coeperint et iustus ille nanctus fuerit aliquem saucium equo
insidentem, eine parcet ut ipse occidatur an deiciet ex equo ut ipse hostem possit
effugere? Quod si fecerit, sapiens sed idem malus; si non fecerit, iustus sed idem stultus
sit necesse est. Ita ergo iustitiam cum in duas partes diuisisset, alteram ciuilem esse
dicens, alteram naturalem, utramque subuertit, quod illa ciuilis sapientia sit quidem,
sed iustitia non sit, naturalis autem illa iustitia sit quidem, sed non sit sapientia.
(Transcendia portanto as maiores coisas, nas quais ninguém podia ser
justo sem perigo de vida; dizia então: “Sem dúvida, justiça é não matar homem,
não tocar absolutamente o alheio. Que fará portanto o justo, se por acaso tiver
ocorrido um naufrágio, e alguém mais fraco de forças tiver tomado uma tábua?
Acaso não o derrubará da tábua, para que ele mesmo suba e apoiado nela
escape, sobretudo quando nenhuma testemunha haja no meio do mar? Se é
sábio, fará; devendo perecer, se não o fizer. Se ele preferir morrer a levar as
mãos contra outro, então ele é justo, mas é estulto o que não poupa sua vida,
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publicamente por algum poeta, o que seria crime prescrito em lei, que poderia
chegar à pena capital. Os gregos tinham outro ponto de vista em relação aos
poetas: atribuíam-lhes cargos de honra na cidade, de que não faltam exemplos
como Ésquines, Aristodemo e tantos outros que ocuparam importantes cargos
administrativos e diplomáticos nas cidades gregas. É claro que Platão apresenta
um tratamento próprio às artes, censurando o que não fosse conveniente à
educação dos guardiães da cidade; nesse ponto Cícero pode ter criticado o
modo liberal da visão dos gregos em relação aos poetas, reforçando o
sentimento de pudor romano, que faz parte do conceito de uerecundia. Santo
Agostinho, procurando outro fim para o mesmo tema, cita essa passagem do
De Re Publica na Cidade de Deus II, 9:
Quid autem hinc senserint Romani ueteres, Cicero testatur in libris quos de re
publica scripsit, ubi Scipio disputans ait:
- Numquam comoediae, nisi consuetudo uitae pateretur, probare sua theatris
flagitia potuissent.
Et Graeci quidem antiquiores uitiosae opinionis quandam conuenientiam
seruauerunt, apud quos fuit etiam lege concessum ut, quod uellet comoedia, de quo
uellet nominatim diceret. Itaque, sicut in eisdem libris loquitur Africanus:
- Quem illa non adtigit uel potius quem non uexauit? Cui pepercit? Esto,
populares homines inprobos, in re publica seditiosos, Cleonem, Cleophontem,
Hyperbolum laesit. Patiamur, inquit, etsi eiusmodi ciues a censore melius est quam a
poeta notari. Sed Periclen, cum iam suae ciuitati maxima auctoritate plurimos annos
domi et belli praefuisset, uiolare uersibus et eos agi in scaena non plus decuit quam si
Plautus, inquit, noster uoluisset aut Naeuius Publio et Gnaeo Scipioni aut Caecilius
Marco Catoni maledicere.
Dein paulo post:
- Nostrae, inquit, contra duodecim tabulae cum perpaucas res capite sanxissent,
in his hanc quoque sanciendam putauerunt, si quis occentauisset siue carmen
condidisset quod infamiam faceret flagitiumue alteri. Praeclare; iudiciis enim
magistratuum, disceptationibus legitimis propositam uitam, non poetarum ingeniis
habere debemus, nec probum audire nisi ea lege ut respondere liceat et iudicio defendere.
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mudadas, para melhor entendimento. Vêm muito ao caso que me empenho por
explicar, se eu puder. Diz depois outras coisas e conclui este ponto de modo que
mostra ter desagradado aos antigos romanos ou louvar ou vituperar algum
homem vivo, em cena.)
A educação dos guardiães da cidade em Platão passa também pela arte
da música (398c – 400e); Cícero terá abordado também o tema da música,
segundo atesta Aristides Quintiliano, autor grego do terceiro século, que
compôs um tratado sobre a música, , publicado em 1652 por
Marcus Meibomius, cap. II, p.69 – 71:
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modo dicenda causa est. Nostris enim uitiis, non casu aliquo, rem publicam uerbo
retinemus, re ipsa uero iam pridem amisimus.
(Então a república romana era tal qual Salústio a descreve, não a pior e a
mais escandalosa, como ele mesmo diz, mas de forma nenhuma segundo essa
razão que o debate havido sobre a república entre os grandes, então seus
principais cidadãos, revelou; assim também o diz o próprio Túlio falando, não
por fala de Cipião nem de algum outro, no princípio do quinto livro, lembrado
antes um verso do poeta Ênio, pelo qual dissera: “É pelos antigos costumes e
homens que a república mantém-se”.
Parece-me, diz ele, que esse verso, ou por brevidade ou pela verdade, foi
pronunciado como por algum oráculo. Pois nem os homens, se a cidade não
tivesse sido assim acostumada, nem os costumes, se estes homens não tivessem
estado à frente, teriam podido ou fundar ou manter por tanto tempo uma
república tão grande e que comanda tão difundida e amplamente. E assim,
antes de nosso tempo, tanto o próprio costume ancestral convocava os homens
que estavam à frente, quanto os excelentes homens retinham o antigo costume e
as instituições dos mais velhos.
Mas nossa época, como tivesse recebido a república como uma pintura
excelente, mas já desbotada por antigüidade, não só negligenciou renová-la com
aquelas mesmas cores que tivera, mas nem sequer preocupou-se por isto: que
preservasse ao menos sua forma e os últimos como que delineamentos. Que
então permanece dos antigos costumes, pelos quais aquele disse que a república
romana se mantém? Nós os vemos obsoletos por olvido assim que não só não se
cultuam, mas já se ignoram. E dos homens, que direi? De fato os próprios
costumes pereceram pela penúria dos homens, e desse mal tão grande não só
devemos dar conta, mas também de algum modo devemo-nos defender como
réus de pena capital. De fato, pelos nossos vícios, não por algum acaso,
conservamos a república no nome, mas na realidade já há muito a perdemos.)
Essa citação de Santo Agostinho sobre a conservação da república só de
nome, não de fato, encontra-se também em uma carta de outubro de 54 a.C. de
Cícero a Ático (4, 18,2):
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Macróbio tivesse juntado ao seu comentário esse texto, certamente não haveria
as variantes, como em VI, 24, no texto do comentário: tu non is es quem exterior
figura designat, sed mens cuiusque id est quisque, no texto integral: nec enim tu is
quem forma ista declarat, sed mens cuiusque is est quisque. Macróbio deve ter
seguido a tradição do texto das Tusculanas, em que Cícero diz ter retomado no
Livro VI do De Re Publica o que Sócrates explicara no Fedro, de Platão:
... ex quo illa ratio nata est Platonis, quae a Socrate est in Phaedro explicata, a
me autem posita est in sexto libro de re publica.
(... a partir do que nasceu aquela razão de Platão, a qual foi explicada por
Sócrates no Fedro, e por mim posta no sexto livro do De Re Publica.)
Daí as diferenças entre o comentário de Macróbio e o texto integral do
sonho.
Em uma carta a Ático (VI, 2, 3),50 a.C., Cícero diz ter corrigido phliuntios
por phliasios, em II, 4, seguindo a correção do próprio Ático, e sugere que Ático
corrija a sua cópia. O arquétipo do palimpsesto dos cinco primeiros livros traz a
lição phliuntios, indicando que provavelmente as únicas versões corrigidas, de
Cícero e de Ático, não foram transmitidas pela tradição dos manuscritos. Ao
que parece restam apenas duas tradições do texto do De Re Publica: uma
utilizada por Macróbio no seu comentário, corrigida pela passagem sobre a
imortalidade da alma nos cinco livros das Disputationum Tusculanarum, outra
que remonta ao arquétipo do palimpsesto e que traz o texto integral do
Somnium Scipionis. O texto do sonho teve uma fortuna crítica bem diferente do
restante da obra, por circunstâncias várias de cultura e política; chegou a ser
traduzido para o grego com o comentário de Macróbio nos séculos XIII, XIV e
XV.
Do comentário de Macróbio (1, 4, 2-3; apud Cic. 1989), há uma parte que
serve de introdução à narrativa do sonho no Livro VI:
Nam Scipionem ipsum haec occasio ad narrandum somnium prouocauit, quod
longo tempore se testatus est silentio condidisse. Cum enim Laelius quereretur nullas
Nasicae statuas in publico interfecti tyranni remunerationem locatas, respondit Scipio
post alia in haec uerba:
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herói com todas as glórias, o segundo, seu pai, vencedor da batalha de Pidna;
ambos representam a formação moral e familiar que as letras gregas não
poderiam suprir no futuro guardião da cidade. A raiz desse sonho também está
no mito: na Eneida (VI, 755-892), Anquises mostra a Enéias o futuro de sua
geração com toda a glória do futuro. Com isso, a narrativa de Cícero modela-se
na de Platão, mas toma seu próprio rumo; talvez possa-se pensar que ao
modelo de Platão Cícero juntou o método de Aristóteles, conseguindo um
resultado menos filosófico do que demonstram as idéias de Platão e mais
adequado às necessidades de sua época e circunstância política.
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E, disse eu, ser imersa, ó meu caro, nas próprias casas e terminar com a
anarquia sendo infundida até entre os brutos.
- Como, disse ele, dizemos algo desse tipo?
De tal forma a, disse eu, o pai estar habituado a tornar-se semelhante à
criança e temer os filhos, e o filho, semelhante ao pai, e nem se envergonhar
nem venerar os genitores, para que seja livre; e o meteco tornar-se igual ao
citadino, e o citadino, igual ao meteco, e o estrangeiro dessa mesma forma.
- Acontece assim, disse ele.
E estas coisas, disse eu, acontecem, e outras pequenas deste tipo: mestre
nessa situação teme e adula discípulos, e discípulos fazem pouco de mestres,
assim também de instrutores; e em suma, os jovens são paradigmas aos mais
velhos e disputam tanto em palavras quanto em ações, e os anciãos,
condescendentes com os jovens, enchem-se de facécia e graça imitando os
jovens, para que não pareçam ser desagradáveis nem despóticos.
- Acontecem muito, disse.
E o extremo, ó meu caro, da liberdade da massa, qual acontece nessa tal
cidade, quando os que compram e as que compram sejam em nada menos livres
do que os que foram comprados. E nas mulheres em relação aos homens e nos
homens em relação às mulheres, tamanha torna-se a paridade e liberdade por
pouco esquecemos de dizer.
- Então, disse ele, falaremos, como Ésquilo, o que agora vem à boca!
Completamente, disse eu; e eu mesmo assim digo. De fato, o extremo de
liberdade dos brutos submissos aos homens, de quanto mais liberdade há ali do
que em outra parte alguém inexperiente não se convenceria. Pois,
simplesmente, segundo o provérbio, as cadelas, tais as donas, e então mesmo
cavalos e até asnos ficam acostumados a caminhar muito livre e solenemente,
lançam-se pelos caminhos sempre contra o que vem, caso este não se afaste. E
quanto às outras coisas todas, acontecem assim plenas de liberdade.
- O meu sonho, disse, contas-me; pois eu mesmo, caminhando ao campo,
freqüentemente sofro isso mesmo.
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ainda mais esse conceito relativo ao povo (populi) da falta que jamais é suprida,
por ser como um abismo sem fundo e misterioso, portanto insaciável.
Para Platão, esse termo também é depreciativo, pois
após retomar o que ficara estabelecido no debate sobre a comunidade das
mulheres e dos filhos, educação, filosofia, moradia e bens dos guardiães,
cidades com suas formas de governo e indivíduos semelhantes a elas, Sócrates
passa a debater sobre quatro formas de governo: monarquia, oligarquia,
democracia e tirania (544c), retomando a questão no ponto em que fora
interrompido por Adimanto e Polemarco em 449a.
Como o tema do debate é o conceito de justiça, analisado no homem
individualmente e depois ampliado para a cidade, faz-se a relação entre a alma
do indivíduo e a forma de governo da cidade. Fala-se da aristocracia e
oligarquia fundamentando-se o valor na alma dos homens como timocracia ou
timarquia – - (545b7), para caracterizar o governo
(550e5)
(... quanto mais precioso considerem isso, tanto mais desprezada a
virtude.)
Segundo esse mesmo pensamento, como não é possível ser rico e
prudente ao mesmo tempo, chega-se a outro grau de decadência: a democracia;
pois quem foi destituído de seus bens revolta-se contra os que estão no poder,
incendiando a população mais pobre com a revolução:
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(557a)
(Democracia, creio, acontece quando os pobres, tendo vencido, a uns de
ambos –governantes e governados- matem, a outros expulsem, aos restantes,
por igual, façam participar da república e dos cargos, e assim na maior parte,
por sorteio, os cargos acontecem nela.)
Esse sentimento de degradação política e moral continua até o
estabelecimento da tirania; esta costuma surgir de um exagero na procura da
liberdade. Como a democracia propicia o ambiente natural ao exagero de
liberdade, nasce a tirania gerada na democracia. Como o bem supremo na
oligarquia, a riqueza, é causa de sua degeneração, assim a liberdade é causa de
degeneração na democracia (562b2 – b8):
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Como?
O que foi proposto, disse eu, como bem, e pelo que a oligarquia era
estabelecida – isso era riqueza demais; não era?
Sim.
A insaciabilidade então de riqueza e a negligência das outras coisas, pelo
haver, perdia-a.
Verdade, disse.
Acaso tanto a democracia delimita um bem, quanto a insaciabilidade
dele a desfaz?
Dizes, o que a delimita?
A liberdade, disse eu.)
Como o excesso costuma ser correspondido por uma mudança radical,
no sentido oposto, o excesso de liberdade leva à escravidão em excesso. Esse é o
processo natural de evolução política que está na Politéia, portanto pode ser
justificada a maneira de tradução de Cícero, entendendo-se sua metáfora –
inexplebiles fauces- dentro do contexto político discutido em ambas as obras. O
mesmo Platão justifica essa teoria de exageros, depois do exemplo dado, em
564a:
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político da cidade é um fator obrigatório na obra de Platão, mas não está nem
mesmo mencionado na obra de Cícero.
A partir disso pode-se avaliar menos duramente a redução da tradução
latina do restante do trecho antes indicado.
A segunda fala em ambos os textos corresponde ao interlocutor que na
obra de Platão é levado a responder de acordo com o direcionamento dado por
Sócrates; Glauco apenas reitera o que foi direcionado e às vezes permite a
continuidade da idéia com uma pergunta curta.
O interlocutor de Cipião, no texto de Cícero, só intervém uma vez nesse
trecho, diferente de Glauco, que interveio oito vezes, permitindo que Sócrates
desenvolvesse esse exemplo bem mais amplamente. Lélio só intervém nessa
segunda fala, para concordar com Cipião, que o interpelara sobre seu
conhecimento do texto de Platão. Essa é a única coincidência do discurso direto
entre os textos: o grego mantém o sujeito do primeiro parágrafo – - na
segunda fala de Sócrates, mudando-o na conclusão com oração infinitiva:
; o latino apresenta os verbos principais no
infinitivo com sujeito no acusativo, seguindo a forma indicada por Cipião: -
Ergo illa sequuntur...
Porém os verbos passam à voz passiva com agente ab eo populo; nesse
ponto o tradutor latino parece criar o maior hiato entre os textos, pois Platão
criara uma cidade na qual havia de estabelecer habitantes com características
determinadas pelos que debatiam; Cícero tende a apresentar um povo, que
pode muito bem ser o romano, sem a preocupação de definir os conceitos de
virtude ou justiça nele. Esse povo passa de agente de revolução, por sede de
liberdade, a agente da passiva estilisticamente marcado, quase como
instrumental: agitari, appelari ... ab eo populo.
Tanto não se estabelece correspondência formal entre os predicativos
e seruos uoluntarios, como o verbo ativo
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Cícero ganha identidade própria, apesar de estar inserido em uma citação literal
de Platão.
A segunda parte do período mantém praticamente as mesmas diferenças,
sendo que no texto latino passa-se a usar o verbo no indicativo plural –ferunt-,
deixando-se indeterminado o sujeito. A estrutura gramatical em latim é mais
complexa do que em grego, que se utiliza de particípios presentes ativos e
passivos, o que dá maior versatilidade no emprego dos conceitos.
A conclusão dessa segunda parte é uma pergunta, que iniciada por
–partícula interrogativa e conclusiva- só deixa lugar para que Glauco concorde,
permitindo a Sócrates a complementação de sua própria conclusão
interrogativa.
Em latim, não há conclusão nem interrogação; há apenas finalidade –ut
necesse sit, que semanticamente corresponde a ; porém esta expressão
serve de predicativo aos pontos principais restantes do trecho citado, que se
desenvolve em quatro partes iniciadas pelo artigo neutro singular :
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algo anteriormente dito. Além disso, o texto latino não divide o diálogo nos
pontos principais, alinhando-os todos em um só período subordinados a ut,
com verbos no subjuntivo.
Em parte, pode-se conceder a Poncelet (1947) certa razão, quando diz que
Cícero fica obrigado a acumular sua tradução de subjuntivos devido à rica
variação dos particípios em grego, sem equivalentes em latim: particípios
ativos, médios e passivos, de aspectos inacabados, pontuais e acabados, nos
gêneros masculino, feminino e neutro, singular, plural e dual. Resolve-se esse
problema em latim e nas línguas latinas com orações relativas, que tornam o
período estilisticamente mais pesado, talvez mais apropriado à oratória. Isso
torna-se claro no seguinte passo:
... eos autem qui in magistratu
priuatorum similes esse uelint, eosque
priuatos, qui efficiant, ne quid inter
priuatum et magistratum differat,
ferunt laudibus et mactant honoribus.
É evidente que o tradutor latino poderia dispor seu texto de outro modo,
como a tradução latina em Platonis opera, Firmin-Didot (1930):
... magistratus autem subditis pares et subditos pares magistratibus priuatim et
publice laudat atque honorat.
Nesta tradução, há um rigor de fidelidade ao texto original, que muitas
vezes não é alcançado em traduções consideradas exemplares. Tanto o sujeito
gramatical de laudat atque honorat é o distante termo popularis ciuitas, quanto o
de é equidistantemente .
Atualmente nota-se uma forte tendência a considerar servil uma
tradução que seja quase justalinear; porém o ofício do tradutor é traduzir –
trans-ducere -, isto é, reproduzir o que já está escrito, e não recriar o texto
original da maneira que lhe convém, ainda que esta maneira seja melhor do que
aquela.
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Essas relações sociais que Platão procura evidenciar como os que são
comprados, as que são compradas e os que compram desaparecem no texto
latino, que apresenta apenas escravos, não relacionados entre si nem com os
patrões; apresenta-se apenas um quadro inquestionável.
Outro fator marcante de diferença entre a língua grega e a latina é a
presença do artigo naquela e sua ausência nesta. De fato, no texto grego a
argumentação se desenvolve a partir de uma estrutura gramatical simples: o
artigo neutro singular , que junto a um substantivo declinado no genitivo traz
uma abstração do conceito representado por esse substantivo:
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crítica e literária e foram traduzidas ao latim mais de uma vez; porém nenhuma
tradução foi tão comentada quanto a de Cícero, embora dificilmente algum
professor a tenha passado aos alunos como modelo de tradução. Cícero parece
ter alcançado um grau de tradução nesse trecho ainda não compreendido nem
aplicável a um padrão de tradução tradicional, pois seu texto não é uma
tradução de Platão nem pertence a outro autor que não Cícero; este não é aluno
daquele, e pode-se dizer que nem mesmo o seguiu de perto.
Conquanto seja mais fácil determinar um ponto de partida para uma
análise crítico-literária, não se pode restringir a crítica do texto de Cícero ao
texto de Platão, ainda que se diga convencionalmente tradução, pois
evidenciam-se as particularidades de cada um tanto na gramática, quanto na
estilística. Assim faz-se uma separação dos textos, e cada um terá sua crítica,
que se encerrará no conjunto da obra.
O que se pode questionar antes de tudo é o conceito de tradução literária,
que parece ter aparecido exatamente nessa época, em que os autores romanos
tinham de citar alguma fonte grega, sem deixar de ser autores. Mas não se pode
seguir essa questão aqui; o que se pode fazer é permitir que um texto literário
inserido em uma obra literária e filosófica tenha sua própria crítica,
desvinculada do texto que contenha as mesmas idéias em época e cultura
diferentes.
Uma visão mais clara disso se dá quando se faz a relação entre o texto
traduzido do grego e um trecho das Tusculanarum Disputationum V,6:
Quid uero? illum, quem libidinibus inflammatum et furentem uidemus, omnia
rabide appetentem cum inexplebili cupiditate, quoque affluentius uoluptates undique
hauriat, eo grauius ardentiusque sitientem, nonne recte miserrimum dixeris?
(Mas quê? aquele que vemos inflamado e que endoidece de desejos, que
acomete tudo impetuosamente com cobiça insaciável, sedento, tanto mais
copiosamente quanto mais grave e ardentemente esgote os desejos de todo
lado, por acaso não poderias dizê-lo corretamente muitíssimo infeliz?)
A proximidade do vocabulário dá uma idéia de cumplicidade literária
em relação à imagem do homem democrático de Platão; porém neste trecho o
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quod angustius apud Graecos ualet, qui frugi homines apppellant, id est,
tantum modo utiles; at illud est latius; omnis enim abstinentia, omnis innocentia – quae
apud Graecos usitatum nomen nullum habet, sed habere potest : nam est
innocentia adfectio talis animi, quae noceat nemini – reliquas etiam uirtutes frugalitas
continet; quae nisi tanta esset et si iis angustiis, quibus plerique putant, teneretur,
nunquam esset L. Pisonis cognomen tanto opere laudatum.”(Também isto é
semelhante ao verdadeiro: o que seja temperante, - que os gregos chamam
e denominam essa virtude , que costumo então chamar
ora temperança ora moderação alguma vez até modéstia, mas não sei se
corretamente essa virtude possa ser chamada frugalidade, o que junto aos
gregos vale mais estritamente, os quais chamam homens frugais ,
isto é, tão somente úteis; mas isso é mais amplo, pois toda abstinência, toda
inocência – que junto aos gregos nenhum nome usado há, mas pode haver
: pois inocência é afecção de tal ânimo, que a ninguém prejudique –
frugalidade contém também as restantes virtudes, que se não fosse tamanha e
se nessas estreitezas3 com que muitos pensam se contivesse, nunca teria sido
louvado tanto o cognome de Lúcio Pisão4.).
Quando Cícero sente que a palavra latina não é suficiente para expressar
o conceito grego, ajunta-lhe uma outra, que ajuda a explicar:
- em De Natura Deorum, II, 18, 47: “Cumque duae formae praestantissimae
sint ex solidis, globus – sic enim interpretari placet – ex planis autem
circulus aut orbis, qui graece dicitur, ...” (e como sejam duas figuras
3 Sentido estrito de “econômico”, como em Horácio, Sat. 1, 3, 49: “Parcius hic uiuit, frugi
dicatur”(Vive este mais mesquinhamente, diga-se moderado).
4 Lucius Calpurnius Piso, que ganhou o cognome de Frugi, foi cônsul em 133 a.C.
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inest, sed illa est , in qua intellegitur ordinis conseruatio.” (Em seguida
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deve-se falar de ordem das coisas e de ocasião favorável. Estas são contidas por
aquela ciência que os gregos denominam , não esta que interpretamos
como moderação, palavra em que está presente modo “medida”, mas
é aquela em que se entende conservação da ordem.);
fama – que chamam [os estóicos] é melhor chamar boa fama neste
ponto do que glória - ...);
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- ibidem III, 14, 45: “... sic recta effectio – enim ita appello,
quoniam rectum factum - ...” (... assim uma correta ação – pois assim
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obiectam rem perspicuam non approbare.” (Pois, de que modo não pode algum
animal não procurar o que se mostre ajustado à natureza – os gregos a isso
chamam -, assim não é não possível aprovar algo diáfano proposto.);
- no Orator 36, 126: “Quicquid est enim illud, in quo quasi certamen est
controuersiae, quod Graece dicitur, ...” (De fato o que quer que seja
aquilo em que há como que uma contenda em disputa, que em grego se diz
, ...);
- nos Topica XXIV, 95: “Sed quae ex statu contentio efficitur, eam Graeci
uocant; mihi placet id, quoniam quidem ad te scribo, qua de re agitur
uocari.” (Mas a contenda que se faz a partir de posição, a ela os gregos chamam
; a mim, já que a ti escrevo, agrada que isto se chame “do que se
trata”.);
- nos Paradoxa Stoicorum, Proemium, 4: “Quae quia sunt admirabilia
contraque opinionem – ab ipisis etiam paradoxa appellantur -, temptare uolui possentne
proferri in luce, id est in forum ...” (Coisas que como são admiráveis e há opinião
contra – por eles mesmos também são chamadas paradoxa -, quis ver se
poderiam ser trazidas à luz, isto é ao foro ...);
- no De Finibus III, 10, 33: “Id autem sequens illud etiam quod prodesset –
enim sic appellemus – motum aut statum esse dixit e natura absoluto.” (E
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5cf. Aug. Krauss Emend. In Cic. Libros de legg. Neustettin 1841. Há outra variante:
“as coisas comuns dos amigos” e “o amigo é
um outro ele mesmo”, cf. Porphirius, De Vita Pythag., 33.
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Para Cícero, o filtro principal das idéias de Platão veio a ser Aristóteles,
com seu modo epistemológico de visão do mundo e da natureza humana.
Quem procura alcançar o mundo das idéias através de um raciocínio lógico
aplicável à natureza das coisas, sendo forçado a remeter-se a uma praticidade
inerente à época e à cultura romana do século I a. C., deve ter-se visto às voltas
com graves dificuldades não só de entendimento, mas ainda de expressão para
transmissão dessas idéias. Somando-se a isso, a obra de Aristóteles torna-se
referência básica, influenciando as futuras gerações que teriam de conviver dali
em diante com essas duas referências da história da filosofia e da política.
O que torna grave esse processo de entendimento é que Aristóteles,
tendo sido discípulo de Platão, não procura a forma de conhecimento através
de um raciocínio dialético; antes propõe uma nova visão, pela qual o mundo se
apresenta como modelo a ser imitado, que o homem deve compreender
desenvolvendo novos modelos através da arte. O que pode parecer uma
contrafação, isto é, imitação fraudulenta, talvez seja parte do processo de
entendimento para ambos, que se perdera naquela transição por que passara a
forma de conhecimento: mudança do que se conhece hoje como clássico ao
mundo helenístico, até a época de Cícero.
Sabe-se hoje muito pouco do que teria escrito Aristóteles, apesar da
magnitude de sua obra; tem-se como certo que, com exceção da Constituição de
Atenas, seus escritos são formas de anotação de aulas, coligidos por seus
discípulos e preservados para futuras publicações.
Da mesma maneira que Platão na Politéia, Aristólteles entretece na sua
Política os elementos de assunto político com elementos de assunto educativo.
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Fica claro que para Cícero foi inevitável o esforço de conciliação de ambos, com
um ponto a ser alcançado no primeiro, passando pelo segundo.
Resta verificar se Cícero, ao ler a obra política de Aristóteles, passou a
traduzi-la da mesma forma que fizera com a de Platão, isto é, revestindo de
força retórica as idéias da Politéia, ou se apenas empregou as palavras de
Aristóteles tal como as encontrou, atribuindo-lhe um contexto necessário em
cada momento, já que os escritos de Aristóteles são de natureza estilística
diferente, ou seja, prescindem de forma literária.
O que talvez possa facilitar a resolução do problema de leitura e
interpretação de Aristóteles é saber que Cícero não terá lido os escritos sobre
política e ética tais quais chegaram à atualidade, pois o que se sabe da tradição
dos textos de Aristóteles permite conjeturar que o que houver de comum em
um e em outro deve permanecer na visão de conceito, isto é, expressão de um
pensamento traduzido em palavra isolada de contexto. Diante disso, apresenta-
se a dificuldade intransponível da falta do texto original, que revelaria de modo
inequívoco o modo de leitura e de traduzir empregado por Cícero, conforme
cogitado no capítulo anterior, com relação a Platão. Paradoxalmente, pode-se
avaliar a presença das idéias de Aristóteles na obra de Cícero através da
utilização de conceitos utilizados por este na obra ético-política daquele, já que
as anotações a que se reduz a obra de Aristóteles ressaltam os pontos principais
a ser desenvolvidos em debates e palestras em forma de aula.
Nesse ponto, as marcas de Aristóteles em Cícero apresentam-se no
recorrente tema do princeps ciceroniano, e as indicações disso estão em uma
carta a seu irmão Quinto (III, 5, 1), datada em Túsculo, saindo o mês de outubro
ou entrando o de novembro de 54 a.C., ano em que começara a pesquisar os
livros necessários para escrever o De Re Publica:
“Aristotelem denique quae de re publica et praestanti uiro scribat ipsum loqui.”
(Aristóteles, afinal, as coisas que escreve sobre a república e o excelente
varão, ele mesmo fala.)
Essa referência permite pensar que Cícero examinava a obra política de
Aristóteles, não necessariamente na forma como se edita atualmente.
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nomen minus est adhuc tritum sermone nostro saepiusque genus eius hominis erit in
reliqua nobis oratione tractandum ...”
(Seja a este [isto é, Tarqüínio, o tirano] oposto um outro, bom, tanto
sábio quanto hábil em função e cargo civil, como que tutor e procurador da
república. Assim será chamado quem quer que venha a ser dirigente e piloto da
cidade. Fazei por reconhecer tal homem, pois esse é que pode guardar a cidade
por conselho e obras. Já que esse conceito até aqui foi menos usado em nossa
fala, e freqüentemente o gênero desse homem deverá ser tratado por nós no
restante discurso ...)
Em que pese a mutilação do texto de Cícero, neste ponto perderam-se
doze páginas na seqüência, deve-se observar que a expressão tutor e procurador
da república é a tradução latina de , já que o nome de
rei fora excluído pelos gregos e depois pelos latinos, conforme um trecho
anterior à última citação, II, 27, 49:
“Habetis igitur primum ortum tyranni; nam hoc nomen Graeci regis iniusti esse
uoluerunt; ...”
(Tendes então a origem primeira do tirano; pois os gregos quiseram que
este nome fosse do rei injusto, ...)
Na verdade, o termo tutor aplica-se ao que mantém e sustém órfãos, por
direito de lei; procurador aplica-se ao que foi constituído por lei vicário de direito
alheio. Ambos os termos são técnicos da área do direito. Ainda no século I esses
termos possuíam o mesmo valor, o que se atesta com o seguinte trecho da
Epístola de S. Paulo aos Gálatas, 4, 1-2:
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(... pois já que toda família é parte da cidade, e essas coisas [perseguir o
bem e evitar o mal] são parte da família, é preciso ver que a virtude da parte
esteja em relação com a do todo, sendo necessário que os que vêem a virtude
em relação à cidade eduquem as crianças e as mulheres, se é que isso faz
diferença para ser zelosa a cidade, as crianças e as mulheres. Necessário é que
faça diferença; pois as mulheres são metade da população livre, e das crianças
surgem os companheiros da constituição.);
- na Ética a Eudemo H 9 (1241 b25-33):
(As outras associações são parte das associações da cidade, tal como a
associação de irmandade ou de ritos secretos ou as associações de negócios [ou
ainda de constituições]. Todas as constituições coexistem nas famílias, tanto as
diretas como as derivações – pois dá-se o mesmo com as harmonias e nas
constituições - , a monarquia do que é pai, a aristocracia do marido e mulher, a
constituição democrática dos irmãos, delas é derivação tirania, oligarquia,
democracia; também as formas de justiça são tantas.);
- na Ética a Nicômaco 12 (1160 b20-30):
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(Nem com toda idade a paixão {acerca do pudor} combina, mas com a
juventude. Pois achamos ser preciso os que são de tal idade envergonhar-se
porque, vivendo pela paixão, erram muito e são impedidos pelo pudor.)
- (1156a30)
(A amizade dos jovens parece ser pelo prazer; pois estes vivem segundo
a paixão, e sobretudo perseguem o prazer para si mesmos e o que se apresenta.
Decaindo a idade, também os prazeres tornam-se outros.)
Por tais exemplos, pode-se constatar que sempre que Aristóteles
comparar a criança ou o jovem a alguma categoria política haverá uma
desqualificação, devido às desvantagens características da idade com relação ao
conhecimento e à virtude. Então, caracterizando o vulgo ou o povo como
criança, fica evidente a correlação de inferioridade nas virtudes políticas, e não
de inocência, carência ou qualquer outro sentimento que se possa atribuir ao
jovem e à criança.
Com isso comprova-se também o hábito de aproximação das categorias
familiares e políticas, de acordo com a idéia a ser debatida em um discurso. O
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fato é que Aristóteles se utilizara dos termos referidos do mesmo modo como
Cícero o fez no De Re Publica, aproveitando a mesma idéia política em seu
texto, a saber . Na Política, Aristóteles emprega essa
expressão freqüentemente:
- ( 10. 1258a31)
(Pois assim alguém que administra pareceria ser um chefe de família, não
um tirano, e não é preciso temer que alguma vez tenha precisão de recursos,
sendo senhor da cidade; ...)
- ( 11. 1314b38)
(Pois o escopo é claro: é preciso não parecer tirânico aos governados, mas
chefe de família e principesco, e nem usurpador, mas curador, e perseguir as
coisas mais moderadas da vida, e não as excessivas ...)
Parece conveniente que Cícero tenha empregado esses termos
correspondentes à forma com que Aristóteles tratou os que deveriam governar,
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locuples, gloria ampla, uirtute honesta sit; huius enim operis maximi inter homines
atque optimi illum esse perfectorem uolo.
(Consumo então todo o tempo considerando quão grande seja a força
daquele homem que retratamos bastante diligentemente em nossos livros, como
te parecemos ter feito. Tens, então, esse moderador da república ao qual
queremos relacionar tudo? Pois assim, segundo creio, no quinto livro fala
Cipião:
- Como ao piloto o curso a ser seguido, ao médico a saúde, ao
comandante a vitória, assim a este moderador da república a vida feliz dos
cidadãos foi proposta, para que seja firme nos recursos, rica em bens, de ampla
glória, de honesta virtude; e desta obra, a maior e a melhor entre os homens,
quero que esse seja o executor.)
O próprio Cícero faz essa referência à sua obra política, e ela torna-se
importante como fonte indireta, mas de mesmo autor, para suprir em parte a
lacuna que ficou no quinto livro.
Santo Agostinho também ajuda a suprir essa lacuna em uma de suas
cartas (Epistulae 104, 7):
Et ubi est quod et uestrae litterae illum laudant patriae rectorem qui populi
utilitati magis consulat quam uoluntati?
(E onde é que também vossa literatura louva o dirigente da pátria, que
atenda mais ao proveito do que à vontade do povo?)
Esse deverá ter sido o tema do quinto livro, em que Cícero seguiu mais
de perto Aristóteles, especificamente a Política e a Ética a Nicômaco, como
pode-se perceber pelos trechos traduzidos.
Porém, é preciso determinar como Cícero terá visto a questão da
aplicação das leis, para que o interesse comum prevaleça sobre vontades
individuais e sobre a força da maioria.
Segundo Júlio Lippert (Plezia, 1966), o autor da carta árabe afirma que
são necessárias duas coisas: uerecundia nimirum atque timor, (respeito e
certamente temor):
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Quae cum ita sint, opus est ciuitati legibus bene constitutis atque rectore, qui
earum curam gerat hominesque ad honestam uiuendi normam adducat, uiles quidem et
ignobilis naturae timore, nobiles autem indolisque egregiae uerecundia.
(Sendo assim, são necessárias à cidade leis bem constituídas e dirigente
que cuide delas e conduza os homens à norma de viver honesta, os vis e de
ignóbil natureza pelo temor, os nobres e de índole notável pelo pudor.)
Deve haver algum ponto na obra de Aristóteles em que essas mesmas
coisas sejam ditas, ou pelo menos de modo semelhante, pois assim se
restabelece a conexão entre o discutível autor da carta, editada por Lippert, e a
obra de Aristóteles, porque essa referência deve bastar para a constatação de
que Cícero utiliza essa nomenclatura de Aristóteles. Pode-se verificar isso nos
seguintes trechos da Ética a Nicômaco:
- (1179 b10) –
(Pois o que vive segundo a paixão não daria ouvido ao argumento que a
evite, nem mesmo o compreenderia; como é possível persuadir a mudar o que
assim está? Em geral, a paixão não parece ceder ao argumento, mas à força.)
- (1180 a4) –
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sua obra, especificamente nos trechos apontados antes. Mas a esse respeito há
um fragmento, aposto ao Livro Sexto, que retoma essa questão sob o ponto de
vista do dirigente da república:
Quam ob rem se comparet hic ciuis ita necesse est ut sit contra haec quae statum
ciuitatis permouent semper armatus. (Nonius, 256, 27)
(Por isso é preciso que este cidadão se prepare, para que seja contra estas
coisas que abalem o estatuto da cidade, sempre armado.)
Certamente essa questão terá sido tratada no Quinto Livro e em parte no
Sexto, além da referida carta árabe traduzida por Lippert (apud Plezia, p. 144):
Talis enim uir efficere potest, ut in ciuitatibus boni mores maneant pellanturque
ab eis delicta. Oportet autem hunc uirum esse insignem atque perfectum, non solum
beneficiis, iustitia, diuersisque uirtutum generibus, uerum etiam potentia et belli
apparatu praestantem, ut continere populum atque ad obsequendum legi adducere
queat.
(Tal varão pode fazer que nas cidades os bons costumes permaneçam e
sejam afastados delas os delitos. Convém que este varão seja insigne e perfeito,
não só por benefícios, justiça e diversos gêneros de virtudes, mas também
superior em poder e em aparato de guerra, para que possa conter o povo e
conduzi-lo a obedecer à lei.)
Esse tema da carta manifesta duas razões de se manter um governo
firme, que claramente estão incluídos na obra política e ética de Aristóteles, não
importando que essa carta tenha ou não tenha sido escrita por ele próprio. O
fato é que Cícero, provavelmente não tendo conhecimento dessa carta, revela o
mesmo pensamento político, um pouco alterado em alguns pontos, mas
essencialmente reprodutor das idéias políticas contidas na obra de Aristóteles.
A questão então é centrada em como o poder sobre um povo ou cidade
deveria ser estabelecido, de acordo com a experiência política dos antigos. De
fato, para Aristóteles não importa a condição do governante, seja rei seja
primeiro cidadão, em nada diferindo o ponto em questão, como proposto no
Livro III da Política (15, 12 86 b.28):
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(Por isso mesmo somente a justiça dentre as virtudes parece ser um bem
alheio, pois é em favor do outro.)
De fato, a referência ao mestre parece ser à fala de Trasímaco, no Livro I
da Politéia (343c2):
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Por isso, pode-se explicar a forma com que Aristóteles, no Livro III da
Política, apresentou o mesmo assunto, criticando o ponto de vista de Platão e
dos platônicos quanto à idéia concebida de governo como única.
Seguindo essa análise do pensamento de Aristóteles, Moraux (1957, p.
28) procura estabelecer o elo perdido entre essa crítica do discípulo ao mestre
com os traços da obra perdida , ressaltando a referência aos
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(Será então algo diferente disso ou alguma forma de razão, assim não
três, mas deve haver duas formas na alma: racional e concupiscente? Ou como
na cidade três gêneros a compunham: financeiro, auxiliar e deliberativo, assim
também na alma é esse terceiro: o impetuoso, que é auxiliar do racional por
natureza, caso não se tenha corrompido por uma má educação? – É necessário
que haja um terceiro.)
Na verdade, Glauco, o interlocutor de Sócrates, apenas reitera a idéia já
direcionada para esse fim, disposto pelo exercício dialético determinante nos
diálogos de Platão. O terceiro gênero torna-se a conclusão lógica necessária,
exigida pela racionalidade do discurso.
A alusão de Cipião aos princípios que regem a alma, comparando-os no
indivíduo e na cidade, reafirma a disposição de Cícero em seguir de perto o
pensamento de Aristóteles, que vê na alma humana duas partes, como está dito
acima: e . Neste ponto do De Re Publica, há uma lacuna de quatro
páginas em que Cipião desenvolvia o tema das paixões que acometem a alma,
fazendo a aproximação com as paixões que acometem o povo, quando carente
de um senhor que os domine e os guie, segundo padrões estabelecidos pela
ética vigente nessa cidade. Se isso não acontecer, graves conseqüências hão de
sobrevir à cidade, como acontece na alma do indivíduo, quando o princípio
“pensante”- /animus – não atua dominando as paixões e impondo um
padrão de comportamento adequado. A fera, enorme e selvagem, está para o
povo assim como os desejos incontroláveis estão para esse tal indivíduo. Em um
dos fragmentos que se ajustam a esse ponto da narrativa de Cipião há um que
faz referência a um quarto gênero de paixão que pode afetar a alma:
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[25] - ergo haec duo genera, voluptas gestiens et libido, bonorum opinione turbantur, ut
duo reliqua, metus et aegritudo, malorum. Nam et m e t u s opinio magni mali
inpendentis et aegritudo est opinio magni mali praesentis ...
([24] De fato, a causa inteira está na suposição de que isso não é só
verdadeiramente da tristeza, mas também de todas as restantes perturbações,
que são de quatro gêneros, numerosos em partes. Pois, como toda perturbação
deva ser movimento do espírito, quer privado de razão quer desprezando a
razão quer não obedecendo à razão, e como esse movimento deva ser
provocado de dois modos: ou por boa ou por má suposição, quatro
perturbações foram distribuídas igualmente. Pois duas são da suposição de um
bem; um dos quais é o prazer que exulta, isto é, alegria elevada além da
medida, por suposição de algo presente como um grande bem; outro, o desejo,
que até pode ser dito libido, que é apetite imoderado de um imaginado grande
bem não moderado pela razão.
[25] Logo estes dois gêneros, prazer que exulta e libido, perturbam-se por
suposição de bens, como os dois restantes, medo e tristeza, por suposição de
males. Pois tanto medo é suposição de um grande mal pendente quanto tristeza
é suposição de um grande mal presente ...)
A correspondência dos termos gregos em Cícero não atende muitas vezes
à expectativa do que segue atentamente uma tradição mais etimológica dos
termos filosóficos, pois tanto é traduzido por laetitia quanto por uoluptas,
dependendo do sentido exigido pelo contexto em que se inserem esses termos.
Além disso, em outro ponto, (ibidem III, 10, 35), formido e libido empregam-se por
e . Cada um desses termos assume numerosas características e
até subdivisões, mas todos nascem da intemperança, conforme se afirma mais
adiante (ibidem IV, 9, 22):
Omnium autem perturbationum fontem esse dicunt intemperantiam, quae est a
tota mente defectio, sic auersa a praescriptione rationis, ut nullo modo appetitiones
animi nec regi nec contineri queant.
(E dizem que a fonte de todas as perturbações é a intemperança, que é a
deserção de toda inteligência, desviada assim da prescrição da razão, de modo
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que de nenhum modo os apetites do espírito sejam capazes nem de ser regidos
nem de ser contidos.)
Nota-se assim que Cícero não só aproveita a contribuição de Aristóteles
com relação à divisão da alma, mas também introduz seu próprio pensamento,
definindo e subdividindo as diversas afecções da alma de acordo com a
tradição apresentada pelos estóicos. Pode-se considerar que Platão seja a
inspiração primeira para a elaboração da obra, mas ao se formalizar alguns
conceitos filosóficos a influência direta ou indireta é Aristóteles.
Do mesmo modo Aristóteles nos seus escritos sobre a justiça toma como
fundamento a Politéia de Platão, obra em que o âmbito da justiça se amplia
para uma melhor definição, para que se pudesse vê-la melhor no plano da ética
individual. Essa passagem do plano coletivo em diferentes Estados e sociedades
para o plano individual caracteriza o plano da obra de Aristóteles, como se
pode constatar pelos exemplos apontados; quer dizer, os problemas políticos e
sociais do indivíduo podem-se ler com letras bem maiores em uma cidade ou
Estado.
Mas isso não constitui o ponto de maior proximidade entre os dois
mestres, fontes de Cícero. Na verdade, a tentativa de definição e compreensão
da justiça é o fundamento para as obras daqueles autores. Apesar das
diferenças de tratamento em algumas concepções filosóficas, como a divisão da
alma e suas afecções, pode-se considerar que a obra de ambos tem mais em
comum do que em discordância, já que o que difere no pensamento de um e de
outro é muitas vezes o grau de aproximação ou afastamento em relação ao
ponto considerado, como por exemplo na tripartição da alma para Platão e na
bipartição para Aristóteles; em um e em outro há a relação de comandante e
comandado, em que se inserem algumas subdivisões. Verdade é que tal
aproximação se verifica mais em relação à natureza dos problemas estudados
do que ao conteúdo doutrinal pretendido pelos autores. Essa aproximação é
notada também em outros escritos que parecem paralelos, quanto à natureza
dos problemas abordados, como o Fédon e a Ética a Eudemo, os fragmentos do
Gryllos e o Górgias, o De Caelo e o Timeu, temas que se interseccionam
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quanto o de Aristóteles:
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VI. Eam disputationem qua iustitia euertitur apud Ciceronem Lucius Furius
recordatur, credo, quoniam de re publica disserebat, ut defensionem laudationemque
eius induceret sine qua putabat regi non posse rem publicam. Carneades autem ut
Aristotelem ac Platonem, iustitiae patronos, prima illa disputatione collegit ea omnia
quae pro iustitia dicebantur, ut posset illa, sicut fecit, euertere. (Lactâncio, Diuinae
Institutiones V, 14, 5)
(Em Cícero, Lúcio Fúrio recorda aquele debate, pelo qual a justiça é
derrotada, creio, já que discursava sobre a república, para que induzisse sua
defesa e louvor, sem a qual [justiça] achava que a república não podia ser
administrada. Carnéades, para que refutasse Aristóteles e Platão, patronos da
justiça, reuniu naquele primeiro debate todas aquelas coisas que se diziam em
favor da justiça, para que pudesse, como o fez, revertê-las.)
Segundo Cícero, o argumento de Carnéades torna-se mais forte tanto
quanta for a importância nesse assunto de Platão e Aristóteles, com referência
às obras específicas sobre a justiça de um e de outro. Pode-se concluir com isso
que essas obras mantêm um grau de aproximação suficiente para que se
possam comparar constantemente, considerando-se o tema da justiça.
Não se pode deixar de ressaltar prova alguma que reforce esse
argumento da aproximação em paralelo da Politéia e do ,
uma vez que esta obra é perdida, atualmente. É ainda Lactâncio quem faz
referência ao episódio de Carnéades e comenta sobre a justiça, lembrando
sempre Platão e Aristóteles:
VII. 10- Plurimi quidem philosophorum, sed maxime Plato et Aristoteles, de
iustitia multa dixerunt adserentes et extollentes eam summa laude uirtutem, quod
suum cuique tribuat, quod aequitatem in omnibus seruet; et cum ceterae uirtutes quasi
tacitae sint et intus inclusae, solam esse iustitiam quae nec sibi tantum conciliata sit
nec occulta sed foras tota promineat et ad bene faciendum prona sit, ut quam plurimis
prosit ...
11- Sed quia ignorabant quid esset, unde proflueret, quid operis haberet,
summam illam uirtutem, id est commune omnium bonum, paucis tribuerunt eamque
nullas utilitates proprias aucupari, sed alienis tantum commodis studere dixerunt. Nec
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inmerito extitit Carneades, homo summo ingenio et acumine, qui reffeleret istorum
orationem et iustitiam quae fundamentum stabile non habebat euerteret, non quia
uituperandam esse iustitiam sentiebat, sed ut illos defensores eius ostenderet nihil certi,
nihil firmi de iustitia disputare. (Idem, Epitome 50 [55], 5 – 8)
(10- Certamente muitos dos filósofos, mas sobretudo Platão e Aristóteles,
disseram muitas coisas sobre a justiça afirmando e exaltando essa virtude com o
maior louvor, visto que atribui a cada um o seu e que preserva a eqüidade em
todos; e [disseram que], como as outras virtudes fossem como que tácitas e
fechadas para dentro, somente a justiça era a que nem era conciliada tanto a si
nem oculta, mas salientava-se toda para fora e era inclinada a bem-fazer, para
que fosse mais útil a muitos ...
11- Mas, porque ignoravam o que fosse, de onde emanasse, que função
tivesse, atribuíram aquela suma virtude, isto é, o bem comum de todos, a
poucos, e disseram que ela não visava a proveitos próprios nenhuns, mas
esforçava-se somente pelas vantagens alheias. Não sem razão Carnéades
sobressaiu-se, homem de sumo e agudo engenho, que refutava o discurso
desses e revertia a justiça, que não tinha fundamento estável, não porque sentia
que a justiça devia ser vituperada, mas para que mostrasse que aqueles seus
defensores debatiam nada certo, nada firme sobre a justiça.)
A relação entre Platão e Aristóteles é explícita, não se permitindo
duvidar de que estes autores estabeleceram o modelo de análise da justiça
seguido por todos aqueles que buscaram fundamento para prática da justiça no
âmbito social e individual.
Contudo, Cícero busca fundamentar sua teoria política não exatamente
com as teorias tiradas diretamente de Platão e Aristóteles, mas com essas
mesmas teorias filtradas pelos estóicos no tempo que se interpôs,
acrescentando-se que a forma de expor as idéias tomaram novo formato, mais
adequado ao pensamento romano de Cícero.
Nem por isso deixa-se de reforçar certos traços cuja fonte é
comprovadamente Aristóteles. Como se vê pelos trechos de Lactâncio que
suprem de certo modo as lacunas deixadas no manuscrito do Livro Terceiro do
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Lélio não reproduz o primeiro discurso de Carnéades, quando este fez o elogio
da justiça. Isso leva a crer que os argumentos de Lélio teriam sido aqueles, cujos
autores foram atacados no discurso anterior, pois seus argumentos procuram
reforçar que a justiça se estabelece conforme as exigências da lei natural,
universal e imutável.
Felizmente há testemunho suficiente para que isso se fundamente
objetivamente sobre a tradição de autores que recorreram a essas mesmas
idéias, ainda que para fins diferentes. Lactâncio parece referir-se a esse
problema em suas Diuinae Institutiones VI, 8, 6 - 9, no ponto em que Cipião –
De Rep. III, 33 - se recusa a dar resposta aos argumentos de Filo e cobra de
Lélio a promessa de um discurso feita no dia anterior:
[Laelius] - Est quidem uera lex recta ratio, naturae congruens, diffusa in omnis,
constans, sempiterna, quae uocet ad officium iubendo, uectando a fraude deterreat, quae
tamen neque probos frustra iubet aut uetat, nec inprobos iubendo aut uetando mouet.
Huic legi nec obrogari fas est, neque derogari aliquid ex hac licet, neque tota abrogari
potest, nec uero aut per senatum aut per populum solui hac lege possumus, neque est
quaerendus explanator aut interpres Sextus Aelius, nec erit alia lex Romae, alia
Athenis, alia nunc, alia posthac, sed et omnes gentes et omni tempore una lex et
sempiterna et inmutabilis continebit unusque erit communis quasi magister et
imperator omnium deus: ille legis huius inuentor, disceptator, lator; cui qui non
parebit, ipse se fugiet ac naturam hominis aspernatus hoc ipso luet maximas poenas,
etiamsi cetera supplicia quae putantur effugerit.
([Lélio] – Existe, na verdade, uma verdadeira lei: a razão correta,
congruente com a natureza, difundida em todos, constante, eterna, que chama
ao dever ordenando, vetando afasta da fraude, que contudo aos probos nem
ordena em vão ou veta, nem aos ímprobos comove ordenando ou vetando. A
esta lei nem é permitido ser ob-rogada, nem é lícito ser derrogado algo a partir
dela, nem é possível ser toda ab-rogada, e nem na verdade, seja pelo senado seja
pelo povo, podemo-nos desligar desta lei, nem se deve procurar um Sexto Élio6
6Aelius Sextus Paetus Catus, cônsul em 198 a.C., redigiu o primeiro livro de direito: Ius
Aelianum e um comentário das Leis das XII Tábuas: Tripertita.
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(Pois a cidade é quantidade não ao acaso, mas para uma vida auto-
suficiente.)
Parece que a citação de Cipião assemelha-se mais à de Aristóteles do que
à dos estóicos, pois a expressão non omnis hominum coetus quoquo modo
congregatus corresponde formalmente mais a de
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(Protágoras 322c)
(Então Zeus, tendo temido pela nossa raça, que não se perdesse toda,
envia Hermes conduzindo aos homens pudor e justiça, para que fossem
ornamentos das cidades e vínculos de amizade unificadores.)
Portanto, não se pode aceitar que o elemento jurídico da citação de
Cipião seja criação de estóicos, nem que ele tenha sido esquecido por
Aristóteles, por não se expressar em sua citação no mesmo ponto. Bastaria
prosseguir nesse mesmo ponto indicado, para verificar-se que esse elemento
indispensável não faltou, mesmo não sendo o tema proposto:
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'Quid aliud' inquit Aristoteles 'in bovis, non in regis sepulcro inscriberes?’
(Por que modo, então, pode ser agradável a vida, da qual esteja afastada a
prudência e a moderação? A partir disso se reconhece o erro de Sardanapalo,
opulentíssimo rei da Síria, que ordenou que se gravasse em seu túmulo:
‘Tenho o que comi, e o que a libido plenamente saturada
‘Hauriu; mas jazem deixadas aquelas muitas e brilhantes coisas.’
Que outra coisa, diz Aristóteles, inscreverias no sepulcro de um boi, não
de um rei?)
Essa referência a Sardanapalo, último rei dos assírios, a quem foi
atribúída uma vida de prazeres, ocorre em Aristóteles na Ética a Nicômaco I, 5,
1095b, em que se discute sobre a felicidade e o tipo de homem que escolhe uma
vida de prazeres – -:
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Esse tema, caro a Aristóteles, deve ter sido muito mais amplamente
desenvolvido no , pois logo em seguida há uma referência a
um lugar específico para esse debate que não é o da Política.
(Pol. A 1254
a33)
(Mas talvez essas coisas sejam de um exame mais exotérico.)
O exame mais exotérico deve-se referir a escritos destinados a um
público mais amplo e diferente dos seus habituais discípulos. Essa referência
reforça a conjectura da obra perdida, cujo tema era a justiça.
Seja como for, esse modo de justificar a servidão parece apropriado para
o contra-ataque ao argumento de Filo, que se afirmava sobre a impossibilidade
de se manter justo em uma cidade como Roma, em que havia a necessidade de
dominação de muitos outros povos, devendo assim manter-se injusta ou
devolver tudo a todos e voltar à condição de um simples povoado.
Lélio deve ter usado o mesmo argumento de Aristóteles, talvez da
mesma obra que se encontra hoje perdida, já que esta foi mencionada por Filo
um pouco antes; assim Santo Agostinho, querendo chegar a um fim diferente,
comprova a fonte de Cícero, já que este deveria fundamentar sua teoria política
e filosófica com o que houvesse de superior nessa matéria.
Para Aristóteles, essa justificativa da servidão natural resulta em algo
positivo devido ao equilíbrio obtido entre o ser que é dominado e o que é
dominante; este não poderia conseguir nada sem aquele, que por sua vez não
poderia alcançar nem mesmo o entendimento das coisas mais elementares.
Esse tema mantém até hoje uma polêmica acerca da condição da
escravidão, não só devida às diferenças sociais, mas sobretudo devida às
conseqüências de uma mudança de visão do mundo antigo para uma visão do
universo judaico-cristão; isso tem impedido um exame mais isento sobre o
assunto, já que a atualidade carrega um fardo muito constrangedor do
estabelecimento da vida social e de civilização tal como hoje se encontra.
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regum, sic imperatorum, sic magistratuum, sic patrum, sic populorum imperia ciuibus
sociisque praesunt ut corporibus animus; domini autem seruos ita fatigant ut optima
pars animi, id est sapientia, eiusdem animi uitiosas inbecillasque partes ut libidines, ut
iracundias, ut perturbationes ceteras.
(Mas tanto do mandar quanto do servir as dissememlhanças devem-se
reconhecer. Pois como se diz que o espírito manda no corpo, diz-se também que
manda na libido, mas manda no corpo como um rei nos seus cidadãos, ou como
um pai manda nos filhos; e manda na libido como um senhor manda nos
servos, porque a reprime e a alquebra. Assim os mandos – dos reis, dos
comandantes, dos magistrados, dos pais, dos povos – estão à frente de cidadãos
e aliados, como o espírito está à frente do dos corpos; os senhores fatigam os
servos assim como a melhor parte do espírito, isto é: a sabedoria, as partes
viciosas e fracas do mesmo espírito como libidos, irascibilidades, outras
perturbações.)
Não resta dúvida de que Cícero inverte a ordem estabelecida
naturalmente por Aristóteles, não por erro de leitura ou interpretação, mas o faz
deliberadamente, não hesitando em tomar seu próprio caminho, não obstante a
força de persuasão de sua fonte. No entanto, parece claro que as circunstâncias
do mundo de Cícero parecem ter influenciado seu pensamento, de modo que o
que parecia naturalmente propenso à obediência, a parte da alma relacionada
aos desejos, toma um novo aspecto, quase irredutível, que obriga a parte
racional a impor-se pela força, numa ordem do mais forte sobre o mais fraco.
Essa ordem é reveladora do ambiente político do final da República romana,
que tanto envolvera em suas tramas de partidos e facções a mente de Cícero,
que não seria possível supor que ele conseguisse manter-se isolado de tais
interferências, na composição do De Re Publica.
Com isso, torna-se quase inevitável que se atribua a Cícero um
comportamento ético seguidor da doutrina estóica, principalmente por causa da
proximidade de Panécio, que sem dúvida compôs o ambiente cultural da
geração anterior à de Cícero. Porém, a mesma crítica que se apressa em
classificar a obra de Cícero como estóica admite que a fonte da teoria da
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DE RE PUBLICA
LIVRO PRIMEIRO
I.1- Caio Duílio, Aulo Atílio, Lúcio Metelo [não] teriam com ímpeto
libertado [a pátria] do terror de Cartago, nem os dois Cipiões teriam com seu
sangue extinguido o nascente incêndio da segunda guerra púnica, nem a este,
provocado por maiores recursos, Quinto Máximo teria enfraquecido, ou Marco
Marcelo teria destruído, ou Públio Africano o teria compelido, arrancado das
portas desta cidade, para dentro das muralhas dos inimigos.
Na verdade, Marco Catão, homem desconhecido e novo7, a quem todos
nós que nos aplicamos a estas mesmas coisas somos levados como que a um
modelo para dedicação e virtude, certamente teve o direito de se deleitar em
sossego, em Túsculo, lugar salubre e próximo. Mas homem louco, como aqueles
julgam, quando nenhuma necessidade o coagisse, preferiu lançar-se nestas
vagas e tempestades, até extrema velhice, a viver naquela tranqüilidade e
sossego agradabilíssimo.
7Homo nouus: homem novo, o que não descende de uma família nobre e que, exercendo pela
primeira vez uma magistratura curul, funda assim sua nobreza (F. Gaffiot).
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Omito inumeráveis varões, cada um dos quais tiveram salvação para esta
cidade; e os que não estão afastados da memória desta geração deixo de
mencionar, para que ninguém se queixe de ter sido esquecido, ele ou alguém
dos seus. Determino unicamente isto: tamanha é a necessidade de virtude ao
gênero humano, e tamanho é o amor dado pela natureza, para que se defenda a
salvação comum, que esta força venceu todos os encantos do prazer e do
sossego.
II.2- Na verdade, não ter virtude suficiente é como que ter alguma arte,
se não uses; se bem que certamente uma arte, quando a não uses, contudo pode
ser mantido o mesmo conhecimento, a virtude foi posta inteira em seu uso; e
seu uso máximo é o governo da cidade e daquelas mesmas coisas que aqueles8
apregoam nos cantos9, realmente não por uma perfeita linguagem.
Pois nada é dito pelos filósofos que, na verdade, correta e honestamente
seja dito, que por aqueles não se tenha produzido e confirmado, pelos quais às
cidades o direito foi escrito. De onde então a devoção, ou de quais vem a
religião? de onde o direito ou dos povos ou este mesmo que se diz civil? de
onde a justiça, a fé, a eqüidade? de onde o pudor, a continência, a fuga da
torpeza, a procura do louvor e da honestidade? de onde a firmeza nos labores e
perigos? Em verdade, daqueles que as confirmaram por disciplinas, umas
formadas por costumes, e consagraram outras por leis.
3. E ainda, até mesmo Xenócrates, nobre filósofo entre os primeiros,
quando se queria saber dele o que alcançavam seus discípulos, dizem ter
respondido que faziam por vontade própria o que se obrigavam a fazer pelas
leis. Portanto, deve-se preferir aquele cidadão que obriga a todos pelo poder e
pena das leis isto que a custo a poucos podem os filósofos persuadir pela
palavra, até àqueles mesmos doutores que discutem essas coisas. Então, que
linguagem daqueles é tão procurada que se deva antepor à cidade bem
constituída pelo direito público e pelos costumes? Na verdade, deste modo
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III.4- A estas razões tão certas e tão luminosas são postas, por aqueles
que primeiro contra-argumentam, dificuldades que se devem suportar, para
que a República seja defendida, na verdade um leve impedimento ao vigilante e
laborioso e que deve ser desprezado não só em tão grandes coisas, mas também
nas medianas seja nos estudos, seja nos deveres, seja até mesmo nos negócios.
São acrescentados perigos à vida, e destes um torpe medo da morte se
apresenta aos fortes varões a quem isto, consumir-se pela natureza e velhice,
mais costuma parecer lamentável, do que ser-lhe dado tempo, para que possam
antes de tudo pela pátria restituir esta vida, que no entanto devia ser restituída
à natureza.
Na verdade, nesse ponto, julgam-se copiosos e eloqüentes, quando
reúnem calamidades dos homens mais ilustres e injúrias postas, a partir
daqueles cidadãos ingratos.
5. Daí, então, aqueles exemplos mesmo entre os gregos: Milcíades,
vencedor e domador dos persas, ainda não sanadas aquelas feridas, que tinha
recebido, corpo voltado à claríssima vitória, dissipou a vida, das armas dos
inimigos preservada, nos laços dos cidadãos; e Temístocles, repelido e expulso
da pátria que tinha libertado, recorreu não aos portos da Grécia salvos por si,
mas ao seio dos bárbaros, que tinha abatido.
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10 Falta uma linha, que se conjectura; uel crudelissima post reditum eius “ou crudlelíssimo
(assassinato de principais) após sua volta”.
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8. Pois nem por esta lei a pátria nos gerou e educou de modo a que quase
nenhuma subsistência esperasse de nós e entretanto, ela mesma servindo a
nossos interesses, fornecesse seguro refúgio a nosso sossego e lugar tranqüilo
na quietude, mas para que ela mesma tomasse como penhor para seu proveito
as mais numerosas e maiores partes de nosso espírito, engenho e conselho; e
tanto nos concedesse para uso privado, quanto pudesse ser-lhe a mais.
V.9- Já aqueles refúgios que tomam a si como escusa, com que mais
facilmente usufruam do sossego, sem dúvida minimamente devem ser ouvidos,
quando assim dizem que aproximam-se da república geralmente homens
dignos de nada bom, que com os quais ser comparados é sórdido e que bater-se,
sobretudo estando incitada a multidão, é lamentável e perigoso. Por causa do
que nem é de sábio aceitar as rédeas, quando não possa coibir os ímpetos
insanos e indômitos do vulgo, nem de homem livre ou suportar os açoites das
afrontas lutando com adversários impuros e desumanos ou esperar que injúrias
não se devam fazer a um sábio; por conseqüência, como que aos bons, corajosos
e dotados de grande ânimo haja algo mais justo para se aproximar da república,
do que não ceder aos ímprobos, nem admitir que por eles seja despedaçada a
república, quando não possam eles mesmos levar auxílio, se desejarem.
VI. 10- E aquela exceção, a quem afinal pode ser aprovada: que negam
que o sábio venha a assumir alguma parte da república, exceto a que por acaso
a circunstância e a necessidade o obrigue? Como se, na verdade, pudesse
acontecer a alguém necessidade maior do que aconteceu a nós, na qual que teria
podido fazer, se não tivesse então sido cônsul? E como pude ser cônsul, se não
tivesse tido desde a infância aquele curso da vida, pelo qual, nascido de família
eqüestre, chegasse à honra mais importante? Pois não há poder fora de tempo,
nem quando tenhas desejo de levar socorro à república, ainda que ela seja
apertada por perigos, se não estejas naquele lugar, para que te seja permitido
fazer isso.
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VII. 12- Estas coisas foram ditas por mim com muitíssimas palavras por
esta causa: porque a esta obra fora instituído e empreendido por mim um
debate sobre a república; para que este não se tivesse inutilmente, tive de
eliminar primeiro a hesitação do aproximar-se da república. E contudo, se
alguns há que se impressionam com a autoridade dos filósofos, atentem por um
momento e ouçam aqueles11, cuja autoridade e glória são as mais elevadas junto
aos homens mais doutos; os quais penso, mesmo que eles mesmos não tenham
gerido a república, contudo, já que sobre a república buscaram e escreveram
muitas coisas, terem desempenhado alguma função da república. Na verdade,
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aqueles sete que os gregos chamaram sábios12, quase todos vejo que se
versaram em meio à república. Pois nem há alguma coisa, em que a virtude
humana se chegue ao poder dos deuses mais aproximadamente do que ou
fundar cidades ou preservar as já fundadas.
VIII. 13- Destas coisas, uma vez que a nós tocou como o mesmo, tanto no
gerir a república ficássemos na memória: algo digno de se alcançar, quanto no
explicar as razões das coisas civis, não só no uso, mas também no zelo de
aprender e ensinar ...13 ficássemos autores de uma certa propriedade, quando,
superiores, uns tivessem sido polidos em debates, de cujas realizações nada se
encontrasse, outros prováveis no gerir, rudes no dissertar. Nem, na verdade,
uma certa nossa razão deve-se instituir, nova, e nem foi encontrada por nós,
mas deve-se retomar de memória um debate dos homens de nossa cidade mais
ilustres e sábios de uma só geração, que foi exposto a mim e a ti 14, então
mocinho, por Públio Rutílio Rufo15, em Esmirna, quando juntamente estávamos
vários dias, no qual imagino que quase nada que pertencesse grandemente às
razões de todas as coisas foi deixado passar.
IX. 14- Pois, como Públio Africano, aquele filho de Paulo, sendo cônsules
Tuditano e Aquílio, decidisse nas férias latinas estar nos jardins, e seus amigos
mais próximos, em grande número junto a ele, dissessem que por aqueles dias
haviam de visitá-lo freqüentemente, amanhecendo nas férias, vem a ele
primeiro o filho de sua irmã, Quinto Tuberão; como amigavelmente Cipião o
tivesse cumprimentado e com prazer o tivesse visto, diz: “Como tu, tão cedo,
Tuberão? pois davam-te estas férias com certeza oportuna possibilidade para
desenrolar teus livros”.
12 Tales de Mileto; Bias de Pirene; Pítacos, tirano de Mitilene; Cleóbulo, tirano de Lindos;
Quílon, éforo de Esparta; Periandro, tirano de Corinto. Platão foi o primeiro a dar a lista (Prot.
343).
13 Falta talvez uma linha, pulada pelo copista.
14 Presume-se que seja o irmão mais novo de Cícero, Quinto.
15 Discípulo de Panécio. Em 98 a.C. foi legado de Múcio Cévola na Ásia; teria encontrado Cícero
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16 Trata-se dos problemas causados pelas distribuições de terra (Lex Sempronia), após a morte de
Tibério Graco.
17 Fenômeno óptico provocado pelo reflexo do sol em uma nuvem que contém cristais de gelo.
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procurasse sobre a natureza teria dito ser maior do que a razão dos homens
possa alcançar ou em nada absolutamente pertencer à vida dos homens.
16. Depois, Tuberão:
- Não sei, Africano, por que se tenha entregue assim à memória que
Sócrates tenha rejeitado toda essa discussão e somente sobre a vida e sobre os
costumes costumava questionar. Pois que autor mais fecundo sobre aquilo do
que Platão podemos louvar? Em cujos livros, em muitos lugares, Sócrates fala
assim: que, mesmo quando discute sobre costumes, sobre virtudes e enfim
sobre a república, contudo esforça-se em juntar, pelo hábito de Pitágoras,
números, geometria e harmonia.
Então, Cipião:
- São essas coisas como dizes; mas creio que tu ouviste, Tuberão, que
Platão, estando Sócrates morto, estendeu-se primeiro ao Egito para estudar,
depois à Itália e à Sicília, para que aprendesse inteiramente as descobertas de
Pitágoras, e que ele esteve muito com Árquita de Tarento e com Timeu de
Locres e que encontrou comentários de Filolau e, quando naquele tempo, nestes
lugares, o nome de Pitágoras era forte, ele dedicou-se tanto aos homens
pitagóricos quanto àqueles estudos. E assim, como tivesse amado Sócrates
especialmente e tivesse desejado atribuir a ele todas as coisas, cobriu a graça e a
sutileza socrática com a obscuridade do discurso de Pitágoras e com aquela
gravidade de muito numerosas artes.
XI. 17- Como Cipião tivesse dito estas coisas, de repente avistou Lúcio
Fúrio que chegava e, quando o saudou muito amigavelmente, pegou e colocou-
o em seu leito. E como ao mesmo tempo Públio Rutílio tivesse chegado, que é o
autor deste discurso para nós, este também, quando saudou, perto de Tuberão
mandou sentar.
Então, Fúrio:
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- Que vós fazeis? Por acaso nossa chegada interrompeu algum discurso
vosso?
- O menos possível, na verdade, disse Africano; pois tu costumas
investigar aplicadamente estas coisas que estão neste gênero de que pouco
antes Tuberão decidira perguntar. Na verdade, nosso Rutílio, mesmo sob as
próprias muralhas da Numância, costumava algumas vezes questionar comigo
algo desta dimensão.
- Que coisa afinal ocorrera? diz Filo.
Então, ele (Cipião):
- Desses dois sóis, de que desejo, Filo, ouvir de ti o que pensas.
XII. 18- Dissera ele isto, quando um menino anunciou que Lélio vinha a
ele e que já tinha saído de casa. Então Cipião, tomados os calçados e as vestes,
saiu e, como tivesse andado um pouquinho no pórtico, saudou Lélio que
chegava e aqueles que ao mesmo tempo tinham vindo: Espúrio Múmio, que
entre os primeiros estimava, Caio Fânio e Quinto Cévola, genros de Lélio,
doutos jovens, já em idade da questura19. Como os tivesse a todos saudado,
voltou-se no pórtico e juntou ao meio Lélio; pois houve na amizade entre eles
como que um certo direito: em guerra, Lélio cultuava o Africano como um
deus, por causa da distinguida glória militar; em paz, por sua vez, Cipião
considerava Lélio, porque o antecedia em idade, em lugar do pai. Depois, como
tivessem conversado muito poucas coisas entre si, com um ou com outro, e
como a Cipião a chegada deles tivesse sido muito agradável e muito grata,
aprouve que se assentassem em um lugar mais ensolarado, lugar de um
pequeno prado, porque era inverno a estação do ano; como quisessem fazê-lo,
chega um homem prudente e agradável e caro a todos eles, Mânio Manílio, que,
por Cipião e pelos outros muito amigavelmente saudado, assentou-se bem
próximo a Lélio.
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desenhada com astros e estrelas, que se fixavam no céu; dela todo ornato e
descrição, tomada de Eudoxo muitos anos após, não pela ciência da astrologia,
mas por uma certa faculdade poética, Arato24 expôs em versos. E este gênero de
esfera, em que estavam os movimentos do sol e da lua e daquelas cinco estrelas
que se denominavam errantes e como que vagas, naquela esfera sólida não
pôde ser delimitado, e nisso deve-se admirar o invento de Arquimedes que
refletiu de que modo uma só conversão conservaria, em dissímeis movimentos,
cursos desiguais e vários. Como Galo movesse esta esfera, acontecia que a lua
em precisamente tantas conversões naquele bronze, quantos dias no próprio
céu punha-se sob o sol, a partir do que tanto acontecia aquele mesmo eclipse do
sol no céu e na esfera, quanto incidia a lua então naquele cone que era a sombra
da terra, quando o sol em linha reta ...
[Perderam-se oito páginas.]
23Foi construído por Marcelus, filho do vencedor de Siracusa, pelo voto feito por seu pai na
batalha de Clastidium em 222 a.C.
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XVI. 25- E algo desse modo também, naquela guerra25 longuíssima que
atenienses e lacedomônios fizeram entre si com a maior tensão, aquele Péricles,
com autoridade, eloqüência e conselho, primeiro de sua cidade, como tivessem-
se feito trevas de repente, obscurecido o sol, e o maior temor tivesse ocupado os
ânimos dos atenienses, diz-se ter ensinado o que ele mesmo recebera de
Anaxágoras, de quem fora ouvinte: que aquilo acontece em tempo certo e
necessário, quando toda a lua se tiver posto sob o globo do sol; e assim, mesmo
que isto não aconteça em toda lua nova, contudo não pode acontecer, senão na
lua nova. Como tivesse ensinado isto argumentando com cálculos, libertou do
medo o povo; pois então este cálculo era novo e ignorado: o sol oposto à lua
costumar eclipsar-se, que, dizem, Tales de Mileto primeiro ter visto. E isto
posteriormente não escapou, na verdade, a nosso Ênio, que, como escreve, mais
ou menos no tricentésimo qüinquagésimo ano após Roma fundada: “Nas nonas
de junho pôs-se diante do sol a lua, e a noite.”
E nisto tamanha é a razão e a habilidade, que desde este dia que vemos
assinalado em Ênio e nos anais dos pontífices máximos26 os eclipses do sol
anteriores foram recalculados até aquele que houve nas nonas de julho,
reinando Rômulo; na verdade, nestas trevas, ainda que a natureza arrastou
Rômulo a um termo humano, a virtude contudo, diz-se, tê-lo sustentado no céu.
principais eventos.
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com nenhuma testemunha, ou falem eles mesmos consigo ou como que estejam
presentes em reunião dos homens mais doutos, quando se deleitam com os
achados e escritos deles? Quem na verdade pode imaginar qualquer um mais
rico do que aquele a quem nada falte? que certamente a natureza reclamasse, ou
mais poderoso do que aquele que consiga tudo o que procure, ou mais feliz do
que o que esteja livre de toda perturbação de ânimo, ou com o destino mais
seguro do que o que possua aquilo que consigo, como dizem, até de naufrágio
possa levar? E que comando, que magistratura, que reino pode ser mais notável
do que, desprezando todas as coisas humanas e julgando inferiores à sabedoria,
cogitar alguma vez no espírito nada, senão o eterno e divino, a quem tenha sido
persuadido os outros serem chamados humanos, serem somente aqueles que
tivessem sido polidos nas próprias artes da humanidade? 29. Como aquele dito
de Platão, ou algum outro30 disse, parece-me ser de muito bom gosto: alguém,
como do alto mar a tempestade tivesse levado a terras ignotas e ao litoral
deserto, os outros temendo por causa do desconhecimento dos lugares, dizem
ter notado na areia algumas formas geométricas estarem escritas; como as
tivesse visto, gritou que fossem de bom ânimo, pois ele via vestígios de homens,
coisa que claramente era interpretada não a partir da semeadura do campo que
ele distinguia, mas a partir dos indícios de instrução. Por isso, Tuberão, sempre
me agradaram tanto a instrução, quanto homens eruditos, quanto esses teus
estudos.
30 Segundo Diógene Laércio (II,8,4) e Vitrúvio (VI,1), o dito é de Aristipo, fundador da escola
cirenaica.
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coisas que nunca encontraria, mas porque respondia as coisas que livrariam
tanto de preocupação quanto de embaraço os que tivessem procurado, e ao que
discutia contra os estudos de Galo sempre estava na boca aquele Aquiles, de
Ifigênia:
“Os sinais do céu, o que é próprio da observação dos astrólogos,
“quando, ou cabra ou escorpião, surge algum nome de feras,
“o que está diante dos pés ninguém olha, perscrutam as plagas do céu31.”
E ele mesmo (pois eu o ouvia muito e com prazer) dizia ser aquele
Zetho32 de Pacúvio demasiado inimigo da doutrina; mais o deleitava
Neoptólemo de Ênio, que diz de si que quer filosofar, mas em poucas coisas;
pois que em tudo não é agradável. Porque, se os estudos dos gregos tanto vos
deleitam, há outros mais livres e difusos mais amplamente, que quer ao uso da
vida quer também à própria república podemos levar. Na verdade, essas artes,
se apenas valem algo, valem para que agucem um pouco e como que estimulem
os engenhos das crianças, com que mais facilmente possam aprender coisas
mais importantes.
XIX. 31- Então, Tuberão:
- Não discordo de ti, Lélio, mas procuro que coisas tu entendes ser as
mais importantes.
[Lélio]:
- Direi, por Hércules, e serei desprezado por ti possivelmente, como tu
tenhas procurado de Cipião essas coisas celestes, eu por outro lado vou estimar
estas coisas que parecem ante os olhos que devem ser mais procuradas. Por que
então a mim o neto de L. Paulo33, com este tio materno, nascido em nobilíssima
família e nesta tão clara república, procura de que modo dois sóis tenham sido
vistos, não procure por que em uma só república dois senados e quase já dois
povos existam? Pois, como vedes, a morte de Tibério Graco34 - e já antes toda
31 Tragédia adaptada de Ifigênia em Áulis, de Eurípides, correspondendo aos versos 919 a 974.
32 Zetho, personagem do Antíope, de Pacúvio. Ele louvava a vida ativa, contrário ao seu irmão
gêmeo Anfião, que louvava a vida contemplativa.
33 Tuberão era filho de Emília, irmã do Emiliano, e tinha por avô Emílio Paulo.
34 Morto em 133 a.C.
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XXI. 34- Como isso tanto Filo, quanto Manílio, quanto Múmio tivessem
aprovado inteiramente ... [ Perderam-se duas páginas]
35 Cipião Emiliano.
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[Lélio]:
- ... não só por essa causa: que era justo que da república falasse o mais
importante senador da república, quis que acontecesse, mas também porque
lembrei-me de que muito freqüentemente dissertavas com Panécio, de sólito em
presença de Políbio, dois gregos realmente muito expertos nas coisas civis, e
reunia muitas coisas e ensinava que de longe o melhor estatuto da cidade era
aquele que nossos antepassados nos tinham deixado. No qual debate, já que tu
és mais preparado, terás dado a nós todos prazer - que até mesmo por estes
direi - se tiveres explicado o que sentes da república.
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república tu mesmo tenhas facilmente vencido a todos; e temos que sempre tens
sido dedicado a estes estudos. Por isso, se como dizes dirigiste mesmo o ânimo
a essa reflexão, até como que uma arte, tendo o maior agradecimento a Lélio,
pois espero que muito mais fecundas hão de ser as coisas que serão ditas por ti,
do que todas as que nos foram escritas pelos gregos.
Então, ele (Cipião):
- Realmente muito grande expectativa tu impões ao meu discurso, ônus
que é muitíssimo grave para quem há de falar de assuntos importantes.
E Filo:
- Ainda que seja grande, contudo excedê-la-ás, como costumas; e nem de
fato há perigo de que o discurso seja insuficiente, tu dissertando sobre a
república.
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XXV. 39- Então, diz Africano, a república é coisa do povo, contudo povo
não é todo ajuntamento de homens congregado de qualquer modo, mas
ajuntamento do vulgo associado por consenso do direto e por comunhão de
interesse. Contudo sua primeira causa de se ajuntar não é tanto a fraqueza
quanto uma certa como que congregação natural de homens; pois este gênero
não é isolado nem solitário-errante, mas assim criado que nem, na verdade, em
afluência de todas as coisas ...
[Perderam-se duas páginas]
40. ... e isto a própria natureza não só incitaria, mas também obrigaria.
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arbítrio dos aristocratas. Mas essa cidade é democrática (pois assim chamam),
em que no povo todas as coisas estão.
Mas qualquer dos três gêneros, se contenha aquele vínculo que primeiro
ligou por associação da república os homens entre si, não é perfeito; isso na
verdade não é o melhor - na minha opinião -, contudo é tolerável e de modo
que um possa ser mais eficaz do que o outro. Pois seja um rei justo e sábio, seja
cidadãos escolhidos, principais, seja o próprio povo, ainda que este deve ser o
menos aprovado, contudo, não se entrepondo injustiças ou cobiças, parece que
a alguém pode ser de não incerto estado.
XXVIII. 44- E falo isto destes três gêneros de governo não desordenados e
confundidos, mas que mantêm seu estado. Gêneros que primeiro estão nesses
vícios um a um, que antes eu disse, depois têm outros vícios funestos; pois
nenhum gênero dessas repúblicas há que não tenha caminho para algum mal
limítrofe, precipitado e escorregadio.
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36Alusão à morte de Fálaris, tirano de Agrigento (570 - 554), em um touro de bronze, destinado
a supliciar suas vítimas.
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quando uma coisa desembaraça uns, outra coisa desembaraça outros, nascem as
discórdias. E assim, quando os patrícios se apoderam das coisas, nunca se
estabelece o estatuto da cidade. Já isso muito menos nos reinos dos quais, como
diz Ênio: “Nenhuma associação é sagrada, nem confiança37”. Por isso, quando a
lei é vínculo da sociedade civil, o direito da lei é igual; por qual direito a
associação dos cidadãos pode ser mantida, quando igual não seja a condição
dos cidadãos? Pois, se igualar-se as riquezas não agrada, se os talentos de todos
não podem ser iguais, decerto devem ser iguais os direitos daqueles entre si,
que são cidadãos na mesma república. Pois que é cidade, senão associação de
direito dos cidadãos? ... [Perderam-se duas páginas]
37 Fragmento de uma tragédia de Ênio (fr. 197), também citada no De Officiis I,8.
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- ... Se fortuitamente isso fará, tão rapidamente quanto uma nau será
revirada, se dos passageiros um conduzido por sorteio tenha-se dirigido ao
governo. Por isso, se um povo livre escolha com quais se reúna e escolha, se é
que quer estar salvo, cada um melhor, com certeza a salvação das cidades foi
posta nos conselhos dos melhores, sobretudo quando a natureza tenha trazido
isto: não só que os mais elevados em virtude e ânimo estivessem à frente dos
mais fracos, mas que estes também queiram obedecer aos mais elevados. Mas
dizem que este ótimo estatuto foi revirado por malfeitas opiniões dos homens,
que por desconhecimento da virtude que, quando está em poucos, então por
poucos se julga e se percebe, pensam que homens opulentos e ricos, nascidos
então de família nobre, são os melhores. Por este erro do vulgo, quando os
recursos de poucos, não as virtudes, começaram a manter a república, aqueles
principais dos aristocratas mantêm teimosamente o nome, e disso carecem,
desse nome. Pois riquezas, nome, recursos desprovidos de conselho tanto de
viver como de ordenar aos outros são apenas cheios de desonra e de insolente
soberba, e nenhuma espécie de cidade é mais disforme do que aquela em que os
mais opulentos são julgados os melhores.
52. A virtude na verdade governando a república, que pode ser mais
preclaro? quando aquele que ordena aos outros serve ele próprio a nenhum
desejo, quando ele próprio abraçou todas as coisas para as quais estabelece e
convoca os cidadãos e não impõe as leis ao povo, às quais ele próprio não
obedeça, mas sua vida, como a lei, oferece aos seus cidadãos. Se alguém sozinho
pudesse conseguir tudo suficiente, nada seria necessário aos mais; se todos
pudessem ver o melhor e nele consentir, ninguém procuraria os principais
eleitos. A dificuldade do conselho que se deve tomar transferiu a coisa do rei
aos mais, o erro e a leviandade dos povos transferiu da multidão aos poucos.
Assim entre a fraqueza de um só e a leviandade de muitos, os aristocratas se
apossaram do lugar médio; do que esse nada pode ser mais moderado. Esses
guardando a república, necessário é os povos serem os mais felizes, livres de
todo cuidado e preocupação, permitido seu sossego pelos outros, por quem isso
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deve ser guardado e não exposto a que em seu proveito o povo pense ser
negligenciado pelos principais.
53. Pois na verdade a eqüidade de direto -quanto abraçam os povos
livres- nem pode ser conservada, pois os próprios povos, ainda que tenham-se
soltado e desenfreado, atribuem especialmente a muitos muitas coisas, e há
neles mesmos grande dileto dos homens e dignidades, e esta que se chama
eqüidade é a mais iníqua; quando então tem-se igual a honra aos mais elevados
e aos mais baixos, que necessário é existam em todo povo, a própria eqüidade é
a mais iníqua. O que naquelas cidades que pelos melhores são dirigidas não
pode acontecer. Estas aproximadamente, Lélio, e algumas coisas desse gênero
costumam ser discutidas por aqueles que sobretudo louvam essa forma de
república.
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Lélio:
- Creio, diz, mas desenredar o que resta a custo poderão, caso fiques
devedor disto começado.
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38 Da expulsão de Tarqüínio (510 a.C.) à data do diálogo (129 a.C.) há 381 anos.
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39Fascis, -is (m): feixe de varas de olmo ou bétula, geralmente com uma machadinha no meio,
que os lictores levavam à frente dos magistrados, como símbolo do poder que lhes assistia de
castigar ou condenar à morte.
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a salvação mais do que o desejo. Na verdade, nas guerras mais graves, também
sem colega os nossos quiseram que todo mando fosse para particulares, cujo
próprio título indica a força de seu poder. Pois ditador em verdade por isso se
chama, porque é dito, mas em nossos livros vês, Lélio, que ele é chamado
mestre do povo.
- Vejo, diz.
E Cipião:
- Sabiamente então aqueles antigos ... [Perderam-se duas páginas]
Diu, apesar das lições dia, pia, dura e fida, segundo a lição editada por James E. G. Zetzel, pela
40
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XLV. 69- Como isto esteja assim, dos três primeiros gêneros de longe
excede, na minha opinião, o monárquico, e ao mesmo monárquico excederá
aquele que for equilibrado e misturado a partir dos três primeiros modos de
repúblicas. Agrada de fato haver na república um certo gênero que excede,
também real, haver outro não dividido e atribuído à autoridade dos principais,
haver alguns gêneros preservados para o juízo e vontade da multidão. A
constituição tem primeiro estas coisas: alguma grande eqüidade, de que a custo
homens livres podem carecer por muito mais tempo, depois firmeza, porque
mesmo aqueles primeiros gêneros facilmente se convertem em vícios contrários,
de modo que de um rei surja um senhor, dos aristocratas uma facção, do povo
turba e confusão, e porque os próprios gêneros freqüentemente se mudam em
novos gêneros; isto nesta junta e moderadamente misturada constituição da
república quase não acontece, sem os grandes vícios dos principais. Não há
portanto causa de revolução, quando cada um está em sua posição firmemente
colocado e não subjaz para onde se precipite e decaia.
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43 Cartago e Numância.
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LIVRO SEGUNDO
I. 1- ... por desejo de ouvir começou Cipião a falar assim: isto é de Catão,
o velho, que, como sabeis, particularmente estimei e ao máximo admirei, a
quem me dediquei todo desde a adolescência seja por juízo de um e de outro
pai44 seja também por meu zelo, cujo discurso nunca me pôde saturar, tamanho
era no homem o hábito da república que tinha gerido tanto na paz quanto na
guerra, assim excelentemente como também por muitíssimo tempo, tanto a
medida no dizer quanto a elegância misturada à gravidade quanto o maior zelo,
quer do aprender quer do ensinar, quanto a vida congruente o bastante ao
discurso.
2- Ele costumava dizer que por esta causa o estatuto da nossa cidade
excede o das outras cidades: que naquelas indivíduos houve ordinariamente
dos quais cada um constituiu sua república por leis e institutos seus, como dos
cretenses Minos, dos lacedemônios Licurgo, dos atenienses, que muitas vezes
foi mudada, ora Teseu, ora Drácon, ora Sólon, ora Clístenes, ora muitos outros,
por fim já exângüe e estendida um douto homem, Demétrio de Falero, a
sustentou; a nossa república não foi constituída por engenho de um só, mas de
muitos, e nem por única vida de homem, mas por alguns séculos e gerações.
Pois dizia que nenhum engenho surgiu tamanho, que alguém alguma vez
existiu, a quem nenhuma coisa afugentasse, e que nem todos os engenhos
referidos em um só pode prover tanto a um só tempo, que abrangessem tudo
sem o hábito e antigüidade da coisas.
3- Por isso, como ele costumava, assim agora meu discurso repetirá a
origem do povo romano, pois com prazer também uso da palavra de Catão. E
mais facilmente alcançarei o que foi proposto, se eu mostrar-vos nossa república
44L. Aemilius Paulus, o pai natural de Cipião (Scipio Aemilianus), P. Cornelius Scipio, seu pai
adotivo; de fato este era chamado de Africanus maior, aquele de Africanus minor.
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tanto nascente quanto crescente quanto adulta quanto já firme e robusta, do que
se eu mesmo fingir alguma para mim, com Sócrates, em Platão.
II. 4- Como todos tivessem aprovado isto: que exórdio temos, diz, de
república instituída tão claro e tão conhecido a todos quanto o princípio desta
urbe a ser fundada proveniente de Rômulo? O qual nascido do pai Marte
(concedamos com efeito à fama dos homens, sobretudo não inveterada só, mas
também com sabedoria transmitida pelos ancestrais, bem se julguem os méritos
das coisas comuns, como a raça também, não só o engenho ser divino), ele
então, quando nasceu, com o irmão Remo, diz-se, que foi ordenado ser exposto
junto ao Tibre, por Amúlio, rei albano, por temor do reino se abalar; no qual
lugar, como tivesse sido sustentado pelas mamas de besta silvestre e pastores o
tivessem sustentado e alimentado no culto e trabalho agreste, mantém-se,
quando cresceu, tanto em forças do corpo quanto em ferocidade de ânimo ter
excedido os outros tanto que todos que então habitavam aqueles campos, onde
hoje está esta urbe, equânimes obedeciam a ele, e com prazer. Com tropas
destes, como se tivesse apresentado chefe – que já das fábulas aos fatos
cheguemos – ter oprimido Alba Longa, válida e potente urbe naqueles tempos,
e ter destruído o rei Amúlio conta-se.
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onda não banhe? Assim os campos dos bárbaros parece haver, como que
tecidos junto, alguns litorais da Grécia; pois na verdade dos próprios bárbaros
nenhum havia antes marítimo, exceto etruscos e púnicos, uns por causa de
comerciar, outros por causa de assaltar. Esta é a causa perspícua dos males e
das mudanças da Grécia, por causa desses vícios das urbes marítimas que
pouco antes muito brevemente toquei. Mas, contudo, nestes vícios está aquela
grande comodidade: tanto o que em toda parte foi gerado, que àquela urbe que
habites possa chegar por água, quanto em troca, que isso que seus campos
ofereçam possam levar e remeter a quaisquer terras que queiram.
45 Em 390 a.C.
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VIII. 14- E após a morte de Tácio, como todo o domínio tivesse recaído
para ele, ainda que com Tácio para conselho dos reis tinha escolhido principais
(que foram chamados pais por causa da afeição) e tinha distribuído o povo
tanto com o seu nome quanto com o de Tácio e de Lucumão, que, aliado de
Rômulo, tinha morrido na batalha sabina, em três tribos e trinta cúrias (cúrias
que denominou pelos nomes daquelas que dos sabinos tinham sido raptadas
virgens, depois súplices de paz e aliança), ainda que essas coisas tinham-se
distribuído, Tácio sendo vivo, contudo, tendo ele sido morto, muito mais ainda
Rômulo reinou pela autoridade e conselho dos pais.
IX. 15- Feito isso, por primeiro viu e julgou o mesmo que em Esparta
Licurgo pouco antes tinha visto: com singular mando e poder real as cidades
então melhor serem governadas e regidas, se tiver sido acrescentada a
46Festas em honra de Conso, divindade romana cujo altar enterrado no meio do Circo Máximo
era desenterrado nessas festas em sua honra (Dic. da Mit. – P. Grimal).
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X. 17- E Rômulo, como tivesse reinado trinta e sete anos e tivesse gerado
estes dois sustentáculos da república, auspícios e senado, tanto conseguiu que,
como súbito, obscurecido o sol, não tivesse comparecido, pensava-se ter sido
colocado no número dos deuses; opinião que nenhum mortal pôde alguma vez
alcançar sem extraordinária glória de virtude.
18- Mas isto a tal ponto mais deve-se admirar em Rômulo, que os outros,
que dizem de homens ter-se tornado deuses, foram de gerações de homens
menos instruídas, de modo que do fingir era pendente a razão, como inexpertos
fossem facilmente impelidos a crer. E discernimos a idade de Rômulo ter sido
menos do que estes seiscentos anos, já tornadas antigas literatura e doutrinas, e
afastado todo aquele antigo error da inculta vida dos homens. Pois se, o que se
investiga pelos anais dos gregos, Roma foi fundada no ano segundo da sétima
olimpíada48, a esse século caiu a idade de Rômulo, quando a Grécia era já plena
de poetas e músicos, e tinha-se menor fé nas fábulas, salvo das coisas antigas.
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Pois cento e oito anos depois que Licurgo determinou escrever as leis 49 foi
fixada a primeira olimpíada, que na verdade por erro de nome pensam que foi
estabelecida por aquele Licurgo50; e Homero, os que dizem o mínimo, antepõem
aproximadamente trinta anos à idade de Licurgo51.
19- A partir do que pode-se entender que Homero existiu muitos anos
antes que Rômulo, de modo que, já doutos os homens e os mesmos tempos
eruditos, a custo algo daria lugar para o fingir. A Antigüidade de fato recebeu
fábulas fingidas alguma vez mesmo [sem fundamento, mas esta idade já bem
cultivada, principalmente zombando de tudo que não pode acontecer, rejeitou52
...]
20- ... [Estesícoro], seu neto, como disseram na verdade, da parte de sua
filha. Mas ele morreu no ano em que Simônides nasceu, na qüinquagésima
sexta olimpíada, em que mais facilmente já se possa entender então a crença
pela imortalidade de Rômulo, como a vida dos homens já tivesse sido
envelhecida e tratada e conhecida. Mas de fato tamanha foi nele a força de
engenho e de virtude que se creditava a Próculo Júlio 53, homem do campo, isto
acerca de Rômulo, que muitos séculos já antes54 os homens teriam crido a
nenhum outro acerca de um mortal. O qual, com impulso dos senadores pelo
que eles afastariam de si a recusa da perda de Rômulo, em assembléia conta-se
ter dito que Rômulo foi visto por ele naquela colina, que agora se chama
Quirinal, e que ele ordenou-lhe que pedisse ao povo que naquela colina se
fizesse um santuário a si, que ele era deus e que se chamava Quirino.
49 Por volta de 884, segundo o historiador Timeu. Segundo Eratóstenes e Eusébio, 826 a.C.,
cinqüenta anos da primeira olimpíada.
50 Segundo Aristóteles (apud Plutarco, Lyc.I), Licurgo instituiu uma trégua com Ífito em 776
a.C., durante os jogos olímpicos. Evidentemente este não era o legislador espartano.
51 Segundo Apolodoro (II séc. a.C.), através de C. Nepos e de Heródoto (2, 53), Homero teria
existido trinta anos antes de Licurgo, entre 914 e 910 a.C., cento e sessenta anos antes da
fundação de Roma.
52 Neste ponto há uma extensa lacuna, em que por conjectura pensa-se que Cícero enumerou os
patrício albano.
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XI. 21- Vedes então que com o conselho de um só homem não só nasceu
um novo povo e não como deixado a chorar no berço, mas já adulto e quase
púbere?
Então Lélio:
- Nós na verdade vemos também que tu certamente avançaste a discutir
por um novo raciocínio, que em parte nenhuma está nos livros dos gregos. Pois
aquele principal55, a quem ninguém foi superior no escrever, tomou a si um
espaço em que construiria a cidade por seu arbítrio, ele certamente a construiu
célebre talvez, mas que se afasta da vida dos homens também pelos costumes.
22- Os restantes dissertaram sem algum modelo certo e sem forma de república
sobre os gêneros e as razões das cidades. Tu me pareces estar para fazer uma e
outra coisa: de fato avançaste de modo que o que tu mesmo descubras queiras
mais atribuir aos outros do que tu mesmo representar, como Sócrates faz em
Platão, e daquela situação da urbe revoques à razão, coisas que por Rômulo
foram feitas por acaso ou por necessidade, e discutidas não por vaga
linguagem, mas fixa em uma só república. Por isso continua como estabeleceste;
portanto já pareço avistar, tu seguindo os restantes reis, como que a república
perfeita.
XII. 23- Portanto, diz Cipião, como aquele senado de Rômulo que
constava de optimates aos quais o próprio rei tanto tivesse atribuído, como
quisesse que aqueles se denominassem pais, e patrícios os filhos deles, tentasse
após a saída de Rômulo que ele mesmo regesse sem rei a república, o povo não
suportou isso e por saudade de Rômulo depois não deixou de reclamar um rei;
como com prudência aqueles principais refletiram uma nova e para as outras
gentes inaudita razão de interregno que entrava, de modo que, até que certo rei
fosse declarado, a cidade estivesse nem sem rei nem com um só rei diuturno
54 Antes, já que os homens, segundo Cícero, eram crédulos, e não havia sinal de
desenvolvimento da civilização.
55 Referência à distinção desta e daquela república de Platão.
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nem se expusesse a que alguém por inveterado poder ou fosse mais tardio para
depor o comando ou mais fortalecido para conservá-lo.
24- Com efeito, nesse tempo aquele novo povo viu contudo o que fugiu
ao lacedemônio Licurgo, que pensou o rei não para ser eleito, se apenas isto
pôde estar no poder de Licurgo, mas para ser tido, qualquer que fosse esse que
apenas tivesse sido gerado da estirpe de Hércules. Aqueles nossos, então
também agrestes, viram que era preciso ser procurada virtude e sabedoria real,
não progênie.
XIII. 25- A eles como a fama sustentasse que Numa Pompílio era notável,
deixados seus concidadãos, o próprio povo admitiu para si, sendo autores os
pais, um rei estrangeiro e chamou-o de Cures a Roma, homem sabino, para
reinar. Este, quando chegou aqui, embora o povo ordenara pelas assembléias da
cúria que ele fosse rei, contudo ele mesmo por seu mando trouxe uma lei
curiata56, e como viu os homens romanos por instituto de Rômulo inflamados
por esforços bélicos julgou que eles deviam-se afastar um pouco daquele
costume.
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muitíssimo religiosamente. 27- E desejou que dos mesmos ritos fosse difícil a
diligência, muito fácil o aparato, pois muitos estabeleceu, uns para que se
aprendessem inteiramente e outros para que se observassem, mas sem despesa.
Assim aos cultos que se deviam cultivar aumentou a importância, retirou o
gasto e ele mesmo inventou comércio, jogos e todas as causas de se reunir e
solenidades. As quais causas instituídas, à humanidade e brandura chamou os
ânimos dos homens já desumanos e feros pelos esforços de guerrear. Assim ele,
como tivesse reinado trinta e nove anos em suma paz e concórdia (sigamos pois
antes de tudo o nosso Políbio, ninguém foi mais diligente do que ele em
pesquisas cronológicas), saiu da vida, confirmadas duas coisas as mais preclaras
à diuturnidade da república: culto e serenidade.
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morte de Numa60 por primeiro Pitágoras ter tocado a Itália. E nem isto entre os
que muito diligentemente seguiram os anais dos tempos foi revolvido alguma
vez em alguma dúvida.
- Deuses imortais! diz Manílio, quão grande e quão inveterado é esse erro
dos homens! Mas contudo facilmente admito que nós não fomos instruídos por
artes ultramarinas nem importadas mas por virtudes genuínas e domésticas.
XVII. 31- Morto o rei Pompílio, o povo elevou a rei Tulo Hostílio, o inter-
rei propondo às assembléias da cúria, e ele de seu mando a exemplo de
Pompílio consultou o povo por cúrias61. Dele foi a glória que excede em ação
militar, os grandes atos bélicos sobressaíram, e ele mesmo fez e protegeu a
partir dos despojos a assembléia e a cúria62 e instituiu o direito pelo qual se
declarariam guerras, achado que por si mesmo muitíssimo justo sancionou por
culto fecial63, de modo que toda guerra que não tivesse sido anunciada e
declarada essa seria julgada injusta e ímpia. E para que volteis o ânimo a quão
sabiamente nossos reis tenham já visto isto, algumas coisas deviam-se atribuir
ao povo (de fato muitas coisas desse gênero deverão ser ditas por nós); na
60 Segundo Cícero, tendo-se fundado Roma em 750 a.C., Rômulo reina 37 anos, Numa reina 39
anos. A morte de Numa se dá em 674 a.C., a chegada de Pitágoras, 143 anos mais tarde.
61 Divisão de ordem política e religiosa do povo romano.
62 Templo em que se reuniam as cúrias para celebrar o culto.
63 Relativo a um colégio de vinte sacerdotes que celebravam as cerimônias religiosas que
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verdade Tulo não ousou usar das insígnias reais64, senão os povos tendo
ordenado. Pois, para que a si doze litores com feixes fosse lícito preceder ...
[Perderam-se duas páginas]
XVIII. 33- ... de fato a república [não] rasteja mas voa ao melhor estado,
posta tua fala.
[Cipião]:
- Depois dele, o neto de Numa Pompílio, da parte da filha, Anco Márcio,
foi constituído rei pelo povo e ele mesmo de seu mando trouxe a lei curiata65.
Este, como tivesse derrotado em guerra os latinos, admitiu-os na cidade e ele
mesmo ajuntou à cidade o monte Aventino e o Célio e dividiu os campos que
tomara e tornou públicas as selvas marítimas todas que tomara e fundou uma
cidade junto à embocadura do Tibre e consolidou-a com colonos. E assim, como
tivesse reinado vinte e três anos, morreu.
Então, Lélio:
- Deve ser louvado também esse rei; mas obscura é a história romana, se
no entanto temos a mãe desse rei, ignoramos o pai66.
- Assim é, diz; mas daqueles tempos quase somente os nomes dos reis
foram aclarados.
XIX. 34- Mas neste ponto por primeiro parece a cidade ter-se feito mais
douta por alguma disciplina enxertada. Pois da Grécia penetrou nesta cidade
não qualquer tênue ribeirinho mas um abundantíssimo rio daquelas disciplinas
e artes. Pois sustentam ter sido um certo Demarato de Corinto principal de sua
cidade facilmente tanto em honra quanto em autoridade quanto em bens; como
não tivesse podido suportar Cipselo67, tirano dos coríntios, diz-se que ele fugiu
64 Insígnias dos magistrados etruscos que Tulo emprega depois de tê-los vencido.
65 Lei que conferia a investidura do poder.
66 Segundo Plutarco (Mum.21), Anco Márcio era filho de Márcio Sabino (rival de Tulo Hostílio
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(aes hordiarium) para manutenção, à custa dos tributos impostos às viuvas e aos órfãos. Tito
Lívio (I,43,9) atribui esta medida a Sérvio Túlio.
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reinar, de seu mando obteve a lei curiata72. E primeiro com guerra vingou-se das
injúrias dos etruscos; a partir do que como73 ... [Perderam-se duas páginas]
quinta classe: 30 centúrias. A essas 188 centúrias juntavam-se cinco, entre as quais a dos
carpinteiros.
76 Três centúrias dos cavaleiros (ramnenses, ticienses e lúceres), oitenta da primeira classe e seis
por sufrágios.
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de república -, mas assim até onde retenha seu estatuto. E há esse estatuto
quando por perpétua potestade e justiça de um só e por sabedoria de um só se
reja salvação e eqüidade e sossego dos cidadãos. Faltam absolutamente muitas
coisas a esse povo que está sob um rei, e entre as primeiras a liberdade, que não
nisso está: que nos sirvamos de um justo senhor, mas que de nenhum ...
[Perderam-se duas páginas]
... e assim aquela preclara constituição de Rômulo, como tivesse
permanecido firme por quase duzentos e vinte anos79 ...
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46- Assim, como seu filho mais velho tivesse violentado Lucrécia, filha
de Tricipitino e esposa de Colatino, e a mulher, casta e nobre, tivesse punido a
si mesma com a morte por aquela injúria, então Lúcio Bruto, homem notável de
caráter e virtude, afastou de seus concidadãos aquele injusto jugo de dura
servidão. Como ele fosse um particular, sustentou toda a república e, primeiro,
nesta cidade ensinou que ninguém é particular, no preservar a liberdade dos
cidadãos. A cidade incitada por ele, autor e principal, e por esta recente querela
do pai e dos parentes de Lucrécia e pela recordação da soberba de Tarqüínio e
das muitas injúrias tanto dele mesmo como dos filhos, ordenou que fosse
exilado tanto o rei mesmo como seus filhos e a gente dos Tarqüínios.
XXVI. 47- Vistes então como a partir do rei tenha surgido um senhor e
pelo vício de um só um gênero de república converteu-se de bom no pior? Este
é o senhor do povo que os gregos chamam tirano; pois desejam que aquele rei
seja quem delibera como um pai para o povo e conserva aqueles à frente dos
quais foi posto, na melhor condição possível de viver: gênero de república,
como eu disse, certamente bom, mas no entanto inclinado e como que propenso
ao mais pernicioso estatuto. 48- Mas ao mesmo tempo que se curvou este rei
para um domínio mais injusto, torna-se de contínuo tirano; do que este, não é
possível algum animal nem mais horrível nem mais feio cogitar-se nem mais
odioso aos deuses e aos homens. Este, ainda que figura de homem, contudo
pela crueldade dos costumes vence as feras mais devastadoras. Quem poderá
dizer homem este que não deseja a si com seus cidadãos e enfim com todo
gênero humano comunhão alguma do direito, associação alguma de
humanidade? Mas haverá para nós outro lugar mais adequado para falar deste
gênero, quando o próprio tema tenha advertido que falemos contra aqueles
que, mesmo já liberta a cidade, procuraram poderes absolutos.
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Cássio, Marco Mânlio e Espúrio Mélio foram acusados de ter querido fazer-se
rei, e há pouco ... [Perderam-se duas páginas]
XXIX. 51- Por isso foi esta a primeira forma de tirano, tanto aspecto
quanto origem, chegada a nós nessa república que Rômulo, tendo tomado os
auspícios, tinha fundado, não naquela que, como Platão escreveu, o próprio
Sócrates para si mesmo tinha retratado naquele diálogo82. Assim, do modo
como Tarqüínio deparou-se com o poder não novo mas que mantinha tendo
praticado injustiça, ele arruinou todo este gênero de cidade real. Seja-lhe oposto
um outro, bom, tanto sábio quanto hábil em função e cargo civil, como que
tutor e procurador da república. Assim será chamado quem quer que seja
dirigente e piloto da cidade. Fazei por reconhecerdes tal homem, pois esse é que
pode guardar a cidade por conselho e obra. Já que esse conceito até aqui foi
menos usado em nossa fala, e freqüentemente o gênero desse homem deverá
ser tratado por nós no restante discurso ... [Perderam-se doze páginas]
82Deve-se suprimir [peripeato] como leitura marginal da copista explicativa de illo in sermone,
como peri politeias, título da obra de Platão.
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83 Cipião parece falar da lei sobre exílio, segundo a qual os Tarqüínios poderiam voltar a Roma e
reaver suas posses.
84 Eminência do monte Palatino.
85 “O que cultiva o povo”.
86 Lex Valeria de prouocatione.
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é tradição que os decênviros, que tinham escrito as leis, foram nomeados sem
direito de apelação87, isto mostra bem que os restantes magistrados não tinham
sido nomeados sem direito de apelação. E a lei consular de Lúcio Valério Polito
e Marco Horácio Barbato, homens sabiamente populares por causa da
concórdia, sancionou que nenhuma magistratura fosse criada sem direito de
apelação. E nem na verdade as leis pórcias, que são três – dos três Pórcios –
como sabeis, trouxeram algo de novo além da sanção. 55- E assim Publícola,
promulgada essa lei de direito de apelação, ordenou as machadinhas serem
retiradas dos feixes88 e no dia seguinte sub-rogou para si como colega Espúrio
Lucrécio e ordenou que seus litores passassem para ele, porque era mais velho,
e instituiu primeiro que a cada cônsul, alternados os meses, os litores
precedessem, para que não houvesse mais sinais de mando no povo livre do
que tivesse havido no reino. Não medíocre foi este homem, como entendo, que,
proporcionada liberdade dada ao povo, mais facilmente manteve a autoridade
dos principais. E nem eu decanto a vós estas coisas agora sem causa tão velhas e
tão obsoletas, mas defino exemplos de homens e coisas nas pessoas ilustres e
tempos, para os quais meu discurso restante se dirija.
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XXXIII. 57- Mas o que a própria natureza das coisas obrigava acontecer,
que um pouco mais de direito para si o povo livre de reis conseguisse, não
longo intervalo, quase dezesseis anos, sendo cônsules Póstumo Comínio e
Espúrio Cássio, foi alcançado. Nisso faltou razão, mas contudo a própria
natureza das repúblicas vence freqüentemente a razão. Então retende isso que
eu disse de início: caso não haja na cidade esta igual compensação tanto de
direito quanto de dever e função, de modo que haja esta igual compensação
tanto de poder suficiente nas magistraturas quanto de autoridade no conselho
dos principais e de liberdade no povo, não pode este estatuto de república
conservar-se.
58- Pois, como a cidade tivesse sido agitada por causa de dívida, a plebe
ocupou primeiro o monte Sagrado89, depois o Aventino. E nem na verdade a
disciplina de Licurgo teve aqueles freios nos homens gregos, pois também em
Esparta, reinando Teopompo, há do mesmo modo cinco que eles nomeiam
éforos – em Creta, dez que são chamados “cósmoi”- assim o poder do tribuno
da plebe foi constituído contra o poder consular, como aqueles foram
constituídos contra a força do rei.
XXXIV. 59- Houvera talvez a nossos ancestrais naquela dívida alguma
razão de cuidar que não muito tempo antes nem fugira a Sólon ateniense 90 nem
pouco depois a nosso senado91, quando por causa da libido de um só todo
endividamento dos cidadãos foi liberado e deixou-se depois de se prender92; e
sempre a este gênero, como a plebe falisse por dispêndios de calamidade
88 Feixe de varas de olmo ou bétula com uma machadinha no meio. Os litores o levavam à frente
dos primeiros magistrados como símbolo do poder que lhes assistia de castigar ou condenar à
morte.
89 Secessão da plebe, 493 a.C. Criação dos tribunos da plebe.
90 Alusão à lei de Sólon – – cem anos antes da secessão da plebe em Roma, que
suprimiu a escravidão por dívida e aliviou as dívidas.
91 O senado poderia tomar a mesma medida de Sólon, evitando a criação do tribuno da plebe.
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XXXVI. 61- Mas alguns anos antes, como a autoridade no senado fosse a
maior, o povo suportando e obedecendo, foi iniciado um cálculo, para que tanto
cônsules como tribunos da plebe abdicassem da magistratura e para que os
decênviros fossem criados com o máximo poder sem direito de apelação, que
tanto tivessem o maior poder como escrevessem as leis. Estes, como tivessem
“consagrar” como multa pela violação do juramento dos pleiteantes; os Fastos consulares
indicam 454 a.C.
95 Lei que converte em dinheiro a quantidade de rebanhos: cem asses por boi, dez asses por
carneiro.
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escrito dez tábuas com a maior eqüidade e prudência das leis, no ano seguinte
sub-rogaram outros decênviros, cuja confiança, nem justiça, não
semelhantemente foi louvada. Deste colégio contudo houve aquele distinto
louvor de Caio Júlio, que, como tivesse, único, o máximo poder sem direito de
apelação, porque era decênviro, pediu contudo garantias96 a um homem nobre,
Lúcio Sêstio, em cujo quarto se dizia que estando este presente tinha sido
desenterrado um corpo; aquele dizia que não haveria de desdenhar aquela lei
preclara, que vetava decidir-se sobre a vida de cidadão romano, senão por
comícios centuriados.
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- A este certamente, diz o Africano, quase único (pois neste estão todas as
outras coisas, único) atribuo que nunca se afaste de instruir e observar a si
mesmo, que invoque outros à imitação de si, que apresente aos cidadãos a si
mesmo como espelho, pelo esplendor de ânimo e de sua vida. Como então nas
liras ou flautas e como no canto, até com vozes, uma certa harmonia deve-se
manter a partir de sons distintos, que, mudada ou discrepante, ouvidos
educados não podem suportar, e essa harmonia a partir da moderação das
vozes mais dissemelhantes se realiza, contudo, concorde e congruente; assim a
partir dos mais elevados e dos mais baixos e médios, interpostas as ordens,
como sons, como moderada razão a cidade [está afinada por consenso das cosas
mais dissemelhantes. E o que se diz pelos músicos harmonia no canto, isso na
cidade é concórdia, o mais estreito e melhor vínculo de segurança em toda
república, e esta sem justiça não pode existir por nenhum pacto.]102 [Perderam-
se vinte e duas páginas]
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LIVRO TERCEIRO
II. 3- ...e com veículos para lentidão, e ela mesma104, como tivesse
recebido os homens soando com infundadas vozes algo começado e confuso,
recortou-as e distinguiu-as em partes e gravou, com alguns sinais, assim
palavras para coisas e coligou os homens, antes dissociados, pelo mais
agradável vínculo da conversação entre si. Por semelhante inteligência também
os sons da voz, que pareciam infinitos, foram todos assinalados e expressos,
poucos sinais inventados, com os quais seriam retidas tanto as conversas com
os ausentes, como os indícios das vontades e as lembranças das coisas
pretéritas105. Acrescentou-se a isso o número, como coisa necessária à vida,
então única imutável e eterna, que primeira estimulou também que
elevássemos a vista ao céu e não contemplássemos em vão os movimentos dos
astros e pelas enumerações das noites e dias ... [Perderam-se oito páginas]
103 Idem, ibidem: ... rem publicam regi sine iniuria non posse.
104 Conjectura-se que o sujeito seja mens.
105 Gênero epistolar, testamentos e a tradição dos monumenta historica.
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concepção mais fecunda das coisas, como esses mesmos que se envolvem no
debate destes livros, ninguém há que os não deva preferir a todas as coisas.
De fato, que pode ser mais brilhante do que quando se ajuntam o trato e
o uso das grandes coisas com o zelo e concepção daquelas artes? ou que pode
ser cogitado mais perfeitamente por Públio Cipião, Caio Lélio, Lúcio Filo? os
quais, para que não deixassem passar nada que pertencesse ao maior louvor
dos homens ilustres, atribuíram esta doutrina adventícia de Sócrates ao
costume doméstico e aos ancestrais.
6- Por isso, penso que quem quis e pôde uma e outra coisa, isto é, que se
instruísse tanto das instituições dos ancestrais como da doutrina, alcançou em
tudo o louvor. Mas, se uma deva ser escolhida de uma e de outra via da
prudência, contudo, mesmo a quem parecerá mais feliz aquela tranqüila razão
da vida nos melhores estudos e artes, esta via civil é mais louvável e certamente
mais ilustre, vida de que os homens assim mais elevados se ornam, como Mânio
Cúrio106 ... que por nenhum ferro nem ouro pôde superar ... [Perderam-se seis
páginas]
Mânio Cúrio Dentato: vencedor dos samnitas e sabinos em 290 a.C., e de Pirro em 275 a.C. Os
106
samnitas procuram comprá-lo com ouro, e ele teria respondido que preferia dominar gente que
possuísse ouro a possuí-lo ele mesmo.
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107 Depois do proêmio (I-IV), retoma-se o tema da justiça. O discurso de Filo liga-se à grande
lacuna do livro II, XLIV. Segundo Agostinho (Cidade de Deus II,21), depois do elogio à justiça
feito por Cipião, este encarrega Fúrio Filo do elogio da injustiça. O início deste capítulo foi
integrado por Mai, na edição de 1876, com um fragmento da epístola CVIII de Sêneca.
108 Da mesma forma, Glauco na República de Platão II, 361-368.
veio a Roma em 156-155 com o estóico Diógenes de babilônia e o peripatético Clitomarco para
recorrer de uma multa aplicada pelo senado a Atenas pela destruição de Oropo. Entre seus
discursos, fez particular impressão sobre os romanos aquele de dois dias sucessivos,
dissertando no primeiro sobre a existência da justiça, e no segundo, a tese oposta, como
argumentos que deviam recordar aqueles de Trasímaco, no livro I da República de Platão.
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- ... tanto encontrasse quanto guardasse, o outro encheu por certo quatro
grandes livros sobre a mesma justiça111. Pois nada grande nem magnífico perdi
de Crisipo, que fala por um certo costume seu para que examine tudo pelos
impulsos das palavras, não pelo juízo das coisas. Próprio daqueles heróis foi
estimular essa virtude que jaz, que é a única, se de fato existe, ao máximo
munificente e generosa e que ama os outros mais do que ela mesma, nascida
antes para os outros que para si, e colocá-la naquele divino sólio não longe da
sabedoria. 13- Nem na verdade faltou a eles ou vontade (que outra coisa de
escrever houve para eles, ou que plano no total?) ou engenho, pelo que
excederam a todos; mas a causa deles venceu tanto a vontade quanto a
abundância. O direito acerca do que investigamos é algo civil, nenhum é
natural; pois, se fosse como as coisas quentes e frias, amargas e doces, assim
seriam as justas e injustas as mesmas para todos.
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mulher não pode ter riqueza? Por que as virgens vestais podem ter herdeiros119,
e não sua mãe? E por que, se as mulheres tiveram uma medida de riqueza a ser
constituída, a filha de Públio Crasso poderia ter, se o pai a tivesse única, cem
milhões de sestércios, salva a lei, e a minha não poderia ter três milhões ...
[Perderam-se duas páginas]
119Virgens vestais podiam dispor de bens, sem intermédio de tutor. (Aulo Gélio I, 12, 9;
Plutarco, Numa, X)
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ou pela sabedoria que do menor de todos [fez-se o maior?]122 ... [É provável que
faltem quatro páginas]
23- [Filo]:
- ... além dos árcades e atenienses que, creio, temendo que isto fosse
interdito pela justiça, para que não surgisse alguma vez, consideram que eles
surgiram da terra, como estes camundongos, a partir dos campos lavrados.
XV. 24- A estas coisas costumam ser ditas aquelas primeiro por aqueles123
que minimamente são maus no discutir, que nesta causa têm tanto mais
autoridade, porque, quando se pergunta de um homem de bem - queremos que
este seja aberto e simples124 - não são sagazes no debater, nem inveterados nem
maliciosos; negam então que o homem de bem seja sábio, porque a bondade e
justiça deleitem-no por sua vontade e por si, mas porque a vida do homem de
bem é livre de medo, cuidado, solicitude e perigo, e pelo contrário aos ímprobos
sempre algum recife pega-se-lhe nas almas, sempre se lhes encontram
julgamentos e suplícios ante os olhos; nenhum emolumento, nenhum tão
grande prêmio fruto de injustiça há sempre que temas, sempre que penses estar
junto, pender alguma coisa, danos ... [Perderam-se oito páginas, parte das quais
se supre, referidos os lugares por Lactâncio125.]
122 Os romanos deveriam restituir os bens e as terras aos povos dominados e tornar à sua
primeira condição de miséria. (Lactâncio, Inst. Div., V, 12, 5-6)
123 Epicuristas, cujo conceito de justiça é ilustrado em De Finibus I, 16; II, 21.
124 Platão, Rep. II, 361b.
125 Inst. Div. V, 12, 5-6.
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XIX. 29- O que há em cada um, há o mesmo nos povos: nenhuma cidade
é tão estulta que queira não mandar injustamente mais do que servir
justamente. Nem na verdade afastar-me-ei mais longamente. Sendo eu cônsul,
indaguei, como vós estivésseis em conselho comigo, do tratado de Numância 127.
Quem ignorava que Quinto Pompeio tivesse feito um tratado, e que na mesma
causa estava Mancino128? Um, ótimo homem, até persuadiu, sendo eu referente
da deliberação do senado, outro se defendeu acerrimamente. Se se procura
pudor, probidade, fidelidade, Mancino as trouxe, se razão, conselho, prudência,
Pompeio está antes. Qual das duas coisas ...129
Quinto Pompeio, procônsul em 141, tinha feito com os numantinos um pacto de amizade;
quando sucessor Pompílio Lenate foi mandado em 139 a Espanha para continuar a guerra, os
numantinos apelaram a esse pacto. Pompeio negou tudo, e o senado anulou o pacto.
129 Lacuna de numerosas páginas que interrompe o discurso de Filo em louvor à injustiça. Até o
capítulo XXIX Lélio assume a defesa da justiça, como Sócrates na República, de Platão, 368c.
Apud Lactâncio, Inst. Div. V, 16, 5-13.
130 Trata-se da herança que Átalo III, rei de Pérgamo, deixou ao povo romano.
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nos obedecem mantenham-se com terror, mesmo que isso para nós que somos
dessa idade foi vigiado pouco mais ou menos, contudo inquieto-me pelos
nossos pósteros e por essa imortalidade da república, que pudera ser perpétua,
se se alimentasse das instituições e costumes dos pais.
XXX. 42- Como Lélio tivesse dito essas coisas, mesmo que todos os que
estavam presentes indicavam que eles tinham-se deleitado bastante disso,
contudo além dos outros Cipião foi como que transportado por um certo gozo:
- Na verdade tu, Lélio, diz, defendeste freqüentemente muitas causas de
modo que eu não só [pensaria que se deve comparar] contigo Sérvio Galba,
nosso colega131, que tu antepunhas a todos até onde viveu, mas nenhum dos
oradores áticos132 ou por suavidade ...133 [Perderam-se doze páginas]
131 Sérvio Sulpício Galba (190-130) fez parte, como Lélio e Cipião, do colégio dos áugures.
132 Oradores áticos: Antífon, Andócides, Lísias, Isócrates, Iseu, Licurgo, Ésquines, Demóstenes,
Hipérides, Dinarques; nomeados todos por Cícero no Brutus, com exceção de Andócides e Iseu.
133 Conjectura-se: [aut perspicuitade aut grauitade comparandum esse existimem]
134 Referência ao touro de bronze de Fálaris, tirano de Agrigento. Cipião Emiliano o levou de
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mas, como agora a razão conduz, deve-se certamente dizer que nenhuma
república há.
XXXII. 44- Com clareza dizes, diz Lélio, e já vejo então para onde o
discurso se encaminha.
- Vês, portanto, que aquela que esteja toda em poder de facção não pode
na verdade ser dita república.
- Assim exatamente julgo.
- E muitíssimo correto julgas; portanto, que foi então a coisa dos
atenienses, quando depois daquela grande guerra do Peloponeso aqueles trinta
varões estiveram à frente da urbe do modo mais injusto? Acaso a antiga glória
da cidade ou a preclara vista da fortaleza ou o teatro, os ginásios, os pórticos, ou
nobres propileus ou a cidadela ou as obras admiráveis de Fídias ou aquele
magnífico Pireu fazia-a república?
- De modo algum na verdade, diz Lélio, já que não era coisa do povo.
- Quê? Quando os decênviros estiveram em Roma há três anos sem
direito de apelação, como a própria liberdade tivesse perdido direito de posse
provisória?
- Do povo nenhuma coisa era, mas ao contrário o povo conduziu isso,
para que recuperasse a sua coisa.
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monárquica. Por isso, avalie Rômulo ou Pompílio ou Túlio137 como rei; talvez
não terás tanto pesar daquela república.
48- [Múmio]- Que louvor, portanto, deixas da república popular?
Então, ele [Cipião]:
- Quê? A ti afinal, Espúrio, não parece ser república a dos ródios, junto
aos quais há pouco estivemos juntamente138?
[Múmio]- Mas a mim parece e certamente o mínimo censurável.
[Cipião]- Corretamente dizes, mas, se te lembras, todos eram o mesmo,
ora da plebe ora senadores, e tinham mudanças por quais meses cumpririam
um cargo popular, por quais cumpririam um cargo senatorial. Em ambas partes
recebiam o direito de presença e tanto no teatro quanto na cúria julgavam
igualmente coisas capitais e todas as restantes. Tanto podia e de tanto valor era
a multidão quanto [o senado] ... [Perderam-se quarenta cadernos ou 640
páginas, das quais restam oito do livro IV e duas do livro V.]
LIVRO QUARTO
137 Corrigido Tullum por tullium, que designa Servius Tullius, e não Tullus Hostilius, cf. Ziegler,
“Die drei gerecht Könige Roms” in Latomus 26, 1967, 448-449.
138 Em 140 a. C. Cipião, acompanhado de Lúcio Metelo Clavo e de Espúrio Múmio, esteve em
proibindo os que tinham servido na cavalaria de manter os cavalos, e ofereciam em troca uma
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Aqui, Lélio:
- Claramente entendo, Cipião, que tu preferes, nessas disciplinas da
Grécia que repreendes, lidar com os povos mais nobres, a lidar com teu Platão,
que nem atinges na verdade, sobretudo quando ... [Todo final deste livro
perdeu-se]
promoção à ordem senatorial, largitio. A lex Sempronia Iudiciaria só foi votada em123 a. C.; ela
declarava que 300 senadores e 600 cavaleiros constituiriam os tribunais criminais e civis.
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LIVRO QUINTO
II. 3- [Manílio]:
- ... [nada tinham tão] real quanto a explanação da eqüidade, em que
havia a interpretação de direito, direito que os particulares costumavam pedir
aos reis. E por essas causas os campos de terra lavrada e de bosque e de pasto
amplos e úberes se delimitavam: os que fossem de reis e que se cultivassem sem
obra e trabalho dos reis, para que nenhum cuidado de negócio privado os
afastasse das coisas dos povos. E nem na verdade algum particular era juiz ou
árbitro de litígio, mas tudo se acabava com os juízos dos reis. E a mim parece
que nosso Numa manteve ao máximo este antigo costume dos reis da Grécia.
Pois outros, mesmo que cumpriam também este dever, contudo em grande
parte exerceram as guerras e cultivaram seus direitos; e aquela diuturna paz de
Numa foi mãe para esta urbe de direito e religião, que foi ainda escritor das leis
que sabeis que se sobressaem, o que é próprio deste cidadão de que tratamos ...
[Perderam-se quatro ou oito páginas]
III. 5- [Cipião]:
- ... acaso te ofende conhecer ... de raízes e sementes?
[Manílio]:
- Em nada, se apenas a obra se sobressair.
- Acaso pensas que esse estudo é de feitor?
- O menos possível, pois que muito freqüentemente a atividade
abandona a cultura do campo.
- Logo, como o feitor conhece a cultura do campo, o administrador sabe
das letras, um e outro relaciona a si o proveito do deleite da ciência para o
executar, assim este nosso dirigente terá se esforçado certamente pelo direito e
por conhecer as leis, terá examinado de todo modo as fontes delas, mas,
aconselhando, lendo e escrevendo, de modo que não impeça que possa como
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VI. 8- [Cipião]:
- ... às cidades em que os melhores procuram o louvor e o decoro e
evitam a ignomínia e desonra. E nem são aterrorizados tanto por medo e por
pena - que é constituída por leis - quanto por vergonha, que a natureza deu ao
homem como que um certo temor de censura não injusta. Esta aquele dirigente
das repúblicas aumentou com opiniões e concluiu pelas instituições e
disciplinas, de modo que o pudor afastasse os cidadãos dos delitos não menos
do que o medo. Mas estas coisas que pertencem certamente ao louvor poderiam
ser ditas mais ampla e abundantemente.
VII. 9- Para a vida e para o uso do viver essa razão foi descrita pelas
núpcias legais, filhos legítimos, santos assentos dos deuses Penates e Lares
familiares, para que todos gozem das vantagens comuns e suas e nem seja
possível viver-se bem sem boa república nem haver algo mais feliz do que
cidade bem constituída. Acerca do que costuma parecer-me admirável que
tamanha seja ... [Termina o palimpsesto]
LIVRO SEXTO
IX. 9- [Cipião]:
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(201),Cipião, o Africano, restabeleceu seu reino e o fortaleceu contra Sifax, na segunda guerra
púnica.
146 Ênio, nos Anais, fala de um sonho em que Homero lhe aparece e diz que sua alma está em
lembrança da máscara de cera (imago) moldada sobre o rosto do morto e posta em um busto,
guardada num armário no átrio.
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próprio. Quando o conheci, de fato tremi; mas ele: “Sê de ânimo, diz, e deixa o
temor, Cipião, e o que eu diga transmite à memória.
XI. 11- “Vês aquela urbe que coagida148 por mim a obedecer ao povo
romano renova antigas guerras149 e não pode repousar?” (E mostrava Cartago
de um certo lugar elevado e cheio de estrelas, iluminado e claro.) “`A qual tu
vens agora quase soldado para sitiá-la; cônsul, nestes dois anos destruí-la-ás e
terás esse cognome, adquirido por ti, que tens até aqui, hereditário de nós. E,
quando tiveres destruído Cartago, tiveres marchado em triunfo150 e tiveres-te
tornado censor151 e tiveres percorrido como embaixador152 o Egito, a Síria, a
Ásia, a Grécia, serás eleito153 segunda vez cônsul, estando ausente, e concluirá a
maior guerra, arruinarás Numância. Mas, quando tiveres sido levado em carro
ao Capitólio, encontrarás a república perturbada por projetos de meu neto154”.
XII. 12- “Aqui, Africano, convém que tu mostres à pátria lume de alma e
teu engenho e conselho. Mas desse tempo vejo como que uma ancípite via155
dos destinos. Pois, quando tua idade houver voltado oito vezes sete156 circuitos
e voltas do sol e estes dois números, dos quais um e outro é tido como pleno,
um por uma causa, outro por outra, tiverem completado a soma para ti fatal do
circuito natural, a ti somente e a teu nome toda cidade se voltará, em ti o
senado, em ti todos os homens de bem, em ti os aliados, em ti os latinos fixarão
a vista, tu serás o único em que a salvação da cidade possa-se apoiar157, e, para
Numância.
155 Alusão ao apogeu da glória de Cipião e seu trágico destino.
156 Oito e sete são considerados números perfeitos pelos pitagóricos e por Platão. (Timeu 39d)
157 Nitor “apoiar-se” serve para um jogo de conceitos com scipio “bastão”, o que sugere um outro
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XIII. 13- “Mas, para que sejas, Africano, mais ardoroso para guardar a
república, tem como certo a todos que tenham conservado, ajudado, aumentado
a pátria haver no céu um lugar definido onde, felizes, gozem de vida eterna. De
fato, nada há àquele principal deus159 que rege todo o mundo, que aconteça na
terra, mais aceitável do que assembléias e reuniões de homens – tendo sido
ligados por direito – que são chamadas cidades; os dirigentes destas e
guardiães, tendo partido daqui, para cá voltam”.
XIV. 14- Aqui eu, ainda que estivesse aterrado não tanto por medo da
morte quanto por medo das insídias dos meus, perguntei contudo viveria ele
próprio e meu pai Paulo160 e outros que nós pensávamos mortos. “Mas ao
contrário, diz, vivem estes que voaram dos vínculos dos corpos como de
cárcere, a vossa que se diz vida é morte161. Por que tu não olhas teu pai Paulo
que vem a ti?” Quando o vi, derramei na verdade um poder de lágrimas, e ele,
tendo-me abraçado, beijando-me proibia-me chorar.
XV. 15- E eu, logo que reprimido o choro, comecei a poder falar: “Por
favor, eu digo, santíssimo e ótimo pai, já que esta é vida, como ouço Africano
dizer, por que me demoro na terra? por que me não apresso a vir aqui junto a
vós? “Não é assim”, diz ele. “Se esse deus de quem é todo este templo que
158 Cipião Emiliano foi encontrado morto em seu leito no dia em que repetiria perante o povo
seu discurso proferido no senado, contra legem iudicariam. Uns (Apiano e Plutarco) pensam em
morte natural, outros suspeitam de homicídio. Não escaparam à suspeita os triúnviros Papírio
Carbão, Caio Graco e Fúlvio Flaco, a irmã Cornélia, mãe dos Gracos, e até a sua mulher
Semprônia, irmã dos Gracos.
159 (Timeu 41a).
160 Lúcio Emílio Paulo, vencedor da batalha de Pidna, contra Perseu, em 168 a.C..
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avistas não te tenha liberado desses guardiães do corpo, aqui não pode estar
aberta entrada a ti. De fato, os homens foram gerados por esta lei, que
guardassem aquela esfera que vês no meio deste templo, a qual se diz terra, e a
eles foi dada alma a partir daqueles fogos eternos162 que chamais astros e
estrelas, que esféricas e redondas animadas por mentes divinas perfazem seus
círculos e órbitas com celeridade admirável. Por isso, tanto a ti, Públio, quanto a
todos os homens pios a alma deve ser retida em custódia do corpo 163, e nem
sem ordem desse deus, pelo que ela vos foi dada, deve-se migrar da vida dos
homens, para que não pareçais evitar a função humana designada pelo deus.
XVI. 16- Mas assim, Cipião, como este teu avô, como eu que te gerei,
cultiva a justiça e a piedade, que quando grande nos pais e parentes, então é
máxima na pátria; essa vida é via para o céu e para esta reunião daqueles que já
viveram e afrouxados do corpo habitam aquele lugar que vês – e esse era um
círculo luzente de esplendidíssimo candor entre chamas – que vós, como
recebestes dos gregos, denominais Círculo Lácteo. A partir do que todas as
coisas restantes a mim que contemplava pareciam preclaras e maravilhosas. E
essas eram estrelas que nunca vimos a partir deste lugar e essas magnitudes de
todas que nunca suspeitamos haver, das quais havia aquela menor que, mais
distante do céu, mais próxima da terra, luzia com luz alheia 164. E as esferas das
estrelas venciam facilmente a magnitude da terra. Já a própria terra pareceu-me
assim pequena que tive pesar de nosso império pelo que tocamos como que um
ponto dela.
XVII. 17- Como olhasse mais: “Por favor, diz Africano, até quando tua
mente estará fixa no solo? Não vês a que templos viestes? A ti tudo foi
conectado em nove círculos ou antes esferas, das quais uma só é celeste, a mais
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afastada, que abraça todas as outras, o próprio sumo deus que retém e contém
as outras; nesta estão fixos aqueles cursos eternos das estrelas que são girados, à
qual estão sujeitas as sete esferas, que são retrovertidos em movimento
contrário, e para o céu165. Destas, aquela que na terra denominam Satúrnia
possui uma única esfera. Depois é aquele fulgor próspero e salutar ao gênero
humano que se diz de Júpiter. Então aquele rútilo e horrível à terra que dizeis
marcial. Depois, abaixo, o sol obtém quase a região média, condutor, principal e
moderador, dos restantes lumes, mente e temperança do mundo, com tanta
magnitude que com sua luz lustra e completa todas as coisas. A este como
companheiros seguem os cursos, um de Vênus outro de Mercúrio, e no ínfimo
círculo a Lua incendiada pelos raios do Sol é girada. Abaixo já nada há senão
mortal e decaído, exceto as almas dadas ao gênero humano por mercê dos
deuses; acima da Lua todas as coisas são eternas. Pois aquela esfera que é média
e nona, a Terra, nem se move e é ínfima, e para ela são levados todos os pesos
por sua atração.
165 A primeira esfera gira de leste para oeste, as outras, de oeste para leste.
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que o nó de todas as coisas; algo que os homens doutos, tendo imitado com
cordas e cantos, abriram para si a volta e este lugar, como outros que com
engenhos superiores cultivaram na vida humana dos divinos estudos166.
19- Os ouvidos dos homens repletos deste som ensurdeceram-se;
nenhum sentido é mais embotado em vós, como, quando o Nilo precipita-se
dos montes mais altos àquela que se denomina Catadupa167, aquela gente que
habita aquele lugar carece do sentido de ouvir por causa da magnitude do som.
Na verdade este som é tamanho pela incitadíssima conversão de todo o mundo,
que os ouvidos humanos não o podem capitar, como não podeis olhar contra o
Sol, e pelos raios dele vossa agudeza de sentido é vencida.
166 Segundo as leis harmônicas aplicadas pelos pitagóricos à astronomia, os planetas na sua
rotação produzem um som que varia segundo a distância da esfera do centro do sistema e sua
velocidade de rotação. Já que a Terra é imóvel e muda, e Vênus e Mercúrio têm um tom igual,
as oito esferas produzem as sete notas correspondentes à oitava musical, e a harmonia celeste é
aquela de um heptacórdio.
167 Catarata do Nilo em Wadi Halfa, abaixo de Assuã. A primeira catarata do Nilo, entre as ilhas
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XX. 21- E distingues a mesma terra como que cingida e circundada por
alguns cinturões, dois dos quais ao máximo diversos entre si e nos próprios
vértices do céu de uma e outra parte apoiados vês que se endureceram com a
geada, e que aquele no meio muitíssimo se abrasou com o ardor do sol. Dois
cinturões são habitáveis, dos quais aquele austral em que os que se detém
imprimem vestígios contrários a vós, em nada ao vosso gênero, e aquele outro
submetido ao Aquilão169, que habitais, distingue em quão tênue parte vos toca.
De fato, toda terra que é habitada por vós, apertada nos vértices, nos lados mais
ampla, alguma pequena ilha foi derramada em volta daquele mar que chamais
Atlântico, que chamais grande, a este chamais na terra Oceano, que contudo vês
com tamanho nome quanto é pequeno.
22- A partir destas mesmas terras cultas e conhecidas, acaso teu nome ou
de algum dos nossos pôde transcender este Cáucaso que distingues ou
atravessar a nado aquele Ganges? Quem ouvirá teu nome nas restantes partes
do oriente ou nas últimas do sol que se põe, do Aquilão ou do Austro?
Amputadas estas, distingue na verdade em quantas estreitezas vossa glória
quer se dilatar. E esses mesmos que falam de nós, por quanto tempo falarão
ainda?
XXI. 23- E além disso, caso aquela prole dos homens futuros deseje em
seguida transmitir aos pósteros os louvores de cada um dos nossos recebidos
dos pais, contudo por causa de inundações e incêndios da terra que é necessário
acontecer em certo tempo, não só não eterna, mas nem glória duradoura
também podemos alcançar. E que interessa que haja uma fala de ti daqueles que
nascerão depois, quando nenhuma tenha havido daqueles que nasceram antes?
Homens que foram não menos numerosos e certamente melhores.
169Vento norte: Aquilo e Boreas; vento sul: Auster e Notus; vento leste: Eurus; vento oeste:
Zephyrus.
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XXII. 24- Sobretudo quando, junto a esses mesmos dos quais pode-se
ouvir nosso nome, ninguém possa alcançar a memória de um só ano. Os
homens, de fato, medem vulgarmente pelo retorno do sol, isto é, de um só
astro; e, como ao mesmo ponto de onde uma vez partiram todos os astros
tenham retornado e tenham repetido a mesma descrição de todo céu em longos
intervalos, então aquele pode-se chamar na verdade ano que volta, em que a
custo ousaria dizer quão numerosas gerações humanas sejam contidas. Pois,
quando outrora o sol foi visto faltar e extinguir-se aos homens, quando a alma
de Rômulo penetrou neste mesmo templo, e quando dessa mesma parte o sol
nesse mesmo tempo segunda vez tenha faltado, então, todos os signos e estrelas
chamados de novo ao princípio, tenha um ano completo; saiba na verdade que
a vigésima parte desse ano ainda não foi convertida170.
XXIII. 25- Por isso, caso tenhas perdido a esperança de voltar a este lugar
em que os grandes e excelentes homens têm tudo, de quanto afinal é essa glória
humana que pode a custo pertencer a uma exígua parte de um só ano?
Portanto, se quiseres olhar ao alto e contemplar esta sede e morada eterna, nem
te entregues às falas do vulgo, nem ponhas esperança das tuas coisas em
prêmios humanos; é mister que por seus encantos a própria virtude atraia-te ao
verdadeiro decoro. O que outros falem de ti, eles mesmos vejam, mas falarão
contudo; e toda aquela fala tanto se cinge por estreitezas destas regiões que vês,
nunca acerca de alguém foi perene, quanto se enterra pela morte dos homens,
quanto se extingue pelo esquecimento da posteridade.”
XXIV. 26- Como tivesse dito essas coisas: “Eu na verdade, digo,
Africano, visto que aos que tiveram merecimento da pátria como que um
caminho está aberto ao acesso do céu, ainda que desde a infância não faltei ao
vosso decoro pelas marcas do caminhar do pai e pelas tuas, agora contudo,
170Da morte de Rômulo (716) à data do sonho de Cipião (149) fazem-se 567 anos, que
multiplicados por 20 perfazem 11340 anos, cifra que se aproxima de outra dada por Cícero no
Hortêncio: 12954 anos.
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XXV. 27- Pois o que sempre se move171 é eterno; o que leva movimento a
algo e o que é agitado ele mesmo de outra parte, quando o movimento tem fim,
é necessário tenha fim de viver. Portanto somente o que se move por si, porque
nunca é abandonado por si, nunca então deixa de mover-se; e além disso às
outras coisas que se movem há esta fonte, este princípio de mover. Por princípio
nenhuma origem há; pois a partir de princípio surgem todas as coisas, e ele
mesmo a partir de nenhuma outra coisa pode nascer. Nem, de fato, haveria esse
princípio que se geraria de outro lugar, porque, se nunca surge, não morre
então alguma vez. Pois o princípio, extinto, nem ele mesmo renascerá de outro,
nem a partir de si criará outro, se contudo é necessário do princípio todas as
coisas nascerem. Assim acontece que o princípio do movimento seja a partir
disso: que ele mesmo se move por si; e isso nem pode nascer nem morrer, ou
então é necessário caia todo céu e toda natureza também pare nem se encontre
alguma força pela qual, de primeiro impulsionada, se mova.
XXVI. 28- Como portanto esteja patente que é eterno isso que se mova
por si mesmo, quem é que pode negar que esta natureza foi atribuída aos
ânimos? Sem ânimo é então tudo que se agita por impulso externo; e o que é
animal172, isso seja movido por moto interior e seu. Pois esta natureza e força é
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Referências
Bibliografia básica
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Bibliografia complementar
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Dicionários
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