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Ministério da Saúde

Fundação Oswaldo Cruz


Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
Departamento de Administração e Planejamento em Saúde

FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS DE SAÚDE EM SITUAÇÃO PÓS-


CONFLITO: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PRIMEIRO
DOCUMENTO PROPOSITIVO DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE
PARA O TIMOR LESTE, 1999 A 2002

LUIZ EDUARDO FONSECA

Tese apresentada como requisito para


obtenção do grau de Doutor em Saúde
Pública no Curso de Pós-graduação strictu
sensu em Saúde Pública, na linha de
pesquisa de Formulação e Implementação
de Políticas Públicas e Saúde, do
Departamento de Administração e Políticas
de Saúde da Escola Nacional de Saúde
Pública Sérgio Arouca da Fundação
Oswaldo Cruz.

Orientadora: Profª Drª Célia Maria Almeida

Rio de Janeiro
2011
CATALOGAÇÃO

Fonseca, Luiz Eduardo.


Formulação de políticas de saúde em situação pós-conflito: o processo de elaboração
do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, 1999 a
2002/ Luiz Eduardo Fonseca. – 2011.
166f. il.

Orientadora: Célia Maria Almeida


Tese (doutorado) – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca

1. Situação Pós-conflito, Timor Leste – História – Teses. 2. Política de Saúde – Teses


I. Almeida, Célia Maria. II. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca. III. Título.

ii
Dedico esta tese a meus pais.
À minha mãe, que me ensinou a sonhar,
ao meu pai, que sempre acreditou nos meus sonhos,
e aos dois, por me mostrarem os caminhos
para a realização daqueles sonhos.

iii
AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, quero agradecer à Professora Célia Almeida, que me


conduziu nessa jornada e que, sem o seu apoio, não seria possível tê-la completado.
Agradeço também a Professora Ligia Giovanella por seu incentivo para que
eu iniciasse essa caminhada.
Quero fazer um agradecimento especial à Professora Kelly Cristiane da
Silva, do Departamento de Antropologia da UnB, que, além da atenção e sugestões,
colaborou imenso nesta pesquisa permitindo-me acesso a seu arquivo privado de
documentos sobre o Timor Leste.
Agradeço a todos os colegas de trabalho, à Claudia Parente, Ana Paula,
Bárbara e Anderson; ao Álvaro, Linger e Clementino; ao Lucas, Vincent, Claudia
Hoirisch, Lucia, Domingos e Bia; ao Zé Vitor e à Guilhermina, ao Daniel, à Alzira,
Milton, e Liliane, pelo apoio, pela torcida e pela dedicação durante todo esse período de
reclusão. À Norma, o meu agradecimento pelos momentos de conforto.
Agradeço de todo coração ao Paulo Buss, companheiro de trabalho e de
vida, e ao Jouval, meu irmão-camarada. Ao José Roberto quero dedicar um
agradecimento especial, não só pelo seu carinho e amizade, mas, sobretudo por tudo que
me tem ensinado nesses anos, seja pelas suas ideias seja pelo seu exemplo.
Agradeço ao Samuel e ao Mauro, por manterem a minha saúde e o meu
equilíbrio, sem os quais tudo teria sido mais difícil.
Agradeço a Lena, Rodrigo, Marco Antonio, Iônio, Diego, Washington,
Monica, Manika, Kathie,e Manu por serem meus amigos e a partir dos quais deixo
minha lembrança a todos os outros amigos que não nomeei. À Luiza, Luzia e
Sebastiana, que além de amigas são anjos da guarda.
Com todo meu amor, agradeço a Patrícia, Mônica e Cássia, minhas irmãs
queridas, e ao Paulo, meu irmão também querido, através deles minha família se
expande e aproveito para também lembrar e agradecer a todos a minhas cunhadas e
cunhados, meus sobrinhos, primos, tios e tias queridos que tanto apoio me deram
durante esse último ano, sem os quais esse trabalho teria ficado muito menor.
Ao Giovane, meu especial agradecimento por sua compreensão, por aturar-
me nos momentos mais difíceis e por estar do meu lado durante essa trajetória.

iv
“Afirmo ao senhor, do que vivi: o mais difícil não é ser bom e
proceder honesto; dificultoso mesmo é um saber definitivo
o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”

“O senhor me diga: preto é preto? Branco é branco?”

(Diadorim, em O Grande Sertão: Veredas


João Guimarães Rosa)

v
RESUMO

O processo de reabilitação do setor saúde em condições pós-conflito é complexo, com


prazos muito ajustados e envolve diferentes atores, nacionais e internacionais, exigindo
mecanismos de coordenação que maximizem o fluxo da cooperação internacional, tanto
financeira quanto da assistência técnica. Este trabalho analisa, em perspectiva histórica,
o papel dos diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de elaboração do
primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, entre
1999 e 2002, período da administração temporária das Nações Unidas (UNTAET) no
país. A proposta de uma política de saúde surgiu, primeiro, nas mobilizações de
profissionais timorenses da saúde, em 1999, e, posteriormente, foi retomada nos
relatórios das missões conjuntas de avaliação (MiCAs), coordenadas pelo Banco
Mundial, e incorporada nos projetos de reabilitação e desenvolvimento para o setor,
também financiados pelo Banco. Todo esse processo se deu concomitantemente à
construção do arcabouço político nacional e da burocracia administrativa do Estado,
promovida pelo governo co-participativo da UNTAET. O desafio deste trabalho foi
analisar, nessas condições, como se deu a relação entre diferentes atores, a partir de
espaços de troca e de transferência, de conhecimentos e idéias e de um conjunto de
“modos de fazer” e de práticas, que permearam o processo de formulação de uma
proposta de política para o setor saúde timorense. Conclui-se que, no Timor Leste, a
situação de conflito e pós-conflito condicionou, de forma importante, a arquitetura da
ajuda externa e esta, por sua vez, pautou a relação entre os diferentes atores, nacionais e
internacionais. Por um lado, a realização dos anseios de autodeterminação e
independência dos timorenses, e a reconstrução do Estado, dependiam, crucialmente,
dessa ajuda e da mediação das Nações Unidas; e, por outro, a reabilitação nacional,
inclusive do setor saúde, necessitava do apoio técnico externo, possibilitado pela
cooperação técnica, também viabilizada e mediada pelas agências internacionais
envolvidas no processo, sobretudo o Banco Mundial. A análise do processo de
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste
aponta elementos para a discussão de como a cooperação técnica internacional, a oferta
de idéias, as condicionalidades e os mecanismos de controle das agências e doadores se
articulam em conjunturas particulares, em que diversas arenas políticas se entrelaçam
em diferentes tempos e espaços de negociação.

Palavras-chave: Pós-conflito e saúde; ONU e governo transitório; Banco Mundial


e situação pós-conflito, políticas de saúde, Timor Leste.

vi
ABSTRACT

The health sector rehabilitation process under post conflict situation is a complex,
timely and a multi-stakeholder scenario, which involves coordination mechanisms in
order to maximize the international cooperation flowing in a technical and financial
point of view. This study analyzes in a historical perspective the role of different
stakeholders, domestic and international, in the first Timorese health policy proposal
document elaboration process, between 1999 and 2002, during the United Nation
transitory administration (UNTAET). The idea of a national health policy was born, at
first, from a Timorese health workers mobilization, in 1999, and, lately, resumed by
joint assessment mission reports (MiCAs), coordinated by the World Bank, and
embedded in the rehabilitation and development of the health sector projects, also
financed by that Bank. All this process happened concomitant to the national political
and institutional building throughout the administrative bureaucracy of the State,
sponsored by the co-participative government within the UNTAET mandate. This
study‟s challenge was to analyze, in those conditions, what the relationship amongst
stakeholders was like within exchange and transfer of knowledge, ideas, a set of ways to
do and practices which have permeated all the Timorese health policy elaboration
process. It was concluded that, in East Timor, the conflict and post conflict situation
was an important condition to the architecture of the international aid in the country and
that the relationship between different stakeholders was regulated by this architecture.
By the way, the Timorese wish of independence and self-determination as well as the
State reconstruction depended strongly on international aid and the United Nations
mediation; and the national rehabilitation, including the health sector, also needed the
support of international assistance and cooperation granted by international
organizations, especially by the World Bank. The analysis of the health policy
elaboration process to East Timor points out to some elements for discussions on how
the international technical cooperation, offering of ideas, conditionality and control
mechanisms of the international agencies and donors are articulated in different
environments and how those different political arenas also promote articulation in
different negotiation time and space.

Key words: Post-conflict and health; UN and transitory government; World Bank and
post-conflict situation; health policies; East Timor.

vii
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

CAPÍTULO 1
METODOLOGIA 9
1. Subjetividade e objetividade 12
2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura 14
3. A análise documental 16
3.1. A organização do banco de dados documental 21
4. As categorias de análise 23
4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder 23
4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder 26
4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder 29

CAPÍTULO 2
CONTEXTO HISTÓRICO – COLONIZAÇÃO, INVASÕES E TRANSITORIEDADE
NO TIMOR LESTE 35
1. A província portuguesa do Timor Leste 35
1.1. O sistema de saúde no período colonial português 40
1.2. A formação dos primeiros partidos políticos no Timor Leste 42
2. Um curto período de independência 45
3. A invasão e dominação indonésia: resistência e adesão timorense 46
3.1. O legado indonésio e a situação da saúde no período da dominação 50
4. O referendo pela autodeterminação: as Nações Unidas no Timor
Leste e a instauração do conflito 53
5. O governo transitório das Nações Unidas no pós-conflito 56
5.1. A dupla missão das Nações Unidas 59
5.2. A função de coordenação política da UNTAET 62
5.3. A questão da participação 63
5.4. O papel do Banco Mundial 70

CAPÍTULO 3.
RESULTADOS – A REABILITAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE NO
TIMOR LESTE: RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E POLÍTICA DE
SAÚDE 76
1. A arquitetura da ajuda para a reconstrução do Timor Leste 76
1.1. As MICAs e RDs subsequentes 81
1.2. O Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust Fund for East
Timor – TFET) 82
2. A reabilitação do sistema de saúde no Timor Leste 87
2.1. A idéia de um documento propositivo de política de saúde e os
atores responsáveis pela sua elaboração 87
2.2. Os projetos para reestruturação do setor saúde 93
2.3. A implementação dos projetos: a norma e a prática cotidiana 100
2.4. O processo de formulação do primeiro documento propositivo
da política de saúde timorense 103
2.5. O conteúdo do primeiro documento propositivo de uma política
de saúde para o Timor Leste 108

viii
CAPÍTULO 4
DISCUSSÃO - FORMULAÇÃO DA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA DE
SAÚDE PARA O TIMOR LESTE: O INÍCIO DE UM PROCESSO 116

CAPÍTULO 5
CONCLUSÃO – RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E FORMULAÇÃO DE
POLÍTICAS NO TIMOR LESTE: LIDANDO COM CONFLITOS 132

REFERÊNCIAS 142

ANEXO 1. MAPA DO TIMOR LESTE 154

ANEXO 2. CRONOLOGIA DE EVENTOS DURANTE O PROCESSO DE


FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO TIMOR
LESTE 1999-2002 155

ANEXO 3. DOCUMENTOS DO BANCO DE DADOS DA PESQUISA 159

ix
LISTA DE ABREVIATURAS

ACM Armazém Central de Medicamentos


AID Australian International Development
AIS Autoridade Interina em Saúde
APODETI Associação Popular e Democrática Timorense
ASDT Associação Social Democrata Timorense
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CAP Consolidated Agency Appeal
CCA Common Country Assessment
CDH Comissariado de Direitos Humanos
CFET Consolidated Fund for East Timor
CISPE Civil Service and Public Employment
CN Conselho Nacional
CCN Conselho Consultivo Nacional
CNRM Conselho Nacional de Resistência Maubere
CNRT Conselho Nacional de Resistência Timorense
CPS Cuidados Primários de Saúde
CRD Conselho de Representantes Distritais
CRP Conselho de Representantes da Província
DAP Departamento de Assuntos Políticos
DFID Department for International Development UK
DPA Department of Political Affairs
DPKO Department of Peace Keeping Operations
DPR Departamento Provincial da Religião
DSS Divisão de Serviços de Saúde
EAAMM Entidade Autônoma de Abastecimento de Material Médico
EPSTL Estrutura de Política de Saúde do Timor Leste
ERD Emergency Response Division
ETTA East Timor Transitional Administration
FMI Fundo Monetário Internacional
FRETILIN Frente Revolucionária do Timor Leste Independente
FALANTIL Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste
GAPS Grupo Assessor em Política de Saúde
GGAP Gabinete de Governo e Administração Pública
GOLKAR Golongan Karya
GTCS Grupo de Trabalho Conjunto em Saúde
GTPSTL Grupo de Trabalho de Profissionais da Saúde do Timor Leste
ICRC International Confederation of the Red Cross
INTERFET International Force for East Timor
MDTF Multi Donor Trust Fund
MiCA Missão Conjunta de Avaliação
MS Ministério da Saúde
OCHA Office of the Coordination of Humanitarian Affairs
OIM Organização Internacional para Migrações
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PDI Partai Demokrasi Indonésia
PIDE Polícia Internacional e de Defesa do Estado
PND Plano Nacional de Desenvolvimento

x
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP Partai Perstuan Pembangunan
PRDSS Programa de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde
RD Reunião de Doadores
RDTL República Democrática do Timor Leste
SIP Sector Investment Program
SWAp Sector Wide Approach
SUCENAS Survei Social Ekonomi Nasional
TFET Trust Fund for East Timor
TNI Tropas Nacionais Indonésias
UDT União Democrática Timorense
UNAMET United Nations Mission on East Timor
UNTAET United Nations Transitional Administration in East Timor
USD United States Dollar

xi
INTRODUÇÃO

Conflitos armados afetam todas as esferas da vida de um país,


desestruturando-o política, econômica e socialmente. Nessas situações, o setor saúde é
afetado diretamente. Além de causar perdas de vida e danos físicos e mentais nas
pessoas, os conflitos armados também levam à destruição total ou parcial das unidades
de atendimento e à desestabilização do sistema de saúde. Hoje em dia, todo conflito
armado, mesmo que não seja entre Estados, tem um impacto negativo que pode afetar
sua região e até mesmo todo o sistema global, o que acaba levando ao envolvimento de
diferentes atores externos, seja para prestação de ajuda humanitária seja para intervir
militarmente, quando há necessidade de proteção da população civil. Na maioria das
vezes, as intervenções militares são feitas a partir de forças de paz internacionais,
coordenadas pelas Nações Unidas. Uma vez estabilizada a situação e instalada
operações de manutenção da paz naquele território, instaura-se um período de transição
denominado de pós-conflito no qual o país procura retomar sua rotina habitual.
Geralmente, durante esse período pós-conflito, a comunidade internacional se mobiliza
para apoiar a reconstrução socioeconômica do país, o que acaba envolvendo novos
atores internacionais nesse processo.
Seja por questões étnicas, políticas ou territoriais, os conflitos armados
ainda são bastante comuns. Walters et al.1 afirmam que, nos últimos 25 anos, mais de 50
países experimentaram episódios de conflito armado. Segundo o Banco Mundial2,
quinze dentre os vinte países mais pobres do mundo tiveram algum tipo de conflito
dessa natureza nas três últimas décadas, aumentando bastante a ajuda internacional para
esses países. O financiamento para países em situação de conflito passou de 2% para
10% do montante global da assistência oficial ao desenvolvimento (Oficial
Development Assistance, ODA), em apenas cinco anos (1989-1994)2.
Segundo Waters et al.1, o setor saúde está entre os que são mais afetados por
situações de conflito e requer grandes esforços de reconstrução. A mortalidade e a
morbidade causadas por conflitos armados têm forte impacto na capacidade dessas
sociedades se recuperarem. Por outro lado, a desestabilização política e econômica
causada por situações de conflito afetam diretamente a reabilitação e reconstrução do
setor saúde, na medida em que este é altamente dependente de amplas determinações
externas ao setor. Geralmente, essa reabilitação envolve a alocação de grandes volumes
de recursos humanos e materiais, cuja coordenação é assunto de interesse em diversas
pesquisas, pois é importante tanto para as agências internacionais quanto para a agenda

1
política dos próprios países. Reabilitar o sistema e reconstruir a rede de atenção à saúde
em situações pós-conflito são dois eixos fundamentais na formulação de políticas de
saúde nesses contextos e foram bastante estudados, nos últimos anos, por pesquisadores
das áreas de política e da saúde internacional. Dentre essas pesquisas destacam-se as de
Macrae3, Korhonen4, Bornemisza e Sondorp5, e Waters et al.1. Foram também
pesquisados alguns trabalhos que analisam a experiência específica dessa formulação
em alguns países que passaram por uma situação pós-conflito, tais como: Uganda, Sri
Lanka, Afeganistão e o Kosovo.
Macrae et al.6 analisaram o impacto dos conflitos armados nos serviços de
saúde de Uganda, assim como o papel que a herança do sistema de saúde prévio ao
conflito exerceu no processo de reabilitação do setor no período pós-conflito,
evidenciando o quanto o sistema anterior era inadequado para as necessidades de saúde
do país. Nagai et al.7 compararam, durante 20 anos, o desempenho dos serviços de
saúde entre áreas de conflito e sem conflito no Sri Lanka e mostraram que nas áreas de
conflito a falta de profissionais de saúde nacionais e as múltiplas dificuldades que as
pessoas tinham que enfrentar, configurava uma situação de baixa demanda e baixo
desempenho dos serviços, apesar de ser onde atuavam mais atores internacionais.
Sondorp8 analisou uma série de 25 anos de desempenho do serviço de saúde no
Afeganistão, de 1980 a 2004, mostrando que durante esse período existiram diferentes
ambientes de conflito no país. Segundo o autor, os anos de guerra no Afeganistão
afetaram a capacidade dos diferentes governos de prover serviços de saúde para a
população, pela instabilidade generalizada no país durante essas décadas. Havia uma
proliferação de ONGs nacionais e internacionais que atuavam nas mais longínquas
comunidades para garantir o acesso aos serviços básicos de saúde. Em anos recentes, os
doadores firmaram contratos entre o governo e provedores de serviços que propunham
uma tabela de custo das atividades, mas os pagamentos eram feitos segundo indicadores
de desempenho. Essas experiências apontam para alguns elementos que se encontram
também no caso do Timor Leste, ainda que as condições locais sejam bastante
diferentes, como analisado neste trabalho.
No Kosovo, por sua vez, que teve uma administração transitória da ONU no
mesmo período – de 1999 a 2000 – o planejamento do setor saúde durante o governo de
transição foi analisado por Shuey et al.9. Neste caso, a reorganização do sistema ficou a
cargo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que procurou levar em conta elementos
positivos do sistema de saúde do regime socialista anterior. Essa situação foi
problemática, uma vez que o novo modelo pretendia diferenciar-se do anterior,

2
ideologicamente antagônico, criando tensão entre a necessidade de se colocar em prática
uma ação reformista emergencial e a implantação de uma abordagem inovadora
politicamente e que ampliasse o elemento participativo naquele processo. As
dificuldades entre a adoção de ações emergenciais e uma abordagem de mais longo
prazo no setor saúde é uma questão importante que se coloca em situações pós-conflito
e que envolve tanto os atores nacionais quanto internacionais, como se verifica também
no Timor Leste.
No caso do Timor Leste, em 1999, após a divulgação do resultado do
referendo no qual a maioria da população do país manifestou-se pela independência e
autodeterminação em relação à República da Indonésia, grupos paramilitares
insatisfeitos se mobilizaram e, numa fúria insana, durante uma semana, destruíram vidas
inocentes e inúmeros edifícios públicos timorenses. Para deter essa onda de violência e
instaurar a ordem no território houve a intervenção de forças internacionais coordenadas
pelas Nações Unidas que, durante os 30 meses seguintes, assumiram o governo
transitório do país até que, em maio de 2002, fossem restauradas as condições que
assegurassem a instalação de um governo democrático, independente e autônomo no
Timor Leste. Diferentemente do que ocorreu no Kosovo, embora em datas muito
próximas, as ações emergenciais no campo da saúde se voltaram ao aspecto meramente
curativo, durante o curto período de conflito, e desde o início do processo transitório
tanto as Nações Unidas quanto o Banco Mundial procuraram atuar em conjunto
adotando uma abordagem setorial ampliada, que já apontava para a necessidade de
projetos que apontassem uma direção para o sistema de saúde em médio e longo prazo.
Numa revisão das publicações sobre formulação de políticas de saúde em
situações pós-conflito e situações complexas de emergências políticas, realizada por
Bornemisza e Sondorp5, a ausência de um governo próprio, e em situação de governança
transitória, os mecanismos de coordenação da ajuda externa em situações pós-conflito
são um dos pontos mais importantes para se poder avançar com processos de
formulação de políticas. Eles destacam que para diferentes países foram adotados
diferentes mecanismos de coordenação do financiamento externo. E, geralmente, esses
mecanismos são adaptações de modelos conhecidos, desenvolvidos pela comunidade de
doadores e utilizados em operações de financiamento internacional para o
desenvolvimento. Mesmo em cenários mais complexos, como os de emergência ou
situações pós-conflito, os mesmos mecanismos são adaptados. Os autores destacam a
importância de se estudar esses mecanismos e os procedimentos utilizados pelos
doadores, principalmente o Banco Mundial, para a coordenação de processos de

3
formulação de políticas nessas situações e colocam bastante ênfase na necessidade de se
aprofundar os estudos nessa área, pois a partir desses processos o apoio à reconstrução
do sistema de saúde pode ter maior ou menor transparência e os resultados podem ser
mais ou menos efetivos. Assinala-se ainda a importância das análises técnicas sobre as
intervenções no campo da saúde em complexas situações (de emergência ou de pós-
conflito), uma vez que a ampliação do conhecimento e do debate sobre esse assunto
pode ajudar a entender melhor o papel da ajuda internacional e a função de alavanca que
os atores internacionais podem exercer nessas situações, com maior ou menor
coerência.
Esta pesquisa partiu da reflexão sobre minha atuação como assessor do
Ministério da Saúde do Timor Leste, durante o ano de 2002. Meu contrato de trabalho
foi financiado por fundos fiduciários do Banco Mundial para o Timor Leste e previa
apoio técnico para a implantação de equipes distritais de saúde em três de um total de
treze distritos. Esse trabalho consistia em apoiar a equipe local em diferentes aspectos
da gestão, que incluíam a prestação de serviços e as atividades essenciais de saúde
desenvolvidos por centros e postos comunitários. Além disso, deveria também
assessorar a equipe distrital na elaboração de um plano distrital de saúde com base no
primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, elaborado
pelo Ministério da Saúde e publicado em maio de 2002. Participava também das
reuniões de coordenação promovidas pelas missões técnicas, durante as quais se
discutiam as propostas e ações para a reabilitação do setor saúde.
A minha participação no processo de elaboração desses planos esteve
sempre orientada pela minha formação em saúde pública, pelo meu trabalho com
programas de atenção à mulher e à criança, com a área de educação em saúde e com
alguma formação no campo da antropologia, assim como pela minha experiência prévia
como consultor ou assessor internacional na área de saúde em outros países − fui
responsável pela atenção à saúde da criança na República de Cabo Verde, em 1984;
pelo programa nacional de vacinação da Guiné Bissau (de 1989 a 1992) e do
Afeganistão (de 1992 a 1995). Estes precedentes foram cruciais na escolha do meu
objeto de estudo, assim como nos questionamentos levantados e no enfoque
metodológico adotado para estudá-los.
Chamava-me muito a atenção a presença, no Timor Leste, de uma enorme
quantidade de funcionários internacionais e a maioria deles, diferentemente dos
habitantes locais, quase não circulava a pé pelas ruas, mas em carros novos pertencentes
às suas organizações internacionais e, muitas vezes, conduzidos por motoristas

4
timorenses; vivia em hotéis e comia apenas em quatro ou cinco restaurantes que tinham
cozinha internacional. A importância das organizações internacionais no país, assim
como do aparato militar, era inegável. Esses técnicos estrangeiros, que deveriam apoiar
a construção de uma estrutura administrativa nacional, pareciam-me alheios à realidade
e possibilidades locais. Essas inquietações nutriram a minha reflexão e ajudaram a
recortar meu objeto de estudo, pois a formulação de políticas para reabilitar o sistema de
saúde em situações de carência extrema, como a do Timor Leste, é um processo intenso
e difícil, onde distintos atores, nacionais e internacionais se entrelaçam, a partir de
bagagens (sociais, políticas, culturais e profissionais) muito distintas, e sua inserção nos
processos locais também são muito peculiares. Além disso, são inúmeras as variáveis
que se articulam e interferem umas nas outras nessa dinâmica.
O propósito deste estudo foi, então, explorar a complexidade das relações
que envolvem diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de formulação
do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste, como parte
da dinâmica de reabilitação do sistema de saúde, durante o período pós-conflito em que
esse país esteve sob a administração transitória das Nações Unidas, de 1999 a 2002.
Tem como seu objetivo geral agregar elementos explicativos à compreensão da
influência do assessoramento técnico das agências internacionais e de seus mecanismos
de financiamento nos processos de formulação de políticas nacionais de saúde em
situações pós-conflito, a partir do estudo de caso do Timor Leste. Especificamente,
procurou-se compreender e analisar: 1) os modos de exercício de poder no setor saúde,
durante a administração transitória das Nações Unidas; 2) como o poder dos diferentes
atores, nacionais e internacionais, influenciou a criação de espaços de autoridade
setorial; 3) os papéis que os diferentes atores desempenharam no processo de
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste;
4) como foram identificadas as prioridades nacionais; 5) que arranjos foram pactuados e
compartilhados para garantir a efetividade da proposta; e 6) que mecanismos de
coordenação foram utilizados e se houve indução ou incorporação de idéias na
formulação do documento.
A investigação realizada procurou demonstrar a hipótese de que a
cooperação técnica internacional realizada em situações particulares, como as de pós-
conflito, se configura como uma situação política, onde a indução externa e a aceitação
doméstica se articulam, permeadas por distintos interesses, mas em função de fortalecer
os respectivos recursos de poder dos diferentes atores envolvidos.

5
O tema da formulação de políticas tem sido relativamente pouco explorado
pela área da saúde pública e o estudo de situações de conflito e pós-conflito é bastante
estudado na área das relações internacionais. Entretanto, são poucos os estudos que
integram essas duas áreas de estudo. O trabalho que se apresenta pretende contribuir
para o debate entre saúde e relações internacionais, procurando articular conhecimentos
dessas duas áreas. Ainda são poucos os estudos no Brasil com este objetivo.
Para entender a dinâmica da ajuda externa para reabilitação do setor saúde
no Timor Leste, assim como a coordenação política transitória aí instalada, esta
pesquisa priorizou um enfoque histórico baseado na contextualização de diferentes fatos
e acontecimentos com ênfase no que caracterizava as relações que se estabeleceram
entre diferentes atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procuramos encontrar
uma perspectiva que permitisse compreender algumas concepções, práticas e estratégias
envolvidas no encontro e na relação entre esses atores, a partir da análise do seu papel
na formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o
Timor Leste.
O primeiro capítulo apresenta e discute as bases teóricas e metodológicas
que orientaram a pesquisa e justifica a escolha da abordagem qualitativa e do estudo de
caso único para a análise do objeto em estudo. O fato do autor deste estudo ter
trabalhado com seu objeto de análise levou a que se relativizasse o diálogo entre o
mundo do sujeito e o mundo do objeto, em vez de negá-lo ou querer excluí-lo do
processo de análise.
A decisão por estudar a formulação da primeira estrutura de política de
saúde do Timor Leste, a partir da relação entre os diferentes atores envolvidos, refletiu,
de certa maneira, o interesse do sujeito, nascido de um „conhecimento‟ de campo, mas
que, ao tornar-se um objeto de pesquisa exigiu um distanciamento que permitisse, a
partir de dados documentais, analisá-lo empiricamente. Foram definidas diferentes
categorias e subcategorias de análise permeadas por três condições: conflito e pós-
conflito, transitoriedade e formulação de políticas de saúde.
O Capítulo 2 dedica-se a compreender o contexto histórico onde se insere o
objeto do estudo e que precede a atividade dos atores a serem analisados. Foram
valorizados os processos de construção de estruturas de autoridade dos diferentes atores,
principalmente dos atores nacionais a partir da formação de suas representações
políticas, assim como de organização do movimento de resistência contra a dominação
indonésia. O período de transitoriedade, em que as Nações Unidas administraram o
território timorense, foi investigado procurando entender as relações de poder que se

6
estabeleceram entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, e os meios do
exercício e jogo de poder, pretendendo compreender como se instalou a assistência
técnica nesse contexto, assim como o seu papel na reconstrução do país.
A transitoriedade é analisada nesta pesquisa como fator limitante das
atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos no estudo: as Nações Unidas, o Banco
Mundial e os diferentes grupos políticos timorenses. No Timor Leste, as Nações Unidas,
além das operações de manutenção da paz, também desenvolveram atividades de
governo, assumindo para isso, temporariamente, poderes de decisão política que
compreendiam tarefas complexas de coordenação de diferentes atores e de disputas
políticas, nacionais e internacionais, tanto internas às instituições quanto entre elas. Por
sua vez, o Banco Mundial, responsável por afiançar doações e alocações de recursos
para a reconstrução do Timor Leste, coordenou, a partir da assistência técnica, a
elaboração e implantação dos projetos de reabilitação de oito setores diferentes, entre
eles a saúde. A partir da esfera de atuação dessas duas organizações internacionais é que
se estabelece o eixo de relação entre os atores internacionais e os nacionais. Foram
criadas esferas de governo co-participativas, de onde surgiram as primeiras instâncias de
autoridade nacional do setor saúde no Timor Leste, em parceria com as Nações Unidas
– a Autoridade Interina em Saúde e, posteriormente, o Ministério da Saúde – que
criaram as bases para se reconstruir o sistema de saúde do país.
O Capítulo 3 apresenta os resultados do trabalho de campo da pesquisa. Está
estruturado na perspectiva de compreender porque e como surgiu a idéia de formulação
do primeiro documento propositivo da política de saúde do Timor Leste e quais os
principais atores que participaram no processo. Foi o Banco Mundial que coordenou
todo o processo de reabilitação do setor saúde timorense e sua atuação se respaldou em
sua experiência acumulada, durante mais de uma década, seja em atuações concretas,
seja na produção de estudos e documentos sobre políticas de saúde e situação pós-
conflito para os países em desenvolvimento. No Timor Leste essa coordenação se fez a
partir de duas instâncias interligadas, as missões conjuntas de avaliação e as reuniões de
doadores, que aconteciam sucessivamente a cada seis meses e que monitoravam de
perto o andamento dos projetos de reabilitação para o setor. Os timorenses já haviam
iniciado uma discussão sobre suas políticas setoriais antes mesmo da realização do
referendo. Entretanto, foi durante o período de transitoriedade da administração das
Nações Unidas que a idéia da elaboração de uma política de saúde surge pela primeira
vez, durante a primeira missão de avaliação, e é incorporada no projeto de reabilitação
do setor, cobrada em todas as reuniões de doadores.

7
Foi também apresentada, nesse capítulo, a estrutura do documento
propositivo e seus elementos mais relevantes. O documento foi montado a partir de
diferentes relatórios relativos a seis subgrupos temáticos de trabalho e deu mais ênfase
na organização e gestão do setor saúde no país. Esta foi a sessão do documento em que
se discriminou diferentes atividades no âmbito do sistema de saúde, ressaltando a oferta
de pacotes mínimos de serviço de saúde por nível de atenção. O documento também
abriu espaço para a possibilidade de se experimentar iniciativas de parceria público-
privado no setor saúde. A ênfase na análise do documento está posta no próprio
processo de sua elaboração e de assimilação, pelas contrapartes nacionais. Pode-se dizer
que o primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste não foi
um documento ideal, mas o documento possível naquele momento e, mais que isso, foi
o cumprimento de um compromisso assumido pela contraparte timorense aos acordos
internacionais. Embora não diga exatamente o que o Ministério deve implantar, como,
onde e por quem, é um documento que apresenta sugestões que orientam em
determinada direção.
O capítulo 4 apresenta uma discussão dos resultados da pesquisa. Analisa o
início do processo de formulação da proposta de política de saúde para o Timor Leste,
em que instâncias de negociação desse documento e formas de consulta, monitoramento
e participação, utilizadas na sua formulação, funcionaram como condicionantes, seja da
participação dos diferentes atores, seja do seu conteúdo. Discute-se o envolvimento dos
distintos atores, nacionais e internacionais, nesse processo. Procurou-se analisar o papel
da construção de capacidades, tanto a partir da assistência técnica quanto dos
treinamentos, e como a dificuldade de interação entre nacionais e internacionais pode,
muitas vezes, levar a dificuldades operacionais importantes. Entretanto, devido à
situação peculiar do Timor Leste, de extrema fragilidade e baixa capacidade local de
implantação, foi também analisada a importância das organizações internacionais no
reforço da assistência técnica para não só apoiar a elaboração e gestão dos projetos de
reconstrução e desenvolvimento para o país, que incluía a formulação de políticas
setoriais, mas também cumprir com os prazos estabelecidos para certas
condicionalidades contratuais dos doadores.
A análise do processo de formulação do primeiro documento propositivo de
uma política de saúde para o Timor Leste possibilitou evidenciar a relação dialética
entre os doadores e os receptores da ajuda externa, mediada pelas organizações
internacionais a partir de mecanismos de cooperação técnica.

8
CAPÍTULO 1

METODOLOGIA

A participação de diferentes atores no processo de formulação do primeiro


documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste, no período de
1999 a 2002, durante a administração temporária das Nações Unidas naquele país, numa
situação pós-conflito, foi estudada utilizando uma abordagem metodológica qualitativa,
sistematizada e desenvolvida como um estudo de caso. Para o levantamento de
informações foi efetuada extensa pesquisa bibliográfica e uma análise documental.
A escolha dessa abordagem também levou em conta a minha participação
como ator no processo em estudo. Embora essa participação não tenha sido considerada
na perspectiva da técnica da observação participante, não pôde ser menosprezada no
desenvolvimento da investigação e colocou um desafio adicional: a delimitação sujeito-
objeto, entre o fenômeno observado e o observador-pesquisador que, ao mesmo tempo,
é parte do fenômeno, mas tem que se colocar externo a ele para poder observá-lo
novamente, com outro olhar, a partir de outro ponto de vista.
A opção por estudar esse assunto específico, embutido num caso particular,
ex post facto, e do qual participei como profissional e não como pesquisador, demandou
utilizar um conjunto de informações sobre fatos, eventos e organizações já disponíveis,
ao qual foi necessário dar um tratamento analítico, buscando extrair espaço para
objetivar reflexões, pois não era possível retornar ao campo como pesquisador.
A compreensão de um objeto histórico pela lente das ciências sociais tem,
segundo Minayo10 e outros autores11,12, um caráter essencialmente qualitativo. A
escolha dessa abordagem para compreender e analisar o objeto desta investigação se
justificou com apoio dessa autora, que defende um exercício de “empiria e
sistematização progressiva do conhecimento na compreensão da lógica interna do
processo em estudo” (p. 57). Esse processo incorpora elementos que auxiliam a
descrição de grupos, instituições, organizações e fenômenos a eles relacionados e
podem ajudar a explicar „comos‟ e „porquês‟ na identificação de redes de causalidade
em relação ao fenômeno estudado ou de fatores que o influenciam.
A investigação do papel de diferentes atores em fenômenos sociais vem
sendo utilizada por alguns autores, como Walt et al.13 e Varvasovzky e Brugha14, entre
outros10,15, para analisar políticas de saúde. Para Varvasovzky e Brugha14, o estudo dos
atores é considerado como:
9
... uma abordagem, um instrumento ou conjunto de instrumentos
que pode gerar conhecimentos sobre os atores, indivíduos ou
organizações, assim como ajudar a entender seus
comportamentos, intenções, inter-relações e interesses; e para
avaliar a influência e os recursos (utilizados ou não) que, de
alguma forma, afetam os processos decisórios e de implantação
de políticas. 5 (p. 338)

Nesse sentido, para Reed et al.16, no âmbito dos fenômenos político-sociais,


atores sociais seriam tanto “aqueles que influem quanto aqueles que são influenciados
por decisões ou ações” (p. 1934).
A opção pelo estudo de caso se deu pelo próprio objeto da investigação.
Para Gil17, os estudos de caso são úteis para proporcionar uma visão mais clara do
objeto e para dar explicações acerca de fatos e fenômenos pouco conhecidos, a partir da
identificação de “mecanismos geradores, capazes de produzir eventos sob determinadas
condições” (p. 15). Goode & Hatt (apud Minayo10) reforçam a justificativa dessa
escolha ao afirmarem que os estudos de caso são “um meio de organizar dados sociais,
preservando o caráter unitário do objeto social estudado” (p. 164), resguardando a
intensidade da observação direta sobre o objeto.
Para Minayo10, metodologicamente os estudos de caso podem ajudar a
evidenciar: a) ligações causais entre intervenções e situações da vida real, b) contextos
em que uma ação ou intervenção ocorreu ou ocorre, c) rumos de um processo em curso,
e d) maneiras de interpretá-lo e de analisar o sentido e relevância de algumas situações-
chave nos resultados de uma intervenção. Para a autora, os estudos de caso ajudam a
compreender os esquemas de referência e as estruturas de relevância relacionadas ao
evento ou fenômeno e permitem o exame detalhado de processos organizacionais ou
relacionais para esclarecer fatores que interferem em determinados processos. Além
disso, podem apresentar modelos de análise replicáveis em situações semelhantes e até
possibilitar comparações.
A pesquisa bibliográfica, utilizada como técnica para apoiar o levantamento
de dados e o exercício descritivo e interpretativo dos fenômenos estudados, ressaltou a
contextualização histórica e fatores relevantes que contribuíram para a análise de
algumas intervenções propostas para a área da saúde.
A análise documental, por sua vez, foi a técnica escolhida para o exercício
de interpretação e análise do objeto de estudo, no sentido de corroborar ou não a
hipótese de pesquisa. Essa escolha levou em conta a amplitude do conceito de
documento, mencionada por Gil17 e Minayo10. Denominou-se documento os textos

10
administrativos e as publicações tanto do governo como das organizações, nacionais e
internacionais, assim como relatórios institucionais diretamente relacionados ao objeto
da pesquisa, no período em estudo. Esses documentos escritos podiam ser publicados
(em papel ou pela internet) ou não. E os documentos não publicados são aqueles que
foram coletados localmente, com autorização das autoridades governamentais ou
institucionais. Segundo Gil17, a análise documental busca extrair informações que
tenham sentido e valor, de forma a contribuir para o debate científico sobre o tema.
Para Yin18, estudos de caso moldados a partir da interpretação e análise
documental, que se debruçam sobre fenômenos contemporâneos e procuram
compreendê-los a partir do estudo de significados, são consideradas investigações
empíricas, precisam ser bem contextualizados e ter rigoroso tratamento metodológico.
Ou seja, são estudos empíricos sobre histórias contemporâneas dentro de seu contexto,
como reitera Gil17. Portanto, a consulta às fontes documentais “é imprescindível em
qualquer estudo de caso”17 (p. 76) que envolva a contextualização histórica e a
necessidade de informações sobre organizações e instituições.
A contextualização do fenômeno a ser estudado foi, assim, uma necessidade
analítica nesta investigação, dada a construção histórica do objeto. Foi fundamental
compreender tanto os contextos em que surgiram os diferentes atores na cena timorense
quanto as conjunturas em que ocorreram as suas ações e intervenções no processo de
formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor
Leste em 2002.
Como afirma Gil17, “não há como separar o fenômeno de seu contexto” (p.
15). Artigos têm mostrado que a contextualização histórica na análise de casos tem sido
importante para o desenvolvimento de modelos e estratégias no estudo de diferentes
processos de reabilitação do sistema de saúde e de desenvolvimento de políticas de
saúde em países que vivem situações pós-conflito6,8,9,15,19.
O contexto em que se insere a formulação de uma política de saúde é
fundamentalmente marcado por relações sociais entre indivíduos e sociedades e essas
relações criam suas próprias estruturas e significados, mesclando realidades e ideologias
que geram os diferentes discursos de distintos atores sociais.
Apoiando-se nas propostas metodológicas de Minayo10 e Fairclough20 os
documentos selecionados foram analisados seguindo um “quadro tridimensional que
incluiu tanto o texto quanto a prática discursiva e a prática social” (p. 89) dos
diferentes atores.

11
Entretanto, como proceder quando o pesquisador foi ator do processo
analisado?

1. Subjetividade e objetividade

O questionamento da objetividade versus subjetividade é muito comum nos


estudos nas ciências sociais e tem sido muito vivenciado pelos pesquisadores do campo
da saúde coletiva.
O conhecimento científico no campo da saúde lida com objetos de estudos
complexos que abrangem tanto a área biomédica como a das relações sociais. Segundo
Minayo10:

... a área da saúde abrange uma objetividade com a espessura


que tem a vida, por onde passa o econômico, o político, o
religioso, o simbólico e o imaginário, sendo o „lócus‟ onde se
articulam conflitos e concessões, tradições e mudanças, e onde
tudo ganha sentido, ou sentidos. (p. 31)

Portanto, as ciências da saúde formam um campo multidisciplinar que


abrange diferentes instâncias de interpretação da realidade.
O objetivo desta investigação levanta questões referentes à ações de seres
humanos e de como estes se relacionam entre si como sujeitos históricos condicionados
por diferentes determinantes. Portanto, embora focado em questões peculiares da área
da saúde, este estudo se baseou em métodos e técnicas das ciências sociais, na
perspectiva de contribuir para a contextualização do seu objeto de forma crítica e lançar
sobre ele um olhar que permitisse interpretá-lo e analisá-lo como prática social na área
da saúde.
Gadamer (apud Lawn21) compara o encontro entre um trabalho de arte e o
seu observador com a relação entre um objeto científico e o pesquisador na construção
do conhecimento. Para o autor, tanto a „verdade‟ da arte como a „verdade‟ da ciência é
fruto essencialmente do diálogo que entre eles, objeto e sujeito, se estabelece. Ou
melhor, o que se estabelece é o diálogo entre o mundo do sujeito e o mundo do objeto. A
possibilidade de comunicação do que se depreende deste diálogo é que gera novas
possibilidades dialógicas entre diferentes sujeitos. Em outra clave analítica, Demo16,
citando Habermas, também assume essa „espiral‟ de raciocínio ao afirmar que um dos
critérios inerentes à ciência é a “discutibilidade, ou seja, só é científico o que é
discutível” (p. 26).

12
Essa possibilidade da discussão esbarra em outro argumento, defendido por
Gil17, para quem o conhecimento científico deve ser „objetivo‟, isto é, compreensível
por qualquer pessoa. Essa possibilidade de proporcionar compreensão ampla e ser, ao
mesmo tempo discutível e objetivável, é uma das maiores preocupações metodológicas,
pois implica na escolha cuidadosa pelo pesquisador de métodos e técnicas adequados
para a coleta de dados e a análise dos resultados da pesquisa. São esses métodos e
técnicas que ajudam o pesquisador a “sair” de si mesmo e conseguir condições para
elaborar uma análise replicável e passível de averiguação.
Para Minayo10, as ciências sociais propõem a “subjetividade como fundante
de sentido e defende-a como constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo”
(p. 24) na explicação das relações sociais. Ao reconhecer, criticamente, que todo sujeito
é um sujeito ideológico, a pesquisa social prega que é necessário, portanto, controlar a
intenção na observação da realidade do objeto, embora seja impossível eliminá-la. Esse
controle está, por conseguinte, na construção metodológica desse olhar. A própria
autora diz que, sendo “o universo das investigações qualitativas o cotidiano e as
experiências do senso comum, essas informações devem ser coletadas, interpretadas e
re-interpretadas levando em conta os sujeitos que a vivenciam” (p. 24). Segundo ela,
embora “não seja possível ver a realidade sem um ponto de vista, sem um ponto de
partida, e esse ponto é sempre do sujeito e não da realidade” (p. 30), ao final, o que
“importa para o objeto são os princípios de sua relação com a realidade” (p. 22).
Assim é que Demo22, ancorado em Habermas, diz que é necessário não
confundir o plano da lógica (pensar) com o da ontologia (realidade pensada). Nesse
sentido, para esse autor, a ciência deve trabalhar com uma “realidade construída” (p.
28), uma vez que os conceitos científicos não são pré-existentes à realidade, mas sim
construídos pelos sujeitos. Desta forma, a ciência é só uma das maneiras de se ver a
realidade, não a única, e o objeto científico, assim como a arte, necessita de alguém que
o elabore, à medida que conceitos científicos são construções humanas sobre a
realidade.
Portanto, o “objeto construído”22 (p. 28) significa uma relação diferente
entre sujeito e objeto, que começa com um movimento de problematização e se amplia
na perspectiva do diálogo, do confronto, entre os dois. Como o objeto construído coloca
sujeito e objeto na mesma realidade, Demo22 sugere substituir uma postura „neutra‟ de
objetividade por uma posição mais clara de “objetivação” (p. 28). Ou seja, é importante,
na análise do objeto, controlar as ideias já existentes no sujeito e que podem camuflar o

13
fato de que, fazendo parte do sujeito também fazem parte da cena, correndo o risco de
se “fazer da atividade científica uma produção inventada da realidade” (p. 28).
Para esta investigação, os significados da subjetividade são importantes.
Segundo as argumentações levantadas por Minayo10 sobre a “intersubjetividade” (p.
147), todo pesquisador recebe conhecimentos prévios ao seu encontro com a realidade
do objeto a ser analisado, que caracterizam sua visão de mundo, seu universo vivencial,
e que influenciam na construção da sua reflexão, pois, segundo ela, é impossível existir
um conhecimento objetivo externo aos sujeitos. Já o entendimento do que seria
“intrasubjetividade” se apóia em Fairclough20 quando diz que “o pesquisador não está
acima da prática social que analisa, mas dentro dela” (p. 246). Portanto, ao se
defrontar com o seu objeto o pesquisador também passa a ser objeto do objeto, a medida
que carrega consigo significados e significações pré-existentes. Além disso,
Fairclough20 nos lembra que “uma pesquisa também leva à produção de textos que são
socialmente distribuídos e consumidos por outros textos, e que o discurso da análise é
como qualquer outro discurso, um modo de prática social” (p. 246), criando o que o
autor chama de inter-textos, que circulam e dão subsidio àquilo que Demo 22 chamou de
discussão ou discutibilidade inerente ao objeto científico.
Nos estudos sobre políticas de saúde é importante que o pesquisador
reconheça sua posição como observador. Muitas vezes, esse observador é parte da
própria realidade observada e deve, portanto, perceber o que e como essa subjetivação
molda suas interpretações e análises. Uma pesquisa que se relaciona com estruturas
sociais também se posiciona em relação a elas e às relações sociais que engendram e,
portanto, passa também a ser investida de ideologia e posicionamento político.
Ao examinar diversas pesquisas sobre políticas de saúde, Walt et al.13
observam que muitos pesquisadores raramente refletem sobre como suas experiências
moldam a construção do seu objeto, suas interpretações e conclusões. Entretanto, é
necessário que o pesquisador, apesar de sua posição privilegiada, adote um caminho de
objetividade, ou seja, utilize abordagens sólidas do ponto de vista teórico e
metodológico que permitam ao leitor saber de que ponto parte a observação e o que ela
se propõe a contextualizar, assim como entender as interações e argumentações do
estudo.

2. O levantamento bibliográfico para a revisão da literatura

A revisão bibliográfica é essencial em qualquer estudo que busque atualizar


contribuições científicas sobre um determinado assunto, tema ou problema. Gil23 a

14
define como aquela que cobre textos relevantes já publicizados em relação ao tema de
estudo (livros, publicações avulsas, publicações periódicas – boletins, jornais, revistas –
pesquisas, monografias e teses, entre outros), sendo utilizada, segundo Raupp e
Beuren24, para reunir conhecimentos sobre a temática em pauta. Lima e Mioto25
reconhecem na revisão bibliográfica uma etapa necessária para a realização de toda e
qualquer pesquisa, mas a diferenciam da pesquisa bibliográfica que “implica um
conjunto ordenado de procedimentos de busca e soluções, atento ao objeto de estudo, e
que, por isso, não pode ser aleatório” (p. 38).
Para Gil23, a principal vantagem da pesquisa bibliográfica está no fato de
permitir ao pesquisador a cobertura de uma gama maior de fenômenos do que aquela
que ele poderia pesquisar diretamente, principalmente quando os dados estão dispersos.
Em relação a estudos que se inserem historicamente no tempo, a pesquisa bibliográfica
é indispensável para se conhecer os fatos passados. Porém, para se realizar esse tipo de
pesquisa tem-se que tomar alguns cuidados. Por exemplo, o autor chama a atenção para
a utilização indiscriminada de dados e informações secundárias não fidedignas ou
equivocadas, daí a importância do cuidado na escolha das fontes e na montagem do
banco de dados.
Para esta investigação, utiliza-se a revisão bibliográfica tanto para um
levantamento exploratório inicial quanto para uma contextualização histórica crítica,
consistente, para dar desse apoio à análise efetuada. A formação do Estado e da nação
timorense é um fenômeno relativamente recente, mas bem documentado, com farto
material disponível para consulta.
A pesquisa bibliográfica foi efetuada em várias etapas, realizadas nos
bancos de dados MEDLINE e PubMed, para artigos em inglês, e LILACS para artigos
em português e espanhol. Foram também revisados os editores de informação científica
SCIELO e Google Acadêmico. Num primeiro momento, procurou-se estreitar o foco em
relação ao tema da pesquisa: o processo de formulação do primeiro documento
propositivo de estruturação da política nacional de saúde num país em situação pós-
conflito administrado transitoriamente pelas Nações Unidas que, no caso, era
especificamente o Timor Leste. Esta necessidade de focar o tema levou a uma nova
etapa de revisão bibliográfica, mais curta e dirigida, o que fez, obviamente, surgirem
novas conexões de descritores importantes para a pesquisa, dentre os quais se destacam:
situação pós-conflito, reconstrução pós-conflito, administração transitória, reabilitação
de sistemas de saúde. A seguir, realizou-se um levantamento de informações

15
bibliográficas do período 2000-2008 utilizando-se o cruzamento de dois descritores –
formulação de políticas de saúde e agências internacionais.
Nesta etapa do levantamento foram utilizados como critérios de exclusão:
bibliografia duplicada, publicações que tratavam a política de saúde a partir de pontos
de vista temáticos (um tipo de doença, ou habito de vida, por exemplo), referências sem
texto integral, editoriais, referências sem data ou autor. Posteriormente, foram definidos
novos descritores para ampliar a busca, introduzidos isoladamente ou em conexões,
sendo os mais importantes: reforma do setor saúde, globalização, saúde global,
desenvolvimento, desenvolvimento humano, construção de capacidades, ajuda
internacional, cooperação internacional e bem público.
Esse exercício de pesquisa bibliográfica possibilitou uma coleta em torno de
330 publicações, que foram organizadas de forma a facilitar a análise. A partir de uma
leitura exploratória inicial e do fichamento de todo material bibliográfico levantado, foi
feita uma primeira ordenação dos textos por temas afins, resultando quatro grupos
temáticos:
1) situação pós-conflito, administração transitória pós-conflito, reconstrução
e reabilitação pós-conflito;
2) financiamento internacional, ajuda internacional, assistência técnica
internacional, cooperação internacional;
3) desenvolvimento, desenvolvimento humano, desenvolvimento e
construção de capacidades;
4) saúde internacional, saúde global, reconstrução e reabilitação de sistemas
de saúde, reforma do setor saúde, bem público internacional.
Um quinto grupo ordenava os textos e artigos específicos sobre o Timor
Leste, principalmente sobre os aspectos descritivos e históricos que possibilitavam não
só a contextualização do objeto da pesquisa, mas permitiam uma melhor compreensão
sobre os diferentes atores, nacionais e internacionais, que atuaram no país no período
em estudo. Este quinto grupo de material bibliográfico foi formado tanto a partir de uma
reordenação dos quatro grupos anteriores quanto de novas buscas específicas sobre o
tema.

3. A análise documental

Segundo Pimentel26, “estudos baseados em documentos como material


primordial extraem deles toda a análise, organizando-os e interpretando-os segundo os
objetivos da investigação proposta” (p. 180). Os documentos para esta pesquisa foram

16
coletados a partir de fontes institucionais relacionadas aos principais atores envolvidos
no processo de formulação da política nacional de saúde do Timor Leste.
Para Gil23, a análise documental assemelha-se muito à revisão bibliográfica,
diferenciando-se dela, entretanto, principalmente pela natureza do material, ou seja, é
centrada em textos que não receberam tratamento analítico. O autor aponta diversas
vantagens da análise documental, com as quais temos forte concordância. A primeira
delas é que documentos subsistem ao longo do tempo e, portanto, constituem uma fonte
rica e estável de dados, principalmente se a pesquisa requer análise histórica ou
contextualização de fenômenos. Outras duas vantagens da pesquisa documental dizem
respeito aos limites financeiros e de tempo do pesquisador. O custo de uma pesquisa
documental é mais baixo e se o prazo da pesquisa é curto, a pouca necessidade de
deslocamentos é uma vantagem relativa. No caso desta pesquisa retornar ao Timor
Leste, localizado no sudeste asiático, estava fora de questão, tanto pelos prazos
impostos pelo doutorado como pela falta de financiamento para a pesquisa. Por outro
lado, essa impossibilidade foi parcialmente compensada pela vivência do autor no país
durante o período em estudo, ainda que faltassem dados fundamentais para aprofundar a
reflexão sobre essa sua experiência especifica.
Contudo, Gillham27 refere algumas críticas às pesquisas que utilizam tanto o
estudo de caso como a análise documental. Dentre elas, a mais frequente, e que
julgamos necessário contrapor, é a questão da não representatividade, seja do estudo de
caso único, seja dos documentos selecionados.
A crítica do autor sobre a representatividade da análise documental é
legitima e baseia-se no questionamento da quantidade e qualidade dos documentos a
serem analisados. Entretanto, o estudo de caso justifica-se pela sua adequação
metodológica em relação ao tipo de objeto a ser estudado e por “possibilitar estudar um
fenômeno em pleno processo”17 (p. 21), permitindo verificar eventuais mudanças e
associá-las a determinados fatores. Por outro lado, a opção pela análise documental
levou em consideração a argumentação de Pimentel26, para quem o “destaque na
análise documental é o tratamento metodológico dado aos documentos” (p. 180). É,
pois, através desse tratamento, orientado pelo problema proposto, que “se estabelece
uma montagem de peças, como num quebra-cabeça”26 (p. 180).
Minayo10 apresenta três modalidades de análise na pesquisa documental:
1) a análise de conteúdo; 2) a análise de discurso e 3) a análise hermenêutica-dialética.
A análise do conteúdo expressaria o levantamento e tratamento geral dos dados e
elementos explícitos do texto de forma qualitativa, enquanto a análise do discurso

17
trabalharia a construção do texto (forma, estilo, significados, entre outros), seu contexto
e até mesmo sua relação com outros textos. Entretanto, para a autora a análise
hermenêutica-dialética superaria “o formalismo das análises de conteúdo e de discurso”
(p. 301).
Foi Gadamer28 que, contestando o racionalismo científico dos anos de 1970,
voltou-se ao desenvolvimento da idéia de que todo entendimento humano pressupõe
uma dimensão „hermenêutica‟, ou seja, uma interpretação, definindo a arte da
interpretação como uma forma de conhecimento. A dialética, “como a arte do
estranhamento e da crítica”10 (p. 337), tem suas origens no pensamento de Hegel, tendo
sido trabalhada por Marx e Engels entre outros, para quem toda realidade engendra em
si mesma a sua transformação.
Segundo Minayo10, a dialética é importante na abordagem de situações que
procuram:

... desvendar relações múltiplas e diversificadas das coisas entre


si; explicar o desenvolvimento do fenômeno dentro de sua
própria lógica; evidenciar a contradição interna no interior do
fenômeno; compreender o movimento de unidade dos
contrários; trabalhar com a unidade da análise e da síntese
numa totalização das partes; co-relacionar as atividades e as
relações. (p. 340)

Portanto, ao propor uma técnica para a análise documental, Minayo10


entende que a hermenêutica oferece, a partir da linguagem, “um terreno comum de
realização da intersubjetividade e do entendimento” (p. 343) sedimentando o caminho
de um processo científico que busca: a) identificar as diferenças e semelhanças entre o
contexto, o texto e o investigador; b) explorar as definições de situação dos textos,
cabendo ao pesquisador desvendá-las e compreendê-las; c) compartilhar, como sujeito
da pesquisa, o mundo observado e a partir daí perguntar “porquês” e “sob que
condições”; d) apoiar-se no contexto histórico para refletir sobre determinada realidade,
pressupondo que sujeito e objeto são expressões de seu tempo e espaço cultural. Já a
dialética fornece as bases para uma atitude crítica e analítica ao considerar que não há
ponto de vista ou entendimento fora da história, que nada é eterno, fixo ou absoluto e
que nem as instituições, as idéias e as categorias são estáticas e imutáveis. Em outras
palavras: a) cada coisa é um processo, que contém em si um passado embora esteja em
plena realização; b) há um encadeamento nos processos, que ocorre em forma espiral e
não linear ou circular; e c) cada coisa traz em si sua contradição, pois tudo que se
concretiza é apenas um momento1 (p. 341).
18
Fairclough20 também procura um caminho para a análise do discurso,
articulando análise linguística e teoria social. Para ele, uma simples análise de conteúdo
corre o risco de se restringir a um exercício meramente descritivo, enquanto a análise da
prática discursiva e das práticas sociais, da qual o discurso faz parte, é que levaria a um
exercício mais profundo de interpretação. Fairclough20 trabalha com uma perspectiva de
“teoria social do discurso” (p. 89). Esta perspectiva advém da constatação de que “a
constituição discursiva da sociedade não emana de um jogo livre de idéias [...], mas de
uma prática social que está enraizada em estruturas sociais materiais concretas,
orientando-se para elas”20 (p. 93). Ao utilizar o termo discurso o autor propõe
“considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade
puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais” (p. 90). Essa abordagem
teria implicações: em primeiro lugar, o discurso seria um modo de ação das pessoas
agirem sobre o mundo e uma forma de representação; e, em segundo, numa relação
dialética entre discurso e estrutura social, esta última “é tanto uma condição como um
efeito do primeiro” (p. 91). Nesse sentido, para Fairclough20 “o discurso seria uma
prática [...] de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em
significados” (p. 91).
Para operacionalizar sua teoria social do discurso, Fairclough20 propõe
reunir três tradições analíticas, construindo uma análise tridimensional do discurso, que
utilizaria o seguinte procedimento: 1) análise textual do discurso, empregando técnicas
descritivas; 2) análise da prática discursiva, empregando técnicas interpretativas que
permitam compreender como membros de comunidades sociais produzem mundos
ordenáveis e explicáveis, envolvendo um processo de produção, distribuição e consumo
de textos que, como processos sociocognitivos, se refletem nos discursos; e 3) uma
análise social, a partir da interpretação do discurso como forma de prática social, agora
moldado por estruturas sociais e relações de poder que produzem práticas sociais
específicas.
Neste sentido, Minayo1 se aproxima de Fairclough20 ao dizer que os
indivíduos em determinada realidade pertencem a grupos, classes e segmentos
diferentes e estes podem ser condicionados, simultaneamente, por um momento
histórico específico, por interesses coletivos que os unam a interesses específicos que os
distingam e até os contraponham.
Entretanto, Fairclough20 nos lembra que “os discursos político e ideológico
não são independentes um do outro” (p. 94) e, portanto, refletem práticas e ideias que
“estabelecem, mantêm e transformam as relações de poder e as entidades coletivas

19
entre as quais existem relações de poder” (p. 94). Para ele, os sujeitos sociais também
se posicionam no discurso e uma alternativa na análise do discurso é localizar a
ideologia no evento discursivo, tendo em vista que um evento discursivo pode servir
tanto para preservar e reproduzir relações hegemônicas tradicionais como para abrir
espaço para transformá-las. Nesse sentido, o autor também utiliza a perspectiva dialética
para a análise da relação entre discurso e estrutura social, ou seja, de um lado o discurso
serve como reflexo da realidade social e, de outro, esse mesmo discurso pode ser a fonte
de uma mudança social.
Para Fairclough20, quando expresso por instituições, organizações ou grupos
particulares, o discurso pode ir além dos textos produzidos por elas e ser expresso
também por “condutas” que, num certo sentido, assumem um caráter discursivo
(formato de reuniões ou abordagens participativas, entre outros). Para o autor, a análise
desses “discursos” na leitura de documentos, em sentido ampliado em termos de
significados, deve combinar texto e interação, ou seja, os documentos devem ser
analisados simultaneamente pela sua prática léxica, sua prática discursiva e sua prática
social. Esta possibilidade na análise de um evento discursivo não só posiciona os
sujeitos de diferentes maneiras como proporciona efeito social que, em novos contextos,
podem produzir outros eventos discursivos.
A análise documental realizada nesta pesquisa partiu da proposta
metodológica de Minayo10 e Fairclough20. A articulação desses dois autores e suas
modalidades de análise foi importante porque possibilitou trazer elementos para lidar
com questões como objetividade e subjetividade, fatos e significados, estruturas,
representações e intertextualidade. Para Fairclough20, a intertextualidade é muito
importante na análise do discurso, pois parte do princípio que cada texto é o elo de uma
cadeia e que os enunciados são povoados por pedaços de outros enunciados. O autor diz
que um texto pode ter ou abranger diversos campos e memórias, implicando que a
intertextualidade insere a história (sociedade) num texto, mas que esse texto também se
insere na história. A intertextualidade pode ter elementos de concordância, contestação
ou de reestruturação, pode se apresentar de forma manifesta (citação) ou constitutiva e
pode reforçar o sentido do texto ou ser fonte de ambivalência.
Nesse sentido, tomou-se como pressuposto que os documentos selecionados
para este estudo, produzidos pelos atores envolvidos na formulação do primeiro
documento propositivo de uma política de saúde timorense, estavam permeados por
representações, significados e estruturas intertextuais, carregados de conteúdo político e
ideológico.

20
Assim, não foram privilegiadas técnicas de análise documental que dessem
ênfase somente às regularidades e irregularidades dos textos, ou às sistemáticas léxicas
quantitativas do conteúdo manifesto das comunicações, como caminhos da
interpretação. Valorizaram-se as abordagens críticas, entendidas como modalidades de
interpretação que utilizam a análise de discurso como prática social, orientada por um
pensamento político e que levam em conta, além do texto, o contexto sócio-histórico
dos grupos sociais em questão e o quadro de referências institucionais dos diferentes
atores, colaborando para formar um quadro teórico adequado para o estudo dos
processos sociais10,20. Dessa maneira, tentou-se superar os limites impostos pela análise
documental, sobretudo no caso de documentos institucionais extremamente
formalizados.

3.1 A organização do banco de dados documental

A primeira etapa da pesquisa documental realizada para este estudo foi


buscar, por via eletrônica, sites abertos das organizações nacionais e internacionais que
haviam atuado no Timor Leste no período estudado. Esta busca foi realizada nos sites
das Nações Unidas, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
da Organização Mundial da Saúde (OMS), Banco Mundial e Fundo Monetário
Internacional (FMI), assim como de organizações bilaterais de desenvolvimento (AID-
Austrália e DFID-Reino Unido) e organizações não governamentais que atuaram no
país ou desenvolveram estudos sobre o Timor Leste (La‟o Hamutuk, HealthNet
International, Columbia University, entre outras). Foi também feita uma busca de
documentos junto ao Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, cujo
banco de dados, organizado para suporte aos trabalhos de pesquisa de tese de doutorado,
incluía material sobre o Timor Leste e foi, gentilmente, disponibilizado pela instituição
para esta pesquisa.
Como essas fontes eram de informações institucionais, o único descritor
utilizado foi Timor Leste. A coleta do material visou documentos escritos entre 1999 e
2002. Procurou-se focar o processo de reconstrução e reabilitação dos serviços públicos
naquele país, com atenção para a área da saúde, utilizando-se como critério de seleção
os documentos que respondessem aos objetivos da pesquisa: a) documentos produzidos
por diferentes atores, organizações e instituições (nacionais e internacionais),
vinculados à formulação da política nacional de saúde do Timor Leste, e b) documentos
voltados para a formulação de uma proposta de política nacional de saúde para o país

21
como parte do processo de reabilitação do sistema de saúde timorense. Ao todo foram
coletados cerca de 200 documentos.
A primeira etapa de organização foi separar os documentos coletados por
fonte de informação. Cada documento foi fichado com a referência completa e o resumo
de seu conteúdo temático. Essas fichas foram a base da segunda rodada de organização
do material coletado. Esse trabalho deu origem a um novo conjunto de documentos,
reagrupados em seis subconjuntos, segundo o cruzamento entre fonte de informação e
conteúdo temático dos textos:
1º subconjunto: Relatórios e decretos do Conselho de Segurança das Nações
Unidas relativos ao Timor (1999-2002);
2º subconjunto: Textos administrativos de governação e gestão da função
pública no governo provisório do Timor Leste (UNTAET e ETTA), de 1999 a 2002;
3º subconjunto: Documentos-base do primeiro governo timorense:
Constituição da RDTL, Relatório do Estado da Nação Timorense, Plano Nacional de
Desenvolvimento, Timor Leste 2020: Nossa Nação, Nosso Futuro;
4º subconjunto: Estrutura da Política de Saúde do Timor Leste, textos
técnico-administrativos emitidos pela Divisão dos Serviços de Saúde da ETTA (2000-
2002);
5º subconjunto: Relatórios, pareceres, folhetos explicativos e outros textos
produzidos pelo Banco Mundial, FMI, agências internacionais e doadores do processo
de reconstrução do Timor Leste;
6º subconjunto: Relatórios, discursos e outros textos referentes aos partidos
políticos timorenses, ao Conselho Nacional de Resistência Timorense e algumas
organizações sociais timorenses.
Por fim, foram selecionados, dentre os diferentes subconjuntos, um núcleo
central de 49 documentos para serem analisados em detalhe. Foram utilizados dois
critérios de seleção desses documentos: 1) estar diretamente relacionado ao objeto da
pesquisa; e 2) focar o percurso e os trâmites inerentes ao processo de financiamento da
reconstrução e reabilitação do setor saúde timorense. Em síntese, foram selecionados 49
documentos que representavam os arranjos de governação política para o setor saúde
com foco nas reuniões de doadores e missões conjuntas de monitoramento do processo.
Dentre eles, encontram-se decretos, projetos, acordos, relatórios, pareceres e discursos
que formam o banco de dados diretamente relacionado ao processo de formulação da
primeira proposição de política de saúde para o Timor Leste no período de 1999 a 2002.
A lista desses documentos selecionados encontra-se no Anexo 3.

22
Para cada documento desse núcleo central foi criada uma ficha de leitura
mais elaborada contendo as seguintes informações: 1) referência bibliográfica (autor,
título, local, editora, ano, páginas); 2) localização do texto em relação ao ator
institucional responsável; 3) resumo do texto; 4) descrição de assuntos e idéias centrais
contidas no texto; 5) descrição de texto ou citações relacionadas, e de referência, às
idéias e assuntos selecionados; 6) inferências (observações e comentários) gerais sobre
essas idéias e citações.

4. As categorias de análise

Três condições foram privilegiadas na contextualização histórica do Timor


Leste: as condições de conflito e pós-conflito, as condições de transitoriedade e as
condições de formulação de políticas de saúde. Essas condições históricas foram
tratadas como categorias de análise no sentido descrito por Minayo10, como um
“conceito classificatório” (p. 178), ou seja, como um “termo carregado de significação,
por meio do qual a realidade é pensada de forma hierarquizada” (p. 178). Buscou-se,
com essas categorias, construir três eixos de apoio em torno dos quais se elaborou a
reflexão, discussão e análise do objeto de pesquisa, pois elas refletem três momentos
históricos diferentes, mas interrelacionados, que delimitam o papel dos diferentes atores
na formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o Timor
Leste.
Para o que interessa discutir nesta pesquisa, definiu-se então: a) conflito e
pós-conflito como uma categoria estruturante das condições de construção do Estado
timorense; b) transitoriedade como uma situação limitante das condições de
subjetivação dos diferentes atores no cenário da formulação da política nacional de
saúde do Timor Leste; e c) formulação de políticas de saúde como o processo em que
ocorrem as relações entre os diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de
reabilitação do setor saúde timorense. Para cada uma dessas categorias elaborou-se um
referencial teórico e analítico que orientou as reflexões.

4.1. Condições de conflito e pós-conflito e relações de poder

As categorias de condições (situações ou contexto) de conflito e pós-conflito


definem uma perspectiva de observação fundamental para o entendimento da construção
do Estado timorense e da formulação da primeira proposta de política de saúde. Contém
elementos históricos que valorizam a construção de sistemas políticos e de sistemas de
saúde em condições especiais, em que as tensões existentes nas relações sociais, tanto
23
internas como externas àquele processo de formulação, estão orientadas por
determinadas relações de poder que, por sua vez, estruturam o poder do novo Estado.
Para alguns autores, como Klingebiel29, o termo „conflito‟ tem significado
genérico em relação a desacordos que podem acontecer entre indivíduos, grupos,
organizações e coletividades. De maneira geral, para esse autor, conflitos entre grupos
são componentes vitais de uma sociedade e elemento essencial do desenvolvimento sem
que, necessariamente, se utilizem mecanismos violentos. A violência não seria,
normalmente, um componente inerente ao conflito e representaria, ao contrário, um
rompimento com normas vigentes até então aceitas entre as partes. Quando a violência
se instaura como elemento de uma situação de conflito, no qual uma sociedade ou
Estado perde a capacidade de lidar com os diferentes interesses inerentes a ela, por
meios cooperativos ou pacíficos, instaura-se o que Klingebiel29 chama de um “contexto
de conflito” (p. 66).
Contexto de conflito, nesta investigação, significa um cenário de disputa
acirrada e descontrolada onde se instala, por um lado, o escalonamento da violência e,
por outro, a perda ou esfacelamento das estruturas de resolução de conflito, como as
esferas legais e institucionais. Segundo Klingebiel29, essa situação ou contexto de
conflito quase sempre acaba mobilizando a comunidade internacional. E seriam duas as
razões mais importantes para isso: 1) o alto custo e possível dano daquela situação para
a economia local e regional e os interesses geopolíticos envolvidos; e 2) a falta de
interesse dos principais atores, nacionais e internacionais, pelos mais variados motivos,
na manutenção daquela situação. Estas duas razões principais justificariam as tentativas
de mediação desempenhadas por diferentes atores internacionais, tanto a partir de suas
bases no estrangeiro como no próprio território em conflito. Acrescenta-se a essas duas
razões o impacto da enorme perda de vidas humanas e o risco do estabelecimento (ou
existência) de situações de genocídio.
Para o que nos interessa discutir nesta investigação leva-se em consideração
a reconstrução do Estado nacional em situações pós-conflito. A noção de Estado apóia-
se em Bobbio30 e Fiori31 e pode ser sintetizada como um espaço político de relações de
poder, fruto de processos sociais e históricos particulares. Esta conceituação parece
permitir maior fluidez e dinâmica ao estudo da participação dos atores sociais na disputa
de poder dentro do processo de formulação de políticas, mais especificamente na
elaboração do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor
Leste.

24
Na formação de um novo Estado no Timor Leste foi crucial o “manto da
questão nacional” (p. 18), nas palavras de Hobsbawn32. Essa questão marcou a luta
timorense por sua autodeterminação, tanto antes como durante e após o conflito
indonésio-timorense. A questão da criação de uma identidade nacional ajudou a moldar
objetivos comuns, a partir de elementos de pertencimento, que acabaram criando um
forte sentimento nacionalista, anterior mesmo à formação da nação timorense. Segundo
Anderson33, essa antecipação do sentimento nacional em relação à nação propriamente
dita, é vista como um nacionalismo “imaginado” que acaba, de fato, “inventando” (p.
6), ou seja, criando, segundo o autor, um sentimento coletivo sobre o qual se constrói os
alicerces da nação propriamente dita. Esse processo também se verificou em outras
jovens nações africanas que se libertaram do jugo colonial por meio da guerra, como
ocorreu em Angola e Moçambique.
No período de reconstrução pós-conflito é crucial a restauração da ordem
institucional e organizacional do aparelho de Estado que, no caso do Timor Leste,
assume características particulares, dada a estruturação histórica dessas instituições em
conjunturas específicas.
Embora a discussão da questão nacional no Timor Leste e da construção da
administração pública timorense não sejam objetos desta pesquisa, do ponto de vista da
formação do Estado timorense, do seu funcionamento e também dos processos de
formulação das suas políticas, são questões relevantes que apontam para outra
subcategoria importante para a análise do nosso objeto de estudo − a noção de
governabilidade.
O conceito de governabilidade adotado nesta investigação se apóia em
Diniz34 e articula pelo menos três aspectos relacionados à capacidade governamental:

O primeiro refere-se à capacidade de um governo para


identificar problemas críticos e formular as políticas
apropriadas ao seu enfrentamento. O segundo diz respeito à
capacidade governamental de mobilizar os meios e recursos
necessários à implementação dessas políticas, enfatizando, além
da tomada de decisões, os problemas cruciais ligados ao
processo de implementação. Em estreita conexão com este
último aspecto situa-se a capacidade de comando do Estado,
isto é, de fazer valer suas políticas, sem a qual suas decisões
tornam-se inócuas. (p. 31)

Esse conceito de governabilidade, sobretudo no que se refere ao primeiro


aspecto da capacidade governamental, é pertinente para o que nos interessa discutir,
pois permite analisar não apenas os aspectos internos, ou seja, a capacidade do governo
25
timorense de construir sua própria burocracia, administrar seus problemas domésticos e
formular suas políticas, mas também ajuda a entender aspectos ligados à questão da
transitoriedade, isto é, da capacidade do „governo‟ timorense de, transitoriamente, ser
representado por atores externos e lidar com diferentes agentes nacionais e
internacionais, numa situação de fortes assimetrias no sistema de poder internacional,
com grande repercussão no âmbito nacional.
Isso remete à questão do poder e às duas subcategorias de representação do
poder: o poder político e o poder técnico.
Poder político e poder técnico, nesta pesquisa, referem-se, na perspectiva de
Bobbio et al.35 a “modos de exercício do poder” (p. 938), que são múltiplos e podem
abarcar mecanismos persuasivos ou manipuladores, podendo expressar-se pela ameaça
de punição ou pela promessa de recompensa. Para Fiori36

... o conceito de poder político tem mais a ver com a idéia de


fluxo do que com a de estoque. O exercício do poder requer
instrumentos materiais e ideológicos, mas o essencial é que o
poder é uma relação social assimétrica indissolúvel, que só
existe quando exercido e, para ser exercido, precisa se
reproduzir e acumular constantemente. (p. 6)

O poder político, na ótica funcionalista de Parsons (apud Bobbio et. al.35), é


“a capacidade de assegurar o cumprimento das obrigações pertinentes dentro de uma
organização coletiva” (p. 941). Relaciona-se, portanto, com o exercício do poder na
esfera da ação sobre a realidade das relações sociais, ou seja, da relação entre partidos,
grupos societários, instituições e organizações. E se funda, na perspectiva da ciência
política, na instauração e no acúmulo do poder, mediados pela conquista, exercendo
“uma pressão competitiva sobre si mesmo e não existe nenhuma relação social anterior
ao próprio poder”36 (p. 6).
E o poder técnico ressalta o âmbito da ordem contida no mundo das ideias,
do discurso e da atitude dos atores técnicos e gerenciais. O modo de exercer poder,
como observaram Lewis e Mosse37 ao analisar a “ordem do desenvolvimento” (p. 3)
contida nas recomendações técnicas e nos relatórios de experts das agências
internacionais, pode ser lido como uma forma de governabilidade política e, portanto,
como uma forma de exercício de poder.

26
4.2. Condições de transitoriedade e exercício do poder

A categoria condições de transitoriedade pressupõe o entendimento da


administração transitória das Nações Unidas no Timor Leste como fator contextual e
definidor das atitudes e ações dos diferentes atores envolvidos na formulação da política
nacional de saúde do país. Para Elbadawi38, a transitoriedade, ou administração
internacional de uma situação de conflito, é um processo político que engloba,
simultaneamente, o apaziguamento e a reconstrução do Estado afetado, a partir da
recuperação da segurança no território nacional e da restauração das instâncias legais e
de administração pública. Trata-se de promover a passagem de uma ordem em que
predominam instituições militares para uma ordem regida por instituições civis.
Na maioria das vezes, a autoridade governante transitória em situações pós-
conflito é exercida pelas Nações Unidas. Entretanto, o reconhecimento dessa autoridade
tem sido objeto de pesquisas. Alguns autores como Matheson39, Kirgis40, Knoll41 e
Sambanis42 discutem a questão da transitoriedade em relação às missões e à governança
das Nações Unidas tomando por base o campo das leis internacionais e analisando
fatores de legitimidade, soberania e durabilidade dessas administrações transitórias.
Neste estudo o tema da transitoriedade (ou da administração internacional
de uma situação de conflito) foi estudado na perspectiva da reconstrução política do
Estado na perspectiva de Elbadawi38. Este autor inclusive relativiza a questão da
segurança durante períodos de transição. Sem negar sua importância, o autor afirma que
as operações de segurança pós-conflito só se justificam como “necessárias para uma
gestão efetiva da ajuda e, mais ainda, para o estabelecimento de políticas e instituições
necessárias que sustentem e ampliem o crescimento de forma compartilhada” (p. 1). E é
nesse contexto que se situa a elaboração do primeiro documento propositivo de uma
política de saúde para o Timor Leste.
Outro autor que nos forneceu subsídios para o entendimento da questão da
reconstrução do Estado no âmbito das condições de transitoriedade foi Zaum43. Para
este autor, o „sucesso‟ das chamadas „operações de paz‟ deve ser medido na relação
entre o re-estabelecimento de instituições políticas e administrativas locais e o número
de intervenções externas diretas. Ao dizer que as operações de transitoriedade deveriam
“focar mais em assistir do que em governar”43 (p. 205), o autor se refere à questões
como os limites do mandato e do poder das autoridades transitórias. Nessa perspectiva,
é importante compreender, por um lado, a construção da autoridade internacional em
solo nacional e como a ajuda nacional é canalizada; e, por outro, a importância do papel

27
das elites nacionais e das organizações locais nos projetos propostos pela comunidade
internacional.
Por outro lado, na perspectiva de Hughes44, que estudou a esfera executiva
do poder em situação pós-conflito no Camboja e no Timor Leste e analisou o papel das
elites locais nesse processo, é preciso estar alerta para a possível ligação ideológica
entre as propostas e projetos sugeridos pelas agências internacionais e modelos de
políticas econômicas e sociais pré-concebidos e formulados alhures, que acabam sendo
introduzidos no país receptor ou beneficiário e incorporados às políticas nacionais.
Buscando compreender em que medida essas instâncias se relacionavam no
âmbito da autoridade política no Timor Leste, foram definidas outras duas subcategorias
de análise: coordenação e parceria.
A noção de coordenação está baseada em Buse e Walt45, que afirmam ser
esse termo pouco definido, pois, seria difícil definir palavras que, na realidade,
significariam processos. Interessa discutir, neste trabalho, como se estabelecem as
relações entre disciplina e controle no contexto dos mecanismos de coordenação do
processo de reabilitação do setor saúde no Timor Leste: quem coordenava quem, o que
era coordenado e com que fins.
A segunda subcategoria – parceria – vista isoladamente também é um termo
muito inespecífico. Buse e Walt45, em outro trabalho, afirmam que a primeira tentativa
de construção do conceito de parceria se deu em 1969, a partir do relatório do Pearson
Commission on International Development, elaborado para o Banco Mundial. Naquele
relatório, destacava-se que:

“... a natureza de uma parceria [seria] descrita como aquela


que acontecia entre doadores e países recebedores e requeria a
especificação recíproca de direitos e deveres com o
estabelecimento de objetivos claros que beneficiassem ambas as
partes”46. (p. 548)

Segundo os autores, esse conceito foi ampliado mais tarde, em 1996, pela
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (Organization for
Economic Cooperation and Development – OECD), de modo que se compreendesse o
sentido de “uma relação baseada em acordos, refletindo mutuas responsabilidades
objetivando interesses compartilhados” (p. 549).
Ainda, em 1996, o próprio Banco Mundial, apud Buse e Walt46, redefiniu a
noção de parceria como “uma relação colaborativa entre entidades para trabalharem
em prol de objetivos compartilhados, a partir de uma divisão de trabalho mutuamente

28
acordada que inclui mecanismos de acompanhamento e possibilidades de ajustes” (p.
550). Embora carregado de inespecificidade, o termo parceria ganhou força no discurso
das agências internacionais. No âmbito dos programas de assistência ao
desenvolvimento, após diversos estudos indicarem a ineficiência da ajuda internacional
voltada exclusivamente para o crescimento econômico, a questão das „parcerias‟ tornou-
se relevante nos novos projetos de redução da pobreza47.
A partir de outra clave analítica, Lima48 vem trabalhando há anos com essa
questão. Para este autor, as parcerias são propostas, na maioria das vezes, pelas agências
ou Estados doadores e tem como objetivo ampliar possíveis colaborações, mas,
paradoxalmente, acabam orientadas não por pontos de vista conjuntos, mas pelos
próprios doadores que, muitas vezes, se baseiam em critérios previamente utilizados em
seus movimentos expansionistas e, portanto, com baixo conteúdo colaborativo.
Por outro lado, o termo parceria aparece, muitas vezes, em associação ao
termo participação, referindo-se exclusivamente à participação dos beneficiários nos
programas de desenvolvimento. Isham et al.49 relatam que o termo participação surgiu
nos anos de 1970, como uma abordagem social referente a processos de inclusão de
grupos ou movimentos sociais não hegemônicos e passou a ser progressivamente
utilizado, nos anos de 1990, pelas agências internacionais no bojo de projetos de ajuste
estrutural para os países em desenvolvimento, como mecanismo para melhorar o
desempenho desses projetos. Kapoor50, assim como Lima48, diz que o elemento
participativo acaba sendo incorporado nos projetos de desenvolvimento mais sujeitos às
demandas das organizações do que dos próprios beneficiários, quando não tomam o
caráter de condicionalidades vinculadas a empréstimos ou doações.
Para o que se pretende discutir neste estudo, coordenação e parceria são
analisadas como categorias vinculadas ao exercício de poder dos diferentes atores no
processo de formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde para o
Timor Leste.

4.3. Condições de formulação de políticas de saúde e jogo de poder

Considera-se a política de saúde como uma política social, setorialmente


localizada no âmbito das políticas públicas que, por sua vez, são concebidas como
políticas de Estado51,52. O conceito de política pública refere-se a “tudo que os governos
decidem fazer ou deixar de fazer”51 (p. 30), seja no campo da ação ou não-ação, seja no
da intenção.

29
Por condições de formulação de políticas de saúde entende-se o processo e
os mecanismos em que ocorreram as relações entre os diferentes atores orientados à
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde timorense. A
análise dessa condição procura fugir do enfoque racional e prescritivo, enfatizando os
discursos retóricos e as práticas cotidianas dos atores como práticas sociais. Procurou-
se, assim, iluminar fatores que facilitam a compreensão das dimensões que poderiam
explicar como aconteceu aquele processo, que é subsidiário também da reabilitação do
sistema de saúde no Timor Leste no período pós-conflito. Duas subcategorias foram
então definidas: a cooperação e a indução.
Para Almeida et al.53, as mudanças na cooperação técnica internacional em
saúde vem acompanhando as tendências do pensamento sobre o desenvolvimento e a
ajuda para o desenvolvimento, desde os anos 50, propondo novos modelos de ação
formulados em diferentes conjunturas. As definições do termo, entretanto, limitam-se a
descrições operacionais.
Cooperação técnica e assistência técnica internacional são dois termos muito
utilizados pelas agências de desenvolvimento para se referir a uma modalidade
específica da assistência que, segundo Hillebrand (apud Campos54), consistiria numa
“forma de fortalecer a capacidade de países parceiros para a resolução de seus
problemas” (p. 5). A utilização do termo cooperação técnica internacional integra o
discurso das Nações Unidas desde sua criação, logo após a Segunda Guerra Mundial, e
a definição então elaborada é vigente até hoje e utilizada pelas diferentes organizações e
agências internacionais. Cooperação técnica internacional é a:

... transferência não comercial de técnicas e conhecimentos, a


partir da execução de projetos em conjunto, envolvendo peritos,
treinamentos de pessoal [em geral de órgãos públicos], material
bibliográfico, equipamentos, estudos e pesquisas entre atores de
nível desigual de desenvolvimento (prestador e receptor).
(Resolução nº 200, Assembléia Geral da ONU, 1948).

Lima48 e outros55,56, alertam que a chamada cooperação técnica


internacional para o desenvolvimento é caracterizada pela ausência de definições claras
e cientificamente formuladas. E a expressão cooperação internacional designa distintas
situações, cujos diferentes sentidos semânticos adquirem flexibilidade ampla, “tão
ampla quanto suas possibilidades e fins”55 (p. 48). Esta dificuldade é contornada por
Lima48, que propõe tratar a cooperação técnica internacional a partir do delineamento de
amplos espaços de atuação de um conjunto de agentes e agências (internacionais,

30
nacionais, governamentais ou não governamentais), assim como de uma
heterogeneidade de “redes de saberes, tradições de conhecimentos, fluxos culturais e
mundos socialmente resultantes de histórias interconectadas, muito diferentes entre si
em sua gênese histórica e social” (pp. 417-418).
A discussão da cooperação internacional remete à dinâmica do sistema
internacional e à estrutura de poder subjacente, inerentemente assimétrica, sublinhando
a posição que os diferentes Estados nacionais e outras organizações ocupam nessa
estrutura e se movem dentro dela.
Conflito e cooperação estão sempre presentes nas análises das relações
internacionais e orientam os mecanismos de ordenação do sistema internacional, “sendo
condições interligadas e não incompatíveis ou contraditórias” [Keohane apud
Valente55, p. 50]. Isso aponta para as circunstâncias em que a cooperação ocorre e a
define como uma “situação política” (Idem). As desigualdades e assimetrias existentes
nas estruturas de poder do sistema internacional repercutem, assim, nos processos de
cooperação, sempre mediados pelo conflito e não pela harmonia e colaboração mútua
entre os atores envolvidos.
Concordando com os delineamentos traçados acima, assume-se a
cooperação técnica internacional para o desenvolvimento não como um conceito
fechado, delimitado por um campo do conhecimento específico48, mas, como um
“conjunto diverso de práticas, experiências e relações” (p. 3), segundo definido por
Ferreira56. Ou, como definido por Silva57, o campo da cooperação internacional como
“o conjunto de práticas, valores e atores envolvidos na gestão da assistência externa”
(p. 12), destacando que as políticas de doações são fontes de poder e prestígio,
configurando a cooperação internacional como um campo de ação política.
Essa perspectiva se apóia na noção de “campo” desenvolvida por Bourdieu
(apud Valente55), que pode ser útil na análise da atuação das instituições envolvidas nos
processos de cooperação. Para este autor, campo seria “um espaço estruturado de
posições cujas propriedades específicas dependem das relações entre essas posições e
que são passíveis de análise independente de seus ocupantes” (p. 56) [Lima, apud
Valente55, a partir de Bourdieu]. Agrega-se ainda a noção de campo como “arena de
disputas”, em que se desenvolve uma acirrada luta competitiva onde o “novo” força
entrada em oposição aos resquícios da ordem instituída anterior e às práticas
tradicionais ainda ativas.
No âmbito da política externa dos diferentes países, a cooperação técnica
internacional para o desenvolvimento implica numa série de práticas e procedimentos,

31
com forte conotação simbólica referida a determinadas percepções ideológicas e
culturais, de origens nacionais especificas, a serem implantadas em terras estrangeiras,
significando alguma forma de imposição de alguns Estados (ou organizações) sobre
outros. Essa “produção simbólica transferida”, no sentido de Bourdieu, tem forte
ascendência e influência nas administrações públicas e nos seus representantes e se
configura como “intervenção”, que se expressa por meio de atividades
(desenvolvimento de projetos e programas), trocas e intercâmbios variados, propiciados
por fluxos de recursos financeiros, conhecimentos, ideias e pessoas.
Alguns autores, como Mattos58, têm enfocado a questão da “oferta de
idéias” para analisar os mecanismos propositivos do Banco Mundial na área de política
de saúde e algumas das propostas do Banco para a configuração dos sistemas de
serviços. Para este autor, as “idéias” do Banco Mundial não podem ser vistas como
dogmas, mas como propostas que são construídas a partir de estudos realizados por
peritos e cientistas, podendo, muitas vezes, nem mesmo “refletir necessariamente as
posições consensuais no interior do Banco” (p. 295). Sendo assim, a produção de idéias
deve ser considerada “um trabalho interno ao Banco, organizado a partir de decisões
de técnicos em cargos de direção” (p. 296). Entretanto, algumas dessas idéias podem
estar estrategicamente embutidas em procedimentos normativos (também desenvolvidos
pelo Banco) exigidos para a elaboração e encaminhamento de projetos, etapa essa
muitas vezes feita em conjunto com os países receptores.
Para Mosse59, quando as instituições se voltam para desenvolver
conhecimento respondem primeiro às suas próprias necessidades, que acaba por fazer
parte da lógica política dessa instituição. Para Rew60, projetos de cooperação para o
desenvolvimento acabam sendo “modelos de controle racional” (p. 85), onde estão
embutidas lógicas e desenhos de gestão, definição de meios e fins, além de instrumentos
de avaliação. Os dois autores lembram que já na seleção de profissionais para atuar em
agências internacionais, uma das qualificações exigidas “é que os gestores de projeto
tenham habilidades para entender o escopo de termos”60 (p. 85) utilizados, o que reflete
o pensamento daquela instituição.
Outros autores, como Ferguson61, procuram analisar como as estruturas de
conhecimentos e os procedimentos das instituições voltadas para a promoção do
desenvolvimento geram os próprios discursos que orientam suas intervenções. Nessa
linha de pensamento Escobar62 considera que as iniciativas de desenvolvimento são
desenhadas segundo os interesses dos países doadores, em geral os países
desenvolvidos, e, sendo assim, os projetos de desenvolvimento de suas agências acabam

32
por reproduzir a ordem racional das relações históricas de dominação existentes nesses
países. Além disso, grande parte do financiamento das agências e organizações
internacionais vem dos mesmos países desenvolvidos, assim como neles estão
localizados seus escritórios centrais. Nesse sentido, a partir da “transferência de
mecanismos de racionalidade”53 (p. 108) seriam reproduzidos os mesmos mecanismos
de poder exercidos no sistema mundial.
Na verdade, não é fácil aplicar ou usar idéias de outros, pois não existe a
possibilidade de transposições mecânicas. Segundo Evans63, “se os países pobres
fossem capazes de simplesmente começar a usar o conjunto de idéias que os países
ricos já acumularam, suas taxas de crescimento subiriam, na teoria, vertiginosamente”
(p. 25). A aplicabilidade das idéias de outros está associada às condições de absorção e
criatividade, em determinado espaço e tempo, tanto de quem as tem quanto de quem as
recebe.
Para os propósitos desta investigação, a “oferta de idéias”, de Mattos58, é
analisada conjuntamente com os “mecanismos indutores”, de Ikenberry64, e as
condicionalidades referidas à política de saúde, incorporadas na oferta da ajuda
internacional (especificamente nos ajustes estruturais), discutida por Almeida65.
Mattos58 não aprofunda a questão da indução, mas para Ikenberry64, a indução ocorreria
em processos em que os atores externos utilizam-se de mecanismos (incentivos e
sansões) para induzir a adoção de determinadas políticas. Para Almeida65, o sentido de
indução é mais complexo que a simples idéia de coerção ou imposição, pois tem um
caráter mais dialético. Para ela, “na realidade, o que emerge são coalizões que se
formam em torno de determinadas estratégias ou propostas [traduzidas nas
condicionalidades embutidas nos empréstimos ou doações internacionais], onde a
pressão externa encontra solo fértil de apoio nas esferas nacionais” (p. 12).
Ainda, segundo Almeida65, algumas vezes as pressões externas são até bem
recebidas e manipuladas pelas elites nacionais, principalmente se elas reforçam suas
posições na política doméstica. Essa argumentação foi sustentada também por Knoll41.
Ao analisar a relação entre agentes internacionais e instituições locais nos processos de
formulação de políticas pós-conflito, o autor ressalta que enquanto a aceitação de
propostas e idéias legitimaria a autoridade dos agentes internacionais, tanto na esfera
doméstica como na internacional, também ajudaria a criar uma atmosfera mais
sustentável para que as instituições locais conseguissem aprovação de seu eleitorado.
Assim, todas duas esferas institucionais, nacional e internacional, clamariam pelo
elemento „participativo‟ na busca pela legitimação de sua autoridade.

33
Outra situação a ser considerada, sobretudo em situação pós-conflito, é a
impossibilidade ou dificuldade de rechaço completo das idéias ou induções, pela
extrema dependência da ajuda externa.
No estudo de processos de formulação de políticas em situação de conflito e
pós-conflito deve-se levar em consideração também a preocupação de Pouligny66 que
ressalta a necessidade de se analisar os acordos de projeto ou de cooperação levando em
conta dois fatores: 1) que grupos das sociedades nacionais se comprometem
contratualmente – se só as facções políticas envolvidas nos conflitos ou se todos os
representantes da sociedade civil; e 2) se não haveria o risco de uma “relação muito
assimétrica de poder levar à caracterização de algum tipo de patronagem” (p. 504).
Relações de patronagem podem, muitas vezes, perverter o processo de legitimação das
administrações internacionais. A autora alerta ainda que uma “abordagem formal e
elitista” (p. 507), adotada em programas de reconstrução, pode acabar ignorando
importantes mudanças que possam estar ocorrendo no interior das sociedades afetadas.

34
CAPÍTULO 2

O CONTEXTO HISTÓRICO
COLONIZAÇÃO, INVASÕES E TRANSITORIEDADE NO TIMOR LESTE

1. A província portuguesa do Timor Leste

O arquipélago malaio de Sunda, também conhecido como Prateleira de


Sunda (ou Sunda Shelf), no sudeste asiático, é formado por uma cadeia de ilhas que se
estende no sentido leste-oeste e separa o Oceano Índico do Oceano Pacífico67. O
formato côncavo do arquipélago favorece, por assim dizer, a navegação no seu interior,
que é banhado pelo Mar da China, e favorece a comunicação com as outras ilhas do
Pacífico. Segundo O‟Connor67, a povoação dessas mais de mil ilhas se fez a partir da
região sudeste do continente asiático, há mais de seis mil anos, pela navegação em
pequenas canoas, e deu origem a uma imensa variedade de culturas e povos. A ilha do
Timor é a mais oriental dentre as ilhas „menores‟ de Sunda, contíguas à Sumatra e Java.
Não é a toa que Timur, em malaio, significa leste ou ocidente. Antes mesmo dos
europeus chegarem à Ásia através da navegação, outros povos asiáticos, principalmente
os chineses, já comercializavam na região.
O primeiro assentamento português na parte oriental do arquipélago malaio
foi na ilha de Solor, em 1566, onde frades dominicanos haviam construído uma
fortificação para albergar seus primeiros convertidos locais. Segundo Taylor68, durante
quase cinquenta anos, era de Solor que os portugueses partiam para incursões ao Timor
em busca do sândalo. A presença portuguesa deu origem a um grupo populacional
importante para o desenvolvimento dos interesses econômicos portugueses na região: os
“miscigenados”68 (p. 3). Com o tempo esse grupo assumiu importância a partir das suas
atividades comerciais e como tradutores da língua e dos costumes entre o português e o
malaio. Foram estes „miscigenados‟ os primeiros „portugueses‟ a se assentarem em
território timorense. Em torno de 1640 e, equipados com material bélico, apropriado
para a época, e conhecimento da geografia local relacionaram-se com os reinos locais e
defenderam o território da invasão de outros europeus, principalmente dos holandeses,
que já dominavam diversas ilhas do arquipélago68.
Esse grupo miscigenado passou a ter cada vez mais importância econômica
e política no território. Sob a dominação portuguesa, esse grupo enfrentou,
internamente, uma oposição que se estruturava em três frentes: 1) os padres

35
dominicanos, que queriam ampliar seu poder de conversão junto aos reinos locais; 2) os
portugueses que estavam sempre tentando retomar o controle do comércio do sândalo; e
3) os próprios nativos, que ora se aliavam aos portugueses ora aos miscigenados 68.
Durante o período colonial português os miscigenados, por serem nascidos no Timor,
sempre foram mais „agressivos‟ que os portugueses na tentativa de expandir seu
controle político através de acordos e casamentos com e entre reinos, aos quais proviam
apoio militar e outorgavam, a seus líderes, títulos portugueses como “coronel ou
brigadeiro”68 (p. 9). Entretanto, sua presença reforçava o domínio português, o que
acabou se tornando uma aliança estratégica político-cultural. Por outro lado, essa
aliança era bem vista pelos nativos, pois lhes garantia certa liberdade, resguardava os
reinos locais, suas tradições e ajudava a combater outros estrangeiros.
O Timor Português sempre foi visto pela metrópole como um longínquo
canto do mundo com grandes dificuldades de comunicação e transporte, um lugar
solitário e insalubre (infestado pela febre palúdica e que afetava a saúde mental de quem
lá passava muito tempo)69. Em 1859, foram concluídas demoradas negociações entre
Portugal e Holanda que resultaram num Tratado territorial que demarcava uma fronteira
interna no Timor e reconhecia a soberania holandesa sobre as ilhas de Solor, Alor,
Pantar e Larantuca (todas vizinhas ocidentais do Timor)69. Destas negociações
participou Afonso de Castro, representante do Timor no parlamento português, desde
1854, e escolhido “o primeiro governador do Timor Português depois do Tratado de
fronteiras com os holandeses”69 (p. 29). Ele foi, segundo Malta70, o responsável pela
introdução da cultura do café, da cana de açúcar e do algodão no Timor Português.
Entretanto, as más condições de trabalho na agricultura “obrigou os portugueses a
adotar uma nova estratégia administrativa: incentivar o cultivo do café pelos próprios
timorenses e comprar deles diretamente o produto colhido”69 (p. 33). Embora, durante
anos, o sândalo continuasse como importante produto de exportação, o café passou a ter
mais e mais relevância na economia do Timor Leste.
O tétum se desenvolveu como a língua „geral‟, a mais falada entre os
timorenses, que, entretanto, se dividem em outros diferentes grupos étnico-linguísticos
marcando diferentes territórios dentro do país. Os maiores dentre esses grupos são os
Mambai, Makassai, Kemak, Bunak, Tokodede, Galoli, Dagada e Baiqueno. A
agricultura com uso de equipamentos e técnicas de cultivos tradicionais ajudou a evitar
a erosão e o desgaste da terra. O ciclo produtivo é marcado, entre essas populações, por
diversas festas e ritos espirituais ligados aos ciclos agrícolas (preparo, plantio e
colheita), assim como relacionados aos fenômenos naturais que influenciam na

36
produtividade agrícola (dia/sol, noite/lua, chuva, vento, terremoto, seca etc). Dentre
esses rituais, há o hábito do sacrifico animal para pagamento de dívidas espirituais e o
uso cerimonial do tabaco (amplamente encontrado em todo o país), assim como o uso
de tecidos coloridos para vestimentas, fabricadas com tecelagem artesanal a partir do
cultivo do algodão, os chamados “tais”, que são, inclusive ofertados em cerimônias ou
como presente importante para visitantes71.
O mar é um elemento importante na vida timorense. Há grande
comunicação entre as ilhas do arquipélago de Sunda usando-se canoas antigas
tradicionais. Os peixes da região são também alimento farto da população. A família é o
núcleo principal da sociedade timorense e os casamentos ainda utilizam o esquema dos
dotes, cuja negociação leva a laços de compromisso perenes entre as famílias – é o mais
forte compromisso assumido entre um homem e uma mulher durante suas vidas. Esse
compromisso é regido por complexas regras e obrigações que tornam o casamento
dificilmente dissolúvel. A sociedade timorense tem outras cerimônias tradicionais que
são muito importantes, tais como a da morte (que envolve, durante 5 a 14 dias, uma
série de rituais). A perda de um parente, muitas vezes, impede que os vivos possam
voltar ao trabalho. Há também ritos de passagem para a idade adulta que envolve outra
série de cerimônias diferentes e que vão diferenciar o papel que um homem e uma
mulher deverão assumir na sociedade71.
A sociedade timorense ainda tem fortes traços de sua fé animista, que
determina a construção da casa e o tipo de ocupação do espaço. As casas tradicionais
são comunais (sem divisão) e construídas sobre pilotis com teto de palha em formato
piramidal. Para o timorense, o mundo ou o cosmos representa o espaço onde “vive” (sua
terra, sua casa, espíritos bons - antropomórficos) que, por sua vez, é cercada pelo caos e
pelo desconhecido (espíritos e demônios do mal – não antropomórficos). Uma aldeia
timorense, normalmente, é dividida em quatro partes que representam as divisões do
cosmos e, no centro da aldeia, se constrói uma casa sagrada (chamada Uma Lulic).
Durante a dominação indonésia houve um grande movimento de conversão dos
timorenses ao catolicismo, entretanto, traços do passado animista ainda estão presentes,
de maneira muito forte, naquela sociedade. Por ser uma estrutura social centrada em reis
(liurais), o respeito à autoridade é muito forte, seja ela política, religiosa, comunitária ou
pela idade (velhos)71.
Durante o período da presença colonial portuguesa procurou-se respeitar as
divisões tradicionais da região em reinos, assim como a autoridade dos seus „reis‟ ou
liurais, a partir de uma política de „não interferência‟. Em contrapartida, segundo

37
Machado72, “os reinos comprometiam-se a pagar uma finta, ou imposto, além dos
baixos custos pagos pelos portugueses pela produção de sândalo, café e cera” (p. 2).
Estes fatos, de acordo com o autor, determinaram um grande número de revoltas e
ataques timorenses que acabavam em batalhas muito sangrentas, como as de 1893 e a de
1912. Esta última ficou conhecida como a “Revolta de Dom Boaventura ou Revolta de
Manufaí, fortemente reprimida pela administração portuguesa”69 (p. 2) e impôs uma
pacificação forçada com ideias civilizatórias „europeizantes‟ que marcaram a presença
portuguesa no Timor no século XX.
Após a forte repressão de 1912, os portugueses finalmente conseguiram
implantar uma estrutura administrativa colonial em grande parte do território timorense,
substituindo a divisão em reinos por uma organização distrital baseada em vilarejos (ou
sucos, em tétum, a língua geral falada até hoje em todo o Timor Leste). Segundo
Taylor68, “aos sucos eram indicados, pelos portugueses, chefes ou administradores, que
em última instância só conseguiam implantar atividades com apoio dos liurais, antigos
reis ou chefes tradicionais” (p. 12). Ou seja, apesar das mudanças ocorridas no século
XX, persistiu sempre, até a independência timorense de Portugal, em 1975, a ideia,
mencionada por Seixas73, de legitimar as iniciativas modernizadoras a partir de rituais
de troca do poder tradicional.
Em 1930, já sob o regime do Estado Novo em Portugal, comandado por
Antonio Salazar, Portugal promulgou um Ato Colonial de ´missão civilizatória´ que
estabeleceu novas relações institucionais com as colônias, colocando-as sob a gestão
direta da metrópole. Segundo Taylor68, conselhos legislativos locais foram criados para
representar os interesses diretos das elites coloniais: setor administrativo, setor
produtivo, setor religioso (Igreja Católica) e setor militar. A inclusão da Igreja Católica
na estruturação do sistema colonial português, principalmente no setor da educação,
teve importância na organização social do Timor Leste. Outro elemento que merece
menção foi a criação pelo governo português de duas categorias de pessoas nas
colônias: “indígenas (nativos não assimilados) e não indígenas (mestiços e indígenas
assimilados, que falavam português, recebiam salário suficiente para criar família e
possuíam „bom caráter‟), esses últimos com direito de voto”69 (p. 13 – as aspas são
minhas).
Portugal sustentou, durante muitos anos, a importância de sua „missão
civilizadora‟ no Timor, que se traduzia pela implantação de novos padrões de habitação
e moradia, serviços de polícia, saúde e educação e pelo uso do vestuário acidental pelas
elites. Embora, do ponto de vista econômico e social, a experiência portuguesa no

38
Timor Leste tenha sido um fracasso, reconhece-se que “esses elementos foram
importantes na formação e conformação da elite timorense após a Segunda Guerra
Mundial”68 (pp. 12-13).
Durante a Segunda Guerra Mundial, após o ataque efetuado pela Marinha
Imperial Japonesa à base norte-americana de Pearl Harbor, na ilha de Oahu, Havaí, sem
aviso prévio, na manhã de 7 de Dezembro de 1941, e a entrada dos Estados Unidos na
guerra, quatrocentos soldados das tropas da Austrália e da Holanda chegaram a Díli,
capital do Timor Leste. Essa presença de australianos e holandeses no Timor Leste não
era bem vista pelo governador português. Os japoneses, certos de que os aliados
usariam o Timor Leste como base de ataque, enviaram 20 mil soldados para tomar o
território, enquanto as autoridades portuguesas abandonavam a província. Segundo
Taylor68, foram dois anos de guerra em território timorense entre as tropas aliadas e as
japonesas, com mais de mil e quinhentos mortos japoneses, até sua rendição aos
australianos em 1943. Esta vitória não poderia ter acontecido sem a colaboração dos
timorenses aos australianos, entretanto este apoio lhes custou caro: dezenas de povoados
e campos de cultura foram destruídos, com milhares de mortos civis.
Na segunda metade do século XX, a produção agrícola, que havia decaído
durante e depois da guerra, inclusive por falta de mão de obra masculina, voltou a
adotar o modelo de produção agrícola do pré-guerra. O apoio à agricultura do café e da
cana de açúcar voltada para exportação deixou aos timorenses a opção da agricultura de
subsistência para seu próprio consumo, uma agricultura pouco desenvolvida68.
Como conseqüência desta política econômica, o Timor Português chega aos
anos de 1970, época de sua independência, com uma elite mestiça bem „aportuguesada‟
e bastante ligada à Igreja Católica, cumprindo funções administrativas provinciais,
enquanto o resto da população se mantinha muito arraigada às tradições e às lideranças
tradicionais. O país apresentava baixo nível de desenvolvimento social: baixas taxas de
alfabetização, altas taxas de natalidade, altas taxas de mortalidade infantil e de doenças
infecto-contagiosas, falta de saneamento básico e de transportes coletivos. De acordo
com Taylor68, “por volta de 1973, 93% da população timorense era analfabeta” (p. 17).
As primeiras escolas no Timor Leste foram erguidas no século XVIII, por missionários
católicos que, ainda nos anos de 1960, controlavam 60% dos estabelecimentos de ensino
voltados, principalmente, para timorenses assimilados e miscigenados.
Nos anos de 1960 e 1970 havia também algumas escolas para as
comunidades chinesas e muçulmanas. Na realidade, o pouco que foi feito por Portugal
em termos de educação no Timor Leste foi muito tardio. Em 1954, havia oito mil

39
pessoas com ensino fundamental no país e, vinte anos depois (em 1975), esse número
era de 57 mil. Embora tendo aumentado bastante, o número de estudantes não chegava
nem a 10% da população. Em relação ao ensino superior, em 1970 havia dois
timorenses na universidade em Lisboa e esse total saltou, em 1975, para 39 estudantes68
(p. 17).
As funções básicas da educação no Timor Leste eram o ensino da língua
portuguesa e da religião católica. Nesta pequena elite de literatos o governo português
arregimentava seus funcionários administrativos, entre eles, os professores, agentes de
saúde e militares. Foi somente nos anos de 1960 que o governo central instalou, no
Timor Leste, o ensino secundário. Segundo Taylor68, em 1970, existiam no Timor
Leste: uma escola de ensino secundário, uma escola de treinamento militar e uma escola
técnica. Os que queriam fazer universidade deveriam ir a Portugal. Durante todo o
período colonial português, os cargos mais altos da administração no país eram
exercidos por portugueses (médicos, professores, comandantes, chefes de
departamentos e governadores). Embora os timorenses da elite mais educada ocupassem
outros cargos administrativos e comungassem dos valores institucionais ocidentais,
jamais deixaram de reforçar os laços tradicionais de suas famílias extensivas e a rede
política que lhes dava base no interior.

1.1. O sistema de saúde no período colonial português

Segundo documentos da Agência Geral do Ultramar74, até o início do século


XX os serviços de saúde no Timor Leste eram dependentes de Macau, que destacava o
delegado de saúde para a província. Em 1918, criou-se o Serviço de Saúde do Timor
Leste, que contava com uma rede de quatro unidades civis de prestação de serviços de
saúde, além de uma enfermaria e um hospital militar. Em fins dos anos de 1930,
segundo informações da Agência Geral74, a rede de saúde havia aumentado e contava
com três hospitais e uma maternidade, todos públicos, um hospital privado, 19 postos
sanitários e um posto de emergência, dispondo de cinco médicos e 42 enfermeiros.
Após a Segunda Guerra Mundial, depois da invasão do Timor Leste por tropas
japonesas, teve-se que reconstruir a rede de saúde e, de 1946 até os anos 70, saúde e
assistência previdenciária no Timor Leste ficaram sob a mesma coordenação. No
período pós-guerra, foram introduzidas ambulâncias nos distritos e organizados serviços
móveis de saúde para o interior. Segundo o relatório da Agência Geral74, em 1963 os
serviços de saúde contavam com 12 médicos e 88 enfermeiros para cinco hospitais e

40
três maternidades públicas, um hospital privado, 51 postos sanitários e três postos de
emergência no país.
Num relatório sobre a situação na colônia do Timor Leste em 1946-7,
Ruas75 destacava que as forças armadas portuguesas eram responsáveis pela maior parte
da prestação de serviços de saúde e formação de pessoal necessário e apresentou
números que refletiam o trabalho da rede de atenção naquela época. Do total de
consultas realizadas, pouco mais de 50% foram em pacientes da “raça branca” (p. 59).
No mesmo período, segundo o mesmo relatório75, foram realizados, numa população
total estimada em torno de 450 mil pessoas, 12.859 tratamentos nos postos sanitários do
país, aplicadas 45.404 vacinações anti-variólicas, realizadas 18 cirurgias e 70 extrações
dentárias, sendo que Díli, a capital, foi responsável por 41% do movimento da rede de
saúde75. As enfermidades mais relatadas e responsáveis pela maioria dos óbitos da
época eram a malária, a tuberculose e a diarréia.
Em 1949, segundo Grandão76, em virtude dos Serviços de Saúde e Higiene
contarem apenas com “12 enfermeiros, 20 auxiliares e 10 praticantes” (p. 355) a rede
de serviços teve que ser reduzida para 35 postos sanitários, embora houvessem sido
criadas duas novas subdelegacias de saúde para apoiar a delegacia que ficava em Dili.
Em 1952, a rede já contava com seis subdelegacias espalhadas pela província e no ano
de 1956, foi criado o Centro de Saúde de Dili com serviços de consulta médica,
puericultura, materno-infantil, dentistas e farmácia76. Nesse mesmo ano, a rede de
serviços de saúde já contava com 47 postos sanitários. Em 1967, segundo o Ministério
do Ultramar77, com uma população total em torno de 570 mil habitantes a rede
assistencial no Timor Leste permanecia a mesma.
Nos anos de 1960-70, segundo relatório da Agência Geral74, as sub-
delegacias passaram a ser delegacias distritais e foram introduzidas novas unidades de
atendimento no território timorense. Entretanto, vale destacar que, nessa época, eram
reforçados aspectos de planejamento dos serviços de saúde e introduzidas ações
preventivas e de controle como parte da atuação dos serviços de saúde. Havia um
regulamento sanitário que objetivava que o planejamento fosse realizado em nível de
cada delegacia e que estivesse disponibilizado, pelo governo português, um protótipo de
construção das edificações, assim como do mobiliário e equipamento médico, para cada
nível de atenção.

41
1.2. A formação dos primeiros partidos políticos no Timor Leste

Nos inícios dos anos 1970, Portugal continuava sob o regime autoritário do
Estado Novo, implantado em 1933 por António Oliveira Salazar, destituído em 1968 e
falecido em 1970, e era presidido por Marcelo Caetano. Durante o Estado Novo,
qualquer tentativa de reforma política no Timor Leste era impedida pelo próprio regime
e pelo poder da sua polícia política, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do
Estado)68. Frente às tendências de mudança na política mundial dos anos de 1960, que
levou à independência de diversos países sob dominação européia, o regime português
investiu num contra-movimento que ficou conhecido por Guerra Colonial, ou Guerra do
Ultramar (designação oficial do governo português), ou Guerra de Libertação
(designação mais utilizada pelos revolucionários e colonos independentistas), que foi
marcado por imensos confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e as forças
organizadas pelos movimentos de libertação das antigas províncias ultramarinas.
Em 25 de Abril de 1974 foi conduzida, em Portugal, a Revolução dos
Cravos, nome dado ao golpe de estado militar que derrubou, num só dia, sem grande
resistência, o antigo regime. Para Anversa78, o “25 de Abril” em Portugal motivou a
formação de diferentes partidos políticos no Timor Leste, criados em curto espaço de
tempo, entre abril e maio de 1974.
A União Democrática Timorense (UDT) foi o primeiro partido a ser
legalizado. Segundo Anversa78, esta agremiação conservadora defendia a
autodeterminação do Timor Leste a partir de uma progressiva autonomia política
calcada numa possível „federação‟ que incluísse Portugal. Representava os interesses de
timorenses que eram membros da administração colonial e da elite local constituída por
proprietários de plantations de café, negociantes e a maioria das pequenas comunidades
portuguesas e chinesas , com o apoio dos liurais mais próximos ao poder colonial e era,
no início, o maior partido timorense.
O segundo partido a ser formado, a partir de integrantes da elite de Díli, foi
a Associação Social Democrata Timorense (ASDT), cujos membros também vinham da
administração pública e das elites rurais, mas rejeitavam o colonialismo e pregavam
uma independência gradual precedida de reformas administrativas, econômicas, sociais
e políticas68. O terceiro partido a ser criado foi a Associação Popular e Democrática
Timorense (APODETI). Esse partido era apoiado por alguns sucos da fronteira com o
Timor Ocidental e por elementos da pequena comunidade muçulmana de Díli. Pregava

42
uma autonomia como a de Bali (uma das ilhas integrantes da República Indonésia), ou
seja, com autonomia político-administrativa, mas integrada à confederação Indonésia68.
A possibilidade de independência do Timor Leste em meados de 1970, em
plena guerra fria, agitou os meios diplomáticos regionais. A Indonésia, sob o governo
ditatorial de Sukarno, vinha, desde os anos de 1950, num processo de anexação dos
antigos territórios holandeses (Dutch West Indies) e apoiava, com segundas intenções, a
independência do Timor Leste. Em 1962, a Indonésia chegou a albergar, em Jacarta, um
suposto “Escritório para a Libertação da República do Timor que clamava por um
governo paralelo no exterior”68 (p. 21). Esses movimentos patrocinados pela Indonésia,
chamados movimentos integracionistas (porque visavam a integração territorial de toda
a ilha de Timor), serviam, na realidade, para desestabilizar a situação política no Timor
Português68.
O presidente Sukarno foi um dos fundadores do Movimento dos Países não-
Alinhados, em 1955. Portanto, no início dos anos de 1970, assumia, diplomaticamente,
uma posição de não interferência da Indonésia, fosse em relação à soberania de Portugal
sobre o Timor Leste, fosse sobre um futuro governo independente do povo timorense68.
Por outro lado, a Austrália, que temia uma instabilidade regional a partir da eclosão de
movimentos separatistas de esquerda, se colocava numa estratégica posição de
observadora.
A posição dúbia da Indonésia, a posição expectante da Austrália e as guerras
de libertação nas colônias portuguesas na África, levaram um grupo de membros do
ASDT, durante uma conferência realizada em Díli, em setembro de 1974, a propor
mudanças na organização estrutural e nos objetivos do partido72. Dessa dissidência,
surgiu, então, a Frente Revolucionária do Timor Leste Independente (FRETILIN),
grupo que propunha a mobilização das massas para apoiar um processo curto de
independência de facto, com um rápido período de descolonização, o que significava a
passagem do controle da administração do Estado e mudanças institucionais. Segundo
Anversa78, a maioria dos quadros da FRETILIN constituía-se de jovens militantes de
formação menos tradicional que os da UDT: professores, estudantes, funcionários e
representantes populares. Propunha uma organização mais descentralizada, delegando
ações para subcomitês distritais responsáveis pela mobilização da população rural. Com
esta nova perspectiva, o novo partido cresceu vertiginosamente e, no final de 1974, já
era o maior partido do Timor Leste, ultrapassando a conservadora UDT.
Para Anversa78, os interesses conflitantes dos três principais partidos
timorenses agravaram-se com a inabilidade portuguesa em conduzir as negociações para

43
a autodeterminação do território e sua equivocada insistência em manter a APODETI
nas negociações. Este partido, apesar de pequena representatividade, provocava
audaciosas atitudes pró-Indonésia, estimulando, estrategicamente, uma radicalização das
posições da FRETILIN.
Embora membros da elite timorense também integrassem a FRETILIN, seus
representantes eram os que tinham posições mais avançadas em relação à participação
popular. A atuação da Frente no interior foi importante para a incorporação de
elementos culturais timorenses na sua plataforma política, sendo um dos mais fortes a
adoção do idioma tétum como „língua da independência‟ junto com o português. A
recuperação do sentido de algumas palavras timorenses foi um ponto estratégico da
FRETILIN e do movimento maubere (camponês em tétum) de independência do Timor
Leste78. Em questão de meses, a FRETILIN passou de uma posição „populista‟ dentro
da ASDT para uma posição de frente popular a partir da adesão, cada vez maior, dos
trabalhadores rurais, ao mesmo tempo em que formou coalizões com outros partidos.
Em maio de 1975, a Comissão de Descolonização Portuguesa anunciou uma
conferência, a realizar-se em Macau, para discutir o processo de descolonização. Para
esta conferência foram convidados todos os partidos timorenses e mais representantes
do governo português no Timor Leste (civil e militar). Porém, a participação de
representantes do governo indonésio neste encontro, que era inicialmente um segredo,
chegou ao conhecimento da FRETILIN que se negou a participar do evento68. Embora
essa negativa tenha sido vista pelo governo português como uma afronta, a reunião
aconteceu, mas sem a presença da maior agremiação política timorense.
Nesse mesmo maio de 1975, “os lideres da UDT anunciaram sua saída da
coalizão com a FRETILIN alegando que os rumos tomados por esse grupo ameaçavam
o processo de independência do Timor Leste”68 (p. 46). De fato, desde junho de 1975, a
FRETILIN introduziu as chamadas “Brigadas Revolucionárias”, grupos que se
instalavam na zona rural e desenvolviam ações de educação e saúde. Segundo Taylor68,
“as brigadas fizeram crescer ainda mais a popularidade do movimento e marcou o
crescimento da FRETILIN como uma organização política” (p. 47), que acabou por se
conformar num partido político em setembro de 1975.
A composição política que formou a FRETILIN favoreceu sua trajetória
política unificadora. Sua liderança era jovem, a maioria tinha nascido durante ou depois
da Segunda Guerra Mundial e, portanto, depois da invasão japonesa. Quase todos
haviam sido educados em colégios católicos e alguns chegaram, inclusive, a frequentar
o seminário; muitos deles eram filhos de liurais ou chefes de suco (o que ampliava suas

44
bases rurais) e todos partilhavam valores comuns com relação à importância da
educação, da equidade racial e do nacionalismo timorense.

2. Um curto período de independência

Segundo Anversa78, ainda em 1975, setores da UDT, após consulta com


representantes indonésios, passaram a defender que a anexação à Indonésia poderia ser
uma alternativa de governabilidade para o território timorense. Essa posição aumentou a
tensão entre os partidos timorenses e reforços militares foram enviados de Lisboa. Mas
foram insuficientes para a manutenção da ordem frente à deterioração política na
colônia ou mesmo à ameaça de invasão pela Indonésia.
A tensão política em território timorense provocou um movimento
migratório na fronteira com o Timor ocidental, justificando que Suharto, em julho de
1975, assumisse pela primeira vez a inviabilidade de um Timor Leste independente,
pregando que a FRETILIN era um movimento comunista e apoiando diretamente a
APODETI e a UDT68. Em agosto de 1975, a UDT organizou manifestações pedindo “a
expulsão dos comunistas do país”68 (p. 50). Um ultimatum foi enviado pela coalizão
UDT-APODETI às autoridades coloniais, exigindo a formação de um governo de
transição, composto por representantes da administração colonial e elementos
timorenses "moderados", e pedindo a prisão das principais lideranças da FRETILIN,
que reagiu imediatamente pedindo o apoio da população. Logo, militares timorenses de
duas guarnições portuguesas importantes declararam apoio a FRETILIN e ocuparam o
quartel-general português. Era a guerra civil. As unidades militares, pouco a pouco,
fragmentaram-se e aderiram a FRETILIN. Em princípios de setembro, a FRETILIN saiu
vencedora do movimento e os golpistas da composição UDT/APODETI refugiaram-se
na Indonésia.
A FRETILIN contou com apoio da maioria da população e, frente ao vácuo
político deixado pela fuga da autoridade colonial, deparou-se com a responsabilidade de
administrar um território onde 80% dos funcionários administrativos haviam saído do
país e quase não havia médicos, engenheiros e outros profissionais para apoiar a
reorganização nacional, a não ser a Cruz Vermelha Internacional. Imediatamente após a
declaração de independência, Ramos Horta, indicado Ministro de Relações Exteriores,
seguiu para Nova Iorque com objetivo de conseguir apoios da comunidade internacional
junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Paralelamente, a Indonésia
intensificava suas operações de desestabilização, com incremento da propaganda
anticomunista e intervenção militar iniciada na fronteira com o Timor Ocidental

45
(Operasi Komodo)78. Nessas circunstâncias, em 28 de novembro de 1975, foi
proclamada a independência da República Democrática do Timor Leste. Dez dias
depois, a Indonésia invadiu o país.

3. A invasão e dominação indonésia: resistência e adesão timorense

Os militares indonésios entraram no Timor Leste por terra. A FRETILIN


procurou impedir a chegada das tropas terrestres, entretanto a resistência timorense era
pequena frente a um contingente de mais de dez mil soldados. O massacre de pessoas
foi acompanhado de saque e roubo de casas, repartições públicas, escolas e igrejas.
Quinze dias depois, na noite de natal, pára-quedistas indonésios atacaram Baucau, a
segunda maior cidade do Timor Leste, localizada na região nordeste da ilha, e mais
quinze mil soldados desembarcaram nesta região por mar, totalizando mais de vinte e
cinco mil soldados indonésios em território timorense. Nos primeiros cinco meses de
invasão mais de dois mil timorenses morreram68.
Refugiados no interior montanhoso do país, com forte apoio da população,
dos liurais e dos chefes de suco, os timorenses da FRETILIN iniciaram um movimento
de resistência. Foi criada uma ala armada denominada de Forças Armadas de Libertação
Nacional do Timor Leste, a FALINTIL, que dirigiu a guerra nacional de libertação
contra a Indonésia até os anos de 199078. No entanto, em 16 de julho de 1976, o governo
indonésio proclamou o Timor Leste a 27ª Província da República da Indonésia,
designando um governador timorense filiado a APODETI e alinhado com a política de
Jacarta e criando uma Assembleia Regional Representativa do Povo do Timor Leste,
para legitimar a integração timorense à República da Indonésia78. A língua portuguesa
foi proibida e foram estimulados a aprendizagem e o uso da língua bahasa indonésia78.
Desde a invasão, a religião católica teve importante papel no movimento de
resistência política e cultural timorense, aproximando-se do movimento de libertação e
ampliando o contato da Igreja com a população rural. De acordo com Anversa78, houve
um importante movimento de conversão da população rural ao catolicismo, passando de
32%, em 1975, para 78%, em 1984. Durante a ocupação, a Igreja Católica foi a única
instituição timorense capaz de comunicar com o mundo exterior, respondendo
diretamente ao Vaticano79. A Igreja coordenava duas instituições que foram
fundamentais na formação de uma dissidência dentro da juventude timorense: o
Externato São José, estabelecimento laico de ensino primário e secundário, reaberto em
1983, e o Seminário de Dare, estabelecimento de ensino religioso de preparação do
clero timorense. Estas escolas continuaram mantendo o ensino do português em seus

46
currículos, embora adotassem o bahasa como segundo idioma (todas as escolas
timorenses eram obrigadas a seguir o currículo indonésio)79. A Igreja também abriu
duas Universidades privadas, uma em Díli e outra em Baucau, e muitos oposicionistas
ao regime indonésio saíram dessas instituições.
Em 1979, Alexandre Xanana Gusmão foi escolhido presidente da
FRETILIN e a partir daí o movimento de resistência timorense se reorganizou com base
numa rede de lideranças locais e contou com o apoio da igreja católica68. A repressão
indonésia era implacável. Nos primeiro anos da década de 1980, havia mais de 6.800
prisioneiros no Timor Leste, principalmente na prisão da ilha de Atauro68. Nessa altura,
muitas famílias urbanas timorenses iniciaram um movimento de imigração para
Austrália e Portugal, fugindo da violência indonésia68. Esse grupo de exilados e
refugiados políticos começou a se organizar no exterior com apoio de Ramos Horta, que
tendo ido para Nova Iorque em 1975, passou a coordenar o escritório da FRETILIN
junto à ONU. Esse grupo passou a exercer pressão sobre a comunidade internacional,
denunciando as atrocidades ocorridas no Timor Leste e exigindo um posicionamento
político internacional contra a Indonésia.
Em março de 1983, as forças armadas indonésias no Timor Leste e a
FRETILIN acordaram um cessar-fogo nacional. Esse cessar-fogo, segundo Martin80,
levou Portugal a retomar conversações diretas com a Indonésia, sob os auspícios do
Secretário Geral das Nações Unidas, em favor da independência do Timor Leste. Por
outro lado, o mesmo cessar-fogo permitiu não só a reorganização da FRETILIN no país,
mas também dos outros grupos políticos timorenses, favorecendo uma estratégia de
unificação da luta pela autodeterminação do Timor Leste.
Entretanto, segundo Niner81, somente em 1987, se estabelecem negociações
para um processo de pactuação entre os diferentes partidos timorenses frente à
hegemonia militar indonésia. Em 1988, membros de organizações da FRETILIN e da
UDT (as maiores agremiações políticas timorenses) no exílio, principalmente em
Portugal e na Austrália, e representantes desses partidos no Timor Leste, inclusive das
FALINTIL, criaram o Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM), a primeira
estrutura supra-partidária de representação timorense que foi presidida por Xanana
Gusmão. O CNRM tinha a missão de dirigir a resistência contra Jacarta pelo direito do
povo timorense à sua autodeterminação. Tinha entre seus objetivos articular o
desenvolvimento de instituições e a formação de quadros para a construção de um
futuro Estado do Timor Leste. Entretanto, era questionado por outras agremiações
partidárias por não ser nem inclusivo e nem democrático.

47
No dia 12 de Novembro de 1991, as tropas indonésias dispararam sobre um
grupo de manifestantes que iam ao cemitério de Santa Cruz para homenagearem um
estudante assassinado. Reporta-se que em torno de 50 pessoas foram mortas no local e
outras quase 100 morreram em consequência de ferimentos nas manifestações que se
espalharam por outras partes de Díli. Em outubro de 1992, Xanana Gusmão foi preso,
numa emboscada por soldados indonésios, no bairro de Lahane, em Díli, julgado
culpado de rebelião contra a estabilidade nacional e condenado a 20 anos de cadeia no
presídio de Cipinang, na Indonésia68. O CNRM, os grupos organizados de timorenses
no exterior, a representação da FRETILIN junto à ONU, assim como diversas ONGs
souberam dar grande divulgação e repercussão internacional a esses acontecimentos,
exigindo, cada vez mais, atenção redobrada à violação dos direitos humanos no Timor
Leste.
Em 1994, a Indonésia permitiu o acesso ao Timor Leste das Nações Unidas
e de organizações humanitárias e de direitos humanos. Essas organizações começaram a
trabalhar no sentido de ampliar o movimento de unidade entre os lideres timorenses. Foi
constituído um grupo consultivo que organizou, em 1995, um encontro que se chamou
“Diálogo Intra-Timorense”, “na tentativa de preservar uma maior união e promover a
identidade cultural do Timor Leste”80 (p. 44). Em 1996, José Manuel Ramos Horta e o
Bispo Carlos Felipe Ximenes Belo foram agraciados com o Prêmio Nobel da Paz, em
reconhecimento ao “sofrimento e à resistência do povo timorense à ocupação
indonésia”68 (p. 219). Esse prêmio foi um golpe inesperado no governo da Indonésia e
ampliou a popularidade internacional da luta do povo timorense.
Em abril de 1998, a criação do Conselho Nacional da Resistência Timorense
(CNRT), em Peniche, Portugal, deu o passo decisivo para uma nova pactuação política
timorense. O CNRT foi composto não somente pela FRETILIN e UDT, mas também
pela APODETI e por diferentes organizações sociais, entre elas a igreja católica.
Xanana Gusmão foi eleito seu Presidente. O CNRT representou uma nova etapa
organizativa que permitiu à elite política timorense assumir “a liderança de um projeto
de modernidade e progresso, em sintonia com a sociedade contemporânea”82 (p. 3) na
luta pela edificação de um “futuro Estado de direito, livre e democrático, plural e
tolerante, desenvolvido e soberano, onde houvesse o respeito à liberdade religiosa, de
organização e de reunião, e fosse livre da censura, da repressão policial e militar”82
(pp. 3-4). O CNRT lutou, desde o início “por uma política de diálogo e negociação
internacional”82 (p. 4), assumindo compromisso sério junto à comunidade internacional
e declarando adesão a todas as declarações e convenções das Nações Unidas83,84.

48
O que se observa na criação do CNRT são duas estratégias que vão
acompanhar o comportamento da elite política timorense até a independência do país: 1)
um pacto nacional temporário de união política interna; e 2) uma frente política
unificada frente à comunidade internacional que facilitasse o diálogo e as negociações.
No mesmo ano da criação do CNRT, em 1998, crises econômicas e
alterações políticas na Indonésia levaram à queda do Presidente Suharto. O novo
Presidente Habibie se declarou preparado para conceder maior autonomia ao Timor
Leste, sem abrir mão da defesa e da ingerência econômica na ilha. Portugal se contrapôs
a proposta indonésia e sugeriu fazer um referendo junto à população do Timor Leste
sobre a integração à Indonésia ou a independência. Nesse mesmo ano, as Nações Unidas
designaram um assessor especial para intermediar as negociações entre os governos da
Indonésia e de Portugal apresentando um “modelo constitucional para a
autodeterminação do território”80 (p. 60).
Em abril de 1999, o CNRT realizou em Melbourne, na Austrália, uma
Conferência sobre Planejamento Estratégico para o Timor Leste, que contou com 60
timorenses (grande parte deles vivendo no exterior) e 35 internacionais, sobretudo
australianos, com o objetivo de, segundo sua declaração de intenções85:

... discutir a preparação para um governo independente no


Timor Leste, estabelecendo planos de desenvolvimento
estratégico em oito áreas-chave, dando atenção à questão de
gênero, cultura e direitos humanos” e “ampliar a base de
conhecimentos, criar competências e aprofundar uma estratégia
[...] para o país em médio e longo prazo.86 (p. 1)

Nessa reunião, o CNRT se comprometeu a trabalhar para estabelecer as


instituições necessárias e um programa que contemplasse visões, metas e estratégias
multisetoriais para o Timor Leste. Esta oficina de trabalho, de cinco dias, teve apoio de
diversas agências internacionais e ONGs e foi uma oportunidade política de apoio ao
Presidente do CNRT, Xanana Gusmão, e de comprometê-lo com a defesa do povo
timorense e com o apoio à transição para um Timor Leste independente. O CNRT e
participantes da Conferência85 declararam “apoio à participação da ONU no processo
de negociação [com a Indonésia] e num futuro governo transitório” e clamaram à
comunidade internacional o suporte necessário a esse processo. Ao mesmo tempo, o
CNRT procurou preservar um espaço dentro da comunidade internacional marcado
sempre pelo pedido de “respeito à vontade do povo de Timor Leste”85.

49
Em maio de 1999, os governos de Portugal e da Indonésia concordaram com
a realização de um referendo popular sobre a independência do território, sob a
supervisão das Nações Unidas.

3.1. O legado indonésio e a situação da saúde no período da dominação

Segundo Gunn79 durante todo o período da ocupação indonésia, o governo


de Jacarta implantou um complexo sistema de serviços públicos e uma burocracia
“condizente com o status de província imposto ao território ocupado” (p. 40). Mas a
implantação dessa máquina burocrática só foi possível pela força das armas e teve
profundo impacto na sociedade como um todo, ao impor deslocamentos e
assentamentos forçados da população.
Embora militarizada, Díli se tornou uma típica capital provincial da
Indonésia, habitada por militares, imigrantes de outras ilhas indonésias e auxiliares civis
timorenses (os chamados anak buah, em língua bahasa). Todas as agências
governamentais indonésias se implantaram em território timorense, procurando
estruturar a prestação de serviços públicos em diversas áreas (saúde, educação,
agricultura, informação, comércio, bancos, correios, política e defesa, entre outros) e
utilizando a moeda corrente indonésia79.
Todavia, de todo este investimento realizado entre 1976 e 1998, os
timorenses tiraram poucos benefícios. A maioria dos recursos foi usada para apoiar a
burocracia governamental e as atividades de infraestrutura (construção de edifícios
públicos e estradas), ou seja, investimento político patrocinado pela iniciativa estatal
indonésia79. A produção industrial e outras produções não agrícolas, que dependeriam,
principalmente, de iniciativa privada, foram mínimas. O comércio existente e as
atividades predominantemente privadas eram dominadas por não timorenses (indonésios
e chineses)87. Entretanto, a administração pública implantada pela Indonésia no Timor
Leste, ao desmantelar a antiga estrutura administrativa portuguesa e implantar um novo
modelo de gestão, introduziu novos valores e, proporcionando emprego a milhares de
timorenses (mesmo que em cargos subordinados), criou uma cultura de prestigio
baseada em posições hierárquicas que, ao mesmo tempo, se sustentava com esquemas
de nepotismo e corrupção79.
O modelo implantado por Jacarta manteve a estrutura político-
administrativa baseada em distritos, legada pelos portugueses, que se apoiava em duas
esferas representativas eleitas pelo voto popular: um Conselho de Representantes
Distritais (CRD) e um Conselho de Representantes da Província (CRP). Para Gunn79, a

50
“força política dessa estrutura vinha do fato de que o Governador da Província era
eleito pelos membros do CRD e ratificado pelo CRP” (p. 43). Nesse modelo, a
arregimentação dos servidores públicos tinha, também, um viés político-partidário, uma
vez que o recrutamento de funcionários era feito por indicação política. A presença de
partidos indonésios no Timor Leste acabava por condicionar a participação timorense na
administração pública à filiação em partidos pró-Jacarta. Entretanto, essa participação
não foi suficiente para diminuir os entraves da administração invasora junto à população
local, que sempre desconfiada era, muitas vezes, arredia às iniciativas propostas pelo
governo.
Para Gunn79, isso se devia a outros elementos que marcaram a ocupação
indonésia no Timor Leste. Primeiro foi o medo, calcado nas execuções sumárias da
população, na quantidade de postos militares distribuídos pelas cidades e no incentivo à
delação. Esse terrorismo físico era reforçado por um terrorismo burocrático, ou seja, a
obrigação de todo cidadão ter um documento de identidade indonésio emitido por
órgãos da administração pública, assim como permissões de deslocamento pelo
território. Outro elemento, que também estava associado à ocupação militar, dizia
respeito a negócios feitos a partir de empresas com participação societária de militares,
ou firmas endossadas por eles na base da „troca de favores‟79. Essa atitude militar de
incentivar e tomar parte em empreendimentos produtivos não era um privilégio
indonésio, mas uma prática comum a diversos outros países asiáticos, chamada por
Evans63 de “doutrina militar-social” (p. 85). Por fim, um último elemento dessa
ocupação dizia respeito à migração. Em 1999, havia mais de cem mil imigrantes no
Timor Leste (quase 14% da população), sendo a maioria deles muçulmanos79. Este
movimento ´trans-migratório´ dentro da República Indonésia também atingiu os
próprios timorenses, pois muitos saíram do Timor Leste para trabalhar em outras ilhas,
principalmente nas fábricas e usinas de Java, com baixos salários e condições indignas
de trabalho.
Entretanto, muitos imigrantes que chegaram ao Timor Leste eram
administradores experientes e dedicados que procuraram dar aos timorenses serviços
públicos de melhor qualidade. Embora eivada de vícios, inchada e ineficiente, a
máquina administrativa timorense, implantada pela Indonésia, foi uma oportunidade de
expansão da prestação de serviços públicos e de contato com métodos de gestão mais
contemporâneos, como a introdução de instrumentos de gestão, monitoramento e
avaliação que obrigavam a produção por resultados e a confecção de relatórios
periódicos79. Nesse processo, a educação e a saúde merecem destaque.

51
A Indonésia deu grande prioridade à educação. Segundo Phillips87, a taxa de
alfabetização, que era em torno de 10% em 1975, passou para 48% em 1999, havendo,
nessa época, no país, 66 jardins de infância, 788 escolas primárias (inclusive uma escola
especial para cegos), 114 escolas secundárias (37 de ensino técnico) e 17 faculdades de
ensino superior87. Estes números são surpreendentes se comparados com as apenas 49
escolas existentes no Timor Leste em 197587. Essa iniciativa significou a implantação
de um sistema educacional regionalizado e hierarquizado e de um aparato de mídia não
conhecido anteriormente, com jornais, revistas e televisão. Através da educação a
Indonésia procurou controlar as tradições e reforçar o projeto de integração indonésia
(integrasi), calcado na linguagem e, ao mesmo tempo, substituir o português como
língua de influência do Timor Leste pelo bahasa, tornando-a a língua da mídia e das
instituições79. Com isso, o número de estudantes passou de um total de 14 mil, em 1975,
para 30 mil alunos matriculados somente no primeiro ano elementar (alfabetização), em
199887. Entretanto, a ampliação do sistema educacional trouxe alguns problemas
crônicos, como falta de professores e de material, ampliando ainda mais sua
dependência ao governo de Jacarta e à imigração de profissionais.
Quanto à área da saúde, os estudos de Phillips87 mostram que, em 1975,
com uma população total ao redor de 600 mil habitantes, o Timor Leste apresentava
uma taxa de fecundidade de quase cinco filhos por mulher, a expectativa de vida estava
em torno dos 46 anos, a mortalidade infantil era de 140 por mil e a mortalidade até o
quinto ano de vida era de 240 por mil. O governo de Jacarta investiu muito na
implantação de um sistema nacional de saúde para o Timor Leste. Havia dois
departamentos públicos responsáveis pela saúde no país – o Departamento Regional de
Saúde (Kanwil) e o Serviço Provincial de Saúde Pública (Dinas Tk.). Segundo
Phillips83, a chefia do primeiro era escolhida pelo Ministério da Saúde, em Jacarta, e a
do segundo pelo governo provincial, mas aprovada também pelo nível central.
A estruturação do sistema de saúde timorense focou os cuidados primários
de saúde (CPS) levando em conta aspectos de regionalização e hierarquização dos
serviços. Havia também serviços de saúde prestados pelo setor privado, cujo maior
fornecedor era a Igreja Católica, algumas poucas ONGs existentes e a Cruz Vermelha
Internacional (ICRC). De acordo com os dados de Phillips87, em termos de estrutura
física, em 1998, o sistema de saúde tinha, no Timor Leste, um hospital central, 11
hospitais regionais (incluindo um privado e dois militares), 21 centros de saúde com
camas, para observação clínico-obstétrica, 70 centros de saúde sem camas (24 deles
privados, quase todos da Igreja), 305 unidades de saúde, 29 farmácias (13 privadas) e

52
dois laboratórios centrais, sendo um deles privado. Os dados relativos aos profissionais
de saúde mostravam que, em 1998, trabalhavam no país sete médicos especialistas (um
timorense), 134 médicos generalistas (25 timorenses), 1.124 enfermeiras de nível
técnico, 58 enfermeiras de saúde oral, e 383 parteiras treinadas entre outros
profissionais87. Desta maneira, em 1998, antes do conflito, com uma população em
torno de 800 mil habitantes, a mortalidade infantil tinha caído no Timor Leste para 60
por mil e a mortalidade de menores de cinco anos caiu para 80 por mil. Entretanto, a
taxa de demanda da população pelos serviços de saúde era baixa em relação à extensão
da rede.

4. O referendo pela autodeterminação: as Nações Unidas no Timor Leste e a


instauração do conflito

Em outubro de 1998, a ONU apresentou uma proposta de quadro


constitucional para os governos da Indonésia e de Portugal sobre a questão do território
timorense. Depois de algumas negociações, foram feitas modificações sugeridas por
Jacarta em relação à possibilidade dos timorenses aceitarem ou rejeitarem sua proposta
de autonomia. Essas modificações foram prontamente aceitas por Portugal e isso abriu
espaço para um acordo entre esses dois países com vistas a realização de uma consulta
popular, que foi assinado em 5 de maio de 199988. Esse acordo definiu a data do
referendo para 30 de agosto de 1999 e determinou o estabelecimento de uma missão das
Nações Unidas para conduzir e monitorar o referendo. Outro ponto acordado foi que,
fosse qual fosse o resultado do referendo, a ONU se responsabilizaria por um período
administrativo transitório pela implantação dos trâmites necessários à execução do
mandato escolhido pelos timorenses.
Um dos fatores que favoreceu a rápida organização de uma Missão das
Nações Unidas para o Timor Leste (United Nations Mission in East Timor, UNAMET)
foi o imediato aporte de recursos orçamentários, calculado em 80 milhões de dólares,
proporcionado por contribuições voluntárias de diversos países, principalmente
Portugal, Austrália, Japão, Estados Unidos e União Européia. As operações da
UNAMET mobilizaram, em questão de semanas, cerca de 450 funcionários e 250
policiais internacionais (chamados CIVPOL, como abreviatura de Civilian Police), além
de, aproximadamente, 4000 funcionários locais79.
O trabalho de recenseamento preparativo das eleições estava previsto para
durar 20 dias e foi iniciado em 16 de julho de 1999, a partir de 200 postos espalhados
por todo o país. Segundo Martin80, ao final do primeiro dia de trabalho, mais de cem mil

53
pessoas haviam se inscrito para votar, provando o êxito da operação montada pela
UNAMET. Foram recenseados 446.666 eleitores, sendo 433.576 no território do Timor
Leste e 13 mil no exterior (inclusive Xanana Gusmão, que estava em Jacarta, em prisão
domiciliar)80. O recenseamento no exterior ficou a cargo da Organização Internacional
para as Migrações (OIM), uma agência das Nações Unidas. Foram selecionados,
treinados e deslocados mais de quatro mil funcionários civis timorenses para apoio ao
pleito. Logo na manhã do dia 30 de agosto de 1999, após quarenta e cinco dias de
trabalho, as equipes de Agentes Eleitorais Distritais já estavam nos 200 postos de
votação espalhados pelo Timor Leste, assim como o pessoal da Civpol, para garantir a
segurança dos eleitores80. A contagem dos votos mostraria que 98,6% dos eleitores
recenseados haviam votado e no dia 4 de setembro de 1999 foi feita a declaração oficial
dos resultados do referendo: 78,5% votaram a favor da independência do Timor Leste e
21,5% escolhido o caminho da autonomia80.
O resultado do referendo organizado pelas Nações Unidas evidenciou a
vontade de autodeterminação do povo timorense para ser independente e decidir
politicamente seu próprio futuro. O resultado foi transmitido internacionalmente, mas
foi também o sinal para a eclosão da violência em todo o território do Timor Leste. O
grau de destruição que se seguiria ao resultado do pleito de 30 de agosto de 1999 nunca
havia sido visto em toda a história daquele país. Segundo Martin80, a violência
desencadeada por milícias timorenses que eram pró-autonomia com tutela indonésia,
insatisfeitas com os acontecimentos e contando com apoio de militares das Tropas
Nacionais Indonésias (TNI), tinha como um de seus objetivos intimidar e afugentar a
„presença estrangeira‟ no Timor Leste, atacando instalações da UNAMET em diferentes
pontos do país. Houve, segundo o autor, incêndios massivos de prédios públicos, casas,
igrejas e veículos, assim como um enorme número de agressões físicas e mesmo mortes
dentre a população timorense pró-independência, levando todo o pessoal internacional
da UNAMET, espalhado pelo país, a ser evacuado para Díli, por terra e por ar.
Em 15 de setembro de 1999, após exaustivas negociações com o governo de
Jacarta, o Conselho de Segurança da ONU adotou a resolução 126489, que reconheceu a
situação de violência e ameaça à paz e à segurança no território timorense e autorizou a
constituição e ação urgente de uma força multinacional até a chegada de uma Missão
das Nações Unidas de Manutenção da Paz90. A Austrália assumiu o comando dessa
força internacional (International Force for East Timor – INTERFET), que também
contou com contingente de aproximadamente dez mil soldados de diferentes
nacionalidades.

54
Para O‟Connor (2009)91, a operação comandada pela Austrália tinha mais a
intenção de proteger, em relação à Indonésia, os lucrativos poços de petróleo do Mar do
Timor (assunto esse que, segundo Bello92, já tinha sido motivo de desavenças entre
Portugal e Austrália, em 1989, devido à um tratado assinado entre Austrália e
Indonésia) e de prestar um serviço ao governo do Primeiro Ministro John Howard e à
elite dirigente australiana, que vinha sendo fortemente pressionado pelos partidos
australianos de oposição. Na verdade, antes do referendo, a posição da Austrália pendia
mais para o apoio à autonomia do Timor Leste sob o manto de Jacarta. Segundo
O‟Connor91, durante o ano de 1998, o governo australiano mobilizou uma força de mais
de 3.000 combatentes militares em seus territórios do norte, próximo ao Timor Leste, já
fazendo referência à possibilidade de uma necessidade urgente de intervir com forças de
paz naquele território. A partir de maio de 1999, essas tropas deram apoio direto às
estruturas de apoio logístico das Nações Unidas, instaladas em Darwin, na Austrália,
para as operações levadas à cabo para realização do referendo91. Foi, portanto, essa
mesma força que se mobilizou durante os conflitos instalados no Timor Leste, após o
resultado do referendo.
Uma vez acalmada a situação, retomou-se, então, o contato com as
lideranças timorenses do Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT) para
resolução das necessidades mais prementes, uma vez que toda a máquina administrativa
local estava destruída. Segundo Martin80, algumas semanas após a entrada da
INTERFET no Timor Leste ainda era confusa a situação de mais de 500 mil deslocados
internos, devido à ação das milícias na fronteira. Paralelamente, relata este mesmo
autor, foi organizada uma reunião tripartite entre a ONU, Portugal e a Indonésia, em 28
de setembro de 1999, que acabou garantindo às Nações Unidas as responsabilidades
administrativas do território, já assumidas no Acordo de maio de 1999, uma vez que
ainda faltava serem cumpridas etapas diplomáticas e políticas necessárias à
consolidação da transferência da administração direta do território para instituições
timorenses propriamente ditas. O CNRT, que acompanhou de perto todos os trâmites até
então realizados, reivindicou com firmeza a necessidade da ONU assumir,
temporariamente, as responsabilidades do governo e a provisão de serviços básicos à
população.
Do ponto de vista político-diplomático, procurou-se rapidamente garantir o
resultado do referendo a partir de ações concretas90. Em 20 de outubro de 1999
membros da UNAMET retornaram a Díli para retomar suas funções; e, dois dias depois,
Xanana Gusmão foi solto e regressou a Díli, onde foi recebido com grande euforia

55
popular. Em 25 de outubro de 1999, após uma curta sessão da Assembleia Consultiva
do Povo Indonésio, em Jacarta, foi oficialmente reconhecido, por aquele país, o
resultado do referendo no Timor Leste; e, no mesmo dia, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas criou a Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste
(United Nations Transitional Administration in East Timor, UNTAET) a partir da
Resolução 127293, com o objetivo de administrar o território transitoriamente até este se
tornar auto-suficiente para exercer plenamente sua independência.
Uma das justificativas para a criação da UNTAET foi a “grave situação
humanitária decorrente dos episódios de violência no Timor Leste”93 (p. 2) e seguiu
todo o tramite institucional necessário para garantir sua legitimidade naquele território.
Foi baseada no Relatório da Secretaria Geral da ONU, de 4 de outubro de 199994, que
delegou essa responsabilidade à Secretaria Geral do Departamento de Assuntos
Políticos (Department of Political Affairs – DPA). De certa maneira, a criação da
UNTAET deu continuidade, no Timor Leste, à atuação da UNAMET, mas representou
uma inovação na atuação das Nações Unidas em situações pós-conflito. Foi a primeira
vez que o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas justificou a tarefa, sem precedentes,
de promover a criação de um Estado independente partindo praticamente do zero95. Essa
missão foi explicitada nos objetivos da UNTAET – assumir interinamente a governança
do território e supervisionar a transição rumo à condição de Estado independente.

5. O governo transitório das Nações Unidas no pós-conflito

Quando uma situação de conflito sucumbe à violência e a sociedade ou


Estado perde a capacidade de lidar com os diferentes interesses, inerente àquela
situação, por meios cooperativos ou pacíficos, instaura-se um “contexto de conflito”29
(p. 66) que, quase sempre acaba mobilizando a comunidade internacional. A mediação
internacional desses contextos, na maior parte das vezes, se faz a partir das Nações
Unidas, que procura propor novas abordagens de negociação e pressão na sua resolução,
chegando mesmo a incluir o uso da força militar, nos casos em que a violência contra a
população civil atinge níveis elevados ou leva a grandes deslocamentos. A mediação
internacional pode chegar, em casos excepcionais, ao exercício de um governo
transitório para a reabilitação das sociedades afetadas.
Um período de transitoriedade administrativa pós-conflito costuma se
instaurar, segundo Elbadawi38, em dois momentos. Num primeiro momento, em que
ainda é grande o grau de destruição física e desagregação humana, predominam as
operações de reconstruções conhecidas como „assistência emergencial‟. Noutro

56
momento, quando se consegue uma estabilidade mínima do ponto de vista político e
social, as novas etapas das operações de reconstrução visam uma perspectiva mais
sustentável e nesta fase, geralmente o aporte de financiamento externo incorpora
condutas da chamada „assistência ao desenvolvimento‟.
O que são ações de emergência e ações de desenvolvimento? Cliffe et al.95,
num estudo que fizeram para o Banco Mundial, chamam “ações de emergência, ou
também conhecidas como de crise ou humanitárias” (p.1) àquelas ações geradas por
desastres naturais (terremotos, maremotos, inundações, desabamentos, seca, incêndio,
furacões, vulcões, entre outros) ou humanos (guerra e violência) que provocam
deslocamentos forçados de populações em curto período de tempo. As chamadas “ações
para o desenvolvimento” (p. 1) são aquelas objeto de projetos sociais, econômicos e
culturais que visam melhorar, a médio e longo prazo, a qualidade de vida das pessoas e
populações. Os autores acrescentam que esses dois tipos de ação podem coexistir em
situações “transitórias”, nas quais se incluem os financiamentos para reconstrução.
Para Collier96, o principal motivo para a coexistência destes tipos de ações
em situações chamadas de pós-conflito seria a necessidade de mostrar resultados para a
população atingida, evitando o alto risco de novos conflitos, uma vez que a maioria dos
países nessa situação convive com outras necessidades (baixa renda, pobreza extrema e
alta dependência) além da destruição. Assim, as ações emergenciais também ajudam a
evitar, em curto prazo, o recrudescimento do conflito ou surgimento de novos conflitos
e, uma vez assegurada a paz, as ações de desenvolvimento continuariam tendo um papel
importante durante a primeira década pós-conflito, na prevenção de novos embates96.
A partir do último quartel do século XX, a Organização das Nações Unidas
passou a ter papel diferenciado na resolução de conflitos e em administrações
transitórias pós-conflito. Sua primeira experiência no exercício de uma governança pós-
conflito foi em 1991, quando foi assinado o Acordo de Termo Político Integrado para o
conflito do Camboja. Nessa ocasião, o Conselho de Segurança da ONU estabeleceu uma
Autoridade Transitória das Nações Unidas para o Camboja, que assumiu certas funções
administrativas delegadas pelo Supremo Conselho Nacional cambojano42. Em 1999,
dois outros conflitos exigiram da comunidade internacional a instauração de uma
autoridade das Nações Unidas: os casos do Kosovo e do Timor Leste.
Para Matheson39, a diferença entre esses dois momentos (1991 e 1999), do
ponto de vista da política de relações internacionais, foi que o pedido de intervenção em
1991 foi encaminhado pelos próprios representantes do governo cambojano (sem
discutir critérios de legitimidade), ou seja, por um Estado membro da ONU. Já em 1999,

57
as autoridades transitórias das Nações Unidas para o Kosovo e para o Timor Leste
foram decididas pelo Conselho de Segurança da ONU com o aceite formal não dos
países demandantes, mas dos países invasores, Iugoslávia e Indonésia, uma vez que
aqueles dois territórios não eram ainda constituídos como Estados com governo próprio.
Matheson39 analisa o papel das Nações Unidas como administrador
transitório de situações pós-conflito tomando por base o aspecto legal da
responsabilidade sobre a governança de territórios severamente atingidos. Sua análise
parte de três questões:
1) se a ONU tem mandato legal para agir em tais casos;
2) se a ONU tem adequada autoridade legal para tão complicada função de
governança;
3) se o exercício de governança não representaria uma interferência da
ONU na soberania daquele território (pp. 83-85).

O autor defende a posição das Nações Unidas nos três momentos e conclui
que o mandato legal de uma intervenção da ONU está baseado na Carta das Nações
Unidas, de 1944, e que o Conselho de Segurança tem o direito de julgar a natureza
„severa‟ dos fatos que caracterizam ameaça à paz mundial, autorizando intervenções e
medidas de governança quando necessário, uma vez que uma decisão do Conselho de
Segurança requer a aceitação de todos os Estados membros. Para ele, uma vez que a
ONU observa a soberania de todos seus Estados membros, “a aceitação da autoridade
do Conselho de Segurança não é uma prerrogativa da soberania daquele país, mas um
exercício dessa soberania”39 (p. 84).
Porém, há autores que questionam esse papel das Nações Unidas. Kirgis40,
por exemplo, analisou o alto custo deste tipo de operação e a legitimidade do Conselho
de Segurança da ONU para aprovar intervenções em situações de conflito. Korhonen 4
amplia o debate dessa crítica ao papel da ONU, questionando os aspectos legais de uma
governança internacional pós-conflito e o paradoxo que se instala em situações como
essa em relação, por um lado, à defesa mais ampla do direito de soberania das nações
frente à ONU e, por outro, à soberania específica do Estado hóspede sob governança
internacional transitória. Para ele, esse paradoxo pode dar margem ao que ele chama de
“processo de seletividade” (p. 496), ou seja, a inclusão de parâmetros ideológicos (ou
outros) no julgamento e na escolha, por parte da comunidade internacional, do país
objeto da intervenção.

58
Não está nos objetivos desta investigação aprofundar nessa discussão sobre
a legitimidade do papel das Nações Unidas perante a comunidade internacional em
situações de governança transitória. Mas, julga-se necessário, conhecer as diferentes
opiniões sobre o tema, para que sirvam de subsídios à discussão desta pesquisa durante
a análise da construção de espaços de autoridade em circunstâncias de transitoriedade.
Administrar um governo transitório em situação pós-conflito, com grande
número de atores, é um enorme desafio assumido pela Organização das Nações Unidas.
Entretanto, a presença da ONU se coloca também como uma necessidade crucial para o
país em questão, tendo em vista o grau de destruição física e de desestruturação
político-social do seu território, geralmente agravado por baixos níveis de
desenvolvimento96.
Implantar ou coordenar ações emergenciais requer vários recursos e rápida
capacidade de resposta, o que, muitas vezes, não é possível nas estruturas nacionais
desmanteladas pelo conflito. Por outro lado, passado o período inicial das situações pós-
conflito, a aplicação de recursos em ações de desenvolvimento também exige estrutura
administrativa básica. Nestas situações, não é raro existir, por parte das organizações e
agências internacionais, forte apelo moral por instituições políticas democráticas e
inclusivas, o que é outro desafio, pois se sabe como é complicado atingir tais patamares,
em curto ou médio prazo, nas difíceis condições em que se encontram esses países.
Além do mais, durante esses períodos pós-conflito, muitas ONGs se instalam no país,
ampliando ainda mais o escopo do papel administrativo e de coordenação das Nações
Unidas.

5.1. A dupla missão das Nações Unidas

A passagem de uma situação conflituosa para uma paz sustentada do ponto


de vista político, administrativo, econômico e militar é chamada pelas Nações Unidas de
„construção da paz‟ (peace-building) e inclui, muitas vezes, tarefas de reforma e de
reforço ou reconstrução das instituições nacionais. Nesta pesquisa, em concordância
com Chesterman97, usamos o termo „construção do Estado‟ (state-building) para
expressar o intenso envolvimento da comunidade internacional, a partir da Organização
das Nações Unidas, em situações pós-conflito quando, além das operações de
manutenção da paz, se incluem atividades que visam apoiar o desenvolvimento de
instituições de governo, assumindo para isso, temporariamente, poderes de decisão
política. Operações de construção do Estado compreendem tarefas complexas de

59
coordenação de diferentes atores e disputas políticas, nacionais e internacionais, tanto
internas às instituições quanto entre elas.
Leininger98 observou que a maioria das situações de conflito dizem respeito
a disputas inter-grupos num mesmo território, a crises de representatividade, à luta pelo
controle da riqueza ou dos recursos nacionais e leva, em grande parte dos casos, a uma
desestabilização das instituições do Estado e à sua desorganização. As experiências das
Nações Unidas no Camboja e no Kosovo mostraram que as operações de manutenção
da paz, embora tenham um componente militar importante, devem incorporar outros
elementos, tornando-se uma “missão integrada”98 (p.470) às questões civis. Nesse
sentido, tanto no Kosovo quanto no Timor Leste as Nações Unidas, frente à uma
situação em que não havia um governo autônomo anterior, nem praticamente
instituições de Estado e onde a classe administrativa e a sociedade civil estavam
desmanteladas, tiveram, segundo Beauvais99, para poder levar a cabo as tarefas de
construção do Estado, assumir, temporariamente, a centralização dos três poderes e a
autoridade política, de forma a minimizar os riscos de fracasso e maximizar os ganhos
da missão.
No caso do Timor Leste, embora a Resolução 127293 desse à UNTAET
poder para exercer autoridade política de governança, também definiu a necessidade de
consultar e trabalhar em conjunto com o povo timorense para constituir seu mandato de
maneira efetiva, “visando o desenvolvimento de instituições democráticas locais” (p. 3).
Desde o início, como observou Beauvais99, se colocou para a UNTAET uma dualidade
fundamental: em curto prazo, exercer um mandato centralizado e, em médio prazo,
preparar os timorenses para o exercício pleno de um governo democrático.
Segundo Downie100, a natureza abrangente da UNTAET foi uma
experiência única e difícil de ser repetida. Para Chopra101, a UNTAET substituiu todas
as autoridades pré-existentes no território e se tornou, em todos os aspectos, o governo
formal do país. O interesse no sucesso do mandato da UNTAET, segundo Beauvais99
fez com que as Nações Unidas pusessem em prática no Timor Leste experimentos sem
precedentes na história daquela organização, montando uma verdadeira “engenharia
política” (p. 1104), não somente para administrar uma situação pós-conflito, mas para
criar um Estado independente. Para este autor, o curto mandato oficial da UNTAET –
dezesseis meses – era um problema, pois “embora conceitualmente compatíveis, na
prática, esses dois mandatos [governar e preparar um novo governo nacional] estavam
em profunda tensão, particularmente com respeito ao controle sobre os processos
decisórios e as alocações de recursos” (p. 1108).

60
Para Downie100, a UNTAET teve que, primeiramente, estabelecer uma
estrutura de sistema administrativo que estivesse presente em todo o território
timorense. Segundo um relatório da Secretaria Geral do Conselho de Segurança da
ONU94, durante o vácuo de poder que se criou entre a criação da UNTAET e a chegada
de Sérgio Vieira de Mello, líderes políticos timorenses procuraram retomar contato com
lideranças locais para procurar reorganizar, em algumas localidades, umas poucas
tarefas de governo. A própria ONU via nessa movimentação riscos de novos
desacordos94. Portanto, o primeiro Regulamento, baixado pela UNTAET em 27 de
novembro de 1999102, promulgou seus poderes para todo o território nacional e
centralizou não só a autoridade para a promulgação de novos regulamentos, mas
também para todas as diretivas administrativas referentes à aplicação desses
regulamentos. Mesmo assim, mantiveram em vigência as leis anteriores ao seu mandato,
respeitou a divisão administrativa do território em treze distritos e reconheceu, até
segunda ordem, as pessoas que exerciam funções ou cargos públicos no país.
Entretanto, segundo Chopra101, “um dos experimentos chaves da UNTAET
foi a descentralização do poder político no formato de uma „administração distrital‟”
(p. 985). Isso significou tanto o reconhecimento da organização social timorense quanto
uma estratégia para sair da esfera administrativa da própria organização, centralizada na
capital, e passar a ter presença direta em todo o território procurando integrar, em nível
local, instâncias que abarcassem suas múltiplas funções101. Foram, portanto, designados
administradores distritais internacionais que coordenavam todo o pessoal das Nações
Unidas nos distritos, menos o pessoal militar sob comando das Forças de Paz em Díli.
Essa estratégia era diferente das estruturas hierarquizadas e centralizadas
das demais Missões de Paz das Nações Unidas, mas se baseavam no mesmo principio
de uma autoridade política transitória coexistindo com governos locais101. Um território
nacional não pode ser governado propriamente sem levar em conta a existência de
outras esferas de poder nas unidades territoriais menores. Portanto, com essa medida
descentralizadora a UNTAET procurou responder ao seu duplo mandato, por um lado
centralizando os três poderes e, por outro, expandindo a administração internacional
para todos os distritos e se aproximando das lideranças locais timorenses, procurando
criar espaços de responsabilidades e funções de governança em todo território nacional.
Para a UNTAET, o colapso do serviço civil, a fuga de servidores indonésios
e a destruição de prédios públicos, associados ao curto prazo do seu mandato,
implicaram na opção pela reinstalação daqueles serviços apoiada fortemente por
funcionários internacionais, embora com altos custos para a administração transitória.

61
Uma construção política das instituições do novo Estado com participação efetiva
timorense requeria um forte componente de capacitação. Ou seja, mais uma dupla tarefa
para a UNTAET. Para Beauvais99 e Chopra101, essa dupla tarefa refletia uma dupla
faceta das Nações Unidas, o paradoxo entre o discurso da instituição e a prática dos seus
técnicos. A ótica que privilegiava o conhecimento técnico administrativo, representada
pelos funcionários internacionais, tendia a ser mais individualista e centralizadora e
refletia uma “prática” comum dentro das Nações Unidas, enquanto a outra, embutida
nas atividades de caráter político da UNTAET e na sua relação com os timorenses, mais
participativa e democratizadora, procurava refletir o “discurso” da Organização das
Nações Unidas.

5.2. A função de coordenação política da UNTAET

Dentre as tarefas governamentais da UNTAET se incluía a coordenação dos


diferentes atores que atuavam na ajuda humanitária no Timor Leste. De um lado,
estavam diferentes ONGs, missões religiosas e doadores bilaterais, que estavam no país
antes e durante o conflito e, de outro, as diversas organizações e programas da própria
ONU. Para isso foram criados cinco Gabinetes que constituíram a estruturação interna
da UNTAET: 1) segurança (policial e militar); 2) justiça (direitos humanos); 3) ações
humanitárias; 4) governança e administração pública; e 5) mercado e economia101. A
divisão desses Gabinetes seguia de perto o modelo de organização do próprio
Secretariado Geral das Nações Unidas, ou seja, a segurança tinha relação com o
Departamento de Operações de Manutenção da Paz; a justiça com o Comissariado dos
Direitos Humanos; as ações humanitárias com o Comissariado para Assuntos
Humanitários; a governança e administração pública com o Departamento de Assuntos
Políticos e com as agências setoriais da ONU; e os setores de mercado e economia com
as instituições financeiras da ONU, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional.
Desde as negociações com a Indonésia e Portugal sobre a realização do
referendo pela independência do Timor Leste, representantes do Departamento de
Assuntos Políticos das Nações Unidas e do Banco Mundial vinham procurando atuar em
conjunto. A esse departamento coube a condução político-diplomática dos encontros e
ao Banco coube conduzir e coordenar os apelos para doações aos fundos consolidados.
Logo que a situação pós-conflito permitiu as duas organizações atuaram novamente em
consonância e na mesma semana em que foi criada a UNTAET chegava a Díli uma

62
Missão Conjunta de Avaliação e Reconstrução para o Timor Leste, coordenada pelo
Banco Mundial.
Embora procurando atuar conjuntamente, a realidade e urgência dos fatos
mostraram a necessidade dessas duas organizações firmarem um acordo mais claro em
relação às suas diferentes responsabilidades no Timor Leste. Ficou, então, acertado que
a UNTAET responderia como governo temporário do Timor Leste, se
responsabilizando por sua coordenação administrativa, e que os projetos técnicos de
reconstrução seriam encaminhados para o Banco e referidos, segundo Cliffe103, a oito
diferentes setores: 1) reforço comunitário; 2) gestão macroeconômica; 3) serviços civis;
4) judiciário; 5) agricultura; 6) educação; 7) saúde; e 8) infraestrutura.
Tanto a UNTAET quanto o Banco Mundial adotaram, desde o inicio,
mecanismos de gestão coordenada de recursos, amparada numa abordagem setorial
ampliada que, por um período determinado, adotou projetos ou programas pactuados em
termos de metas e custos. Geralmente, a liderança desse processo fica a cargo de
membros do governo local, assim como a responsabilidade pelo fluxo de despesas, a
partir das contas governamentais. No caso do Timor Leste, em que não existia um
governo local instalado, a UNTAET assumiu as responsabilidades de coordenação
política (assinatura do protocolo de empréstimo, em nome do governo provisório) e
administrativa (gestão financeira e relatórios de despesa), enquanto técnicos e
instituições nacionais, de cada setor, que participaram da elaboração dos projetos com
apoio de técnicos estrangeiros, se responsabilizavam por sua execução.

5.3. A questão da participação

A UNTAET encontrou, em outubro de 1999, um território arrasado, sem


estruturas administrativas e sem profissionais qualificados. Para levar adiante seus
objetivos mandatórios e frente à situação de penúria da infraestrutura administrativa, a
UNTAET contratou, durante sua gestão, em torno de 10.000 servidores militares
(incluindo policiais) e 2.000 servidores civis internacionais. E, assumiu a coordenação
desse processo administrativo e político adotando princípios de uma boa governança: a
regra da lei, padrões de efetividade, transparência e sustentabilidade da administração
pública, assim como princípios democráticos. Estes princípios, segundo Beauvais99,
deveriam reger a atuação das Nações Unidas e serem internalizados pelas futuras
instituições e grupos políticos timorenses.
Na esfera política, foram definidas algumas metas mínimas para que o
Timor Leste alcançasse plena autonomia: a) realizar eleições democráticas para uma

63
assembleia constituinte; b) aprovar uma constituição; c) criar uma administração
financeira sustentável; e d) ter um sistema jurídico crível que respeitasse os direitos
humanos fundamentais. Embora os preceitos da UNTAET eram de “consultar e
cooperar, de forma estreita, com [os representantes] do povo timorense”93 (p. 3), o
grande desafio que se colocava era como propiciar a participação dos timorenses no
governo e dividir com eles a autoridade e o poder. Segundo Downie100, o próprio Sérgio
Vieira de Mello teria dito que as Nações Unidas havia dado a ele um mandato que vinha
escrito em duas páginas, mas “sem um manual de instrução” (p. 32).
Em 1998, antes do referendo e do período de conflito, havia no Timor Leste
cerca de 240 ONGs (nacionais e internacionais), tendo sido criado nesse mesmo ano o
Fórum de ONGs que procurava coordenar as atividades dessas diferentes organizações.
Entretanto, no período pós-conflito, com atuação da UNTAET e do Conselho Nacional,
o número de ONGs diminuiu para cerca de 80, mas permaneceu o Fórum de ONGs
como sua entidade coordenadora. Em relação às organizações da sociedade civil (OSC)
pode-se dizer que, antes de 1999, haviam poucos grupos organizados no país,
prevalecendo as organizações religiosas, com destaque para as organizações católicas
(que possuíam duas dioceses, uma rádio e um jornal) e, em menor dimensão, as
protestantes (Assembléia das Igrejas Protestantes) e a islâmica. Após 1999, foram
criados novos grupos representativos da sociedade civil, apoiados por organizações
internacionais, sendo a organização de mulheres e a organização de jovens os grupos
mais organizados, com apoio do PNUD, UNFPA e UNICEF. Segundo relatório do
PNUD104, essas organizações civis são ainda débeis em termos de desenvolvimento
institucional, sendo que poucos desses grupos, em 2002, eram capazes de atuar como
atores relevantes, embora adotassem o formato e objetivos muito amplos e ambiciosos,
copiados de organizações similares internacionais (p. 10).
O primeiro passo no sentido da participação timorense na administração
transitória, em consulta com lideranças políticas locais, foi a instalação, em 2 de
dezembro de 1999, de um Conselho Consultivo Nacional (CCN), através do
Regulamento 1999/2 da UNTAET105. O CCN era formado por quinze membros, onze
timorenses e quatro internacionais, entre eles o Administrador Transitório, Sérgio Vieira
de Mello. Entre os representantes timorenses, sete eram do CNRT (representando cada
um dos seus sete partidos constituintes), três eram de outros partidos (pró-Indonésia) e
um era representante da Igreja Católica. Em pouco tempo o CCN mostrou que tinha
mais limitações que qualidades, pois não era exatamente representativo das diferentes

64
instituições políticas timorenses e, com sua função política reduzida a consultoria, tinha
pouca participação nas decisões políticas nacionais.
O artigo primeiro do Regulamento No. 1999/2105 dizia que o objetivo do
CCN era “assessorar o Administrador Transitório sobre todas as questões referentes ao
exercício dos seus poderes executivos e legislativos”, embora o mesmo artigo afirmasse
que o CCN não prejudicaria “de nenhuma forma os poderes definidos do Administrador
Transitório no exercício de suas responsabilidades” (p. 1). O mesmo artigo ainda
assegurava que o CCN era:

... o mecanismo principal através do qual os representantes do


povo timorense participariam ativamente – apresentando
opiniões, preocupações, tradições e interesses - no processo de
tomada de decisões durante o período da administração
transitória das Nações unidas no Timor Leste. (p. 1)

Na verdade, o CCN era um corpo assessor sem nenhuma função executiva,


embora possibilitasse que representantes da sociedade timorense participassem do
governo transitório. Ainda assim, essa participação poderia ser ignorada sem aviso
prévio, pois não impedia as decisões autônomas da autoridade governante. Além do
mais, segundo Chopra101, à medida que o Regulamento determinava que as
recomendações do CCN fossem consensuais, havia um favorecimento dos partidos
membros do CNRT, que tinham maior presença na composição do Conselho.
Brinkerhoff & Brinkerhoff106 dizem, referindo-se aos governos transitórios
pós-conflito, que “é a dimensão política do modelo de governança adotado” (p. 514)
que determina os resultados positivos ou negativos em relação à futura estrutura
administrativa nacional. Para esses autores, esta dimensão política inclui, além da
resolução do conflito e da reconciliação sócio-política, os formatos relativos aos
mecanismos de decisão. Desta dimensão depende o fortalecimento da sociedade civil e
das associações políticas, assim como a ligação entre elas, funcionando como um ponto
de partida para reconstruir e recriar instituições que sejam legítimas.
Segundo Beauvais99, embora o CNRT fosse o representante dos interesses
timorenses junto às Nações Unidas e outras agências internacionais, sua unidade interna
dependia de uma coalizão relativamente recente entre forças políticas que tinham sido
divergentes antes da invasão indonésia e até mesmo durante o período de resistência.
Como já discutido anteriormente, o CNRT foi uma importante estratégia da elite
política timorense para demonstrar unidade de interesses junto à comunidade
internacional. E, talvez, tenha sido a presença marcante de Xanana Gusmão, como seu

65
presidente, um dos fatores que levaram a UNTAET a ver no CNRT uma contraparte
política “lógica ou inevitável”99 (p. 1123). Esta opinião foi partilhada por Gorjão107 e
pode ser referida ao relatório da Secretaria Geral da ONU de 13 de dezembro de 1999108
que diz ter sido a criação do CCN “um trabalho conjunto da UNTAET com Xanana
Gusmão, Presidente do CNRT, e outros líderes timorenses” (p. 7).
Entretanto, passadas algumas semanas depois da criação do CCN, com o
retorno gradual ao país de figuras importantes de outras agremiações políticas
timorenses, fortemente politizadas, diferentes interesses começaram a se manifestar e a
opção da UNTAET por um Conselho Consultivo Nacional começou a ser questionada.
Para Seixas73, com o CCN, onde os timorenses tinham somente função consultiva, ficou
evidente para a consciência da população que havia “um poder estrangeiro temporário
diante de uma autoridade timorense frágil” (p. 72), sem representatividade nem poder
político. Esse sentimento gerou protestos de outras agremiações políticas e grupos da
sociedade civil e criaram dissensões no seio da autoridade timorense em construção.
Nos meses de abril e maio de 2000, a UNTAET passou por momentos de
crise ao apresentar ao CCN uma proposta de vincular a participação timorense na
administração transitória, principalmente para a ocupação de altos cargos de gestão, a
partir de um modelo calcado somente em critérios técnicos109. Em poucos meses, dois
fatores forçaram a UNTAET a extinguir o CCN. O primeiro foi a forte oposição
exigindo maior representatividade e transparência do CCN e, o segundo, foi a
constatação, pela própria UNTAET, de que seria difícil tomar sozinha a
responsabilidade pelo desenho e execução das políticas nacionais. Naquele momento,
pouco se tinha realizado em termos de reconstrução no país devido a dois fatores
importantes: a) enormes desafios logísticos, tanto em relação à ocupação de edificações
para as unidades administrativas quanto ao suprimento de materiais de trabalho; b)
atraso no recrutamento de funcionários civis, nacionais e internacionais. Essa crise re-
programou a orientação estratégica no exercício da autoridade política e nos
mecanismos de participação nacional na governança do Timor Leste110 e levou a
UNTAET a demonstrar sua intenção de avançar para um “modelo de co-governo”99 (p.
1127).
Para Hohe111, nos primeiros tempos do seu mandato, a UNTAET não quis
reconhecer o CNRT como seu parceiro nacional oficial, embora o considerasse seu
maior interlocutor e consultor. Entretanto, segundo a autora, o CNRT estava presente
em todos os níveis administrativos nacionais (distritos, subdistritos e aldeias) e, ainda
que a UNTAET tivesse o mandato da comunidade internacional como autoridade

66
central do país, a população local via o CNRT como o poder nacional legítimo.
Portanto, para Hohe111, naquele momento, respaldado por uma fraca representação
timorense (CCN), o modelo de descentralização adotado pela UNTAET, baseado no
suprimento de serviços, teve muitos problemas para, durante sua implementação, lidar
com as lideranças locais e, portanto, com a participação política local. Assim, embora o
CNRT estivesse enfraquecido centralmente, em diversos distritos e subdistritos, pessoas
indicadas pela UNTAET para a administração dos serviços tinham menos poder que
lideres locais filiados e indicados pelo CNRT. Essa situação, que perdurou por todo o
período da administração transitória, colaborou para a existência de estruturas de
governança muito confusas nos distritos111.
Em 14 de julho de 2000, foram criadas duas novas instâncias governativas:
1) um Gabinete Transitório de Governo no Timor Leste; e 2) um Conselho Nacional
(CN), substituindo o CCN. Essa reforma deu origem a um primeiro governo co-
participativo transitório para o Timor Leste, que converteu o antigo Gabinete de
Governo e Administração Pública (GAP) da UNTAET numa Administração Transitória
do Timor Leste (East Timor Transitional Administration – ETTA)112 que passaria a
partilhar com a UNTAET das tarefas do poder executivo, entre as quais incluía a
responsabilidade pela formulação de políticas e programas setoriais de governo. Os
membros da ETTA, também chamada de Gabinete, eram escolhidos pelo Administrador
da UNTAET após consulta com representantes de diferentes grupos políticos e sociais
timorenses e esse Gabinete funcionou como um conselho de ministros, com oito pastas:
1) administração interna; 2) infraestrutura; 3) assuntos econômicos; 4) assuntos sociais;
5) assuntos políticos; 6) polícia e serviços de emergência;
7) justiça; e 8) finanças. Dentre essas, quatro pastas foram ocupadas por timorenses
(infraestrutura, economia, assuntos sociais e administração interna) e outras quatro
ocupadas por internacionais (polícia e serviços de emergência, justiça, finanças e
assuntos políticos).
Se o GAP havia sido criado no inicio da transição para satisfazer a
necessidade urgente da UNTAET em ter uma máquina administrativa diretamente
ligada ao Administrador Transitório – onde todos os seus membros eram técnicos
estrangeiros, a criação da ETTA mudou radicalmente essa condição. A amplitude da
autoridade administrativa da ETTA abarcava tanto o governo central como o governo
dos 13 distritos, formando assim um protótipo de governo nacional. Foi sob a
administração da ETTA que se criou a Comissão da Função Pública, conhecida como
CISPE, que era a sigla desse órgão em inglês (Civil Service and Public Employment),

67
que deu início ao trabalho de recrutamento de timorenses e a incorporá-los nos
diferentes níveis da administração pública para que, pouco a pouco, fossem substituindo
os estrangeiros que ainda ocupavam postos chave nessas instituições.
Já o Conselho Nacional113 funcionou como uma espécie de parlamento. Era
constituído de 33 membros que incluíam: sete representantes do CNRT, três
representantes de outros partidos políticos que não eram parte do CNRT, um
representante de cada um dos 13 distritos e um representante de cada uma das seguintes
organizações sociais: igreja católica, organizações cristãs protestantes, comunidade
islâmica, organização das mulheres e de jovens (estudantes), fórum das ONGs,
associação de profissionais, comunidade rural, empresários e trabalhadores. O CN tinha
poderes para indicar e modificar o conteúdo dos Regulamentos emitidos pela UNTAET,
assim como convocar a presença de um dos membros do ETTA para prestar
esclarecimentos necessários para a aprovação de regulamentos técnicos. Porém, o
Representante Transitório manteve o poder de, com “base em evidências
substantivas”113 (p. 5), vetar decisões e substituir tanto os membros da ETTA quanto do
próprio Conselho Nacional.
Para demonstrar apoio às medidas tomadas pela UNTAET, o conjunto das
diferentes agências setoriais, fundos e programas das Nações Unidas que compunham a
UNTAET se reuniram, em dezembro de 2000, para reafirmar sua presença em território
timorense. Foi criado um Grupo de Avaliação Compartilhado (Common Country
Assessment – CCA) para articular as atividades das diferentes agências no país, de
forma a responder de forma mais coerente tanto às demandas do Conselho de Segurança
e de seus escritórios centrais, como do primeiro governo co-participativo transitório
para o Timor Leste.
Alguns autores têm analisado a importância de processos participativos em
administrações internacionais. Para Korhonen4 e Collier96, o envolvimento da população
local nos processos de construção de Estados nacionais, não apenas nos trâmites
administrativos, mas também na construção das instituições e das políticas nacionais, é,
talvez, o maior propósito e justificativa de uma interferência internacional. Para esses
autores, o risco de se criar um vácuo administrativo e de se retornar aos níveis de
conflito anteriores pode ser grande se não há, desde o início, o envolvimento de
profissionais e autoridades locais na construção das instituições nacionais.
Para Beauvais99, a criação da ETTA significou uma mudança radical na
questão da participação durante a administração da UNTAET. Primeiro, porque ampliou
consideravelmente os critérios de representatividade ao incluir, além dos partidos

68
políticos, unidades geográficas e diferentes setores da sociedade civil. E, segundo,
porque mudou a natureza do elemento participativo, passando de uma atuação que se
resumia a referendar medidas já tomadas, para outra que discutia e negociava propostas
e decisões, tanto legislativas quanto executivas. A ETTA possibilitou aos timorenses a
participação em estágios mais iniciais dos processos políticos, tais como a definição de
problemas e prioridades, assim como a formulação de opções de solução, ou seja, dois
pontos básicos para a futura formulação de políticas públicas.
A reforma instituída pela UNTAET debelou a crise política em relação à
representatividade do CCN e foi essencial para sedimentar o caminho para a
independência do país. A criação da ETTA e do CN assegurou a autoridade política da
UNTAET em todo o território timorense e elaborou-se, então, um cronograma de
trabalho que apontava para a criação das bases de formação do futuro governo
autônomo: eleições parlamentares para uma Assembleia Constituinte (em agosto de
2001), elaboração e aprovação da Constituição Nacional (março de 2002), eleições
presidenciais (abril de 2002) e transferência de poder da UNTAET para o novo governo
independente (maio de 2002).
As eleições nacionais para eleger os membros da Assembleia Constituinte,
em agosto de 2001, redefiniram o jogo de forças políticas no cenário timorense. O
CNRT, que era uma coalizão, se desfez para que cada partido pudesse concorrer às
eleições parlamentares, na qual os dois partidos mais eleitos foram a FRETILIN e a
UDT. Os partidos políticos existentes e com situação regular para disputar as eleições
parlamentares eram: APODETI (Associação Popular Democrática de Timor Leste),
BRTT (Barisan Rakyat Timor Timur), CPD-RDTL (Conselho Popular pela Defesa da
República Democrática de Timor Leste), FRETILIN (Frente Revolucionária do Timor
Leste Independente), KOTA (Klibur Oan Timor Asuwain), PDC (Partido Democrata
Cristão), PDM (Partido Democrático Maubere), PNT (Partido Nacionalista Timorense),
PPT (ex-MPTL) (Partido do Povo de Timor), PSD (Partido Social Democrata Timor
Lorosae), PST (Partido Socialista de Timor), TRABALHISTA (Partido Trabalhista),
UDC (União Democrata-Cristã de Timor), e UDT (União Democrática Timorense)114.
O resultado dessas primeiras eleições livres e democráticas permitiu uma
nova composição nas bases políticas nacionais e levou a UNTAET, em setembro de
2001, a reestruturar o governo considerando a vontade popular. Este foi o segundo
governo co-participativo transitório no Timor Leste sob a autoridade da UNTAET e foi
marcado pela criação de um Conselho de Ministros, composto por um Ministro Chefe,
Ministros e Vice-Ministros, assim como Secretários de Estado. No setor saúde, o

69
Ministério foi criado para tomar o lugar da Autoridade Interina de Saúde (AIS). Todos
os membros do Conselho eram escolhidos pelo Administrador Transitório e a ele
deviam prestar contas. Essa composição procurou estruturar um modelo que pudesse se
aproximar mais daquilo que seria um futuro governo nacional e, ao mesmo tempo,
garantiu à UNTAET, até a transmissão oficial da autoridade governativa, espaço para
continuar investindo na formação de capacidades nacionais e manter o controle sobre as
ações e decisões dos diferentes ministros e secretários durante sua gestão.

5.4. O papel do Banco Mundial

A linha de financiamento do Banco Mundial para reconstrução pós-conflito


é parte dos princípios que orientam seu mandato como organismo internacional e está
definido nos seus artigos Estatutos.
Durante a ocupação do Timor Leste, o Banco Mundial ainda financiava
grandes projetos de desenvolvimento para o governo da Indonésia. Um desses
financiamentos, naquela época, foi para o projeto chamado de “transmigração”, que
incentivava a migração de populações entre as mais de mil ilhas que formam o
arquipélago indonésio. Era um projeto que integrava a construção de casas e infra-
estrutura, para albergar trabalhadores migrantes, com programas de educação e saúde.
Este projeto, formulado como proposta de desenvolvimento integrado, na verdade
sustentou o plano de miscigenação e deslocamento da população indonésia patrocinado
pelo governo ditatorial do Presidente Suharto. Segundo Anderson115, o Banco sabia que
o projeto de transmigração, no que concerne ao Timor Leste, tinha dupla finalidade,
pois parte do financiamento era desviada para alimentar milícias militares pró-
Indonésia. Entretanto, o Banco alegava que se via impossibilitado de agir, à medida que
essa questão representava somente uma pequena parte de um montante maior dos
negócios entre a Indonésia e o Banco115.
No final dos anos noventa, a queda do governo Suharto, a criação do CNRT
e o avanço das negociações com as Nações Unidas sobre a realização do referendo pela
independência do Timor Leste, reposicionaram também os financiamentos do Banco
Mundial. Desde o início de 1999, as doações para o fundo de sustentação da missão das
Nações Unidas para o Timor Leste (UNAMET) já eram recolhidas pelo Banco. Em abril
de 1999, o Banco criou um portfólio específico para o Timor Leste e, em cooperação
com a Universidade de Columbia, realizou uma análise sobre a situação econômica e de
pobreza no país103.

70
As experiências anteriores do Banco Mundial em situações de reconstrução
pós-conflito na África, em Gaza e na Bósnia116, orientou suas ações futuras em território
timorense. Logo após a assinatura do Acordo para a realização do referendo, em maio
de 1999, através de contatos com o CNRT, o Banco organizou um treinamento em
Washington, para cinco técnicos timorenses, em planejamento e gestão econômica para
situações de reconstrução. E junto com o Departamento de Assuntos Políticos das
Nações Unidas planejou, para depois do referendo, outro seminário semelhante, que
deveria incluir participantes tanto do grupo pró-independência quanto do grupo pró-
autonomia, entretanto esse treinamento não chegou a se realizar devido aos episódios de
violência desencadeados após o resultado do referendo, favorável à independência.
Em resposta à onda de violência e destruição pós-referendo, o Banco
Mundial e a ONU reapresentaram a “questão do Timor Leste”89 (p. 1) na Reunião Anual
de Doadores do Banco, em Washington, em 29 de setembro de 1999. O Administrador
da UNTAET, Sérgio Vieira de Mello, e Xanana Gusmão, Presidente do CNRT,
estiveram nessa reunião, cujo documento de apoio117 (Background Paper) sublinhou a
fraca capacidade institucional da nova nação timorense, o que implicava a “necessidade
do apoio de funcionários internacionais em curto prazo para a reinstalação dos
serviços públicos, com altos custos associados a uma administração transitória” (p. 5).
Além disso, outras duas recomendações dessa reunião devem ser destacadas. A primeira
foi uma recomendação sobre a necessidade de definir uma abordagem para criar
mecanismos de coordenação desde o inicio do processo de reconstrução, uma vez que a
ação individual de doadores poderia trazer sobrecarga à frágil capacidade administrativa
timorense. A segunda preconizava a criação de mecanismos de participação dos
timorenses no planejamento e implantação dos esforços de reconstrução, como
instrumentos para o sucesso e sustentabilidade do processo.
Essa reunião aprovou “a abertura de um Fundo Fiduciário para financiar
os programas de reconstrução e recuperação emergenciais no Timor Leste”117 (p. 11) e
sugeriu, em regime de urgência, selecionar um grupo de profissionais para levar a cabo
a primeira missão conjunta para identificar as necessidades prioritárias do país, cujo
relatório e recomendações seriam apresentadas numa reunião formal de doadores,
específica para o Timor Leste, a ser realizada em Tóquio, ainda em dezembro de 1999.
Assim, em novembro de 1999, uma Missão Conjunta de Avaliação e
Reconstrução (MiCA), de caráter multisetorial e liderada pelo Banco Mundial, chegou
ao Timor Leste para identificar necessidades primordiais de reabilitação e reconstrução
para o país. Segundo Cliffe103, o caráter “conjunto” dessa Missão foi evidenciado de

71
duas maneiras: 1) o número de membros internacionais era paritário ao de técnicos
timorenses, incluindo o coordenador da missão e seu vice; e 2) foram incluídos
representantes técnicos de cinco países doadores, pertencentes a diferentes agências
internacionais, entre elas diferentes agências da ONU, da Comissão Européia e do
Banco Asiático de Desenvolvimento. Essa composição da missão garantiu que no seu
relatório final as conclusões não necessariamente representassem a visão do Banco
Mundial, ou de outras agências, e se constituíssem em recomendações técnicas para
subsidiar o encaminhamento de soluções para a situação existente no Timor Leste.
Pode-se perceber que aquilo que Beauvais99 chamou do mandato dual das
Nações Unidas (administrar local e apoio a construção do Estado) estava também
contido no Relatório da Missão118. Por um lado o relatório recomendava que fossem
contratados, temporariamente, técnicos internacionais, para suprir a falta de
profissionais nacionais, que cumpririam as funções de atuar administrativamente ou
profissionalmente (no caso dos médicos) nas tarefas de rotina da máquina pública e, ao
mesmo tempo, capacitar em serviço a mão de obra local. Essa recomendação assumia
um caráter mais específico em relação às tarefas financeiras de recepção e gestão dos
fundos de doação. Por outro lado, o relatório também recomendava a instauração de
autoridades nacionais setoriais que pudessem ser embriões de futuros ministérios,
envolvendo atores nacionais em processos decisórios de gestão que os preparassem para
um futuro governo local e os inserisse em tarefas de planejamento, implementação e
supervisão de programas e formulação de políticas.
Desde os anos 1990, o Banco Mundial já desenvolvia trabalhos relacionados
ao tema da reconstrução pós-conflito e vinha investindo em estruturas de pesquisa e
construindo um acervo ou „banco de idéias‟ para tratar com essas situações. Em 1997,
organizou um grupo de estudo que se especializou nesse assunto, criando normas e
procedimentos para melhor encaminhar e agilizar suas operações nessas situações116.
Esses estudos constataram que, nos anos de 1980, quase metade dos países de baixa
renda havia tido algum tipo de conflito e precisou, consequentemente, de financiamento
para reconstrução, significando o movimento de grandes montantes de recursos; e que,
nos anos de 1990, a questão das reconstruções pós-conflito se ampliou para além da
recuperação de infra-estrutura e foi enquadrada na cartela mais ampla de ações do
Banco, cada vez mais vinculando as atividades de reconstrução para manutenção da paz
a projetos de apoio ao desenvolvimento econômico e social desses países.
A promoção dos ajustes estruturais para a recuperação econômica
articulados à condicionalidades voltadas para projetos de reforma dos setores sociais e

72
de reforço da capacidade institucional dos países, passaram a integrar a agenda do
Banco também nessa área116.
Foi já com base nessa nova abordagem que, em 1999, segundo Davis119, o
Banco estabeleceu uma relação de trabalho informal com grupos da elite política
timorense, tendo, inclusive, financiado, como mencionado, o treinamento de timorenses.
Durante os primeiros meses pós-conflito, o Banco fez algumas consultas independentes
a pessoas com as quais já vinha mantendo contatos anteriores e isso desagradou tanto às
autoridades da UNTAET como aos timorenses119. Essa atitude mais independente do
Banco se repetiu ainda durante a Missão Conjunta de Avaliação, deixando os
timorenses, segundo Davis119, com dúvidas em relação à transparência da missão e
inseguros quanto ao que seria, ou não, financiado no país.
Em 17 de dezembro de 1999, na Primeira Reunião de Doadores para o
Timor Leste, realizada em Tóquio, cerca de 200 delegados de 50 países e agências
internacionais se reuniram para afiançar cerca de 250 milhões de dólares em doações
para um fundo consolidado, de três anos, para apoiar a administração transitória do
Timor Leste e “assegurar uma transição tranquila para sua futura independência”120
(p. 1). Além disso, foram também assegurados, durante três anos, cerca de 370 milhões
de dólares para o orçamento periódico e para projetos de reconstrução e
desenvolvimento de diferentes setores. Deste montante, 215 milhões foram alocados em
dois fundos fiduciários: o Fundo Consolidado para o Timor Leste (Consolidated Fund
for East Timor – CFET); e o Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust Fund for East
Timor – TFET). O CFET foi administrado pela UNTAET e contribuiu mais para os
custos de governança, enquanto o TFET foi gerenciado pelo Banco Mundial para
desembolsar pagamentos de reconstrução física e assistência técnica120.
Assim como em relação à UNTAET, também se esperava que o trabalho
coordenador do Banco fosse feito com a participação timorense. Ficou estabelecido:

... a criação de um comitê que priorizaria os diferentes projetos


e asseguraria a participação e o sentimento de posse dos
timorenses. Esse comitê seria composto por representantes
timorenses e da UNTAET e deveria proporcionar uma
passagem tranquila da administração dos projetos para o futuro
governo timorense, que deveria continuar a coordenação dos
doadores e apoiar o processo de reconstrução.120 (p. 2)

Nessa mesma reunião, Xanana Gusmão expressou a vontade timorense de:

73
... ver uma coordenação conjunta, planificada e sistemática, em
todos os programas [fossem eles] de governança ou de
reconstrução, que tivessem lugar no Timor Leste, ..., pois assim,
se uma abordagem consultiva se estabelecesse de baixo para
cima, os programas de desenvolvimento teriam mais chance de
sucesso em longo prazo.120 (p. 2).

O foco das operações do Banco no Timor Leste até meados de 2000 foi
apoiar a UNTAET e conduzir um programa de reconstrução apropriado às necessidades
do país no longo prazo. Foram implantadas estruturas que garantissem a participação
política e administrativa timorense ao mesmo tempo em que se contratavam
profissionais internacionais para apoiar os diferentes aspectos da gestão desse processo.
A economia timorense, arrasada em 1999, só pôde se recuperar com a injeção de dólares
possibilitada pelo governo da UNTAET e pelos projetos setoriais, financiados
diretamente pelo Banco Mundial. O consumo proporcionado por essa „nova força de
trabalho‟ permitiu grande crescimento do setor de comércio e de serviços no país121.
Mesmo assim, Davis119 chegou a fazer algumas críticas ao processo participativo
adotado pelo Banco sugerindo “que houve poucas discussões entre o Banco e o
CNRT”119 (p. 198) e praticamente nenhuma consulta às ONGs e outras entidades civis
nacionais. Isso foi modificado mais tarde, durante o primeiro governo co-participativo
transitório para o Timor Leste com a ETTA e o Conselho Nacional. O resultado positivo
dessas medidas políticas levou o então Vice-Presidente do Banco Mundial para a
Região da Ásia do Leste e do Pacífico, Jemal-ul-din Kassum, durante a Reunião de
Doadores em Portugal, em julho de 2000, a afirmar que era preciso “focar a atenção na
qualidade do processo de desenvolvimento numa nova fase de implantação dos planos
de reconstrução”122 (p. 1).
Entretanto, o que o Banco Mundial chamava de processo de
desenvolvimento significava uma série de intervenções sequenciais que previam, num
primeiro momento, a implantação de programas de reabilitação setorial, incremento da
capacidade institucional e desenvolvimento de políticas. Já preocupado com a
sustentação futura das atividades no Timor Leste, o Banco assumia que somente um
crescimento sustentável e equitativo ajudaria a reduzir as altas taxas de pobreza no país
e apostava numa estratégia de desenvolvimento que pregava o equilíbrio entre a veloz
provisão das necessidades básicas, a recuperação sustentável do setor privado e a
criação de fortes estruturas de governança123. Essa posição foi explicitada nas palavras
do Vice-Presidente do Banco para a Ásia do Leste e Pacífico durante a reunião de
doadores de junho de 2001, em Camberra;

74
... agora, que um progresso visível foi atingido na reconstrução
do Timor Leste, é hora de mudar para uma estratégia de
desenvolvimento de longo prazo, construindo as fundações para
um crescimento sustentável e a redução da pobreza,
assegurando uma boa gestão financeira do país no futuro.124 (p.
1)

Essa atitude determinada do Banco Mundial e o modelo adotado para a


coordenação dos projetos de reconstrução e reabilitação financiados pelo Banco, a partir
das Missões Conjuntas de Avaliação e das Reuniões de Doadores, deixaram, muitas
vezes, transparecer para os timorenses, segundo Davis119, de que era o Banco que
conduzia o carro que os iria levar à independência.

75
CAPÍTULO 3

RESULTADOS
A REABILITAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE NO TIMOR LESTE:
RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E POLÍTICA DE SAÚDE

A reconstrução do Timor Leste, desencadeada na esteira dos acontecimentos


violentos pós-referendo, foi um processo totalmente dependente dos recursos
disponibilizados pela comunidade internacional. O processo de decisão para essa ajuda
teve uma arquitetura particular, que articulou diferentes atores, em nível nacional e
internacional − países doadores, organizações internacionais e lideranças políticas
timorenses, entre outros. A sequência de eventos cronológicos que marcaram esse
processo, no período 1999-2002, estão relacionados no Anexo 2.
A análise documental efetuada, e apresentada a seguir, pretende elucidar:
1) Porque e como surgiu a ideia de formulação do primeiro documento
propositivo da política de saúde do Timor Leste e quais os principais
atores que participaram no processo.
2) Quais foram as instâncias de negociação e de produção desse documento.
3) Quais foram as formas de consulta, monitoramento e participação
utilizadas nessa formulação e como nelas se envolveram os diferentes
atores.
4) Quais foram os elementos mais relevantes sugeridos pelos diferentes
atores durante o processo e que foram incorporados no documento.

1. A arquitetura da ajuda para a reconstrução do Timor Leste

Ao pedido da liderança do CNRT, o Banco Mundial programou, em 29 de


setembro de 1999, em Washington, durante a Reunião Anual do Banco e do Fundo
Monetário Internacional (FMI), um encontro especial da liderança timorense,
representada por Xanana Gusmão e José Ramos Horta, com os “amigos do Timor
Leste”125 (p. 3). Essa reunião, contou com a presença de “quase todos os doadores e
países parceiros”125 (p. 3), assim como das Nações Unidas, representada por de Sergio
Vieira de Mello, Administrador da UNTAET. O objetivo desse encontro foi sensibilizar
os possíveis doadores para o financiamento da reconstrução do país.

76
Para essa reunião, o Banco preparou um documento base117 que apontou
alguns elementos que considerava essenciais para um plano de financiamento da
reconstrução do Timor Leste (pp. 7-10):
1) Estabelecimento de instituições e políticas efetivas que incluíssem o
reforço da estrutura jurídico-administrativas do serviço público, criação
de instituições responsáveis pela gestão fiscal e instalação de instituições
democráticas;
2) Recuperação da infra-estrutura;
3) Restauração da prestação de serviços públicos, com prioridade para a
educação e saúde, a partir de mecanismos de coordenação, reabilitação
física e re-equipamento das unidades de prestação de serviço, assim
como reabastecimento de insumos e medicamentos;
4) Reconstrução e reintegração comunitária, com mecanismos de
empoderamento a partir de financiamento de projetos para o nível local;
5) Recuperação da atividade econômica, com ênfase na agricultura,
atividades bancárias e incentivo à empresas privadas, com atenção para
as possíveis distorções que poderiam ocorrer a partir de uma maciça
presença internacional no país.

Esse documento base recomendava ainda que “grupos e instituições


timorenses tivessem um papel de liderança no processo de reconstrução”117 (p. 10),
para garantir o sucesso e sustentabilidade do processo, e que houvesse um sistema de
coordenação entre os diferentes doadores. Para isso, apontou a necessidade urgente de
se estabelecer uma Primeira Missão Conjunta de Avaliação (MiCA) (joint assessment
mission), composta por um grupo de especialistas, que identificasse necessidades
prioritárias no Timor Leste e preparasse um relatório, a ser apresentado numa reunião
subsequente, na qual se prepararia o plano de reconstrução do país a ser apresentado aos
doadores.
Na reunião, Xanana Gusmão, presidente do CNRT, fez um discurso126 no
qual ressaltou objetivos fundamentais para o futuro do Timor Leste, a curto e médio
prazo (pp. 2-3): 1) desenvolver, durante a transitoriedade, parcerias com a comunidade
internacional para a reconstrução do país; 2) promover novos processos democráticos;
3) construir um governo transparente e livre de corrupção; e 4) promover um
crescimento econômico que favorecesse os mais pobres. Para alcançar esses objetivos,
Xanana Gusmão afirmou que contava com “uma transição tranquila para a

77
independência, a partir do apoio [das organizações e agências internacionais] no
treinamento e transferência de habilidades”126 (p. 2) e solicitou que os projetos fossem
formulados conjuntamente com timorenses, pois todos estavam prontos para contribuir
na reconstrução do país.
Ao reconhecer a importância da participação timorense no processo de
reconstrução, o documento base da reunião de Washington também demonstrou
preocupação em relação a quem seriam os interlocutores nesse processo. Sublinhando o
amplo apoio dado pela população timorense ao CNRT, no referendo de agosto de 1999,
o documento mencionava que esse interlocutor seria, muito provavelmente, “o mais
importante integrante do futuro governo nacional”117 (p. 4) no Timor Leste.
Os Termos de Referência da Primeira Missão Conjunta de Avaliação
(MiCA)127 para a reconstrução do Timor Leste, realizada em novembro de 1999,
afirmava sua concordância com todos os acordos internacionais referentes à questão do
Timor Leste e, embora fosse uma demanda da Reunião de Doadores do Banco Mundial,
assumia que a MiCA era uma instância „supra-agência‟. Isso ficou demonstrado na sua
composição, que reunia técnicos de diferentes organizações e agências, multilaterais
(Banco Asiático de Desenvolvimento, PNUD, UNHCR, UNICEF, WHO) e bilaterais
(União Européia, Austrália, Japão, Portugal, Reino Unido, USAID). O período de
duração da missão foi de três semanas – duas no terreno, para produzir um rascunho do
relatório, e uma semana no escritório de Washington, para as discussões e considerações
finais. A missão abrangeu oito setores: 1) desenvolvimento comunitário; 2) gestão
macroeconômica; 3) serviço público; 4) judiciário; 5) agricultura; 6) educação;
7) saúde; e 8) infraestrutura.
A primeira MiCA foi constituída por 25 membros internacionais que se
juntaram a outros 25 membros timorenses, todos indicados pelo CNRT, sendo que havia
dois coordenadores – um indicado pelo Banco Mundial, Klaus Rohland, e outro
indicado pelo CNRT, Mario Carrascalão – totalizando 52 participantes da missão103. O
grupo de trabalho para o setor saúde foi composto por quatro pessoas: Diego Buriot, da
OMS, Egbert Sondorp (do DFID, do Reino Unido), Sérgio Lobo e Nelson Martins,
médicos pertencentes ao CNRT (sendo que Nelson Martins é o atual Ministro da Saúde
do Timor Leste)118.
Segundo Cliffe103, que foi membro dessa missão como uma das
representantes do Banco Mundial, a primeira MiCA foi conjunta em dois sentidos:

... em primeiro lugar porque cada membro internacional ficou


par a par com um especialista timorense – ponto crítico para

78
garantir as contribuições nacionais para o conhecimento da
realidade e a definição de prioridades; e, segundo, porque os
membros internacionais da missão representavam uma ampla
amostra tanto dos doadores – bilaterais e multilaterais – quanto
das agências internacionais. (p. 235).

Essa primeira MiCA, assim como todas as demais, tinha a seguinte


metodologia de trabalho no âmbito da saúde: o grupo paritário de profissionais da saúde
realizava visitas no terreno e fazia reuniões com os profissionais das unidades visitadas.
Além disso, realizava, no final de cada missão, uma “oficina de trabalho ampliada” e só
depois preparava seu relatório de avaliação e recomendações. Esses relatórios, que
serviam de base para as reuniões de doadores, seguiam um formato padrão de
elaboração que incluía análise da situação, inclusive de aspectos financeiros,
levantamento de prioridades e recomendações.
Por sua vez, as Reuniões de Doadores (RDs) para o Timor Leste, instância
de discussão e aprovação das recomendações das MiCAs, seguiam o formato padrão de
reuniões internacionais: três dias de sessões, apresentações de relatórios de grupos de
trabalho por setor, plenária de discussões e apresentação de recomendações. Segundo
Silva57, que realizou uma profunda análise dessas reuniões de doadores para o Timor
Leste, elas tinham uma lógica interna que servia como “mecanismo de renovação
cosmológica utilizado pelos parceiros do desenvolvimento e pelos representantes do
governo timorense para a reprodução do sistema de cooperação por eles forjado” (p.
40). Para ela, as Reuniões de Doadores (subsidiadas pelas MiCAs) eram eventos
marcantes e expressivos do modus operandi da assistência internacional durante o
processo de reconstrução do país.
Os timorenses sabiam que a cooperação da comunidade internacional era
fundamental para reconstruir o país. “Estamos conscientes que não podemos erguer
uma [nova] administração timorense da noite para o dia e que precisamos da ajuda da
comunidade internacional para construir nossas capacidades durante o período de
transição”126, disse Xanana Gusmão, em setembro de 1999. Por outro lado, a
comunidade internacional também apostava “no surgimento de um novo Estado e que
[nesse processo] se consolidassem oportunidades de cooperação e amizade”128. Os dois
discursos expressavam entendimento e interesses comuns, essenciais para que
funcionassem os esquemas de coordenação acordados entre as partes, mas, de certa
forma, os compromissos eram sempre renovados a cada reunião.
Em dezembro de 1999, Xanana Gusmão afirmou que:

79
... gostaria de ver uma coordenação conjunta, planificada e
sistemática, em todos os programas humanitários, de
governança e de reconstrução que teriam lugar no país e que
essa abordagem consultiva se estabelecesse desde o nível mais
baixo, para que os programas de desenvolvimento tivessem mais
chance de sucesso no longo prazo120 (p. 1).

Por sua vez, na mesma ocasião, o Vice Presidente do Banco Mundial


sublinhou que:

... o apoio continuado da comunidade internacional dependia do


cumprimento dos acordos assumidos na reunião, que eram
absolutamente necessários para o sucesso e a sustentabilidade
do Timor Leste na transição para sua independência e que
mecanismos transparentes, unificados e diretos seriam
necessários para apoiar os timorenses de forma rápida e
eficaz.128 (p. 2).

Essa abordagem de trabalho, explicitada nas primeiras reuniões de doadores


para o Timor Leste, e reiterada em outros momentos, se mostrava convergente e
demonstrava uma postura conciliatória por parte desses dois atores em relação ao
elemento participativo, que ambos esperavam pautasse seus desempenhos político-
decisórios. Entretanto, além de ser uma ocasião de renovação de compromissos, as RDs
também se constituíam em momentos de instauração e consolidação de certas práticas
características da cultura organizacional (relatórios, planos, projetos e reuniões) das
agências internacionais57.
No curto espaço de duas semanas, o relatório da primeira MiCA foi
apresentado na primeira RD para o Timor Leste, realizada em Tóquio, em dezembro de
1999. Os doadores destacaram que o processo de reconstrução timorense deveria contar
com consistentes instâncias de coordenação e forte apoio da assistência técnica
internacional. Foi explicitada a necessidade de consultores técnicos internacionais
“apoiarem a preparação, apreciação e supervisão dos projetos que fossem aprovados e
monitorados pela UNTAET e os representantes timorenses”120 (p. 1). Essa estratégia foi
justificada pelo Vice Presidente do Banco Mundial e referida como necessidade para
garantir um “apoio continuado para a realização dos compromissos assumidos [pelo
Timor Leste]”128 (p. 2). Para o Banco, esse apoio seria “absolutamente necessário
durante a transição para a independência”120 (p. 2) do país. Entretanto, nessa reunião,
se Xanana Gusmão não se contrapôs àqueles posicionamentos, demonstrou grande
habilidade política ao expressar seu desejo de ver:

80
... uma coordenação conjunta, planificada e sistemática em
todos os programas que tiverem lugar no Timor Leste, assim
como uma abordagem consultiva que se estabeleça desde o
nível mais baixo, para o sucesso dos programas de
desenvolvimento.120 (p. 1)

Nessa reunião de Tóquio foi estabelecido um plano de trabalho para


“continuar com reuniões regulares de discussão e avaliação do progresso do
desenvolvimento do processo de reconstrução, com encontros de seis em seis meses”120
(p. 2). Desta maneira, as MiCAs e RDs, realizadas semestralmente, formaram os dois
pilares de monitoramento e avaliação do desempenho dos projetos de reconstrução para
o Timor Leste. Até o final de 2002, foram realizadas sete missões conjuntas de
avaliação no país e sete reuniões de doadores. Cada uma dessas reuniões foi realizada
num país diferente até que, a partir da independência, em maio de 2002, passou a ser
realizada em Díli, capital do Timor Leste.
Assim, a primeira MiCA e a reunião de Tóquio marcaram o inicio do
processo de reconstrução do Estado no Timor Leste e as MiCAs e RDs seguintes
reforçaram seu papel como espaço de relação entre os atores nacionais e internacionais.
Entretanto, o curto intervalo entre elas era sempre insuficiente para o extenso
cronograma de trabalho que demandavam. E um fator que dificultava, ainda mais, o
cumprimento dos prazos estabelecidos pelas as agendas de trabalho era a falta de
pessoal capacitado disponível para realizar as tarefas previstas. Para minimizar essa
dificuldade, foi contratado um grande contingente de técnicos estrangeiros, provenientes
das mais diferentes regiões do planeta e com distintas experiências profissionais. Este
fato levava também a desencontros linguísticos entre os atores (nacionais e
internacionais) envolvidos na reconstrução timorense e era outro problema a ser
enfrentado para conciliar os tempos e agendas. Desse modo, a forma como as MiCAs
eram organizadas contribuía para que o elemento participativo tivesse relativo sucesso.

1.1. As MICAs e RDs subsequentes

A segunda MiCA realizada em abril/maio de 2000 gerou o documento-base


que subsidiou a segunda reunião de doadores para o Timor Leste, realizada em Lisboa,
em junho de 2000129.
Essa missão diagnosticou alguns problemas:

81
1) Alto desemprego e demora no programa de recrutamento de pessoal para
as instituições públicas timorenses, o que levava à baixa participação
timorense nos trabalhos;
2) Déficit orçamentário devido a atrasos na chegada das remessas
financeiras e nos desembolsos;
3) Ausência de estruturas para planejamento e prestação de serviços;

Ao mesmo tempo, indicou a necessidade da UNTAET afirmar mais


fortemente sua autoridade e responsabilidade governamental; acelerar o processo de
desenvolvimento de capacidades e de recrutamento; e reforçar a estrutura institucional
ampliando, para isso, o apoio da assistência técnica internacional.
Além da constatação desses problemas a missão evidenciou também outro
momento na reconstrução do setor saúde – transição da fase emergencial para a fase de
consolidação − e recomendava que fosse necessário promover: a) uma estratégia de
transição rápida do enfoque emergencial para outro de construção sistemática de
provisão de serviços, com um pacote padronizado de atenção para o nível distrital; e b)
um forte esforço de médio prazo para o desenvolvimento de políticas e legislação
pertinentes para a construção de um sistema de saúde moldado às necessidades do país.
A missão foi bem sucedida no desenvolvimento de um programa integrado envolvendo
o TFET, o fundo da UNTAET (CFET) e iniciativas bilaterais. A proposta era que as
agências internacionais que atuavam na saúde – OMS, UNICEF e UNFPA – poderiam
providenciar os inputs necessários. A descrição do projeto para o setor saúde foi
incorporado ao documento base.
A RD de Lisboa reconheceu que “a comunidade de doadores e os
timorenses haviam trabalhado com incrível rapidez durante os primeiros seis meses de
reconstrução [mas] agora era necessário focar a atenção na qualidade do processo”122
(p. 1).
Nessa oportunidade, a comunidade de doadores aprovou diversos Acordos
de Concessão de financiamentos para projetos, entre eles o da reconstrução do setor
saúde. O processo de elaboração do projeto para o setor saúde foi elogiado como uma
iniciativa bastante participativa.
Em novembro de 2000, o presidente da Associação Internacional para o
Desenvolvimento (International Development Association – IDA), do Banco Mundial,
elaborou um documento que foi endereçado aos diretores executivos da própria IDA123,
onde lembrava a responsabilidade legal da UNTAET frente às dificuldades que vinham

82
sendo observadas no processo de transição no Timor Leste, com base na Resolução
1272/1999 da ONU93. Esse documento propunha cinco objetivos-chave para que o
Banco continuasse apoiando o Timor Leste: 1) focar no básico e no curto prazo;
2).apoiar a preparação da independência; 3) apoiar a construção de um “sentimento de
apropriação” (ownership), pelos timorenses, do processo de desenvolvimento; 4)
fomentar uma efetiva coordenação de doadores promovendo exercícios de planejamento
calcados na abordagem setorial ampliada (SWAP); e 5) agir a partir de intervenções
sequenciais, que melhorassem e reforçassem, paulatinamente, a capacidade
institucional, subsidiando o desenvolvimento de políticas setoriais.
Esse documento, denominado “Estratégias de Apoio Transitório do Banco
Mundial para o Timor Leste”123, foi apresentado com muita ênfase na terceira reunião
de doadores para o Timor Leste, realizada em dezembro de 2000, em Bruxelas, Bélgica,
depois da terceira MiCA130.
Nessa reunião, os timorenses estavam representados pelo vice-presidente do
CNRT, José Ramos Horta, e demonstravam preocupação com a ponderação dos
doadores sobre os atrasos na agenda de trabalho. A preocupação timorense era que o
atraso na implantação dos projetos também atrasasse a realização de sua meta maior – a
independência do país. Confiando que a comunidade internacional respeitaria o desejo
do povo timorense, Ramos Horta afirmou na reunião que “os timorenses tinham como
meta alcançar a independência até o final de 2001 e que vinham ao encontro da
comunidade internacional para obter apoio para essa meta”130 (p. 1).
Entretanto, a demanda timorense foi claramente postergada pela decisão da
comunidade de doadores de aprovar as “Estratégias de Apoio Transitório do Banco
Mundial para o Timor Leste”123, justificando que estavam em consonância com as
“necessidades identificadas pelo [próprio] povo timorense”130 (p. 3) e confirmando a
data da independência para maio de 2002. Nessa ocasião, o diretor residente do Banco
Mundial no Timor Leste, Klaus Rohland, disse que o Banco acreditava que os objetivos
daquela estratégia “formavam uma base clara, lógica e simples para as atividades do
Banco no Timor Leste, em curto e médio prazo, e permitiam continuar reforçando os
processos de parceria e coordenação já iniciados”130 (p. 3).
Em junho de 2001, o relatório da quarta MiCA apresentado na quarta
reunião de doadores para o Timor Leste131 em Canberra, Austrália, ofereceu uma série
de marcos para facilitar o monitoramento do processo de transição da administração
pública no Timor Leste. A reunião expressou, novamente, preocupação com o atraso no
processo de recrutamento de funcionários para os postos dirigentes do setor público, que

83
gerava incertezas em relação à possibilidade de ruptura na frágil capacidade
institucional do país. Outro assunto que predominou na reunião foi o encaminhamento
das eleições para a Assembleia Constituinte, uma vez que 14 novos partidos políticos
surgiram no Timor Leste nesse processo, e o CNRT (constituído inicialmente por 10
partidos) foi dissolvido. Todos eles se registraram e se apresentaram para participar do
processo eleitoral. Para tranquilizar a comunidade internacional de doadores José
Ramos Horta disse na reunião que o processo estava sob controle, lembrando que o país
acatava os princípios democráticos disseminados pelas próprias organizações
internacionais e que os timorenses “estavam no caminho [certo] para as eleições livres
e democráticas, num ambiente de paz e estabilidade”132 (p. 1).
Essa reunião de Canberra acordou também que antes da transmissão oficial
de poderes da UNTAET para um governo timorense livre, legítimo e democrático,
deveriam estar elaborados tanto um Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) quanto
estruturas de políticas para os diferentes setores. Os doadores ressaltaram ainda que o
atraso no recrutamento de pessoal para o serviço público poderia retardar a elaboração
daqueles documentos, mas que a solução desse problema escapava da alçada do Banco
Mundial. Reafirmando que o recrutamento de pessoal era fator prioritário para o
desenvolvimento de uma administração pública eficaz e eficiente no Timor Leste, a
comunidade de doadores cobrou maior empenho da UNTAET e dos timorenses nesse
processo.
Em dezembro de 2001, durante a quinta reunião de doadores para o Timor
Leste, realizada em Oslo, Noruega, o relatório da quinta MiCA133 reconheceu o sucesso
da eleição de deputados para a Assembleia Constituinte e a importância da criação do
primeiro Conselho de Ministros. Entretanto, levando em consideração esse fato, a
reunião cobrou, de forma contundente, que o processo de elaboração do Plano de
Desenvolvimento Nacional (PDN), acordado em Canberra e que estava muito atrasado,
fosse acelerado e que o documento deveria colocar forte ênfase na redução da pobreza e
no controle fiscal. Foi também reafirmada a exigência de que o PDN deveria incluir os
planos setoriais e ficar pronto antes da cerimônia de independência, marcada para maio
de 2002, a ser realizada praticamente daí a quatro meses.
Nessa quinta reunião de doadores os timorenses procuraram, novamente,
tranquilizar a comunidade internacional quanto ao atraso no calendário dos trabalhos
para a elaboração do PDN. Para isso a sua delegação incluía alguns dos novos ministros
e o discurso da Ministra das Finanças, Fernanda Borges, procurou demonstrar não só

84
controle da situação como segurança em relação aos princípios e metas acordados ao
dizer que:

... os componentes-chave de uma estrutura fiscal em médio


prazo para o Timor Leste incluía a manutenção de um processo
orçamentário forte e responsável, judiciosamente concebido em
políticas de custos e gastos, com transparência fiscal e criação
de sistemas de prestação de contas, assim como a criação de
poupança e políticas de investimento, especialmente para
ganhos com o petróleo, propiciando a criação de um ambiente
condutor e gerador da participação do setor privado no
desenvolvimento nacional.134 (p. 2).

Com essa demonstração de empenho, os timorenses reiteravam sua meta de


independência e autodeterminação, programada para maio de 2002.
Os doadores aproveitaram para deixar claro que, após a independência,
sendo o Timor Leste reconhecido como nação pela ONU, deveria seguir alguns
procedimentos burocráticos e submeter sua candidatura como Estado membro tanto do
Banco Mundial como do Fundo Monetário Internacional (FMI) e que, após esse
processo, as duas partes iriam ter que rediscutir novas modalidades de empréstimos.
A sexta reunião de doadores foi realizada em Dili, capital do Timor Leste, a
cinco dias da posse do primeiro Presidente eleito da República Democrática do Timor
Leste, Xanana Gusmão. Foi, portanto, uma reunião de celebração que contou com a
presença de representantes de 25 países, de todas as agências do sistema das Nações
Unidas, de diversas agências bilaterais e ONGs, na qual, segundo o comunicado de
imprensa135, o Presidente Xanana Gusmão reiterou seu compromisso com um futuro
ancorado na “paz, na estabilidade, na democracia, na participação popular e na
definição de programas de desenvolvimento sustentável calcados na redução da
pobreza” (p. 1). Na oportunidade, foi apresentado o Plano de Desenvolvimento
Nacional136 (PDN) e o Timor Leste recebeu a promessa de apoio de mais USD 360
milhões para os próximos três anos, fora os recursos já alocados nos Fundos
Fiduciários. Acordou-se que uma nova missão das Nações Unidas, a UNMISET (United
Nations Mission for East Timor), substituiria a UNTAET após a independência. O
documento base da reunião137 focou nas considerações em torno do PDN, que colocava
ênfase no crescimento econômico e na luta pela redução da pobreza. Propunha também
mecanismos de luta contra a pobreza, com recursos específicos, isto é, alocava 48% do
orçamento total do Estado nos setores de saúde e educação, representando, como disse o

85
Diretor Residente do Banco no Timor Leste, Klaus Rohland, “uma das maiores
alocações de recursos, entre os governos mundiais, para o setor social”135 (p. 2).

1.2. O Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust Fund for East Timor – TFET)

O TFET totalizou, em três anos, a partir de dados fornecidos por Davis119,


178 milhões de dólares, advindos de 11 doadores − inclusive o próprio Banco Mundial
− e financiou 22 projetos (inclusive o da saúde), “atuando como mecanismo
coordenador para tentar reduzir a duplicação de projetos” (p. 196).
Uma das condições dos Acordos de Concessão (cada projeto tinha um
Acordo específico), explicitada no seu artigo primeiro, era a criação de “unidades de
gestão”138 (p. 2), que seriam responsáveis pelo gerenciamento dos projetos e da sua
implementação financeira. Essa especificação também estava incorporada no primeiro
Projeto de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde do Timor Leste (PRDSS I),
que foi objeto de um dos financiamentos do TFET.
Para o funcionamento dessa unidade previa-se a contratação de técnicos
internacionais especializados, que deveriam ser responsáveis por treinar os técnicos
timorenses. Uma das razões principais dessa medida era que todo o processo de gestão
financeira deveria seguir diretrizes e manuais específicos do Banco, desconhecidos, até
então, dos funcionários timorenses. Foi também a partir dessa unidade de gestão que se
contrataram outros técnicos para assuntos específicos, como gestão de serviços e
formulação de políticas de saúde. Esses consultores tiveram um papel fundamental,
tanto na elaboração dos projetos quanto nas atividades de reconstrução e de gestão,
assim como na formulação da política de saúde.
Para Davis119, embora o Banco “declarasse o engajamento produtivo da
liderança timorense nas suas missões de avaliação” (p. 197) as organizações sociais
locais se queixavam da pouca representatividade dessa liderança. Essas queixas podem
ser encontradas, por exemplo, no relatório tutorial139 do Banco de junho de 2001. Por
outro lado, as lideranças políticas timorenses também se queixavam do Banco e,
segundo Davis119, houve uma entrevista em que Xanana Gusmão teria dito a um jornal
australiano, em fins de 1999, que “o Banco forçava uma agenda própria para a
reconstrução [do país] sem levar em conta os desejos do povo timorense” (p. 198).
Essas dissonâncias foram analisadas por alguns autores. Por exemplo,
119
Davis , que trabalhou no Timor Leste com uma ONG australiana, considerava que o
Banco resumia a participação timorense a limitadas consultas feitas à elite política
nacional, via CNRT. Para ele, o Banco achava que o envolvimento de outras

86
organizações sociais atrasaria o processo de reconstrução porque essas não seriam
“política e suficientemente esclarecidas quanto aos procedimentos relativos ao
desenvolvimento internacional e eram pouco legitimadas como voz da comunidade
timorense” (p. 198). Para Anderson115, “muitas propostas timorenses relativas ao uso
do TFET foram rejeitadas por representantes do Banco, algumas vezes, inclusive, com
linguagem depreciativa” (p. 5), principalmente se eram propostas relativas ao
financiamento para iniciativas de criação de alguma empresa pública (como foi o caso
de um projeto do setor agrícola), uma vez que essas propostas iam contra a política de
privatização do Banco (p. 5).
Por outro lado, ainda no decorrer do período de administração transitória, os
Acordos de Concessão do TFET, que inicialmente eram assinados pela UNTAET, como
representante governamental do Timor Leste, passaram, a partir da instauração do
primeiro governo co-participativo das Nações Unidas, em junho de 2000, a serem
assinados pela ETTA-UNTAET, num reconhecimento, pelos parceiros internacionais,
da representação da parceria timorense no governo do Timor Leste.
Essa constatação parte da análise de que o Banco assessorava o desenho dos
projetos, que especificavam não só atividades, localidades e prazos, como recursos
financeiros para sua execução, procurando evitar duplicações tanto na sua alocação
quanto na sua utilização; e, a implantação das unidades de gestão nos projetos garantia
que os trâmites financeiros seguissem as normas do Banco, que determinavam o que
podia ou não ser financiado, assim como os procedimentos de contratação de empresas,
o desembolso e o repasse de pagamentos. Um exemplo disso era que, segundo o anexo
6 do Acordo de Concessão para o PRDSS I138, os fundos não poderiam ser usados para
pagamento de bens e serviços associados com outros empréstimos ou outros países que
não fossem membros do Banco Mundial (como Cuba, por exemplo).

2. A reabilitação do sistema de saúde no Timor Leste

2.1. A idéia de um documento propositivo de política de saúde e os atores


responsáveis pela sua elaboração

O programa político da FRETILIN140, o maior partido político timorense,


elaborado em 1975, marcou o posicionamento do grupo no âmbito do CNRT e
apregoava que o Estado deveria dar “proteção à criança, à velhice e aos inválidos [...]
[que deveria assegurar] assistência médica gratuita para todos os cidadãos [e controlar]
a organização da saúde e da assistência do povo” (p. 10). Em abril de 1999,

87
representantes do CNRT, entre eles Xanana Gusmão, José Ramos Horta e Maria
Alkatiri, outros cidadãos timorenses na diáspora e alguns técnicos internacionais (da
AusAID, Universidade de Columbia, Monash University, Banco Mundial, UNDP entre
outros) se reuniram em Melbourne, na Austrália, numa Conferência que pretendia,
segundo sua declaração final141, discutir e elaborar um “Plano Estratégico para o
Desenvolvimento do Timor Leste”, como forma de preparar uma proposta a ser
apresentada quando da instauração de um governo transitório das Nações Unidas. Nessa
conferência as discussões utilizaram diversos dados, entre eles um estudo diagnóstico
denominado “Condições Socioeconômicas do Timor Leste”87, elaborado por
profissionais da Universidade de Columbia, dos Estados Unidos, e financiado pelo
Banco Mundial. Esse diagnóstico, elaborado durante o ano de 1998, incluía o
levantamento da situação sobre oito áreas – recursos naturais, produção, comércio e
finanças, população, saúde, educação, pobreza e infra-estrutura.
Não foi possível encontrar informação sobre a composição do grupo que
ficou encarregado da discussão sobre saúde nessa conferência. Entretanto, no seu
documento final foram feitas propostas que, embora muito gerais, davam ênfase na
determinação social da saúde, reiterando a inter-relação entre enfermidade, água,
saneamento, alimentação e pobreza144. Dentre suas proposições, segundo Alonso e
Brugha142, incluía-se a visão de que a saúde era um direito da população, que o sistema
de saúde deveria ser gratuito e garantir o acesso universal aos serviços; além disso,
preconizava priorizar atividades que levassem em conta o controle das enfermidades
transmissíveis e a ênfase nas atividades de prevenção.
A visão de um Timor Leste “livre, independente, pacífico e democrático”
(p. 1) foi adotada por toda a conferência e incluída na sua declaração final141, e o CNRT
defendeu que os princípios de equidade, diversidade e transparência deveriam guiar o
futuro governo timorense. Todos esses princípios foram adotados também pelo grupo de
trabalho em saúde como orientadores de uma futura política de saúde para o país142.
Esse posicionamento pode ser referendado, segundo Morris143, por um pronunciamento
de Xanana Gusmão no qual ele teria dito:

... não nos deixemos ser tentados a construir e desenvolver


modernos hospitais que, além de caros, beneficiarão meia dúzia
de pessoas. Vamos concentrar, sobretudo, num intenso
planejamento de campanhas de saneamento, prevenção e
tratamento das doenças endêmicas e de epidemias que afetam
toda a população. (p. 873).

88
Em outubro de 1999, já sob a administração transitória das Nações Unidas,
alguns técnicos timorenses da área da saúde, grande parte deles tendo participado da
reunião de Melbourne e liderados pelo médico timorense Sérgio Lobo, recém chegado
do exílio, procuraram se organizar para responder aos problemas de saúde do país, não
só às demandas de serviço pela população, mas também para preparar a proposta de
organização de um sistema nacional de saúde. Para isso, criaram um Grupo de Trabalho
de Profissionais da Saúde do Timor Leste (GTPSTL) que, retomando os princípios da
Conferencia de Melbourne, defendia um sistema que considerasse a saúde como um
direito de cidadania142. Entretanto, essa iniciativa não chegou a desenvolver nenhuma
proposta, pois, algumas semanas depois de sua criação, chegou ao Timor Leste a
primeira Missão Conjunta de Avaliação (MiCA), coordenada pelo Banco Mundial, que
os incorporou no grupo de trabalho sobre o setor saúde.
Esse grupo de trabalho, como já mencionado, foi composto por Diego
Buriot, da OMS, Egbert Sondorp (do DFID, Reino Unido), Sérgio Lobo e Nelson
Martins, médicos do quadro do CNRT e que, na época, pertenciam ao GTPSTL118. O
processo de elaboração do relatório desse grupo baseou-se em visitas e entrevistas, além
de dados oficiais do governo indonésio do período da ocupação. O relatório dessa
MiCA procurou incorporar os princípios, diretrizes e prioridades para o setor saúde que
já haviam sido definidos no plano estratégico de desenvolvimento da reunião de
Melbourne. No entanto, antes da elaboração do relatório, foi realizada uma “ampla
oficina de trabalho em que participaram ONGs, nacionais e internacionais, membros
do CNRT e da UNTAET e nessa oficina foi constituído um Grupo de Trabalho Conjunto
sobre Serviços de Saúde (GTCSS)”142 (p. 208).
O GTCSS incorporou profissionais timorenses do antigo GTPSTL e
representantes de outras entidades nacionais e internacionais, o que ampliou sua
representatividade. Depois da oficina, o grupo de trabalho em saúde da primeira MiCA
produziu um relatório para o setor saúde, de seis páginas, no qual identificava algumas
etapas necessárias para a reabilitação do setor118. Esse relatório fazia uma projeção para
os 12 meses seguintes, levando em consideração que a situação de saúde do país
dependeria da expansão contínua de oferta de serviços básicos de saúde e que isso, por
sua vez, dependeria largamente, nesse período, dos subsídios das ONGs internacionais
já presentes no país. A partir desse cronograma, foram identificadas as seguintes etapas
de reconstrução para o setor118:
1. Definição de prioridades de reconstrução no curto prazo:

89
1.1. Restauração dos serviços de atenção primária em nível de distritos e
subdistritos.
1.2. Restabelecimento da atenção hospitalar em oito hospitais distritais.
1.3. Restabelecimento das instituições centrais na saúde.
2. Desenvolvimento, o mais rápido possível, de um documento propositivo
de política de saúde que ajudasse a orientar o processo de reabilitação e
reconstrução, que deveria ser coordenado pela autoridade central de
saúde (a ser criada). Para isso sugeria a elaboração de:
2.1. pesquisa sobre a capacidade instalada existente;
2.2. estudo sobre o financiamento do sistema de saúde;
2.3. processo consultivo sobre a formulação do documento propositivo;
2.4. plano de desenvolvimento de recursos humanos para o setor;
2.5. documento de política de saúde com estratégias nacionais;
2.6. estratégia de financiamento para o setor saúde, que levasse em conta
parcerias público-privadas;
2.7. política e legislação para a área de medicamentos; e
2.8. programas de treinamento e formação para os profissionais
necessários ao funcionamento do sistema de saúde.
3. Sugestões políticas para a UNTAET:
3.1. criação de uma autoridade central de saúde que coordenasse os
vários atores do setor, priorizasse a reconstrução da infra-estrutura,
supervisionasse e gerenciasse os serviços de saúde existentes e em
funcionamento, planejasse e formulasse uma nova política de saúde;
3.2. recrutamento temporário de todos os profissionais de saúde
(inclusive da anterior gestão indonésia, mas que estivessem, naquele
momento, disponíveis no Timor Leste);
3.3. gratuidade da atenção a saúde pelo menos durante os dois primeiros
anos;
3.4. garantia de assistência técnica internacional para suprir as
necessidades locais e apoiar a consolidação do sistema; e

Dentre essas recomendações, duas foram consideradas como pré-requisitos


para a reconstrução do setor saúde no Timor Leste118: 1) definição de uma autoridade
central; e 2) contratação e remuneração de pessoal para o setor saúde. O relatório

90
apresentou ainda um cálculo de custos para essa reconstrução para um período de três
anos, que totalizou cerca de 71 milhões de dólares norte-americanos118.
Além de suas seis páginas, totalmente escritas em inglês, haviam outras 20
páginas de anexos no relatório118, que incluíam recomendações específicas para:
a) organização do setor saúde; b) gestão distrital; c) gestão do hospital de Dili; d) saúde
ambiental; e) setor farmacêutico; f) saúde mental; g) desenvolvimento de uma política
de saúde; e) desenvolvimento dos recursos humanos. Dentre essas recomendações, vale
a pena destacar:
a) Organização do setor saúde com base nos princípios de acessibilidade
ampla aos cuidados primários em saúde; atendimento especializado em
nível hospitalar, com médicos especialistas; e planejamento da
distribuição dos serviços com base em estudos populacionais, levando
em conta indicadores de equidade, aceitabilidade, eficiência,
flexibilidade e sustentabilidade;
b) Inclusão na estrutura da política de saúde de regulamentações sobre a
forma de participação do setor privado;
c) Estabelecimento, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de um
sistema de vigilância em saúde e de programas de controle de doenças
transmissíveis;
d) Definição de medidas para a área da assistência farmacêutica: construção
de um armazém central de medicamentos, contratação de um assessor
internacional para o setor de medicamentos, patrocínio da formação em
farmácia de dois timorenses no exterior, elaboração de uma lista de
medicamentos essenciais e de regulação para o controle da importação e
distribuição de medicamentos;
e) Introdução de indicadores para medir os avanços no setor, definição de
instrumentos de planificação e gestão, assim como de organização dos
serviços, financiamento, coordenação, monitoramento e avaliação. Foi
recomendado para tal a contratação de técnicos internacionais e a
contribuição de técnicos da OMS e uma abordagem participativa no seu
processo.

Para Cliffe103, o trabalho de três semanas durante a MiCA e a elaboração do


seu relatório foram um “primeiro exercício de construção de capacidades em
planejamento para a reconstrução [do setor saúde]” (p. 235), que envolveu intensa

91
colaboração entre os consultores internacionais e os profissionais timorenses. Na
continuidade desse trabalho, em janeiro e fevereiro de 2000, o GTCSS se reuniões em
duas ocasiões para estabelecer as bases e definições relativas aos padrões mínimos a
serem utilizados na prestação de serviços de saúde no Timor Leste. Para Silva57, os
timorenses sempre procuravam “forjar uma atitude pró-ativa de si mesmo, portadora de
um projeto definitivo” (p. 85), explicitada nos momentos de encontro (RDs e MiCAs), e
que os habilitava, inclusive, a apontar elementos de estrangulamento no sistema de
cooperação para a implantação dos projetos. A autora acrescenta que a participação
timorense, através do CNRT, sempre procurou “[não] figurar como coadjuvante e mera
depositária dos enredos (...) pré-definidos pelos doadores”57 (p. 85). Essa atitude parece
se confirmar nesse primeiro momento de formulação da reconstrução do setor saúde.
Na reunião de Tóquio (dezembro de 1999), os doadores aprovaram todas as
recomendações da primeira MiCA para o setor saúde120 e reiteraram a importância da
participação timorense no planejamento e implantação dos esforços de reconstrução
setorial, embora sublinhassem a baixa capacidade institucional da nova nação
timorense. E enfatizavam que efetivos mecanismos de coordenação seriam necessários
para superar as deficiências administrativas do país. Sendo assim, definiram que, para o
financiamento efetivo das atividades de reconstrução, o Timor Leste deveria apresentar
ao Banco Mundial um projeto ou programa que estabelecesse metas e objetivos para o
setor saúde, com base no qual se assinaria um acordo para o repasse dos recursos120.
Portanto, a demanda de formulação de um documento propositivo de
política de saúde para o Timor Leste surgiu, pela primeira vez, como recomendação no
relatório da primeira Missão Conjunta de Avaliação (MiCA)118, coordenada pelo Banco
Mundial, e que foi, posteriormente, corroborada pela primeira Reunião de Doadores
para o Timor Leste120. Uma vez que a MiCA era composta paritariamente e seu trabalho
realizado em parceria, funcionando como instância de coordenação entre os diferentes
atores, nacionais e internacionais, pode-se afirmar que a proposta de formulação de uma
política de saúde para o Timor Leste surgiu conjuntamente nesse processo de trabalho.
Baseado nos documentos consultados, o primeiro passo dado no sentido de
se iniciar a formulação desse documento aconteceu em fevereiro de 2000129, quando os
timorenses que participavam do GTCSS exigiram da UNTAET, como recomendação da
MiCA, a criação de uma Autoridade Interina de Saúde (AIS) que fizesse parte do
governo de transição. A primeira AIS foi constituída de 16 profissionais timorenses e 6
internacionais no nível central, mais um representante timorense em cada distrito. O
segundo momento, identificado como preparatório para a elaboração do primeiro

92
documento de política de saúde, aconteceu em maio de 2000, quando uma segunda
MiCA organizou, em Dili, uma oficina de trabalho, coordenada pelo Banco Mundial e
pela Autoridade Interina de Saúde, para a aprovação do projeto da primeira fase da
reabilitação do setor saúde do Timor Leste142.
Tanto o primeiro quanto o segundo Projeto de Reabilitação e
Desenvolvimento do Setor Saúde do Timor Leste (PRDSS I e II), financiados
respectivamente pelo primeiro e segundo Fundo Fiduciário para o Timor Leste (Trust
Fund for East Timor – TFET I e II), incorporaram a proposta do desenvolvimento de
uma política de saúde para o Timor Leste. Esse item foi tanto um componente dos dois
projetos quanto elemento contratual dos dois TFETs. Portanto, a primeira menção à
elaboração de um documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste, como
um compromisso oficial, foi no Acordo de Concessão do primeiro TFET138, firmado
entre o representante autorizado da Missão das Nações Unidas para o Timor Leste
(UNTAET) e o representante autorizado da IDA/Banco Mundial, na presença do
representante oficial do CNRT.
Este Acordo especificava, no seu artigo terceiro, que o recipiente se
comprometia a preparar, em no máximo seis meses, um plano de trabalho para a
implantação dos seus três componentes, que incluía a elaboração de planos distritais de
saúde e de uma política nacional de saúde. A execução desse plano de trabalho foi
também considerada um elemento de efetividade do Acordo de Concessão, no seu
artigo quinto.

2.2. Os projetos para reestruturação do setor saúde

O Primeiro Programa de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde


(PRDSS I)147, previsto para uma duração de quinze meses (2000-2001), e o PRDSS
II145,146 previsto para 33 meses de execução (2001-2003), mantiveram praticamente a
mesma estrutura, baseada em dois grandes eixos: a restauração do acesso de toda a
população aos serviços básicos de saúde e a elaboração de planos distritais de saúde
com objetivos, metas, cronograma e indicadores de avaliação que subsidiasse a
discussão de um processo para o desenvolvimento das bases de uma política de saúde.
A implantação dos dois PRDSSs foi apoiada com a criação, no âmbito da
AIS, de uma Divisão de Serviços de Saúde (AIS/DSS), em julho de 2000. Esta divisão,
além do seu núcleo central em Díli, designou um representante para cada um dos 13
distritos timorenses138. Era esta DSS, com apoio de técnicos internacionais em
planejamento e gestão em saúde, que se responsabilizava pela garantia da provisão de

93
serviços básicos à população e pela implantação de critérios para uma gestão racional
do sistema de saúde timorense, construído sobre a recuperação da prévia rede de
atenção implantada pelos indonésios. A DSS se manteve mesmo quando, em setembro
de 2001, foi criado o Ministério da Saúde, em substituição à Autoridade Interina em
Saúde (AIS).
O PRDSS I foi financiado pelo TFET I em julho de 2000. Sua elaboração se
baseou na organização de dados levantados anteriormente para o relatório da primeira
MiCA118 (novembro de 1999) e que indicavam resultados bastante insatisfatórios, pois
foram coletados logo depois do conflito de setembro de 1999 e refletiam as
conseqüências da destruição de boa parte da infraestrutura do país. Dentre esses baixos
resultados destacam-se: expectativa de vida dos timorenses entre 55 a 58 anos,
mortalidade infantil de 85 por mil e mortalidade de menores de cinco anos em torno de
124 por mil. Informava ainda que menos um terço dos nascimentos tinha assistência de
algum profissional do setor saúde e que malária e tuberculose eram causas da maioria
das internações e dos óbitos. Outras informações diziam respeito às condições da rede
de serviços que, após a violência impetrada pelas milícias pró-Indonésia, em setembro
de 1999, foi destruída em 35% da sua capacidade, com outros 40% das instalações do
setor apresentando danos graves. Além disso, a maioria dos médicos, que eram de
nacionalidade indonésia, haviam saído do país e dos 160 médicos que trabalhavam no
Timor Leste até setembro de 1999, só 30 haviam permanecido118.
Os objetivos centrais do PRDSS I145,147 foram estruturados em três
componentes:
a) componente 1 ou de serviços: implantação dos programas do pacote
básico de serviços (saúde da mulher e da criança, imunização, saúde
reprodutiva, luta contra a tuberculose, educação e promoção da saúde,
vigilância epidemiológica); início urgente das reconstruções; re-
estabelecimento das estruturas administrativas; realização de
treinamentos curtos e implantação de um sistema logístico para
medicamentos;
b) componente 2 ou de desenvolvimento de uma política e de um
sistema de saúde: capacitação e consultoria, assistência técnica para as
necessidades imediatas da administração do sistema e assessoria para
encaminhamento de consultas com vistas à preparação de uma estrutura
de política de saúde;

94
c) componente 3 ou da HPMU: criação de uma unidade de gestão do
projeto, tanto em nível central quanto distrital, com forte enfoque na
gestão financeira.

O projeto tomou por base que antes de 1999 já havia um sistema de saúde
relativamente bem desenvolvido no Timor Leste, que dava ênfase aos cuidados
primários de saúde, mas era muito centralizado, com baixa demanda, pouco
comunicativo com a população e com “excesso de funcionários, com duplicação de
funções, gerando, portanto, ineficiência de resultados”144 (p. 1). Nesse sentido, a
coordenadora da apreciação técnica ao PRDSS I, Fadia Saadah, funcionária do Setor de
Saúde Básica do Banco Mundial, sugeriu, com base no documento do projeto, que uma
característica diferenciadora do “novo” sistema de saúde timorense deveria ser a
“ampliação do sistema de informação para aumentar o conhecimento dos usuários em
relação aos serviços e dos serviços em relação às necessidades, demandas e
expectativas dos usuários, gerando sua maior participação no sistema de saúde”145 (p.
2). E, para isso, sugeria restaurar o acesso aos serviços oferecendo o pacote mínimo
para atender as necessidades imediatas e básicas em saúde da população.
Outra versão daquela apreciação do PRDSS I147, feita pela mesma equipe do
Banco, deu novo enfoque para o encaminhamento das ações mais imediatas, que
deveriam seguir-se à assinatura do Acordo de Concessão: 1) trabalhar com as ONGs
durante uma “fase de alívio” (referente ao período mais emergencial), mas já dentro dos
padrões mínimos, utilizando o pacote básico de serviços a partir de planos distritais de
saúde; 2) adoção de uma abordagem setorial ampliada, coordenada pela AIS, voltada
para uma política de saúde para o Timor Leste; 3) contratação de assistência técnica de
especialistas internacionais para os postos chaves da gestão do projeto; e 4) uso de
indicadores de desempenho.
Para apoiar o processo de formulação de uma política de saúde, essa
apreciação técnica fez sugestões sobre a estrutura dessa política: contextualização,
metas, objetivos, papel do governo no financiamento e na prestação de serviços,
especificação de quais serviços e para quem, outras opções de financiamento do
sistema, padrões de acesso e qualidade, ações de prevenção e promoção da saúde. O
PRDSS I foi aprovado inicialmente para um período de 12 meses (junho de 2000 a
junho de 2001), que acabaram sendo prorrogados para 15 meses.
Segundo Tulloch et al.148, para a implantação da componente 1 do PRDSS I,
referente à prestação de serviços de saúde, foi necessário estabelecer um acordo com as

95
ONGs que trabalhavam no Timor Leste para que se submetessem à coordenação da
Autoridade Interina de Saúde (AIS). Esse acordo foi importante para reforçar a
autoridade política da AIS no setor. Em 9 de junho de 2000, foi lançado um edital149,
dirigido às ONGs setoriais, para receber propostas de planos distritais de saúde com
duração de 12 meses. As ONGs teriam um curto prazo de três semanas para apresentar
suas propostas e, com base nessas propostas, foi que a AIS escolheu uma única ONG
por distrito para ser responsável pela prestação dos serviços de saúde. O edital, cujo
conteúdo era fruto de consenso entre as agências internacionais e a AIS, estava escrito
em inglês e era extremamente detalhado, tomando por base os elementos e princípios da
abordagem dos padrões mínimos para os serviços de saúde em três níveis de atenção.
Para Alonso e Brugha142, a elaboração das propostas de planos distritais de
saúde “com base nas diretrizes e padrões estabelecidos pela AIS” (p. 208) tinha a
intenção de propiciar uma rápida implantação da atenção em saúde nos distritos
promovendo a “utilização eficiente dos recursos disponíveis” (p. 208), cuja prioridade
era assegurar uma cobertura máxima dos serviços básicos e melhorar a capacidade dos
profissionais timorenses. Segundo Tulloch et al.148, essas ações provocaram reação de
muitos profissionais de saúde timorenses que trabalhavam para as ONGs e achavam que
iriam perder o emprego (sua fonte de renda). Foi preciso que a UNTAET e a AIS
garantissem que esses trabalhadores iriam ser absorvidos novamente no sistema, a partir
de novo recrutamento feito pela UNTAET.
Entretanto, deve-se reconhecer que a política de maximização dos recursos
disponíveis significava também redução do número de trabalhadores na área da saúde.
Segundo Alonso e Brugha142, durante o período da ocupação indonésia haviam 3.540
profissionais de saúde no Timor Leste que, dentro do contexto do PRDSS I, deveria
ficar em torno de 1.500 profissionais. Para esses autores, a AIS foi bem sucedida não só
ao tomar o controle da situação do setor saúde, logo no início do período de transição,
mas também ao sugerir a seleção de uma ONG por distrito, com responsabilidade pela
prestação de serviços de saúde e organização dos profissionais de saúde afetos a esses
serviços durante um ano. Para eles, essa “assistência técnica externa proveu os meios de
apoio à implantação de [uma ideia] de política de saúde e complementaram a
capacidade de decisão da força de trabalho existente” (p. 210)142.
Não é intenção desta pesquisa avaliar como positiva ou negativa, nos
PRDSS I e II, a adoção de abordagens como pacote básico de serviços de saúde,
enxugamento do quadro de funcionários, parcerias público-privadas, entre outras.
Entretanto, é importante salientar que essas mesmas abordagens vinham sendo

96
preconizadas em documentos do Banco Mundial como mecanismo de orientação para as
reformas do setor saúde em diferentes países, desde o final da década de 1980. Tendo,
portanto, assumido, a partir dos anos de 1990, a liderança, entre as agências
internacionais, com relação ao financiamento do setor saúde58, o Banco conquistou mais
espaço para formular idéias para o setor. Por outro lado, segundo Beyer et al.150, a visão
do Banco também se atualizou e incorporou outras discussões na questão saúde, como a
determinação social da doença e a intersetorialidade. Para eles, no auge da implantação
de medidas econômicas restritivas neoliberais, o Banco também defendia que uma
população saudável e educada era importante fator de crescimento sustentável e redução
da pobreza.
Todas essas premissas estavam presentes no discurso do Banco no Timor
Leste e foram claramente explicitadas em todas as Reuniões de Doadores, como pode
ser comprovado por todos os documentos-base relativos a essas reuniões. Foi uma
premissa do Banco para as concessões ao Timor Leste que se desenvolvesse, antes de
sua independência, um Plano de Desenvolvimento Nacional que incorporasse não
apenas alguns princípios econômicos, como o ajuste fiscal com vistas ao controle do
futuro do déficit público timorense, mas que adotasse também posicionamento claro
frente à redução da pobreza, à parceria público-privado e ao crescimento econômico
sustentável.
Ao aprovar o PRDSS II145,146 (2001-2003), em julho de 2001, o Banco
Mundial reconheceu os progressos obtidos pelo PRDSS I em relação à prestação de
serviços de saúde, sublinhando o sucesso da estratégia transitória adotada pela
Autoridade Interina de Saúde (AIS) de buscar o apoio das ONGs no funcionamento do
sistema nos distritos. Entretanto, chamou atenção para os atrasos em relação ao
desenvolvimento de uma estrutura de política de saúde e aceitou as escusas de que esse
atraso foi devido às preparações das eleições para a Assembleia Constituinte, em agosto
de 2001.
Avaliou como extremamente positiva a adoção, sob a liderança da AIS, de
uma abordagem setorial ampliada que englobasse as diferentes fonte de financiamento
num único projeto e que focasse uma estrutura de sistema de saúde calcada em planos
distritais com padrões mínimos de qualidade146.
Ao avaliarem a proposta do PRDSS II, os consultores do Banco
expressaram, pela primeira vez, que um dos fatores de aprovação daquele documento
era que ele era consistente com os princípios do Banco, contidos em documentos
anteriores como as “Estratégias do Banco Mundial para os setores Saúde/Nutrição/

97
População”, de 1997, e as “Estratégias Regionais em Saúde/Nutrição/População”, este
último editado pela regional do Banco para a Ásia do Leste e Pacifico, em 2000. Esses
dois documentos pregavam, entre outras coisas, a melhoria da saúde dos pobres, o
reforço do desempenho do sistema nacional de saúde e um financiamento sustentável
para o setor saúde146.
As metas do PRDSS II145 eram terminar a reabilitação das estruturas de
saúde e desenvolver o sistema apoiado numa política integrada que pudesse “viabilizar
o custeio efetivo desse sistema de forma que fosse financeiramente sustentável” (p. 3).
Para se atingir tais metas o Banco continuava a oferecer assistência técnica
especializada para a formulação de políticas de saúde, principalmente no que se referia
às análises orçamentárias. O PRDSS II145 também tinha três componentes, que diferiam
ligeiramente do PRDSS I:
a) componente 1: focava na finalização das reconstruções e reabilitações
para apoiar a prestação de serviços e reforçava a autonomia de um
sistema logístico de materiais, equipamentos e medicamentos;
b) componente 2: dava atenção à melhora da qualidade dos serviços,
criando e implantando um sistema de referência e contra-referência entre
os diferentes níveis para aumentar a taxa de utilização;
c) componente 3: focava o desenvolvimento de uma estrutura de política de
saúde e o reforço do sistema de gestão do programa, a partir da criação
de sistemas de informação e auditoria.

O Acordo para o TFET II151 foi assinado em outubro de 2001 e manteve a


UNTAET como recebedor e a IDA como curadora, ou tutora, do financiamento. Como
ao final do PRDSS I ainda não havia nenhum esboço de estrutura de política de saúde, o
TFET II exigia que, dentro de três meses deveria haver algum documento sobre a
estrutura da política nacional de saúde e sugeriu novos indicadores de desempenho. O
TFET II atualizou o artigo sobre as “condições de efetividade do Acordo” (p. 6)
condicionando que: 1) a unidade de gestão do projeto deveria contratar um especialista
estrangeiro em finanças e adotar o Manual de Operações adotado pelo Banco; 2) um
especialista internacional em gestão e políticas de saúde deveria ser contratado para
apoio ao DSS/AIS; e 3) diretrizes deveriam ser preparadas para a elaboração dos planos
distritais de saúde.
O PRDSS II manteve a separação, com planos e planilhas diferentes, entre a
rede de atenção básica em saúde e os setores de gestão hospitalar, logística de material,

98
equipamentos e medicamentos. Para alcançar as metas relativas a uma rede de compra,
armazenamento e distribuição de medicamentos e materiais, foi criada, ainda na
vigência do PRDSS I, mas inaugurada na vigência do PRDSS II, uma Entidade
Autônoma de Abastecimento Médico (EAAM), independente da Divisão de Serviços de
Saúde (DSS/AIS). Essa Entidade era operada por uma empresa contratada e trabalhava
com base em princípios comerciais, embora com recursos do TFET, e receberia
auditoria anual acordada entre o governo, o Banco Mundial e a empresa contratada,
criando uma forma de parceria público-privada.
A separação dos planos e custos dos subsetores hospitalar e de atenção
básica não chegou a ser consenso entre os consultores do Banco Mundial para o Timor
Leste, como explicitado por Ian Morris, funcionário do Banco, numa apreciação feita do
PRDSS II146, em que alertava para a importância de incluir o financiamento dos
hospitais no projeto do sistema, pois constituía parte importante do gasto em saúde, sob
pena de subfinanciar a atenção básica. A parte essa preocupação, era consenso, em
todos os documentos, que o sistema de saúde no Timor Leste privilegiasse a atenção
primária e a definição de padrões mínimos por nível de atenção (minimum standards for
health services), e a gestão descentralizada com ênfase nos distritos. Nesse sentido, o
Relatório Tutorial139 do Banco recomendava a elaboração de planos distritais de saúde
que dessem continuidade aqueles elaborados pelas ONGs em 2000. Essa recomendação
foi incorporada ao segundo projeto de reconstrução do setor saúde para o Timor Leste.
Foi, portanto, com base nas componentes 2 e 3 do PRDSS II145, financiado
pelo TFET II151, que a DSS/AIS/ETTA/UNTAET contratou cinco técnicos
internacionais, entre eles o autor desta pesquisa, para dar apoio às equipes locais dos
distritos, formadas somente por timorenses, para que pudessem elaborar e implantar
seus planos distritais de saúde. Eram quatro médicos (um brasileiro – eu −, uma filipina
e dois espanhóis) e uma enfermeira (australiana), chegados em janeiro de 2002,
contratados pelo Ministério da Saúde com financiamento do TFET II do Banco
Mundial. Segundo o PRDSS II145, esses técnicos deveriam atuar seguindo os mesmos
moldes do trabalho desenvolvido pelas ONGs, em 2000.
Em março de 2002, foi realizado em Dili um seminário152 para apresentar
esses cinco técnicos estrangeiros aos chefes das equipes distritais de saúde, discutir a
situação do setor e explicar como o trabalho dessas equipes se encaixaria nos programas
de reabilitação e desenvolvimento do setor saúde. Esse encontro serviu também para
explicitar que o apoio dos técnicos estrangeiros às equipes distritais estaria articulado às
estratégias do PRDSS II.

99
O ponto alto desse seminário foi a apresentação da lista de indicadores de
desempenho que seria utilizada para monitoramento e avaliação das atividades das
equipes. Ficou claro, então, a preocupação das agências internacionais, principalmente
do Banco Mundial, com o cumprimento dos prazos e objetivos dos projetos por eles
financiados. Na verdade, os novos técnicos estrangeiros recém-contratados, que não
haviam participado da elaboração dos projetos de reabilitação, deveriam cumprir a
difícil missão de apoiar a sua implementação, trabalhando na base do sistema.
Sintonizar as agendas nacionais e internacionais para um trabalho conjunto
não é tarefa simples. Só para ter idéia dessa dificuldade, depois do seminário, demorou
ainda duas semanas para que os profissionais internacionais pudessem ter novamente
contato com as equipes distritais. Primeiro porque os técnicos nacionais tiveram que
ficar uma semana em outro seminário, patrocinado por outra agência internacional, e,
depois, devido aos feriados da semana santa, que no Timor Leste tem forte conotação
político-religiosa e duram praticamente toda a semana.

2.3 A implementação dos projetos: a norma e a prática cotidiana

Os técnicos estrangeiros, considerados especialistas em gestão distrital,


deveriam apoiar as equipes distritais de saúde em suas tarefas e responsabilidades,
focando na construção das capacidades dos seus diferentes membros. Cada equipe
distrital tinha quatro membros: um chefe, um vice-chefe, um responsável pelo controle
de enfermidades comunicáveis e um responsável por ambiente e nutrição. Tanto o
trabalho dos técnicos nacionais como dos internacionais era regido por extenso e
complicado termo de referência, que especificava detalhadamente, em inglês, o que se
esperava de cada equipe e de cada membro individualmente.
Dentre os timorenses, somente o chefe da equipe falava português e,
geralmente, era a única pessoa da equipe a falar essa língua. Entre os internacionais, a
médica filipina e a enfermeira australiana falavam bem o tétum, uma vez que já vinham
trabalhando há tempos com ONGs no Timor Leste. Nenhum outro membro das equipes
locais falava nem português nem inglês e todos falavam tanto o tétum (língua nacional)
quanto o bahasa (língua indonésia); entretanto, essas duas línguas não eram de domínio
de todos os técnicos internacionais. Portanto, tanto o trabalho da equipe internacional
quanto o da equipe distrital era dificultado pela barreira da língua e ficava mais difícil
ainda na ausência do chefe da equipe, que, ao fim das contas, era quem fazia a ponte
entre os estrangeiros e os timorenses.

100
A partir dessa experiência distrital é possível identificar algumas das
complexas e diferentes dimensões da relação entre os técnicos locais e os internacionais.
Além da questão linguística mencionada, a adequação dos profissionais distritais
timorenses para as tarefas pretendidas era questionável: apesar do cuidado, por parte do
apoio técnico internacional da UNTAET, em conceber termos de referência que fossem
tecnicamente corretos para projetos específicos, os chefes das equipes distritais de
saúde, assim como outros cargos executivos distritais, acabavam sendo escolhidos por
indicação política das autoridades nacionais. E outros membros da equipe, embora
fossem técnicos com formação na área escolhida, tinham pouca prática no uso do
conhecimento necessário para a execução dos projetos e mal entendiam os aspectos de
gestão a eles referidos. Havia, portanto, enorme distância entre os técnicos
internacionais e os nacionais.
Outra questão que, provavelmente, não foi levada em consideração pelos
métodos de recrutamento da UNTAET, mas que interferia na relação e nos processos de
trabalho, era que os técnicos nomeados que pertenciam a um grupamento político
diferente da preferência do líder tradicional local, ou que eram membro de uma etnia de
outro distrito ou que fosse minoritária naquele distrito, tinham pouca legitimidade junto
à população e, portanto, os serviços prestados por esses profissionais tinham baixo
desempenho, pois a população não os utilizava.
Não havia menção a essas questões nos documentos das organizações
internacionais. Pareceres e avaliações técnicas que se queixavam da falta de assiduidade
dos trabalhadores da saúde timorenses, por exemplo, vinculavam muitas vezes esse
problema à falta de motivação e de interesse, sem nunca levar em conta os possíveis
impedimentos políticos, culturais ou étnicos que os profissionais locais enfrentavam no
seu cotidiano.
Por outro lado, a partir da experiência no Timor Leste do próprio autor desta
pesquisa, pode-se afirmar que elaborar um plano distrital de saúde quando não se
compreende exatamente o que é e para que serve, ou definir um objetivo, uma meta ou
mesmo uma prioridade em saúde, sem ter idéia de como fazê-lo, não é tarefa fácil. Os
técnicos timorenses tinham dificuldade de entender o próprio programa de reabilitação
ou a proposta de política de saúde que vinha sendo formulada para o país e,
consequentemente, não conseguiam elaborar seus planos distritais. E os técnicos
internacionais também tinham dificuldade em lidar com essa situação.
De qualquer forma, em outubro de 2002, seis meses depois do seminário
introdutório, todos os distritos tinham que apresentar seus planos distritais. Essa era

101
uma das metas do PRDSS II e o objetivo firmado no contrato com os técnicos
internacionais.
Frente a essa situação os cinco técnicos estrangeiros acordaram, entre eles,
que não valia à pena, naquele momento, introduzir conhecimentos muito elaborados
para apoiar as equipes distritais. Decidiu-se assumir uma “orientação simplificada”, que
incluísse uma avaliação sucinta da situação atual que ajudasse a projetar futuras ações,
com base em necessidades previstas para o prazo de um ano. Essas ações e necessidades
deveriam se referir a determinadas atividades logísticas − deslocamentos, combustível,
materiais, medicamentos entre outros – assim como atividades programáticas contidas
no pacote básico – vacinação, avaliação do peso e do crescimento infantil, pré-natal,
entre outras – cujas prioridades seriam elaboradas, em cada distrito, a partir de reuniões
com os trabalhadores da saúde dos subdistritos e diferentes parceiros do setor em cada
localidade. Além disso, os planos teriam que ser elaborados inteiramente pelos
timorenses e não se incluiriam aspectos orçamentários, devido à complexidade desse
item naquele estágio da implantação do sistema de saúde, isso seria feito pelo nível
central.
Concretamente, naquela altura, as atividades de saúde em nível distrital
eram desenvolvidas na rotina diária dos postos e centros (fixos e móveis) e esse
trabalho, de certa forma, já se baseava nos programas de reabilitação. Resumia-se ao
tratamento de algumas doenças (principalmente malária), consultas de pré-natal e
vacinação. O controle da tuberculose não era realizado em todas as unidades. Todos os
médicos nacionais trabalhavam em hospitais, sendo que em cada distrito havia um
médico estrangeiro lotado no centro de saúde de referência, sendo que todos os outros
funcionários timorenses eram enfermeiros ou agentes de saúde. O médico saía
periodicamente para o interior do distrito. Foi com base nessa realidade que a estratégia
mencionada foi implementada e, dessa forma, as equipes procuraram elaborar seus
planos distritais.
A lista de indicadores previamente acordada com o Banco Mundial foi
utilizada na elaboração do plano distrital, pois era parte dos objetivos firmados pelo
PRDSS II e integrava o documento propositivo de política de saúde. Entretanto, a
sensação que predominava entre os técnicos estrangeiros era que sua utilização pelas
equipes locais não seria factível.

102
2.4. O processo de formulação do primeiro documento propositivo da política de
saúde timorense

O início efetivo do processo de formulação do primeiro documento


propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste ocorreu, portanto, em
novembro de 2000, quando o chefe do Gabinete de Assuntos Sociais, onde estava
localizada a Autoridade Interina de Saúde (AIS), criou o Grupo Assessor em Política de
Saúde (GAPS), responsável por sua elaboração. Como já mencionado, a criação do
GAPS se deu, de certa maneira, em resposta à pressão do Presidente da IDA que, em
novembro de 2000, cobrou o início do processo de formulação de políticas no Timor
Leste, como um desafio chave para a construção de instituições no país e propôs que
essa atividade fosse considerada essencial no apoio dado pelo Banco daí em diante123.
Portanto, sua criação foi elogiada na reunião de doadores realizada em Bruxelas, em
dezembro de 2000, que, endossando o documento da IDA, sugeriu um consultor para
ajudar no processo de formulação da política de saúde timorense130.
A criação do GAPS também foi uma resposta concreta ao compromisso de
“preparar, com base em diretrizes aceitáveis pelo Banco, até a data máxima de março
de 2002”138 (p. 4), um plano que assegurasse a continuidade dos objetivos alcançados
pelo PRDSS I, assumido a partir do Acordo de Concessão do Primeiro Fundo Fiduciário
para o Timor Leste (TFET I).
Em fevereiro de 2001, o GAPS recebeu uma consultoria do Banco Mundial
para assuntos de política e planejamento que organizou um seminário sobre modelos de
formulação de políticas de saúde para o Timor Leste153. Esse seminário seguiu o mesmo
padrão das oficinas de trabalho: a) lista de temas e subtemas; b) seleção desses temas,
levando em conta a relevância para o país, prioridades e alternativas; c) nova listagem
de prioridades; e d) divisão dos participantes em grupos de trabalho para discutir essas
prioridades, segundo temas escolhidos. Concomitantemente à realização do seminário,
alguns consultores internacionais integrantes da mesma consultoria, junto com técnicos
timorenses da DSS, realizaram um diagnóstico rápido da situação de saúde no país, para
auxiliar no processo de formulação da política de saúde153.
Esse grupo elaborou dois documentos, publicados em abril de 2001. O
primeiro, chamado “Parcerias e análise da situação do nível distrital de saúde no
Timor Leste: um novo modelo de cooperação?”154; e o segundo, denominado
“Formulação de uma Política de Saúde no Timor Leste: um processo genuíno de
participação e interação timorense”155. Ambos os documentos foram escritos em

103
inglês, mas o primeiro apresentava um levantamento sintético da situação do sistema de
saúde em nível distrital e uma avaliação da situação após um ano da implantação dos
planos de trabalho das ONGs nesse nível, selecionadas em 2000 pela DSS/AIS; e, o
segundo, procurava reforçar os elementos participativos e interativos na dinâmica do
processo de formulação da estrutura de política de saúde.
O primeiro documento reconhecia que “a participação de autoridades
timorenses distritais na elaboração daqueles planos tinha sido muito pequena”154 (p. 2)
e que “a experiência desigual e o uso de estratégias diferentes por parte das diferentes
ONGs [acabou criando] diferenças no desempenho dos serviços de saúde entre os
distritos”154 (p. 3). Entretanto, em termos gerais, avaliou como positivo o resultado
daquelas parcerias, devido a dois motivos: o trabalho havia se baseado em “processos
padronizados”154 (p. 2) e, portanto, replicáveis, e havia apoiado a definição de papéis e
atividades dos diferentes parceiros que atuavam nos distritos.
O estudo que subsidiou esse documento procurava analisar o chamado
processo de “timorização”154 (p. 3) do setor saúde, ou seja, como (e se) os timorenses
estavam assumindo as responsabilidades de gestão do setor que vinham sendo
desempenhadas por atores internacionais. Naquele momento, os consultores
internacionais estavam preocupados, fundamentalmente, com duas questões que
interferiam com a atenção em saúde nos distritos: 1) o processo de recrutamento de
pessoal local, que incluía definições de responsabilidades por cargo e era um assunto
que dependia do nível central (mais especificamente da DSS/AIS/ETTA/UNTAET); e
2) o grau de envolvimento dos profissionais de saúde timorenses na reconstrução do
sistema de serviços, assim como sua disponibilidade e capacidade para assumir,
paulatinamente, as responsabilidades, pois, segundo esses consultores, isso dependia
também de outras variáveis “individuais”, tais como interesse e motivação.
O documento154 fez várias sugestões: a) recomendou que o processo de
formulação da política de saúde timorense fosse coordenado pela DSS/AIS, a partir do
GAPS, em consonância com o PDN, e subsidiasse a elaboração de leis e
regulamentações para o setor saúde; b) reconheceu que as equipes distritais, em abril de
2001, ainda estavam desfalcadas de profissionais nacionais, o que evidenciava atrasos
nesse processo de recrutamento; c) constatou o baixo envolvimento dos profissionais
timorenses; d) identificou que prevalecia alto grau de centralização político-
administrativa, pois o processo de descentralização ainda não estava suficientemente
discutido e implantado; e) reiterou que o apoio técnico das ONGs ainda se fazia
necessário e recomendava que elas desenvolvessem capacitações para os novos

104
recrutados durante o ano em curso (2001); e, por fim, f) sugeriu que as equipes distritais
da saúde integrassem as administrações distritais, que também começavam a ser
transferidas para funcionários timorenses, uma vez que ambos os processos
(administração distrital e gestão da saúde) vinham sendo desenvolvidos
paralelamente154.
Observa-se, novamente, que o documento154 não faz menção à conjuntura
política mais geral do país, que permeava toda a vida nacional, incluindo a reabilitação
do setor saúde. Aparentemente, os consultores não levaram em conta o momento e a
dinâmica do jogo político nacional, tais como os arranjos em curso para a preparação da
primeira eleição parlamentar e a criação dos 14 diferentes novos partidos; e, da mesma
forma, pareciam não demonstrar sensibilidade em relação às dimensões culturais e
políticas que poderiam interferir naquilo que chamaram de “questões individuais”.
Um documento do próprio Ministério da Saúde do Timor Leste154,
publicado posteriormente (em 2002), ao fazer uma análise do processo de formulação
da política de saúde, reconhecia que o trabalho iniciado a partir do primeiro documento
havia provocado alguma reação no setor, durante algumas poucas semanas, mas “logo
perdeu seu momentum e interesse”153 (p. 3), devido à preocupação maior da sociedade,
no momento, com as eleições parlamentares, que aconteceram em agosto de 2001.
Portanto, ao deixar de ressaltar (e levar em conta) que a questão política nacional era
também importante para o alcance das metas pretendidas no setor saúde, esse
documento, diferente do que ocorreu no relatório da primeira MiCA, perdeu relevância
no contexto nacional naquela conjuntura.
A maioria das recomendações objetivas do documento resultaria na
elaboração de protocolos, guias e padronizações, entre outros instrumentos154. Mas, até
meados de 2002, esses instrumentos ainda não haviam sido elaborados, devido às
dificuldades anteriormente mencionadas.
O segundo documento (“Formulação de uma Política de Saúde no Timor
Leste: um processo genuíno de participação e interação timorense”155), por sua vez,
deveria, na verdade, ter orientado um segundo seminário, que embora voltado para
desenhar a política de saúde, pretendia “ter como resultado [a elaboração de um] Plano
Nacional de Saúde para o período de cinco anos”155 (p. 1).
Nesse documento158 estava prevista a metodologia de trabalho a ser
desenvolvida no seminário, toda voltada para o processo de decisão sobre a política de
saúde, e o plano de saúde deveria ser formatado com metas, objetivos e resultados. Para
isso, foram selecionados 34 temas, que já haviam sido definidos anteriormente (em

105
fevereiro de 2001) como os mais importantes para a reabilitação do sistema de saúde.
Esses temas foram listados em “sequência lógica, [de forma a permitir] continuidade e
congruência”155 (p. 1) no processo. E a elaboração do plano deveria ser orientada por
duas macro questões que abririam o debate no processo decisório: 1) objetivos e
propósitos do sistema de saúde; e 2) influências prioritárias no processo de decisão
sobre o sistema de saúde. Os diferentes temas deveriam ser discutidos por cinco
subgrupos, que gerariam relatórios de discussão e recomendações a serem apresentadas
nas reuniões mensais do GAPS. Todos esses momentos e reuniões teriam o apoio de
dois assessores internacionais e as reuniões de trabalho deveriam começar em maio de
2001.
Em síntese, as decisões deveriam ser tomadas com base em quatro
premissas155 (p. 2):
1) O objetivo geral do sistema de saúde seria melhorar o nível de saúde da
população, com especial atenção nos grupos vulneráveis e de alto risco;
2) As principais influências sobre o processo decisório setorial deveriam
ser, principalmente, as “necessidades objetivas de saúde, as necessidades
racionais dos consumidores [de serviços] e as influências políticas
positivas”;
3) A oferta dos diferentes serviços seria agrupada por tipo de cuidado
(promoção, prevenção cura) e por nível de atenção (primário, secundário,
terciário); e
4) A coordenação horizontal entre serviços de promoção/prevenção e cura
deveria ser assegurada.

Esse seminário acabou não se realizando, entretanto as contribuições do


documento foram aproveitadas posteriormente pelo Ministério da Saúde155.
Em setembro de 2001, depois das eleições parlamentares, durante a
passagem da responsabilidade da gestão distrital de saúde das ONGs para as novas
equipes nacionais recrutadas, técnicos nacionais da Divisão de Serviços de Saúde
(DSS), e os internacionais que assessoravam a Divisão, procuraram retomar o processo
para a formulação do documento propositivo155. Baseado em experiências e documentos
anteriores, foram identificados, pela DSS, seis temas de macro-política para o setor
saúde e proposto que, para cada tema, se formasse um subgrupo de discussão. Esses
temas eram: 1) prioridades em saúde; 2) financiamento em saúde; 3) desenvolvimento

106
de recursos humanos; 4) organização e gestão; 5) política de medicamentos; 6)
assistência técnica internacional.
Cada subgrupo teria um coordenador e um relator, as decisões seriam
tomadas por consenso e os relatórios finais seriam apresentados numa reunião ampliada
com a participação de todos os parceiros (nacionais e internacionais) que atuavam no
setor saúde no Timor Leste. Entretanto, essa nova tentativa também não chegou a ser
levada a cabo, por “falta de interesse”155 (p. 4) dos membros de cada subgrupo em
participar das reuniões. O documento analisado não explicita qual seria o motivo dessa
“falta de interesse”.
E, em novembro de 2001, o relatório da quinta MiCA133, cobrou o
compromisso assumido pelo Timor Leste no TFET II de elaborar o documento
propositivo de política de saúde até final de 2001. E, pressionado, o Ministério da Saúde
retomou o processo, negociando uma extensão de prazo até final de março de 2002 e
definindo, em conformidade com a MiCA, o seguinte plano de trabalho153:
1) manter as seis áreas de macro-políticas de saúde selecionadas;
2) definir e decidir, por consenso entre todos os parceiros, a visão, a missão
e as metas do setor saúde, a serem aprovadas pelo Conselho de Ministros;
3) requisitar facilitadores estrangeiros para apoiar o processo, identificando
um assessor internacional responsável para cada um dos seis temas de
discussão;
4) programar quatro reuniões de trabalho para cada subgrupo, com datas e
agendas fixadas previamente, uma reunião ampliada em forma de oficina
de trabalho de dois dias com todos os parceiros para apresentação e
aprovação dos itens discutidos e aprovados em cada subgrupo;
5) editar a versão final do primeiro documento propositivo de política de
saúde do Timor Leste.

Com o empenho do próprio Ministro da Saúde, Rui Maria de Araújo, a


agenda de trabalho foi cumprida durante os primeiros meses de 2002 e o documento
propositivo de política de saúde do Timor Leste foi finalizado em junho de 2002. Foi
também a partir desse processo que o Ministério da Saúde participou na formulação do
Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN)136, juntamente com os representantes de
todos os grupos de discussão.
Na última reunião para elaboração do documento propositivo de política de
saúde, realizada em março de 2002, da qual participei como assessor internacional, era

107
evidente certa fragmentação na participação internacional dentro do Ministério da
Saúde, onde havia um assessor sênior internacional, da OMS, que dava apoio direto ao
Ministro da Saúde e outros cinco funcionários internacionais junto à DSS (Divisão de
Serviços de Saúde), contratados pelo TFET II (Banco Mundial), que davam apoio ao
GAPS (Grupo Assessor em Política de Saúde). Estes eram os principais atores
internacionais envolvidos no processo de elaboração do documento propositivo de uma
política de saúde para o Timor Leste. Pelo lado nacional, na DSS, havia dois grupos de
timorenses: os técnicos que mal falavam o português e tinham se formado sob o regime
indonésio (em geral, mais calados e reservados) e os timorenses da diáspora, que
falavam bem o português e o inglês (geralmente, mais comunicativos). Os técnicos
internacionais que não eram do Ministério (ONGs ou outras agências da ONU)
participavam nas discussões de grupo segundo seu interesse e área de atuação. Nessa
reunião específica, a maior parte do tempo foi de discussão em grupo e, no final, houve
uma plenária de aprovação das propostas. Observei que à medida que as discussões
avançavam na reunião diminuía a participação dos profissionais nacionais, o que
acabava fazendo sobressair o trabalho dos atores internacionais, que se mantinham
presentes até o final. Isso também foi observado por Silva57, para quem “quando se
analisa o perfil dos profissionais envolvidos na produção de documentos [durante o
período de transitoriedade], bem como na construção dos indicadores celebrados, nota-
se que a maioria deles é estrangeira ou timorense da diáspora australiana” (p. 86).
Em dezembro de 2002, durante a sétima reunião de doadores para o Timor
Leste, realizada em Dili, foi feito um balanço dos PRDSS I e II. Decidiu-se que o
PRDSS I seria prolongado, até permitir a conclusão da reconstrução de todos os centros
de saúde planejados, e ressaltaram-se os avanços em alguns indicadores: 78% da
população com acesso aos serviços de saúde, redução da mortalidade materna e infantil,
294 parteiras treinadas, 54% de cobertura para terceira dose de tríplice e 46% para o
sarampo (com aumento de 10% nas duas vacinações em relação a 2001)147,157. Além
disso, a reunião reconheceu o esforço do Grupo Assessor em Política de Saúde (GAPS)
para a conclusão do documento propositivo, endossado pelo Conselho de Ministros em
dezembro desse mesmo ano, dias antes da reunião dos doadores157.

2.5. O conteúdo do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o


Timor Leste

A Constituição da República Democrática do Timor Leste159, que entrou em


vigor em maio de 2002, diz que:

108
“o Estado reconhece ao cidadão o direito à saúde e à assistência
médica e sanitária [...] e promove a criação de um serviço
nacional de saúde universal, geral e, na medida das suas
possibilidades, gratuito, nos termos da lei [...] e que o serviço
nacional de saúde deve ser, tanto quanto possível, de gestão
descentralizada e participativa” (p. 18).

A versão final do Documento Propositivo de uma Política de Saúde para o


Timor Leste158 (DPPSTL), publicada em Junho de 2002 e aprovada pelo Conselho de
Ministros em dezembro de 2002, foi escrita e distribuída em inglês e, até 2003, não
tinha sido traduzida para o português ou o tétum.
O DPPSTL baseou-se nos princípios constitucionais e seguiu basicamente
os parâmetros e elementos constitutivos dos dois programas de reabilitação e
desenvolvimento do setor saúde. Procurou também se basear “num processo consultivo”
(p. 3), que incluiu estudos e pesquisas feitas para a elaboração do PDN (como uma
sondagem de opinião junto à população sobre sua visão de futuro para o país) e uma
reunião ampliada com os diferentes parceiros do setor saúde. O processo de discussão
do documento respeitou as sugestões que haviam sido aprovadas pelo Ministério da
Saúde, em novembro de 2001, e incorporou os relatórios de todos os subgrupos.
O documento158 partia de uma análise da situação que descrevia a realidade
nacional e os problemas do setor saúde: 1) baixo desenvolvimento e alta dependência
externa (800 mil habitantes, onde 54% tinham menos de 20 anos; 50% da população
contavam com menos de 0,55 dólares por dia; 60% de analfabetismo; expectativa de
vida em torno de 57 anos; graves problemas de abastecimento de água e saneamento;
85% do orçamento do Estado vinha da ajuda externa; gasto de oito dólares per capita
em saúde, dos quais 45% eram destinados ao pagamento de salários); 2) alta carga de
doença (com grande peso nas enfermidades transmissíveis), baixo estado nutricional e
altas taxas de mortalidade infantil (121 por mil) e materna (860 por cem mil) – um
pouco melhor que em 1999; 3) baixa capacidade da força de trabalho; e 4) sistema de
saúde com baixo acesso, desigualdade na oferta, fraca gestão e sistemas de referência e
contra-referencia inadequados.
A partir desse diagnóstico, o DPPSTL158 procurava estruturar a visão do
setor saúde, sua missão e os valores que deveriam orientá-las, “consensuadas a partir
de consulta entre os diferentes parceiros que atuavam no setor” (p. 24). O Ministério da
Saúde reconhecia que haviam inúmeras enfermidades ou estados mórbidos cujos
determinantes ultrapassavam as fronteiras do setor saúde, dependendo de melhorias na
educação, moradia, salários, acesso à água e saneamento básico, entre outras. Portanto,

109
a luta do Ministério da Saúde deveria ser ampla e multisetorial, orientada pela meta de
alcançar a saúde para toda a população timorense − “um povo timorense saudável num
Timor Leste saudável”158 (p. 24). A missão do Ministério da Saúde seria, portanto,
assegurar a viabilidade e sustentabilidade do sistema de saúde, a partir da regulação do
setor, da promoção da participação da comunidade, e dos diversos parceiros, e da
intersetorialidade. Estas metas seriam alcançadas a partir de princípios orientados por
valores de equidade, sensibilidade cultural, ética, solidariedade e amizade. Esses
princípios, valores e objetivos tentavam harmonizar tanto sugestões dos profissionais
timorenses, formuladas em 1999, quanto aquelas sugeridas pelos relatórios das missões
de avaliação conjunta, coordenadas pelo Banco Mundial.
O DPPSTL158 incluía o relatório de cada subgrupo temático, separadamente
(com uma análise da situação de cada tema, seus problemas específicos e um elenco de
propostas), mas não apresentava nenhum plano orçamentário.
O primeiro tema abordado no DPPSTL158 foi sobre as prioridades do
sistema de saúde. O Ministério da Saúde reconhecia que, devido à escassez de recursos,
deveria ser adotado o critério de definição de prioridades para a alocação dos poucos
recursos, “de maneira a promover a equidade dentro do setor saúde” e atender às
“necessidades objetivas em saúde”158 (p. 26), que foram definidas como o principal
critério para o estabelecimento dessas prioridades. As necessidades de saúde seriam
evidenciadas por análises baseadas num sistema de informação do próprio Ministério e,
posteriormente, cruzadas com dados de uma permanente consulta e avaliação das
demandas da clientela. A perspectiva do usuário foi considerada um parâmetro
importante a ser considerado nessas definições. Entretanto, não foi mencionada
nenhuma diretriz sobre a construção de um sistema de informação para a saúde. Mas
explicitava-se, claramente, que diferentes fatores poderiam influenciar as decisões sobre
as prioridades em saúde, tais como as demandas dos profissionais do setor,
principalmente os médicos, as demandas políticas dos diferentes partidos nacionais e do
próprio governo.
O segundo tema trabalhado foi o desenvolvimento de recursos humanos.
Este tema foi tratado no DPPSTL158 como um dos grandes desafios do setor saúde e que
deveria requerer uma gestão própria. Os maiores entraves identificados foram: a) falta
de pessoal qualificado e grande número de agentes de saúde; b) baixa moral e
motivação dos trabalhadores da saúde na situação pós-conflito; c) poucos profissionais
na área de gestão e planejamento; d) baixa capacidade de formação de pessoal no
território timorense; e e) falta de regulação da prática privada no setor saúde.

110
A política proposta para essa área propunha que o recrutamento, o
treinamento de pessoal e sua distribuição pelos diferentes distritos e subdistritos
seguissem critérios de atenção às necessidades de saúde, definidas segundo tamanho da
população e carga de doença. As capacitações e treinamentos deveriam priorizar uma
formação mais generalista, que proporcionasse o alcance de múltiplas habilidades,
principalmente para o pessoal das áreas mais carentes. Estabeleceu-se, assim, uma série
de estratégias para o alcance desses objetivos: a) recrutamento prioritário de pessoal
para postos e centros de saúde; b) desenvolvimento de um sistema de formação em
saúde; c) melhoria do planejamento das necessidades em recursos humanos e de sua
gestão, com o estabelecimento de normas, indicadores e sistema de avaliação de
desempenho e de incentivos; d) desenvolvimento e implementação de mecanismos de
registro, regulação e controle da qualidade da prática médica no país.
O terceiro tema tratado no documento158 foi o financiamento do setor saúde.
Na época da sua elaboração, a saúde dependia, fundamentalmente, dos fundos
internacionais (do TFET) e de pouquíssimos recursos próprios do tesouro timorense,
provindos da arrecadação fiscal. Não havia nenhum sistema previdenciário ou de
contribuição social para suprir os gastos específicos do setor saúde. O Ministério da
Saúde sugeriu, então, que a política financeira para o setor deveria ser a de “procurar
assegurar os fundos necessários para a provisão do pacote básico de serviços e alocar
e gerir os recursos financeiros disponíveis de maneira sustentável, equitativa e
eficiente”158 (p. 32). Entretanto, não foi explicitado nenhum mecanismo específico, seja
para arrecadação seja para alocação de recursos para a saúde.
O DPPSTL158 sugeriu ainda que, no futuro, se implantasse, paulatinamente,
um sistema de co-pagamentos (cost-sharing), ou seja, introdução gradual de cotas
percentuais, a serem pagas pela população, por procedimentos de atenção médica
(secundários e terciários) no ato da utilização, assim como o estabelecimento de um
seguro obrigatório de saúde para os cidadãos, além da implantação de esquemas de
financiamento comunitário. Apesar de não detalhar a proposta, afirmava que “o desafio
seria determinar o mais apropriado mix público-privado para o financiamento e
provisão de serviços”158 (p. 51).
O quarto tema, que foi o mais detalhado no DPPSTL158, foi a organização e
gestão do setor saúde. Admitindo que ainda não havia sido implantado um sistema de
informação em saúde, e valendo-se de dados colhidos e analisados conjuntamente com a
cooperação internacional, o documento158 referia que após dois anos de reabilitação e
reconstrução do sistema de saúde no Timor Leste a taxa de utilização dos serviços vinha

111
aumentando gradativamente e que as melhorias no sistema de transporte iriam, em
futuro próximo, aumentar a demanda por serviços de saúde e facilitar o acesso da
população. O documento158 propunha que o sistema de saúde deveria ser hierarquizado
e descentralizado, com base nos distritos, subdistritos e aldeias, e deveria adaptar a
oferta à demanda esperada, criando uma rede de referência e contra-referencia
articulada aos oito hospitais existentes. Para isso, introduzia-se um sistema de
comunicação através do rádio e serviço de ambulância em todos os distritos.
O documento158 recomendava que toda a organização da atenção em saúde
fosse feita a partir de pacotes básicos de serviços específicos, ou seja, “serviços
essenciais em saúde e intervenções com custo-efetividade comprovada na prevenção,
controle e tratamento dos problemas causados pela alta carga de doença do país”158 (p
38). Os diversos serviços das áreas de saúde pública (prevenção e promoção), clínica
médica e de reabilitação deveriam ser distribuídos racionalmente, tanto nos nível
primário como no secundário e terciário.
Com a descentralização pretendia-se que os “serviços de saúde, estando
mais perto das comunidades, tivessem melhor capacidade para conhecer as
necessidades da população”158 (p. 41) e que fosse facilitada a gestão dos recursos
humanos, materiais e insumos. Para tal, seria fundamental o fortalecimento dos grupos
gestores distritais de saúde e a melhor definição das responsabilidades dos diferentes
níveis governamentais do sistema de saúde nacional. O papel coordenador do nível
central foi destacado como elemento essencial para a garantia de cumprimento dos
princípios ordenadores dos sistemas – equidade na gestão do sistema de saúde,
participação comunitária, eficiência e capacidade de resposta em nível local – e para a
implementação da política de saúde. Equidade se traduziria, no documento, em melhoria
dos serviços e da atenção em saúde nas áreas mais remotas, apoiada por um eficiente
sistema de referência158.
A longo prazo, o DPPSTL158 recomendava que o processo de
descentralização na saúde deveria estar alinhado com as demais políticas nacionais e
com as decisões de governo referidas à gestão pública das estruturas administrativas
distritais (p. 42). E, de imediato, o Ministério da Saúde deveria apoiar o fortalecimento
das equipes de gestão distrital, acelerando o processo de recrutamento de pessoal,
implementando a supervisão planejada e elaborando os regulamentos profissionais, para
que, progressivamente, assumissem as responsabilidades administrativas de forma
autônoma.

112
O documento158 deixou claro ainda que o Ministério da Saúde fosse o
responsável por garantir o bom desempenho do sistema de saúde e suas funções
principais seriam o desenvolvimento de políticas e regulamentos, estabelecimento de
padronizações e de prioridades, a coordenação dos doadores, a gestão dos programas
nacionais e do seu monitoramento e avaliação. A equidade seria garantida a partir de
claros mecanismos de alocação dos recursos. Foi sugerida a criação de diversos órgãos
nacionais para o setor saúde, tais como: Conselho Nacional de Saúde, Laboratório
Nacional, Centro Nacional de Educação e Treinamento em Saúde, Instituto de Ciências
da Saúde, Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos, Banco de Sangue
Nacional, Centro Nacional de Pesquisa, Conselho de Gestão Hospitalar e Conselhos
Distritais de Saúde158.
E para acompanhar o processo de reabilitação do sistema de saúde, o
documento propunha que o Ministério da Saúde publicasse, trimestralmente, um
Relatório de Monitoramento do Setor Saúde, como instrumento de gestão e informação,
de forma a avaliar a “capacidade de respostas do sistema” e “se as estratégias adotadas
estavam produzindo os resultados esperados” 158 (p. 49), garantindo os resultados e o
impacto desejado.
Finalmente, ainda no âmbito da organização e gestão do setor saúde, o
DPPSTL158 reconhecia a possibilidade de existência de um subsetor privado prestador
de serviços de saúde no Timor Leste, e sugeria que o Ministério se preparasse para
garantir a pluralidade do sistema, a partir da regulação desse subsetor, criando um
“ambiente propício” (p.52) para tal e determinando tanto o tipo de provisão exclusiva a
cada subsetor, quanto aquelas a serem desenvolvidas por parcerias público-privadas.
O quinto tema do DPPSTL158 dizia respeito à política de medicamentos. O
documento reconhecia sua importância, pois, somente a aquisição de medicamentos já
consumia 16% do orçamento setorial, sem considerar a gestão e distribuição de
fármacos. Na época da elaboração do primeiro DPPSTL já existia tanto uma Lista
Nacional de Medicamentos Essenciais, com todas as drogas que deveriam estar
disponíveis nos serviços públicos, quanto uma Lista de Medicamentos Não
Programados, com drogas não incluídas como essenciais, mas que poderiam estar
disponíveis em níveis e serviços específicos. Embora houvesse uma rede de farmácias
privadas, não havia regulação especifica para o seu funcionamento.
O documento158 sugeria que o objetivo de uma política de medicamentos
deveria ser contribuir para assegurar que uma quantidade suficiente de medicamentos,
de boa qualidade, estivessem acessíveis a toda a população na rede pública e pudesse

113
ser adquiridos com os recursos nacionais disponíveis. Essa política deveria incluir a
formulação da estrutura legislativa e regulatória do setor, com critérios de seleção e
registro de medicamentos; de compra e distribuição para a rede pública; de
padronização do uso (Guia Nacional de Tratamentos); e mecanismos de relacionamento
com a medicina tradicional.
O Ministério da Saúde propôs, no DPPSTL, que o Armazém Central de
Medicamentos (ACM) fosse transformado numa Entidade Autônoma de Abastecimento
de Material Médico (EAAMM), reconhecendo que “essa autonomia gerencial, com a
utilização das „boas práticas de gestão‟, poderia garantir mais eficiência e
transparência e, com isso, ter potencial para ajudar o governo a poupar mais recursos
no futuro”158 (p. 57).
Por fim, o sexto tema do DPPSTL158 foi dedicado à discussão sobre a
assistência internacional para o setor saúde, desempenhada por agências multilaterais,
bilaterais, ONGs e organizações de caridade, sob a forma de assistência técnica para
consultorias, elaboração de estudos e pesquisas; construção de capacidades
(treinamentos, bolsas de estudo); ou doação de equipamentos, materiais e insumos. O
documento registrava que a assistência técnica representou, no ano 2000, 75% dos
gastos relativos à saúde no Timor Leste e que, a partir de então, foi embutida nos fundos
fiduciários do Banco Mundial (os dois TFETs). Portanto, o que o DPPSTL158 definia era
o papel do Ministério da Saúde como principal coordenador dessas atividades, evitando
duplicações e desperdício de recursos. Para isso, definiu-se que

... a política do Ministério da Saúde para a assistência


internacional deveria seguir estratégias que maximizassem
benefícios para o setor saúde, mobilizando a assistência externa
para atender as prioridades identificadas em consonância com
as políticas e os planos do governo, envolvendo nesse trabalho
todos os parceiros num dialogo contínuo em prol dos interesses
do país.158 (p. 61).

O DPPSTL158 listou diferentes temas referidos à assistência técnica


internacional que deveriam ser considerados em conformidade com outros itens que
vinham sendo definidos pelo Ministério da Saúde: a) melhoria da capacidade
institucional do setor saúde; b) elaboração de planos de trabalho e de treinamentos; c)
identificação conjunta de áreas carentes de assistência técnica; d) aceitação do papel
coordenador do Ministério. Significando, portanto, que todas as ações e atividades
desenvolvidas por parceiros internacionais, agências ou ONGs, deveriam ser
encaminhadas como propostas ao Ministério. Para tanto, o Ministério se comprometia, a
114
partir do DPPSTL, a coordenar a ajuda externa no país, a partir de uma abordagem
ampla e participativa, e a manter a assistência técnica no médio prazo, para garantir o
aumento do acesso da população aos serviços de saúde e a consolidação da
sustentabilidade do sistema.

115
CAPÍTULO 4

DISCUSSÃO
FORMULAÇÃO DA PROPOSTA DE UMA POLÍTICA DE SAÚDE PARA O
TIMOR LESTE: O INÍCIO DE UM PROCESSO

As relações que articulam saúde e situações de conflito e pós-conflito são


complexas e diferenciadas, extrapolam em muito o próprio setor e inter-relacionam
diferentes variáveis, que mudam segundo a fase conjuntural e o papel que a reabilitação
do sistema de saúde desempenha na reconstrução do Estado.
Sendo assim, entender a formação do Estado no Timor Leste e a construção
da sua governabilidade são faces da mesma moeda. Embora esses dois processos
ocorram ao longo de toda a história do país, com características próprias em cada
momento especifico, este estudo se restringe ao contexto das condições de conflito e
pós-conflito do período 1999-2002, quando se instalaram no país, ao mesmo tempo,
forças militares (as forças de paz da ONU) e a administração transitória das Nações
Unidas (UNTAET) para conduzir a reconstrução do país. Esse processo foi
concomitante, e possibilitado, por enorme afluxo de recursos externos, fruto de forte
mobilização por ajuda internacional, consubstanciada em fluxos de capital (assistência
financeira) e de conhecimento (assistência técnica).
A especificidade da administração transitória da ONU no Timor Leste tem
duas dimensões importantes, que remetem à construção e instauração de sua autoridade
no país: a primeira se refere a que a intervenção internacional, aprovada pela ONU, não
foi encaminhada pelos representantes do governo do Timor Leste, mas se deu a partir da
articulação política de timorenses na diáspora e de solicitação do país invasor –
Indonésia – e do antigo colonizador – Portugal – que eram membros da ONU, pois não
existia no país um Estado com governo próprio e autônomo; e, a segunda, é que a
UNTAET, exerceu total autoridade – política e administrativa − durante a transição,
materializada pela concentração dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) nas
mãos do representante da ONU, residente no país. Portanto, a UNTAET nasceu com
uma missão dual que marcou o papel das Nações Unidas no Timor Leste: administrar o
território e preparar as instituições nacionais para assumir a independência do país99,100.
Isso significava, por um lado, total responsabilidade de governo e, por outro, dirimir
conflitos e coexistir com forças políticas nacionais, modernas e tradicionais.

116
A legitimidade da “autoridade política” da UNTAET, como denominado
por Beauvais99, foi construída a partir da negociação entre os diferentes atores
envolvidos no processo. E foi justamente durante essa negociação que alguns se
destacaram mais que outros, seja na instalação do governo transitório, seja no processo
de formulação de políticas. Entre os internacionais destacaram-se as Nações Unidas e o
Banco Mundial; e, entre os nacionais, tiveram maior protagonismo as organizações que
expressaram coalizões políticas ou de “unidade nacional”, tais como o Conselho
Nacional de Resistência Timorense (CNRT), uma coalizão pluripartidária, e os demais
partidos nacionais, articulados nas estruturas governamentais. Esses atores procuravam
delimitar seu espaço e buscar sua cota de exercício de poder a partir do delineamento de
instâncias de influência.
A reconstrução política do Estado timorense e o sucesso da missão da ONU
pressupunham também, além do apaziguamento, a gestão efetiva da ajuda internacional,
inclusive para garantir a independência, a restituição do poder aos nacionais e a
continuidade da ajuda, o que só poderia ser alcançado a partir do restabelecimento das
instituições (legalidade), com reestruturação do aparelho do Estado (burocracia), e da
formulação de políticas nacionais, que legitimassem a autoridade transitória. Por sua
vez, esse processo dependia, de forma crucial, da coordenação de diferentes atores,
nacionais e internacionais, provenientes de distintas organizações e culturas
institucionais, com interesses e recursos de poder diversificados, cujas atitudes e ações
eram definidas e pautadas, por sua vez, pelas condições de transitoriedade e pela
arquitetura da ajuda.
Os limites do mandato e do poder da administração transitória estavam
dados pela sua capacidade tanto de construção da própria legitimidade no país, quanto
de articulação com as elites nacionais e lideranças locais, que desempenhava papel
importante nesse processo, em conjunturas específicas. No âmbito dos atores
internacionais, embora o Banco Mundial e as Nações Unidas tenham atuado de forma
conjunta, em todo o processo, sobre o Timor Leste, desde as negociações pelo
referendo, e ainda que o Banco tenha mudado sua presença na região, mesmo antes do
conflito, a instalação da UNTAET coincidiu com a primeira missão do Banco e certa
tensão entre esses dois principais atores foi permanente no contexto da transitoriedade.
A necessária divisão de tarefas definida entre eles posicionou a UNTAET como se fosse
o “governo nacional” e o Banco como o financiador externo e mentor da reconstrução.
Desde o início ficou claro o papel do Banco como protagonista na reconstrução das
esferas econômica e social do país, mas para isso era essencial que as Nações Unidas, a

117
partir da UNTAET, assegurasse a ordem institucional e política e o funcionamento do
aparelho do Estado.
Não por acaso, o Banco Mundial era visto, pelos timorenses, como o ator
internacional mais importante no processo de reconstrução e reabilitação do setor saúde,
pois era ele que coordenava todo o financiamento para e a elaboração dos projetos para
tal. E, em diversas ocasiões, o Banco lembrou à UNTAET que devia exercer seu papel e
cumprir com as obrigações contratuais123. E, desta forma, como observaram Lewis e
Mosse37, as recomendações técnicas que partiam do Banco acabavam também por se
tornar uma forma de governabilidade política, à medida que tinham grande influência na
formulação de projetos e políticas de governo.
É necessário esclarecer, porém, que a discussão sobre governabilidade no
contexto pós-conflito timorense, orientada pela hipótese desta pesquisa de que o
processo de formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde
para o Timor Leste teve forte influência de atores externos, não se apóia em
pressupostos „dependentistas‟, defendidos por autores como Frank160 e Amin161,
segundo o qual o Timor Leste, como um dos países mais pobres do mundo e numa
situação de penúria pós-conflito, dependeria econômica e politicamente de estruturas
globais lideradas pelos países mais ricos que, por sua vez, influenciariam as políticas
nacionais timorenses. Esta investigação compartilha outro enfoque e adota o ponto de
vista desenvolvido por Hughes44. Para essa autora, as condições que promovem um
status de dependência não são simplesmente impostas pelos mais fortes, mas dadas
tanto pela posição dos doadores quanto pelo apoio das elites nacionais, o que estabelece
as condições e os meios de exercício do poder e de sua legitimação.
As elites timorenses nunca se colocaram numa posição defensiva contra a
interferência da comunidade internacional; ao contrário, procuraram trabalhar
politicamente suas diferenças internas, justamente para buscar o apoio dessa
comunidade, e a criação do CNRT, em 1998, deu o passo definitivo nesse sentido.
Entretanto, os timorenses sempre procuraram, na relação com os atores internacionais,
mostrar-se pró-ativos e portadores de pontos de vista próprios57. E, ao reivindicar a
atuação da comunidade internacional em prol de seu projeto de autonomia, a elite
timorense também assumia a condição de dependência dessa comunidade. Sendo assim,
a condição de dependência durante o período de transitoriedade pós-conflito no Timor
Leste foi uma situação promovida, tanto pela comunidade internacional quanto pela
elite timorense, e mediou o exercício e o jogo de poder entre diferentes atores no
território nacional44. O posicionamento dos atores nacionais frente à UNTAET para a

118
adoção de uma postura mais co-participativa na esfera administrativa e política do
governo de transição andava pari passu com a aceitação das condicionalidades e
exigências estabelecidas na formulação e execução dos projetos para a reabilitação do
país. Ao apoiar e aceitar a autoridade dos atores internacionais no país, essas elites
estavam, na verdade, procurando controlar os fluxos da ajuda internacional44, de
maneira a garantir sua influência política e pavimentar o caminho para a independência.
O que se denomina “elite timorense” agrupa diversos grupos sociais que têm
influência econômica e política no país, oriundos tanto dos antigos extratos de
produtores rurais, comerciantes e políticos remanescentes do tempo colonial, assim
como os militantes políticos e militares da resistência contra a Indonésia. Durante o
período de transitoriedade, a categoria “funcionários” do aparelho do Estado era um
forte grupo e se constituiu numa “nova elite”, que agrupava diferentes extratos sociais –
antigos servidores do Estado indonésio (formados nos moldes ou mesmo nas escolas da
Indonésia), funcionários do tempo da colônia portuguesa e outros, novos, cuja primeira
experiência profissional ocorreu durante a transitoriedade. Silva57 verificou que alguns
conselheiros e autoridades do poder executivo eram retornados das diásporas timorenses
em Portugal, Austrália e Moçambique. A relativa ausência de antigos combatentes na
administração pública (com exceção daqueles que foram incorporados às Forças de
Defesa do Timor-Leste) se deve ao fato de, nos anos da ocupação, muitos deles terem
ficado à margem do sistema educacional e de formação profissional.
É preciso destacar também que um dos pontos que favoreceu bastante o
grande „sucesso‟ do processo que levou o Timor Leste à sua independência, no curto
período de 30 meses, foi a decisão da UNTAET de partilhar mecanismos decisórios
com os timorenses, como estratégia, por um lado, de acolhimento das reivindicações
políticas por autodeterminação e co-governo e, por outro, de aceleração do “processo de
timorização”88 do governo transitório. A retórica sobre participação se traduziu numa
estratégia descentralizadora, que ampliou a base de apoio da UNTAET e enfatizou o
papel dos distritos nesse processo. Para Cliffe et al.103 a reconstrução com “enfoque
comunitário” é uma estratégia que, do ponto de vista do Banco Mundial, procuraria
melhorar o custo-benefício da cooperação em situações pós-conflito e poderia ajudar no
fortalecimento da capacidade de decisão nos níveis administrativos sub-nacionais. A
descentralização implementada pela UNTAET, apoiada pelo Banco, levou à
estruturação de um nível de administração distrital, mas, significou também um
paradoxo, ao opor discurso e prática institucional: a forte influência centralizadora das
Nações Unidas, simbolizada na concentração de poder aa UNTAET, se opunha às

119
intenções descentralizadoras da administração transitória no país. Essa ambiguidade
marcou todo o processo do governo transitório.
A forma como a ajuda foi canalizada e estruturada ganha, assim,
importância, pois a articulação entre os diferentes atores ocorreu nos meandros da
assistência técnica internacional, configurando um campo de disputas políticas,
permeado por acirrada competição, onde o “novo” forçava passagem em oposição aos
resquícios da ordem anterior e à resistência promovida pelas práticas tradicionais. Essa
percepção é confirmada por Silva57, ao analisar a pluralidade de atores em disputa que
atuaram no Timor Leste no período de reconstrução do Estado, onde o sistema de
doação, que financiou a cooperação, foi fundamental, pois os recursos provenientes
dessa via não só outorgam poder e prestígio, mas posicionam a cooperação
internacional como um campo de ação positiva.
Os dois principais mecanismos de coordenação e monitoramento do Banco
Mundial para a reconstrução do Timor Leste – as Missões Conjuntas de Avaliação
(MiCAs) e as Reuniões de Doadores (RDs) – estabeleceram um campo de relação entre
os diferentes atores, nacionais e internacionais. O alcance do desdobramento dessas
duas instâncias acabava influenciando e sendo influenciado pelas diversas mudanças
políticas ocorridas no país durante o período de governo da UNTAET. Em outras
palavras, havia um inter-relacionamento entre missões, reuniões e mudanças políticas
no Timor Leste: as MiCAs recomendavam a elaboração de projetos, que eram
discutidos e aprovados nas RDs, mas o ritmo e grau de implementação desses projetos
eram influenciados pela dinâmica da sociedade timorense, impulsionada tanto pelos
eventos da institucionalização política, quanto pelas relações de poder entre os distintos
níveis de governo. Todas essas situações formavam uma rede de instâncias que,
apoiando, controlando ou resistindo, sempre interferiam no processo de reconstrução do
país e, por seu lado, acabaram também influenciando o processo de reabilitação do setor
saúde timorense. Portanto, além de um papel coordenador e de espaço de „renovação
cosmológica‟ do modus vivendi das agências internacionais, como analisou Silva57, as
MiCAs eram oportunidades de encontro e de mediação entre os diferentes atores que
atuavam no terreno.
As RDs, por sua vez, cumpriam “função metalingüística importante”, pois
era nessas ocasiões que se observava “a reposição de termos que conformam a
cosmologia do campo da cooperação internacional quando se trata de colocar em
perspectiva a construção do Estado”57 (p. 85), assim como se reforçavam “idéias-
valores”57, como: direitos humanos, redução da pobreza, construção de capacidades,

120
combate à corrupção, estabilidade, promoção do desenvolvimento, entre outros57. Os
¨rituais¨ que se desenvolviam nessas reuniões, desempenhado pelos atores
internacionais e nacionais, contribuíam também para “a renovação do ´modus operandi´
que permeia a construção do Estado no Timor Leste”, e ¨se define, entre outras coisas,
pela habilidade da elite política e técnica local em forjar uma imagem do país”57 (p.
85), que oscilava entre afirmar seus compromissos e suas capacidades, segundo a
“cosmologia” das organizações internacionais, e projetar imagens de carência e
necessidades da sua população.
Missões, reuniões, negociações, processos de recrutamento de pessoal,
eleições parlamentares e nomeações de ministros e chefes de departamentos foram,
durante os três anos da administração transitória da UNTAET, elementos e mecanismos
que interferiram, com maior ou menor relevância, na participação dos diferentes atores
envolvidos nesse processo e, em conseqüência, também influíram na formulação do
documento propositivo de política de saúde para o Timor Leste.
O Banco Mundial foi responsável por captar, coordenar e gerenciar toda a
ajuda financeira internacional para o Timor Leste, até que uma administração timorense,
totalmente independente, estivesse instalada115. O Fundo Fiduciário para o Timor Leste
(TFET), cuja gestão foi coordenada pelo Banco, foi a base financeira que garantiu a
reconstrução e reabilitação do país138. Mas a gestão do TFET no Timor Leste foi, muitas
vezes, alvo de discordâncias entre o Banco e representantes de segmentos da sociedade
timorense, devido, principalmente, à baixa participação das organizações da sociedade
nas decisões relacionadas ao financiamento da reconstrução119. É importante lembrar
que o TFET diverge dos habituais empréstimos do Banco Mundial, pois é um fundo de
„auxílio‟ (grant-fund), que envolveu uma multiplicidade de doadores, arregimentados
num ambiente de extrema emergência, com cronogramas de aplicação muito curtos, e
que foi estruturado como um fundo fiduciário (trust fund), devendo ser aplicado
segundo determinadas condições e onde os parceiros externos tinham expectativas
claras em relação as ações do Banco. A estrutura de incentivos e monitoramento, em
conseqüência, era de distinta daquelas usualmente aplicadas pelo Banco em suas
estratégias de apoio aos países. Havia também preocupação com a possibilidade de mal
uso dos recursos ou mesmo de corrupção. Ainda que essa preocupação esteja presente
em praticamente todas as ajudas externas para o desenvolvimento, o que muda nos
casos graves e agudos de situações de conflito e pós-conflito é a fraca capacidade do
Estado recipiente de exercer sua soberania, pois ainda está em construção119. Essa
justificativa, ao invés de abrir a porta para experimentos participativos, parece oferecer

121
“o rationale, ou a desculpa, para o fortalecimento dos controles do Banco e dos
doadores”119 (p. 200).
No que toca especificamente à saúde, foi a partir dos Projetos de
Reabilitação e Desenvolvimento do Setor Saúde (PRDSSs) que se estabeleceram as
orientações para a utilização dos recursos do TFET para o setor; portanto, a elaboração
desses projetos assumiu um papel mediador na negociação entre diferentes atores para a
definição dos rumos do sistema de saúde timorense, assim como das propostas de uma
política para o setor.
Nos primeiros meses da administração da UNTAET, os exercícios de
planejamento em saúde se resumiam a decisões objetivas e pontuais, tomadas por ONGs
que haviam se instalado no país durante o conflito e que atuavam, descoordenadamente,
nos diferentes distritos e essa situação desagradava tanto aos técnicos timorenses quanto
aos assessores internacionais142. A incorporação, pela primeira MiCA, de técnicos
nacionais que vinham, desde a Conferência de Melbourne e do início do governo da
UNTAET (em 1999), discutindo uma proposta para a organização do setor (com criação
de um sistema nacional de saúde universal, centrado no principio da saúde como direito
de cidadania); e a realização de um seminário sobre sistemas de saúde, com participação
ampla, inclusive das ONGs, e criação de um novo grupo de trabalho setorial (que
substituiu o anterior) foram dimensões importantes da estratégia dos doadores e do
Banco Mundial para, por um lado, iniciar a construção de uma estrutura nacional de
condução do setor e, por outro, desenhar uma proposta conjunta de reabilitação do
sistema de serviços. Ao mesmo tempo em que incorporava ideias que vinham sendo
discutidas localmente, essa estratégia se valia também do conhecimento da realidade
pelos nacionais e por aqueles que atuavam no terreno. A criação da Autoridade Interina
de Saúde (AIS), como parte do governo de transição em nível central, constituída por
maioria de profissionais timorenses, mais alguns internacionais, e com representação em
cada distrito, conduzida por timorenses, é resultado desse processo.
O dois projetos de reabilitação do setor saúde, elaborados, sequencialmente,
como mecanismo de implementação das recomendações das missões, se conformaram
tanto como veículos de expressão das negociações conduzidas entre os atores, e
sacramentadas nos acordos de concessão do Banco Mundial como compromissos do
governo transitório frente aos doadores; quanto como mecanismos que impulsionaram a
estruturação da coordenação nacional (criação de divisões e grupos de trabalho
específicos, em nível central, e de equipes operativas em nível distrital).

122
Ambos definiram a elaboração de uma proposta de política de saúde como
um dos compromissos contratuais entre as partes. Esta clausula apareceu nos dois
projetos porque não pode ser cumprida no exíguo prazo de seis meses estipulado no
primeiro. É interessante notar que no estudo feito por Alonso e Brugha142, sobre a
reabilitação pós-conflito do sistema de saúde timorense, em que os autores
privilegiaram a análise da mudança que se operou nesse processo, a partir da condução
dos planos distritais de saúde pelas ONGs sob coordenação da AIS, para a coordenação
setorial pelo Ministério da Saúde, não aprofunda a análise do papel dos projetos de
reabilitação nessa dinâmica. Entretanto, foi essa dinâmica que possibilitou a parceria
temporária com as ONGs, devidamente selecionadas, e criou as condições necessárias
para a estruturação institucional do setor e para a sua reabilitação.
A proposta de reabilitação setorial, que perpassa todos os documentos
elaborados pelas missões e referendados pelos doadores, partia da estrutura de serviços
já existente, mas procurava corrigir os problemas identificados, tais como ineficiência,
inefetividade, duplicações etc. Recomendava então, normativamente, maximização dos
recursos disponíveis (inclusive os das ONGs), recuperação e reconstrução urgente de
unidades, privilegiamento da atenção primária, descentralização do sistema (como base
nos distritos e elaboração de planos distritais) e definição de pacotes e padrões básicos
de cuidados em todos os níveis. Também são introduzidas por essa via propostas caras
ao Banco Mundial, como focalização das ações públicas nos mais pobres,
institucionalização de parcerias público-privada, separação entre atenção básica e
hospitalar, enxugamento do quadro de funcionários, financiamento sustentável para o
setor e avaliação de desempenho a partir de indicadores específicos. O questionamento
da gratuidade da atenção em saúde também entrou em discussão, mas permaneceu como
um ponto a ser considerado posteriormente, numa próxima etapa de desenvolvimento do
sistema de saúde.
Contudo, nada disso seria factível sem o apoio de técnicos internacionais e
todas as recomendações reiteraram a necessidade de, por um lado, acelerar a contratação
local de profissionais e, por outro, recrutar quadros estrangeiros. A pressão dos prazos e
a baixa capacidade técnica local para cumprir com esses prazos foram os motores dessas
decisões e as oficinas e seminários de treinamento proliferaram durante todo o período,
como mecanismo para homogeneizar capacidades, difundir idéias e construir consensos
sobre as propostas.
O uso desses mecanismos na assistência técnica internacional − seminários,
oficinas de trabalho, diagnóstico situacional com base em práticas de planejamento

123
estratégico e participativo, técnicas de eliminação de conflitos, entre outros − é muito
disseminado nas organizações internacionais, pois essas técnicas são incensadas por
trabalharem com problematização, escalonamento de prioridades e busca participativa
de soluções48. Para Lima48, essas técnicas entrecruzam pelo menos duas dimensões
inter-relacionadas – uma pedagógica e outra performática. Nas palavras do autor,
“antes de efetivamente se ensinar algo de relevante [...] procura-se „ensinar‟ um modo
de apresentação de si nos [diferentes] contextos em que esses assuntos são
considerados, uma etiqueta do que seja neles participar, um jargão, e, mais que um
modo de pensar, uma maneira de se expressar e transigir.” (p. 421). Configuram-se,
portanto, como formas de adestramento, mas deixam no interlocutor a sensação de
desconforto e precariedade frente ao cooperante (p. 421). Ainda segundo Lima48:

“A ritualização exacerbada do que poderia ser um diálogo direto em


que se procurasse entender, uns e outros, o que está em jogo, em cada
situação de „ajuda ao desenvolvimento‟, emprega, no entanto, uma
quantidade ponderável de profissionais, muitos definidos como
especialistas nisso ou naquilo. Não está em jogo, exatamente, a
tradução das diferenças, mas o adestramento na formatação de
modos de expressão (mais que de pensamento) em novos códigos de
comunicação e comportamento.” (p. 422).

Agrega-se ainda, que a abordagem da construção de capacidades no Timor


Leste, durante o período de administração transitória das Nações Unidas, descortinou
outro assunto que mereceria ser mais aprofundado: o uso do inglês como a língua
estrangeira preferencial utilizada pela cooperação técnica no país. O inglês como língua
de trabalho das Nações Unidas no Timor Leste teve uma dimensão tão expressiva que a
quinta reunião de doadores, realizada em Oslo em dezembro de 2001, se mostrou
preocupada com o desafio de traduzir milhares de documentos que foram elaborados
durante a administração da UNTAET e que seriam invariavelmente importantes para a
administração futura do país133.
Silva57 também abordou esse assunto, como outro elemento da vida política
timorense que influenciou na construção do Estado. Para ela, a maioria dos timorenses
que chegava do exílio dominava o português, o inglês ou ambas as línguas. Esse grupo
acabava, muitas vezes, “como assessores contratados e remunerados pela ETTA-
UNTAET ou outra agência internacional”57 (p. 171), sendo que, por outro lado, a
grande maioria dos funcionários públicos, recrutados para a administração transitória, e
composta por timorenses que viveram no país durante a ocupação, não falavam nem o
português nem o inglês como segunda língua, e sim o bahasa, da Indonésia. Para

124
Silva57, isso acabou criando três fortes divisões na sociedade timorense: 1) uma geração
mais velha, mais tradicional e com autoridade política, que falava português; 2) uma
geração nova de exilados, com autoridade administrativa e influência relativa, que
falava português e ou inglês; e 3) uma geração mais nova, com menos autoridade, que
falava bahasa. Esse fenômeno não foi aprofundado nesta análise, mas merece registro
como fato importante na dinâmica recente da formação da sociedade timorense, além de
que interferiu, de forma relevante, na estruturação da nova burocracia do aparelho de
Estado e na reabilitação do setor saúde.
O trabalho ritualizado das MiCAs e RDs, assim como a forma de inserção
dos técnicos estrangeiros, em nível central e distrital, no Timor Leste e o método de
formulação do primeiro documento propositivo de política de saúde confirma essa
perspectiva analítica. Em nível dos distritos as dificuldades de comunicação
(exacerbadas pela questão lingüística e pelas distintas „castas‟ de técnicos nacionais), a
falta de preparo e de compreensão dos profissionais (nacionais e internacionais, cada
um com seus impedimentos específicos) em relação à dinâmica da ajuda para o setor, e
práticas referidas às tradições timorenses de legitimação, tais como diferenças políticas
e étnicas, entre outras, eram ao mesmo tempo dificuldades adicionais e formas de
resistência, que, segundo as normas definidas pelos projetos de reabilitação, deveriam
ser superadas com capacitações. Entretanto, a questão vai mais além da capacidade de
compreensão daqueles que deveriam ser treinados pela cooperação técnica internacional
e da capacidade de transmissão de conhecimentos daqueles que supostamente os
detinham. Aparentemente, na base do sistema, por um lado, os nacionais não entendiam
bem o que se passava, mas não explicitavam claramente esse impedimento, ainda que
pudessem repetir alguma explicação exatamente da forma como a tinham ouvido. Por
outro lado, os técnicos internacionais reproduziam sua própria prática e transmitiam os
conhecimentos segundo seus próprios parâmetros e formação, além de que seguiam as
exigências dos projetos pelos quais eram contratados. A questão do tempo e da postura
profissional de cada um dos atores envolvidos, portanto, era crucial: a principal
dificuldade era conseguir que os profissionais locais compreendessem, assimilassem e
introduzissem novos conceitos e práticas de trabalho no seu dia a dia, em tão curto
espaço de tempo; e também era muito pouco tempo para que os técnicos estrangeiros se
adaptassem e se inserissem na realidade local e, de fato, desenvolvessem estratégias
efetivas para trabalhar e avançar conjuntamente. Os prazos, metas e produtos
promoviam o encontro desses dois “universos” distantes, mas não eram suficientes para
promover a mudança pretendida.

125
Além disso, num estudo sobre acessibilidade, realizado junto à população
local por uma ONG que atuava no Timor Leste162, constatou-se que a percepção das
pessoas em relação à distância percorrida de suas casas até uma unidade de saúde não
era relacionada por elas por quilometragem nem mesmo pelo tempo de deslocamento,
mas pela dificuldade intrínseca a esse deslocamento – montanhas, chuvas, estado de
ânimo entre outros. Essa noção local de acesso era ainda reforçada por outra visão
calcada no estilo de vida „tradicional‟, para o qual um „profissional‟ de saúde é
percebido como uma pessoa que participa ativamente da vida da aldeia, mora nela e
comunga a mesma visão de mundo. Os entrevistados também demonstraram não confiar
em estratégias móveis do sistema de saúde, com unidades que deslocam
esporadicamente equipes de atendimento para as aldeias. Esse saber local partia de
concepções muito diferentes daquelas adotadas tanto pelos consultores internacionais
quanto pelos técnicos e a elite timorense.
O significado de „comunidade‟ e „sociedade civil‟ em países de cultura não
européia são diferentes, como alerta Pouligny66, e essa preocupação bem se aplica ao
caso do Timor Leste, que ainda detém um acervo cultural tradicional bastante ativo. As
assimetrias de poder entre as autoridades locais modernas e as tradicionais, assim como
a relação dessas autoridades com os técnicos estrangeiros ou a administração transitória,
nem sempre evidentes, podem estabelecer laços de subordinação e “patronagem”, ou de
favorecimento de alguns grupos em detrimento de outros, influindo na construção e
montagem das instituições do Estado.
Em relação especificamente ao DPPSTL, apesar dos esforços do Banco
Mundial para a timorização do setor saúde, patrocinando consultorias para elaboração
de diagnósticos, avaliações e realização de seminários voltados para a formulação de
políticas e processos decisórios (alguns dos quais não se realizaram), assim como para a
elaboração de um Plano Nacional de Saúde para cinco anos, também não elaborado
nesse momento, a elaboração do documento propositivo foi postergada até a conclusão
do processo eleitoral da Assembléia Nacional Constituinte no país e a criação,
concomitante, do Ministério da Saúde (em setembro de 2001). Havia uma tensão
permanente entre a postura incisiva de cobrança dos atores internacionais,
principalmente o Banco Mundial, e o governo transitório e seus „aliados‟ políticos
nacionais. Várias das reiteradas críticas sobre os atrasos no cumprimento dos
compromissos timorenses para o setor saúde podem ser justificadas pela maior
preocupação, nessa conjuntura, com o processo político interno. Entretanto, isso não
significou que se descuidou do cumprimento desses compromissos, pois, rapidamente

126
foi promovida a institucionalização das estruturas centrais do setor, com o novo
Ministério e a contratação dos chefes das equipes distritais.
Em síntese, somente depois de finalizadas as eleições parlamentares, dos
deputados eleitos tomarem posse na Assembléia Constituinte, dos chefes das equipes
distritais de saúde terem sido escolhidos e da criação do Ministério da Saúde é que o
novo Ministro, em novembro de 2001, durante a oficina de trabalho da quinta missão
conjunta de avaliação, assumiu o compromisso pessoal de liderar o processo de
produção do documento propositivo de uma política de saúde para ao Timor Leste. Na
verdade, foi somente após as eleições parlamentares, em agosto de 2001, que o governo
transitório da UNTAET iniciou, segundo Alonso e Brugha142, a segunda e mais forte
fase de “timorização” (p. 212) da burocracia estatal, quando foram criados os
ministérios, entre eles o da Saúde, e se começou, de fato, a retirar das ONGs distritais o
controle da gestão do sistema em nível local e iniciar a construção do sistema de saúde
nacional. O monitoramento desse processo de hand-over era feito periodicamente, em
conjunto com os técnicos internacionais alocados no Ministério da Saúde, a medida que
cada grupo de gestão distrital ia sendo recrutado142. Portanto, quando o Ministro
assumiu o processo de elaboração do documento propositivo, um novo panorama já se
descortinava no rearranjo da estrutura político-administrativa do setor.
Levando em consideração que o compromisso de seis meses era muito curto
para cumprir com a elaboração do documento propositivo de uma política de saúde, a
possibilidade de realizar consultas societárias mais amplas e participativas era reduzida,
daí a utilização dos estudos elaborados pelos consultores e técnicos internacionais, ou
mesmo pelas ONGs, para tal fim. As chamadas reuniões de monitoramento, feitas com
as novas equipes distritais, a medida que iam sendo recrutadas e substituíam as ONGs,
foram outra instância de consulta e partilhamento, segundo Alonso e Brugha142, pois
eram um espaço de discussão em que as equipes antigas, chefiadas pelas ONGs,
apresentavam um balanço da situação de saúde no distrito para as novas equipes que
assumiam. Por fim, como o Ministério da Saúde também participou, na mesma época,
da elaboração do Plano de Desenvolvimento Nacional136 (PDN), seus técnicos tiveram
acesso também aos dados da Consulta Nacional, realizada em janeiro e fevereiro de
2002, em todo o território timorense, para coletar opiniões dos cidadãos sobre diferentes
assuntos, em diversos setores, entre eles o da saúde. Este último documento foi
essencial para a elaboração do capítulo sobre a visão, missão, valores e metas do
Documento Propositivo de uma Política de Saúde para o Timor Leste (DPPSTL). Pode-

127
se dizer, portanto, que pelo menos no setor saúde, alguma „consulta‟ à sociedade foi
realizada nesse processo.
Cliffe103, que participou de uma das MiCAs, como consultora do Banco
Mundial, afirma que essa instância “assegurava que toda a missão funcionasse como
uma espécie de exercício de construção de capacidades para os participantes
timorenses na área de planejamento em [situações] de reconstrução” (p. 235). Essa
abordagem é questionada por Rew60, para quem a elaboração conjunta de projetos pode
também se transformar num espaço de intervenção que utiliza o capital humano para
garantir seus produtos e atingir seus objetivos.
Para Mosse59, os projetos de desenvolvimento precisam manter a coerência
entre um sistema de representação de idéias e um sistema operacional para sua
implementação. A garantia do sucesso no resultado de um projeto estaria ligada à
implementação dessas idéias e, portanto, não dependeria da capacidade de transformar
as idéias em realidade, mas sim da origem das idéias. Para Mosse59, quanto mais
distante o sistema de representação das idéias do sistema de representação daqueles que
as vai implementar, mais difícil de alcançar sucesso. O que preocupa o autor é que
durante a negociação para elaboração de um projeto, em que participam atores nacionais
e internacionais, as representações das idéias aí envolvidas nunca se operam entre
iguais. Sendo assim, é justamente aí que opera e se impõe o poder do doador, calcado
numa racionalidade independente da realidade local, simbolizada por estudos técnicos e
densos relatórios, mas “velada pela retórica da parceria”59 (p. 40).
Mosse59 alerta ainda que o papel dos técnicos internacionais na elaboração
de projetos é o de “mediador da interface entre a operação de um projeto e as políticas
dos doadores, procurando interpretar um para o outro” (p. 134). Para ele, essa
habilidade de interpretar as políticas dos doadores e formular estratégias e abordagens
legítimas no âmbito dos novos projetos lhes confere grande influência junto à sua
própria organização; porém, essa influência declina quando o projeto começa a ser
implementado. No caso especifico do Timor Leste, alguns vínculos foram estabelecidos
no nível distrital do sistema, principalmente com alguns agentes locais, tais como os que
dominavam uma segunda língua, entretanto de forma insuficiente para levar o trabalho
naquele momento. A interrogação que persiste é se um tempo mais longo resolveria o
problema central das assimetrias assinaladas e potencializadas pelos métodos de
trabalho empregados.
Hughes44, ao analisar a condição de dependência timorense da ajuda
internacional, se aproxima de Mosse59 ao dizer que, mesmo numa situação em que a

128
dependência é consentida e pactuada, para benefício de ambos os lados, o que pode criar
problema é justamente a possibilidade de imposição ideológica por parte daqueles mais
fortes, ou seja, dos doadores. Para ela, essa postura se expressaria também na assistência
técnica internacional que, ao atuar como „tradutora‟ entre diferentes representações,
correria o risco de adotar padrões rígidos que não se adaptariam aos países recipientes.
No que concerne às possíveis influências de „modelos‟ preconizados por
atores internacionais na formulação de políticas alhures, Lewis e Mosse37 discutem,
numa perspectiva antropológica, que por trás de modelos pré-concebidos de
desenvolvimento há uma idéia, também pré-concebida, de organização da
governabilidade nacional. Essa idéia de organização tem fortes ligações com a
percepção de uma determinada ordem internacional, relacionada à perspectiva de uma
específica governança global, e envolve formas de poder que perpassam tanto o Estado
como suas estruturas burocráticas nacionais. Esse marco analítico foi construído a partir
de num estudo anterior de Mosse59 sobre a implantação de projetos de desenvolvimento
na Índia. Ao analisar as intervenções preconizadas por representantes das agências
internacionais, o autor concluiu que essas intervenções acabavam sendo menos
orientadas pelas necessidades de desenvolvimento do país do que pelas exigências das
agências e organizações internacionais que precisavam manter boas relações com a
comunidade de doadores, em última instância, seus financiadores. Daí que essas
políticas de desenvolvimento acabaram tendo, naquele país, um papel mais legitimador
das idéias dos doadores e das agências internacionais do que orientador do
desenvolvimento a que se propunham.
O primeiro documento propositivo de política de saúde (DPPSTL),
finalmente publicado em junho de 2002, depois da eleição do primeiro presidente
timorense e da restauração da independência, expressava, nitidamente, o contexto em
que havia sido elaborado: para atender as exigências contratuais dos doadores,
vinculadas à reabilitação do setor e lidar, ao mesmo tempo, com a conjuntura nacional
de reestruturação institucional e de transição do poder político e gerencial. Não era o
documento ideal, mas o documento possível e, mais que isso, significava o
cumprimento de um dos requisitos exigidos à contraparte do governo transitório
timorense nos acordos internacionais, o que garantia, em grande medida, a continuidade
da ajuda no período da restauração da independência, como de fato, aconteceu115. Era
um documento que desenvolvia algumas idéias, mas não definia exatamente o que o
Ministério deveria implantar, como, onde e por quem. Faltou, nesse documento, traçar,
politicamente, as prioridades do Ministério da Saúde e determinar quais ações seriam

129
desencadeadas para cumprir essas prioridades, explicando como pretendia implantá-las
e com que recursos. Entretanto, incorporava e reiterava algumas premissas defendidas e
veiculadas pelo Banco Mundial.
Essa pouca relevância foi atestada pelo próprio Banco, em outubro de 2002,
na sétima MiCA, que constatou que nenhuma das medidas sugeridas no documento
havia ainda sido implantada e que “não havia uma relação clara entre os [novos]
Planos de Saúde Distritais e as prioridades percebidas e identificadas nacionalmente
[no DPPSTL e nos planos de atividade anual do Ministério da Saúde] e que, em parte,
isso era devido ao fato que, na verdade, ainda não havia um Plano Nacional de
Saúde”163 (p. 4). De fato, a análise do DPPSTL evidencia que ele reiterava, e pouco
ampliava, os elementos constitutivos dos dois projetos de reabilitação do setor e sua
estrutura se assemelhava mais a um programa que a uma política163.
No prefácio do DPPSTL158, o então Ministro da Saúde, Rui Maria de
Araújo, congratulava com o GAPS e sublinhava que o documento estava alinhado com
os princípios definidos no Plano de Desenvolvimento Nacional, lançado um mês antes:
redução da pobreza, crescimento da economia e incentivo às parcerias público-privadas.
Nas palavras do ministro, o documento focava no essencial, ou seja, numa abrangente
atenção primária em saúde, calcada na gestão descentralizada dos serviços. O Ministro
destacou também que a grande meta do Ministério era:

... aumentar o acesso aos serviços tornando a atenção primária


disponível para todos os timorenses, particularmente os grupos
mais vulneráveis, garantindo a disponibilidade de
medicamentos essenciais de qualidade em todas as unidades de
saúde e racionalizando o uso dos recursos [de forma a
promover] um sistema de saúde sustentável.158 (p. 3).

Para o ministro do setor, o DPPSTL tinha o mérito de, num único


documento, apresentar aos diferentes parceiros “uma primeira visão da direção [que se
pretendia] dar às políticas estratégicas do Ministério da Saúde”158 (p. 14). Em outras
palavras, alguns elementos fundamentais da agenda pós-welfare do Banco Mundial para
a saúde, formulada nos anos 1990 e difundida mundialmente, estava incorporada ao
documento propositivo164,165,166 de uma política de saúde para o Timor Leste.
E, no prefácio do Plano de Desenvolvimento Nacional136, o Primeiro
Ministro da República Democrática do Timor Leste, Mari Alkatiri, lembrava que os
timorenses haviam cumprido seus compromissos ao elaborarem seus planos de
desenvolvimento, tanto nacional quanto dos diferentes setores, e que as novas etapas por

130
vir aumentavam as suas responsabilidades e acarretavam novos desafios. E que, ao
concordarem com princípios e diretrizes da questão do desenvolvimento, apregoados
pelas organizações internacionais, estavam também, justamente por isso, cobrando a
continuidade da ajuda externa ao Timor Leste que, a partir de então, com base nos
planos elaborados, deveria alcançar outro patamar.

131
CAPÍTULO 5

CONCLUSÃO
RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS
NO TIMOR LESTE: LIDANDO COM CONFLITOS

O desafio deste trabalho foi buscar entender o conjunto de conhecimentos e


práticas adotado por diferentes atores, nacionais e internacionais, no processo de
formulação do primeiro documento propositivo de uma política de saúde para o Timor
Leste. E, a partir dessa compreensão, examinar o grau de influência que o
assessoramento técnico internacional teve naquele processo. Para isso, foi priorizado um
enfoque histórico que visou contextualizar diferentes fatos e acontecimentos que, de
certa forma, caracterizaram as relações que se estabeleceram entre aqueles atores. Mais
do que apresentar um resultado sintético do estudo da complexidade dessas relações,
esta conclusão se propõe articular algumas ideias, na perspectiva de contribuir para o
avanço dos estudos das relações internacionais e saúde em situações particulares.
Em maio de 2002, a República Democrática do Timor Leste (RDTL)
tornou-se o 184º membro das Nações Unidas e, consequentemente, do Banco Mundial e
do Fundo Monetário Internacional. Foi instigante compreender como se deu o processo
de construção desse novo Estado e, nesse processo, como diferentes atores, notadamente
as Nações Unidas, o Banco Mundial e diferentes entidades políticas timorenses se
relacionaram para desenvolver projetos e políticas para o setor saúde. Os 24 anos de luta
do povo timorense contra a dominação indonésia não foi somente uma luta
contestadora, mas também uma luta pela sua autodeterminação, legitimação e inclusão
na comunidade global como membro soberano. A revisão dessa trajetória nos deu
elementos para entender e reiterar que, no campo das relações internacionais, tanto nas
relações de conflito quanto nas de cooperação, estão embutidas relações de poder.
Como diria Valente55, citando Foucault, “o poder é a guerra continuada por outros
meios” (p. 276).
Nesta pesquisa, constata-se que, desde o início, a luta timorense pela sua
soberania não deixava de ser, em certa medida, como diria Foucault (apud Branco167),
uma luta que legitimava a ordem global estabelecida, uma vez que era dessa ordem que
o Timor Leste almejava participar. E que, assim sendo, ainda sob um olhar foucaultiano,
mais cedo ou mais tarde, todo seu movimento independentista acabaria sendo
“assimilado pelas malhas do poder [global]”167 (p. 16). Estas observações, relativizadas
132
por uma abordagem analítica histórica, nos ajudaram a compreender que a luta
timorense, em diferentes momentos da sua história, também se inseriu em diferentes
cenários globais. Entretanto, o foco desta pesquisa recaiu especialmente no período pós-
conflito no Timor Leste (1999-2002), quando as Nações Unidas e o Banco Mundial se
instalaram em território timorense com suas estruturas e sistemas de ajuda financeira e
cooperação técnica internacional. E, se durante o longo período colonial português e os
anos de dominação indonésia, as relações de poder estabelecidas no Timor Leste foram
claramente relações de coerção e repressão, chegando mesmo ao uso da violência
extrema, no caso da administração transitória exercida pela UNTAET, com apoio do
Banco Mundial, as relações de poder se exerceram no âmbito de uma burocracia que foi
forjada, no período pós-conflito, nas relações de cooperação técnica internacional.
Foucault (apud Branco167) nos ensina que a “tecnocracia” pode ser vista
como uma espécie de “humanismo”, à medida que “os tecnocratas imaginam ter a
competência para definir o que é a felicidade dos homens, o que é o bem comum e o
modo de realizá-la” (p. 17). De certa forma, essa afirmação encontra eco nos achados
desta pesquisa, pois, a partir de uma perspectiva histórica e estrutural, a questão da
cooperação internacional é tratada como intrinsecamente relacionada à atuação das
organizações multilaterais inseridas num sistema mundial e, portanto, está permeada
pelas mesmas relações de poder e de dominação que dirigem esse sistema, sendo que o
aparato técnico-burocrático para difundir idéias e gerir práticas de cooperação também
está afinado com essa determinação histórica, além de imbuído da convicção de que, de
fato, “sabe o que é melhor para a felicidade” dos cidadãos do novo país então
construído.
Foi destacado o papel da Organização das Nações Unidas em situações pós-
conflito, seu mandato (dado por um acordo assinado por todos os países) para negociar
com as partes envolvidas e implementar operações de manutenção da paz. Essas
operações têm sido, cada vez mais, apoiadas por atividades de cooperação que cobrem
ampla extensão de setores sociais. Para isso, contam com grande contingente de
assessores e consultores visando a elaboração de projetos e planos de cooperação para,
supostamente, ampliar a troca entre os países de „bens comuns‟ (técnicas e
conhecimento) e, de certa forma, levar o desenvolvimento para territórios e populações
afligidas pela guerra ou pela violência.
Sendo as organizações, assim como suas atividades de cooperação,
financiadas por países doadores, a partir da comunidade internacional, as relações
assimétricas de poder existentes no sistema mundial estão também presentes na relação

133
entre diferentes atores numa situação pós-conflito, que é extremamente dependente das
doações dessa comunidade.
Todo o financiamento para as operações de manutenção da paz, de
administração e de reconstrução do Timor Leste veio a partir do Banco Mundial, seja
por fundos consolidados, seja por fundos de doação. Por isso, para o Banco, a presença
das Nações Unidas no Timor Leste foi essencial para garantir a interação entre
estabilidade política e desenvolvimento econômico, elementos necessários ao sucesso
da implementação de projetos e políticas sociais. No caso do Timor Leste, como
abordou Silva57, “as doações internacionais condicionaram [de 1999 a 2003] a
construção e manutenção do Estado, cujos bens ofertados eram principalmente de três
espécies: recursos financeiros, humanos e tecnológicos” (p. 43).
Talvez a “generosidade internacional” com o Timor Leste se deva ao
potencial de sua grande riqueza econômica – o petróleo – que se encontra em águas que
separam o Timor Leste e a Austrália. Desde a época da invasão indonésia a sua
existência já era conhecida e nesse período a Indonésia negociou sua exploração com a
Austrália. Porém, a partir da administração transitória das Nações Unidas essa
negociação foi redirecionada entre a Austrália e o Timor Leste, sendo que em 2001,
após duras disputas, acordou-se que o Timor Leste receberia 90% dos resultados da
exploração do petróleo em suas águas e a Austrália ficaria com os restantes 10%121. Isso
representou a entrada para o país de 4 a 5 bilhões de dólares por ano, durante 20 anos, a
partir de 2004121. Entretanto, se o Timor Leste tivesse capacidade para refinar esse
petróleo seu ganho poderia ser bem maior.
Do ponto de vista financeiro, durante o período de transitoriedade, de 1999 a
2002, os mesmos recursos mobilizados pela comunidade internacional para levantar a
economia do país e garantir o salário dos nacionais também foram responsáveis pelo
salário de outros milhares de servidores internacionais. Sabia-se que esse aporte
financeiro não era sustentável e, como prova disso, já em 1999-2000, ocorreu um
crescimento rápido da inflação, contida à base da dolarização da economia, tornando o
país ainda mais dependente das doações externas. Segundo Rocamora121, a saída da
UNTAET, em 2002, do ponto de vista econômico, significou uma enorme redução no
ingresso de divisas no país que, juntamente com o aumento do consumo energético,
agravado pela inadimplência, fez aumentar o déficit público, levando o primeiro
governo timorense pós-independência a aumentar os impostos e adotar uma política de
contenção de gastos, como propunha o Banco Mundial, gerando insatisfação popular e
movimento oposicionista na crise de 2006.

134
Depois dessa crise política criou-se o Fundo do Petróleo e, com isso, o país
tem conseguido contornar problemas econômicos e sociais a partir de programas sociais
financiados com recursos da indústria petroleira. Em 2010, o Fundo do Petróleo
administrava mais de 6 bilhões de dólares (€4,38 bilhões). O modelo de gestão desse
Fundo, inspirado na Noruega, está a cargo do governo timorense, através do Ministério
das Finanças e do Banco Central, que são responsáveis pela sua gestão financeira e
operacional. Os recursos do Fundo não são utilizados diretamente no orçamento do
Estado, mas funcionam como uma poupança. Entretanto, cabe ao governo decidir, após
receber parecer do Comitê de Assessoria do Investimento, as linhas fundamentais da
política de investimentos do Fundo121.
Entretanto, o intuito desta pesquisa não foi destacar a gestão econômica do
período de transitoriedade no Timor Leste, mas o duplo desafio colocado para a
administração da UNTAET de governar politicamente um território pós-conflito e, ao
mesmo tempo, construir as instituições de um Estado independente. Nesse sentido, a
cooperação internacional teve importante papel na construção dessas instituições, a
partir de diferentes práticas de assessoria técnica, executadas tanto por consultoria direta
(postos de trabalho fixos, embora temporários, ou consultoria pontuais) quanto por
extenso programa de capacitação e transferência de técnicas e procedimentos. Vários
autores48,55,57 têm mostrado que essas práticas devem também ser entendidas como
mecanismos implícitos de poder. Este argumento foi também constatado nesta
investigação, nas práticas de cooperação entre organizações internacionais e grupos
políticos e técnicos timorenses no processo para a elaboração de projetos e políticas no
Timor Leste, principalmente, para o setor saúde.
Esses mecanismos implícitos de poder também se manifestavam no campo
da construção de capacidades, um braço forte da cooperação internacional no Timor
Leste. Percebemos que as atividades de construção de capacidades são potenciais
espaços para a disseminação de „modos de fazer‟ e da propagação de símbolos e valores
relacionados à cultura das organizações internacionais53. E concordamos com o estudo
de Silva57, que abordou essa questão durante o processo de seleção de recursos humanos
para o serviço público timorense, que esses símbolos e valores constituem elementos
importantes na construção da vida política da nova sociedade construída pós-conflito.
Essa é uma área, entretanto, que merece estudos mais aprofundados que, com certeza,
adicionarão novos elementos ao debate sobre as práticas da cooperação internacional.
Num relatório de avaliação de meio percurso139, feito pelas Nações Unidas
para o Banco Mundial, foi registrada a importância da assistência técnica prestada pelas

135
agências internacionais no Timor Leste, fosse na modalidade de “transferência ou troca
de técnicas e conhecimentos”168 (p. 1), fosse na modalidade do “aprender fazendo
junto”169 (p. ii). Nesse documento, as Nações Unidas demonstraram imensa preocupação
quanto ao fato de que a construção de capacidades não fosse um simples conjunto de
atividades cuja aplicação fornecesse resultados imediatos. E previram que139 :

... a transição administrativa [deveria] ficar a reboque da


transição política, pois, na época da independência, a maioria
do funcionalismo [timorense] não [teria] ainda 12 meses de
experiência, [significando] que uma limitada capacidade de
gestão [imporia] desafios para a continuidade da
implementação de programas de reconstrução (p. 4).

Dentre os temas que foram mencionados superficialmente neste estudo, mas


que merecem uma análise mais aprofundada, destacam-se os mecanismos políticos que
permearam o desafio de transformar uma administração internacional em nacional.
Nesta pesquisa aceitou o argumento de que a dimensão política do modelo de governo
adotado pela UNTAET durante a transitoriedade determinou os moldes da futura
administração nacional.
Neste trabalho, pretendemos compreender o processo de formulação de uma
proposta de política de saúde para o Timor Leste a partir da reflexão crítica sobre o
papel da assistência técnica internacional. Não é difícil que conhecimentos e saberes
elaborados por agentes externos sejam acusados de influência ou mesmo de ingerência
em decisões nacionais, entretanto procuramos elementos que demonstrassem que em
alguns casos, como no Timor Leste, a cooperação técnica, como analisou Valente55,
pode ser uma opção aceita pelos grupos nacionais “como estratégia política e não como
resultado de simples coerção ou imposição externa” (p. 274). Na situação em que se
encontrava o Timor Leste, entre 1999 e 2002, não eram muitas as opções de escolha
disponíveis para a elite política nacional. A imposição de prazos, embutidas nos acordos
de concessão, foi um aspecto importante nas relações de poder que permearam o
processo de cooperação técnica internacional, além de que se constituiu impulso para
desencadear o processo de elaboração da primeira proposta de política de saúde
timorense.
Ao analisar o processo de “timorização” do governo da UNTAET, Alonso e
Brugha142 reconhecem sua importância para o desenvolvimento da formulação de uma
política de saúde timorense, embora não mencionem, como foi feito nesta pesquisa, a
influência externa nesse processo, seja diretamente, a partir de assessorias, seja na
aplicação de parâmetros técnicos introduzidos por sugestões de relatórios ou

136
documentos do Banco Mundial ou de outras agências internacionais. Por outro lado,
Okuonzi e Macrae170, numa linha de pesquisa parecida com nossa investigação,
demonstraram preocupação em analisar o peso da influência de agências bi e
multilaterais nos processos de desenvolvimento de políticas de saúde pós-conflito em
Uganda. Ao analisaram o emprego de abordagens ampliadas de coordenação do
financiamento para o setor saúde nesse país, os autores perceberam que a utilização
dessa abordagem, embora reforçasse a liderança dos governos nacionais, ao utilizar
mecanismos específicos calcados em complexos planos técnicos de trabalho, acabou
favorecendo o envolvimento de grande número de atores internacionais na formulação
das políticas nacionais de saúde.
Esse ponto de vista coincide com as análises realizadas em relação ao
processo desenvolvido no Timor Leste para a elaboração dos projetos setoriais,
financiados pelo Banco Mundial, e que foram a base metodológica para a elaboração do
documento propositivo da política de saúde. Nossa investigação também observou que,
embora autoridades timorenses do governo co-participativo transitório tenham criado
um Grupo Assessor em Política de Saúde, praticamente todas as iniciativas para iniciar
(e reiniciar) o processo que permitiria formular uma política de saúde para o Timor
Leste surgiram a partir da assistência técnica internacional. Foi somente sob pressão, e
com prazos muito curtos de quatro meses, que o Ministro da Saúde assumiu a liderança
do processo e o levou até o fim, finalizando a elaboração e promovendo a publicação do
documento.
Ao aceitar que relações de cooperação também embutem relações de
poder55, pode-se também esperar que, nessas relações, existam mecanismos de
resistência. Embora não tenha aprofundado essa questão, destaca-se que a expressão de
certos mecanismos de resistência não foi, durante o processo de reabilitação do setor
saúde no Timor Leste, exclusividade das relações entre técnicos nacionais e
internacionais, mas foi também perceptível na relação dos técnicos nacionais com a
própria população beneficiária dos serviços de saúde. Além disso, num processo de
incorporação de saberes externos pode estar embutida a transmissão de conhecimentos
inadequados à realidade local e que, dependendo do grau de inadequação, pode
despertar a resistência da população local.
A elaboração de uma política de saúde para o Timor Leste era um pré-
requisito dos acordos de concessão, pelo Banco Mundial, dos fundos para a
reconstrução do setor, assim como a elaboração do Plano de Desenvolvimento Nacional
era um pré-requisito para a independência do país. Foi na quarta reunião de doadores131,

137
em Canberra, que se começou a discutir a necessidade da inclusão no Plano de
Desenvolvimento Nacional de algumas medidas que vinham sendo preconizadas pelo
Banco Mundial e outras agências de desenvolvimento desde o final dos anos de 1990,
tais como determinadas vias de promoção do crescimento econômico, de redução da
pobreza e de participação do setor privado. Tanto o PDN como o primeiro documento
propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste incorporou essas medidas.
A assistência técnica internacional ao Ministério da Saúde do Timor Leste
estava, em 2002, composta por 55 assessores de diferentes países. A presença desses
profissionais se fazia sentir desde a sistematização das práticas cotidianas até nas idéias
expressas em relatórios ou reuniões de trabalho. A forma de atuação dos assessores
internacionais, geralmente, seguia um padrão parecido com o descrito por Valente55
para os técnicos alemães da GTZ, ou seja, era “marcada pelo pragmatismo, pela
aplicação direta de conhecimentos, pela sistematização de informações” (p. 280),
elementos importantes de comportamento que acabam sendo incorporados
simbolicamente na relação entre os parceiros nacionais e internacionais. Isso também se
verificou no caso do Timor Leste, assim como a percepção, também verificada por
Valente55, de que quando um projeto de cooperação internacional procura „capacitar‟
atores nacionais, os atores internacionais estão também se capacitando enquanto
agência, ou seja, valorizando ainda mais sua expertise para outros projetos.
É sabido que em ambientes pós-conflito uma das dificuldades na construção
de uma governança forte é a falta de confiança dos atores nacionais em relação à
permanência da assistência externa, uma vez passado o período de crise171. Nesse
sentido, o engajamento de organismos internacionais mediadores na formulação de
políticas em países afetados por conflitos ou desastres naturais tem sido visto como
fator importante para diminuir essa desconfiança e criar condições para a continuidade
da ajuda para o desenvolvimento no país afetado.
Ao analisar a relação entre agentes internacionais e instituições locais nos
processos de formulação de políticas pós-conflito, a partir do caso do Timor Leste,
observamos que a aceitação de propostas e idéias externas não só legitima a autoridade
dos agentes internacionais na esfera doméstica, como também ajuda a criar uma
atmosfera mais sustentável para que as instituições locais consigam alcançar resultados
e, com isso, aumentar a aprovação de seu eleitorado. Assim, ambas esferas
institucionais, nacional e internacional, acabam se beneficiando do elemento
„participativo‟ na busca pela legitimação de sua autoridade.

138
Desde o início, a elaboração de uma política de saúde para o Timor Leste
era vista, pelos atores internacionais, como um mecanismo importante do processo da
ajuda internacional voltado para o desenvolvimento, procurando reforçar os laços de
confiança dos nacionais no futuro dessa cooperação. O processo de elaboração do
primeiro DPPSTL não só reforçou esse aspecto de confiabilidade entre os diferentes
atores como ajudou a ampliar, a partir da dinâmica participativa, a capacidade de cada
ator no processo. Embora muitos elementos e estratégias incorporadas pelos timorenses
em suas políticas sigam mais os padrões internacionais do que locais, o processo de
elaboração do primeiro DPPSTL serviu para legitimar a autoridade de saúde nacional
frente aos parceiros internacionais, a partir do cumprimento da condicionalidade
exigida, mas também consolidou essa autoridade no governo nacional e frente à
população do país.
Como ficou claramente expresso pelo Ministro da Saúde, em 2002, o
documento propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste pretendia, antes de
tudo, organizar oficialmente a informação sobre a situação do setor saúde no país e
estabelecer diretrizes para que a atuação de todos, nacionais e internacionais, seguisse
uma perspectiva mais estratégica e de médio prazo.
Essa percepção é reiterada em 2009, no documento estratégico de
cooperação da OMS com o Timor Leste, para cinco anos171. Nesse documento os temas
levantados no DPPSTL ainda estavam presentes na agenda e nas prioridades do
Ministério. Embora o documento comente que havia problemas quanto ao sistema de
governança nacional, evidenciava que o sistema de saúde timorense continuava a ser
inteiramente público, financiado por recursos públicos e de ajuda externa. E reconhecia
que, nesse sentido, o Ministério da Saúde tinha tido um papel importante ao manter a
coordenação, a partir de uma abordagem ampliada, dos financiamentos externos, em
concordância com as diretrizes traçadas no DPPSTL, o que ajudou a incrementar a
parcela do orçamento do Estado para o setor saúde de 12%, em 2002, para 19% (45
dólares per capita), em 2005171.
Segundo o mesmo documento171, o governo timorense também continuava a
manter seu compromisso com o processo de descentralização, mencionado no DPPSTL,
procurando ampliar a participação comunitária, estabelecendo assembléias municipais e
promovendo um sistema integral de saúde comunitária. O investimento na capacitação
de recursos humanos em saúde, que foi um dos seis itens do DPPSTL, continuava como
prioridade do Ministério da Saúde (o sistema de saúde contava, em 2009, com cerca de
2.500 profissionais de saúde timorenses – dentre esses, menos de 30 médicos nacionais,

139
sendo 300 cubanos – e havia cerca de 600 timorenses fazendo o curso de medicina em
Cuba). O Ministério da Saúde timorense, em 2009, tinha cinco diretorias
(Administração e Logística, Planejamento e Finanças, Desenvolvimento de Recursos
Humanos, Saúde Comunitária e Serviços Hospitalares e de Referência) e duas entidades
autônomas (Serviço Autônomo de Medicamentos e Equipamentos em Saúde e o
Laboratório Nacional)171.
O Ministério da Saúde timorense continua priorizando o reforço do sistema
de saúde e a ampliação de sua capacidade para atender às necessidades de saúde do país.
Entretanto, se para essas ações o primeiro DPPSTL preconizava a utilização dos
modelos de padrões mínimos para os serviços de saúde, depois de sete anos, percebe-se,
pelo documento da OMS, que o Ministério da Saúde vem procurando implementar o
sistema de saúde não apenas a partir de indicadores de carga de doenças e necessidades
de saúde nos diferentes distritos, mas também promovendo interações com outras
políticas, na perspectiva dos determinantes sociais de saúde. Além disso, vem criando
programas de prevenção, controle, eliminação e erradicação de enfermidades,
principalmente transmissíveis, cuja incidência ainda é muito alta no país. A promoção
da saúde também tem sido tratada como prioridade na rede básica de atenção, que
possuí hoje 68 centros de saúde, 183 postos de saúde e 162 equipes móveis171.
Em síntese, o estudo apontou que os mecanismos de indução das agências
internacionais integram o elenco de medidas de controle que os doadores procuram
exercer sobre os países receptores da ajuda externa, mediado pelas organizações
internacionais e por mecanismos de cooperação técnica. A indução inerente a esses
processos se articula e se entrelaça, em conjunturas particulares, nas diversas arenas
políticas, nacionais e internacionais, e nos espaços de negociação; mas é, em certa
medida, consentida pelos atores nacionais, pela extrema dependência dos países
receptores dessa ajuda externa. A elaboração de uma proposta de política de saúde era
pré-requisito dos acordos de concessão de empréstimos, mas a pressão dos prazos e a
baixa capacidade técnica local para cumprir com esses prazos foram os motores de
oficinas, seminários e reuniões, que serviram também para homogeneizar capacidades,
difundir idéias e construir consensos. Em tão curto espaço de tempo havia dificuldade
em conseguir que os profissionais locais compreendessem, assimilassem e
introduzissem novos conceitos e práticas de trabalho no seu dia a dia. O documento
propositivo de uma política de saúde para o Timor Leste foi, portanto, o resultado da
relação entre idéias e condicionalidades dos organismos internacionais, veiculadas pela
cooperação técnica e articuladas por mecanismos de controle das agências

140
internacionais; mas foi também fruto da interação das idéias e propostas da elite política
nacional (que, por sua vez, interatua também com as distintas lideranças locais) com os
técnicos e profissionais estrangeiros. Dessa intrincada rede de relações é que emerge
uma primeira proposta de direção para a política setorial no Timor Leste, diretrizes estas
que estão vigentes até muito recentemente.
Portanto, a análise do processo de formulação do primeiro DPPSTL ajuda a
compreender como a cooperação técnica internacional, a oferta de idéias, as
condicionalidades e os mecanismos de controle das agências e doadores se articulam,
em conjunturas particulares, com a dinâmica nacional, em que diversas arenas políticas
se entrelaçam em diferentes tempos e espaços de negociação. Analisar esse processo
implicou entender a arquitetura da ajuda ao setor saúde no Timor Leste, assim como a
dinâmica estabelecida pelo Banco Mundial nesse caso específico de situação pós-
conflito. Esse foi apenas um primeiro, mas relevante passo na produção de
conhecimentos sobre o tema.

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IDRC/CIDA Tsunami Affected Communities Projetc. August 2008. Disponível
em http://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/41315/1/129152.pdf (em
02.04.2011).

170. Macrae J, Harmer A. Beyond the continuum: the changing role of aid policy in
protracted crises. Humanitarian Policy Group. Report 18. ODI. London. July
2004. Disponível em http://www.odi.org.uk/resources/download/236.pdf

171. WHO. Country Cooperation Strategy 2009-2013. Díli. 2009. Disponível em


http://www.who.int/countryfocus/cooperation_strategy/ccs_tls_en.pdf (Acesso em
8 de julho de 2011).

153
ANEXO 1. MAPA DO TIMOR LESTE

154
ANEXO 2

CRONOLOGIA DE EVENTOS DURANTE O PROCESSO DE FORMULAÇÃO


DA POLÍTICA DE SAÚDE NO TIMOR LESTE 1999-2002

DATA EVENTO
Realizada uma Conferencia sobre Planejamento do
Desenvolvimento Estratégico para o Timor Leste, em Melbourne,
Abril
Austrália, pelo Conselho Nacional da Resistência Timorense
de 1999
(CNRT), apoiada pela Universidade de Monash e Universidade
Tecnológica de Victoria.
Assinado o Acordo de Nova Iorque entre Indonésia e Portugal
que definiu a realização da consulta popular no Timor Leste e um
Maio período de transição liderado pelas Nações Unidas.
de 1999 Criação da UNAMET (Missão das Nações Unidas para o Timor
Leste), para implantar o processo eleitoral, inaugurando a entrada
oficial da ONU no território timorense.
Agosto Realizado o plebiscito no qual 78,5% da população timorense
de 1999 escolheu sua independência e autodeterminação.
Milícias pró-autonomia espalham a violência e a destruição pelo
território timorense.
Chegada da INTERFET (Forças Internacionais para o Timor
Setembro
Leste) da ONU, liderada pela Austrália.
de 1999
Realizada a Reunião do Anual do Banco Mundial, em
Washington, que acorda financiar o processo de reconstrução do
Timor Leste para consolidação de sua independência.
O parlamento indonésio reconhece o resultado oficial do
plebiscito realizado no Timor Leste.
Outubro Criação da UNTAET (Administração Transitória das Nações
de 1999 Unidas no Timor Leste) com 5 gabinetes (segurança, justiça,
ações humanitárias, governança e administração pública,
mercado e economia).
Criado o Grupo de Trabalho de Profissionais de Saúde do Timor
Leste (GTPSTL) por profissionais que haviam participado do
Seminário de Melbourne em abril de 1999.
Realizada a primeira Missão Conjunta de Avaliação (MiCA),
Novembro liderada pelo Banco Mundial, que prepara um Documento Base
de 1999 para diferentes setores, inclusive Saúde e Educação, com
sugestões e recomendações, para a reunião de doadores.
Criado o Grupo de Trabalho Conjunto sobre Serviços de Saúde
que congregava tanto membros nacionais oriundos do GTPSTL
como de profissionais internacionais.

155
Realizada a primeira Reunião de Doadores para o Timor Leste,
liderada pelo Banco Mundial e Nações Unidas, em Tóquio, que,
com base no relatório da 1ª MiCA, estabelece um Fundo
Dezembro Fiduciário para o Timor Leste.
de 1999
Criação do Conselho Consultivo Nacional, pela UNTAET, como
mecanismo de participação no governo da administração
transitória.
Estabelecimento de uma Comissão do Serviço Público, com o
Janeiro
propósito de estabelecer as bases de regulamentação para o
de 2000
funcionalismo público timorense.
Fevereiro Formação de uma Autoridade Interina em Saúde (AIS) no âmbito
de 2000 do Gabinete de Assuntos Sociais.
Criação dos Conselhos de Suco e de Postos Administrativos, para
Março
participação mais efetiva no desembolso de fundos, em
de 2000
cooperação com a UNTAET.
Maio Realizada a segunda MiCA (Missão Conjunta de Avaliação) em
de 2000 que se elaborou o PRDSS I.
Realizada a segunda Reunião de Doadores para o Timor Leste,
em Lisboa.
Assinado, entre a UNTAET e a IDA, o primeiro Acordo de
Junho Concessão do Primeiro Fundo Fiduciário para o Timor Leste
de 2000 (TFET I) para o primeiro Projeto de Reabilitação e
Desenvolvimento do Setor Saúde (PRDSS I), que previam a
formulação de uma política nacional de saúde para o Timor
Leste.
Início da implantação do primeiro PRDSS I.
Criação do Conselho Nacional, que substituiu o Conselho
Julho Consultivo Nacional, e do Primeiro Gabinete do Governo de
de 2000 Transição, com participação mais efetiva de representantes
timorenses no processo de decisão.
Criada a Divisão dos Serviços de Saúde (DSS).
Realizada a terceira MiCA
Novembro Criado o Grupo Assessor em Política de Saúde (GAPS), pela
de 2000 AIS, que deveria ser o responsável pelo processo de elaboração
da política de saúde para o Timor Leste.
Realizada a terceira Reunião de Doadores para o Timor Leste, em
Dezembro
Bruxelas, na qual se cobra o inicio dos trabalhos para a
de 2000
elaboração de uma política de saúde timorense.
Realizado o seminário de formulação de políticas que publica
dois documentos: “Parcerias e análise da situação do nível
Fevereiro distrital de saúde no Timor Leste: um novo modelo de
de 2001 cooperação” e “Formulação de uma Política de Saúde no Timor
Leste: um processo genuíno de participação e interação
timorense”.

156
Maio Realizada a quarta MiCA..
de 2001
Realizada a quarta Reunião de Doadores para o Timor Leste, em
Junho
Camberra, que cobra fortemente a retomada dos trabalhos de
de 2001
elaboração da política de saúde.
Agosto Realizada eleições para a Assembleia Constituinte no Timor
de 2001 Leste.
Tomada de posse dos membros eleitos da Assembleia
Constituinte.
Formação do segundo governo co-participativo transitório da
UNTAET e criação do Conselho de Ministros, em substituição ao
Conselho Nacional.
Criação do Ministério da Saúde.
Setembro
de 2001 Início de processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento
Nacional (PDN).
Reiniciado o trabalho do GAPS que identifica seis novos temas
de macropolíticas para o setor saúde.
Criação de uma Comissão e de 8 Grupos de Trabalho setoriais
coordenados por cada Ministro Interino para a elaboração do
PDN e do Relatório sobre o Estado da Nação.
Divulgação dos resultados do Estudo dos Sucos (ESTL) feito pela
Comissão do PDN.
Outubro Assinado entre a UNTAET e IDA o Acordo de Concessão do
de 2001 Segundo Fundo Fiduciário para o Timor Leste (TFET II) para o
Segundo Projeto de Reabilitação e Desenvolvimento do Setor
Saúde (PRDSS II).
Realizada a quinta MiCA que recomenda urgência na elaboração
da política de saúde timorense.
Novembro
de 2001 O Ministério da Saúde decide retomar os trabalhos de elaboração
da política de saúde para o Timor Leste e se compromete a
finalizá-la até maio de 2002.
Realizada a quinta Reunião de Doadores para o Timor Leste, em
Dezembro
Oslo, que novamente cobra o cumprimento dos prazos para a
de 2001
elaboração da política de saúde timorense.
Jan/Fev. Redação da Constituição da RDTL pela Assembleia Constituinte.
de 2002
Março Cerimônia de assinatura da nova Constituição do Timor Leste,
de 2002 que entrou em vigor em 20 de maio de 2002.
Eleições presidenciais (dia 14) com vitória do candidato
independente Xanana Gusmão.
Abril
Divulgação do “Relatório sobre o Estado da Nação”.
de 2002
Divulgação do documento “Timor Leste 2020: Nossa Nação,
Nosso Futuro”.

157
Sexta Reunião de Doadores para o Timor Leste, em Dili.
Divulgação do Plano de Desenvolvimento Nacional.
Maio Posse do Primeiro Presidente Eleito da RDTL, Kay Rala Xanana
de 2002 Gusmão, e transmissão de poder do Representante da ONU,
Sérgio Vieira de Mello, para o novo Presidente, com grande
celebração popular.
Junho Divulgação da Estrutura da Política de Saúde do Timor Leste.
de 2002
Novembro Realizada a sétima MiCA.
de 2002
Realizada a sétima Reunião de Doadores para o Timor Leste, em
Dezembro
Díli. Finalizado o PRDSS I e continuidade na implantação do
de 2002
PRDSS II.

158
ANEXO 3

DOCUMENTOS DO BANCO DE DADOS DA PESQUISA


(Ordem cronológica)

Doc. Tipo de Documento Características

Doc. CNRT. Statement of the National Council Realizada uma Conferencia sobre
01 of Timorese Resistance. Australia: Planejamento do Desenvolvimento
Melbourne. April 9, 1999. Disponível em Estratégico para o Timor Leste,
www.mail-archive.com/leftlink@ em Melbourne, Austrália, pelo
vicnet.net.au/msg01050.html (acesso em Conselho Nacional da Resistência
10.09.2010) Timorense (CNRT), apoiada pela
Universidade de Monash e
Universidade Tecnológica de
Victoria.

Doc. United Nations. Question of East Timor: Assinado o Acordo de Nova


02 Report of the Secretary-General. May 5, Iorque entre Indonésia e Portugal
1999. Disponível em que definiu a realização da
www.un.org/en/documents (acesso em consulta popular no Timor Leste e
09.09.2010) um período de transição liderado
pelas Nações Unidas.

Doc. World Bank. Background Paper Prepared Realizada a Reunião do Anual do


03 for the Information Meeting on East Timor, Banco Mundial, em Washington,
East Asia and Pacific Region of the World que acorda financiar o processo de
Bank. Washington, D.C. September 29, reconstrução do Timor Leste para
1999. Disponível em www-wds. consolidação de sua
worldbank.org (acesso em 09.09.2010) independência.

Doc. World Bank. Information Meeting on East Discurso do Vice Presidente do


04 Timor: Remarks by Jean-Michel Severino, Banco Mundial sobre a
World Bank Vice-President, East Asia and importância para o Banco de
Pacific Region of the World Bank. financiar a reconstrução do Timor
Washington, D.C. September 29, 1999. Leste.
Disponível em www-wds.worldbank.org
(acesso em 09.09.2010)

Doc. Gusmão X. Speech delivered by Xanana Discurso de Xanana Gusmão


05 Gusmão, President of the CNRT, on the pedindo apoio da comunidade
occasion of the 1999 Annual World Bank internacional para o projeto de
Information Meeting. Washington, D.C. independência timorense.
September 29, 1999. Disponível em www-
wds.worldbank.org (acesso em 09.09.2010)

159
Doc. World Bank. Joint Needs Assessment Criado o Grupo de Trabalho de
06 Mission: TORs, The World Bank. Profissionais de Saúde do Timor
Washington, D.C. October 1999. Disponível Leste (GTPSTL) por profissionais
em www-wds.worldbank.org (acesso em que haviam participado do
09.09.2010) Seminário de Melbourne em abril
de 1999. Realizada a primeira
Missão Conjunta de Avaliação
Doc. World Bank. East Timor, Building a Nation: (MiCA), liderada pelo Banco
07 A Framework for Reconstruction and Mundial, que prepara um
Development – Joint Assessment Mission: Documento Base para diferentes
Health and Education Background Paper. setores, inclusive Saúde e
Washington, D.C. November, 1999. Educação, com sugestões e
Disponível em: www-wds.worldbank.org recomendações, para a reunião de
(Acesso em 09/09/2010). doadores. Realizada a primeira
Missão Conjunta de Avaliação
(MiCA), liderada pelo Banco
Mundial, que prepara um
Documento Base para diferentes
setores, inclusive Saúde e
Educação, com sugestões e
recomendações, para a reunião de
doadores.

Doc. World Bank. Press Release of the Donors Realizada a primeira Reunião de
08 Support Rebuilding of East Timor. Japan Doadores para o Timor Leste,
Tokyo. December 17, 1999. Disponível em liderada pelo Banco Mundial e
www-wds.worldbank.org (acesso em Nações Unidas, em Tóquio, que,
09.09.2010) com base no relatório da 1ª MiCA,
estabelece um Fundo Fiduciário
para o Timor Leste. Criação do
Conselho Consultivo Nacional,
pela UNTAET, como mecanismo
de participação no governo da
administração transitória.

Doc. World Bank. East Timor Health Sector Formação de uma Autoridade
09 Rehabilitation and Development Project. Interina em Saúde (AIS) no âmbito
Report/Appraisal No. BID8817. do Gabinete de Assuntos Sociais.
Washington, D.C. March 2000. Realizada a segunda MiCA
(Missão Conjunta de Avaliação)
em que se elaborou o PRDSS I.
Doc. World Bank. Appraisal of the First East
10 Timor Health Sector Rehabilitation and
Development Project. Washington, D.C.:
The World Bank. March-May 2000.

160
Doc. World Bank. Grant Agreement for the First Assinado, entre a UNTAET e a
11 Trust Fund for East Timor (TFET I) for the IDA, o primeiro Acordo de
First Health Sector Rehabilitation and Concessão do Primeiro Fundo
Development Project between UNTAET Fiduciário para o Timor Leste
and IDA. June 7, 2000. Disponível em (TFET I) para o primeiro Projeto
www-wds.worldbank.org (Acesso em de Reabilitação e
09.09.2010) Desenvolvimento do Setor Saúde
(PRDSS I), que previam a
formulação de uma política
nacional de saúde para o Timor
Leste.

Doc. ETTA/IHA. Request for Proposals for Inicio da implantação do primeiro


12 District Health Plans. Díli: mimeo. June PRDSS I
2000.

Doc. World Bank. Press Release of the Second Realizada a segunda Reunião de
13 Donors Meeting for East Timor. Portugal: Doadores para o Timor Leste, em
Lisbon. June 23, 2000. Disponível em Lisboa. Criação do Conselho
www-wds.worldbank.org (Acesso em Nacional, que substituiu o
09.09.2010) Conselho Consultivo Nacional, e
do Primeiro Gabinete do Governo
de Transição, com participação
Doc. World Bank. Background paper for donor‟s mais efetiva de representantes
14 meeting on East Timor, timorenses no processo de decisão.
UNTAET/WB/IMF. Portugal Lisbon. June Criada a Divisão dos Serviços de
22-23, 2000. Disponível em www- Saúde (DSS).
wds.worldbank.org (acesso em 09.09.2010)

Doc. World Bank/IDA. Memorandum of the Memorando da IDA/Banco


15 President of the International Development Mundial cobrando mais autoridade
Association (IDA) to the Executive da UNTAET no cumprimento dos
Directors on a Transitional Support Strategy prazos dos contratos com o Timor
of the World Bank Group for East Timor. Leste. Realizada a terceira MiCA
WB/IDA. Washington, D.C. November 3, Criado o Grupo Assessor em
2000. Disponível em www-wds. Política de Saúde (GAPS), pela
worldbank.org (Acesso em 09.09.2010) AIS, que deveria ser o responsável
pelo processo de elaboração da
política de saúde para o Timor
Leste.

Doc. World Bank. Press Release of the Third Realizada a terceira Reunião de
16 Donors Meeting for East Timor. Belgium: Doadores para o Timor Leste, em
Brussels. December 6, 2000. Disponível em Bruxelas, na qual se cobra o inicio
www-wds.worldbank.org (Acesso em dos trabalhos para a elaboração de
09.09.2010) uma política de saúde timorense.

161
Doc. IMF/WB. Recent Developments and Apresentado na terceira Reunião
17 Macroeconomics Assessment – East Timor. de Doadores para o Timor Leste,
Washington, D.C. December 6, 2000. em Bruxelas.
Disponível em www-wds.worldbank.org
(Acesso em 09.09.2010)

Doc. WHO. WHO‟s Contribution to Health Documento sucinto de colaboração


18 Sector Development in East Timor: da OMS com o Timor Leste, onde
Biennial Report January 2000 – December somente em 2003 foi aberto um
2001. East Timor: Díli. December, 2001. escritório de representação.
Disponível em www.who.int/disasters/
repo/6979.doc (Acesso em 30.09.2010).

Realizado o seminário, financiado


Doc. ETTA/DHS. Stakeholder and Situation pelo Banco Mundial e
19 Analysis of Health System at District Level administrado por consultores do
in East Timor: A New Model of Banco, para a formulação de
Cooperation? Dili: mimeo. April 2001. políticas que publica dois
documentos: “Parcerias e análise
da situação do nível distrital de
Doc. ETTA/DHS. Health Policy Formulation in saúde no Timor Leste: um novo
20 East Timor: a Genuine Timorese modelo de cooperação” e
Participatory and Interactive Process. Dili: “Formulação de uma Política de
mimeo. April 2001. Saúde no Timor Leste: um
processo genuíno de participação e
interação timorense”. Realizada a
quarta MiCA.

Doc. World Bank. Press Release of the Fourth


21 Donors Meeting for East Timor. Australia:
Canberra. June 15, 2001. Disponível em
www-wds.worldbank.org (acesso em Realizada a quarta Reunião de
09.09.2010) Doadores para o Timor Leste, em
Camberra, que cobra fortemente a
retomada dos trabalhos de
Doc. World Bank. Report of the Trustee and elaboração da política de saúde.
22 Proposed Work Programme for July 2001 –
June 2002, TFET Donor‟s Council Meeting.
Australia: Canberra. June 13, 2001.
Disponível em www-wds.worldbank.org
(Acesso em 09.09.2010)

Doc. World Bank. Background paper for donor‟s Realizada a quarta Reunião de
23 meeting on East Timor. Doadores para o Timor Leste, em
UNTAET/WB/IMF. Australia: Canberra. Camberra, que cobra fortemente a
June 14-15, 2001. Disponível em www- retomada dos trabalhos de
wds.worldbank.org (acesso em 09.09.2010) elaboração da política de saúde.

162
Doc. World Bank. East Timor Second Health Assinado, entre a UNTAET e a
24 Sector Rehabilitation and Development IDA, o segundo Acordo de
Project. Report/Appraisal No. PID10500 Concessão do Primeiro Fundo
Washington, D.C. June 2001. Disponível Fiduciário para o Timor Leste
em www-wds.worldbank.org (Acesso em (TFET I) para o primeiro Projeto
09.09.2010) de Reabilitação e
Desenvolvimento do Setor Saúde
(PRDSS I), que previam a
Doc. World Bank. Project Appraisal Document formulação de uma política
25 on a Proposed Grant in the Amount of USD nacional de saúde para o Timor
12.6 Million to East Timor for a Second Leste.
Health Sector Rehabilitation and
Development Project. Report No. 22253- Realizada eleições para a
TP. Washington, D.C. June 29, 2001. Assembléia Constituinte no Timor
Disponível em www-wds.worldbank.org Leste.
(Acesso em 09.09.2010)
Tomada de posse dos membros
eleitos da Assembléia
Doc. World Bank. Grant Agreement for the Constituinte.
26 Second Trust Fund for East Timor (TFET
II) for the Second Health Sector Formação do segundo governo co-
Rehabilitation and Development Project participativo transitório da
between UNTAET and IDA. October 15, UNTAET e criação do Conselho
2001. Disponível em www-wds. de Ministros, em substituição ao
worldbank.org (Acesso em 09.09.2010) Conselho Nacional, e de um
Ministério da Saúde

Doc. Health Net International. A Survey on Documento de ONG.


27 Accessibility of Health Services and Health-
seeking Behavior in Liquiça District. Dili:
mimeo. October-november 2001.

Doc. IMF. An Assessment of Economic Início de processo de elaboração


28 Conditions, Prospects and Policy Issues: do Plano de Desenvolvimento
The IMF Mission to East Timor. November, Nacional (PDN).
2001.

Doc. World Bank. Opening Remarks of the Fifth Reiniciado o trabalho do GAPS
29 Donors Meeting for East Timor. Norway: que identifica seis novos temas de
Oslo. December 11, 2001. Disponível em macropolíticas para o setor saúde.
www-wds.worldbank.org (Acesso em
09.09.2010) Criação de uma Comissão e de 8
Grupos de Trabalho setoriais
coordenados por cada Ministro
Doc. World Bank. Background paper for donor‟s Interino para a elaboração do PDN
30 meeting on East Timor. e do Relatório sobre o Estado da
UNTAET/WB/IMF. Norway: Oslo. Nação.
December 11-12, 2001. Disponível em

163
www-wds.worldbank.org (Acesso em
09.09.2010) Realizada a quinta Reunião de
Doadores para o Timor Leste, em
Oslo, que novamente cobra o
Doc. World Bank. Press Release of the Fifth cumprimento dos prazos para a
31 Donors Meeting for East Timor. Norway: elaboração da política de saúde
Oslo. December 13, 2001. Disponível em timorense.
www-wds.worldbank.org (Acesso em
09.09.2010) O Ministério da Saúde decide
retomar os trabalhos de elaboração
da política de saúde para o Timor
Doc. World Bank. Report of the Trustee and Leste e se compromete a finalizá-
32 Proposed Work Programme for January la até maio de 2002.
2002 – June 2002. TFET Donor‟s Council
Meeting. Norway: Oslo. December 13,
2001. Disponível em www-wds.
worldbank.org (Acesso em 09.09.2010)

Doc. ETTA/DHS. The New Health Policy Redação da Constituição da RDTL


33 Formulation Process in East Timor. Dili: pela Assembléia Constituinte.
mimeo. March 2002.
Cerimônia de assinatura da nova
Constituição do Timor Leste, que
Doc. ETTA/DHS. Induction Seminar for District entrou em vigor em 20 de maio de
34 Health Management Officers (DHMOs) 2002.
recruited by Ministry of Health of East
Timor. Dili: mimeo. March 2002. O Ministério da Saúde decide
retomar os trabalhos de elaboração
da política de saúde para o Timor
Doc. World Bank. TFET Bulletin Update No. 16. Leste e se compromete a finalizá-
35 Tuesday. East Timor: Dili. 26 March 2002. la até maio de 2002.
Disponível em http://siteresources.
worldbank.org/INTTIMORLESTE/Resourc
es/TFET+Update16.pdf (Acesso em
12.10.2010)

Doc. Governo da RDTL. Comissão do Plano. Cerimônia de assinatura da nova


36 Relatório do Estado da Nação. Díli. Abril de Constituição do Timor Leste, que
2002. entrou em vigor em 20/05/2002.

Doc. United Nations. Report of the Secretary Documento de ponto da situação


37 General on the United Nations Transitional para a independência do Timor
Administration in East Timor, No. Leste.
S/2002/432. New York. April 17, 2002.
Disponível em http://daccess-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N02/327/74/I
MG/N0232774.pdf?OpenElement (acesso
em 18.10.2010)

164
Doc. Governo da RDTL. Comissão do Plano. Eleições presidenciais (dia 14)
38 Plano de Desenvolvimento Nacional. Díli. com vitória do candidato
Maio de 2002. independente Xanana Gusmão.

Divulgação do “Relatório sobre o


Doc. Governo da RDTL. Ministério da Saúde. Estado da Nação”.
39 East Timor‟s Health Policy Framework.
Dili: mimeo. June 2002. Divulgação do documento “Timor
Leste 2020: Nossa Nação, Nosso
Futuro”.

Doc. UNICEF. United Nations Children‟s Fund Documentos muito sucintos de


40 in East Timor. Dili: mimeo. 2002. agências.

Doc. UNFPA. United Nations Population Fund in


41 East Timor. Dili: mimeo. 2002.

Doc. World Bank. Press Release of the Sixth Sexta Reunião de Doadores para o
42 Donors Meeting for East Timor. East Timor Leste, em Dili
Timor: Díli. May 15, 2002. Disponível em
www-wds.worldbank.org (acesso em Divulgação do Plano de
09.09.2010) Desenvolvimento Nacional.

Posse do Primeiro Presidente


Doc. ETAN. Joint Statement of East Timorese Eleito da RDTL, Kay Rala Xanana
43 and International NGOs to Dili Donors Gusmão, e transmissão de poder
Conference. East Timor: Dili. May 14, do Representante da ONU, Sérgio
2002. Disponível em www.etan.org/ Vieira de Mello, para o novo
et2002b/may/12-18/14ngos.htm (Acesso em Presidente, com grande celebração
21.10.2010) popular.

Doc. World Bank. Background paper for donor‟s


44 meeting on East Timor.
UNTAET/WB/IMF. East Timor: Dili. May
14-15, 2002. Disponível em www-
wds.worldbank.org (Acesso em 09.09.2010) Sexta Reunião de Doadores para o
Timor Leste, em Dili

Doc. IMF. Staff Statement by Stephen Schwartz


45 to the Donors Meeting on East Timor. East
Timor: Dili. May, 2002. Disponível em
www.imf.org/external/np/dm/2002/051402.
htm (Acesso em 21/10/2010).

165
Doc. World Bank. Joint Donor Review Mission Realizada a sétima MiCA.
46 to the Health Sector Rehabilitation and
Development Program to East Timor. Draft
Aide Memoire. October 2-16, 2002.

Doc. IMF. Staff Statement to the Donors Meeting


47 on East Timor. East Timor: Dili. December
9-10, 2002. Disponível em www.imf.org/
external/np/dm/2002/051402.htm (Acesso
em 21/10/2010).
Realizada a sétima Reunião de
Doadores para o Timor Leste, em
Doc. World Bank. Background paper for donor‟s Díli. Finalizado o PRDSS I e
48 meeting on East Timor. continuidade na implantação do
UNTAET/WB/IMF. East Timor: Dili. PRDSS II.
December 9-10, 2002. Disponível em www-
wds.worldbank.org (Acesso em 09.09.2010)

Doc. World Bank. Report of the Trustee and


49 Proposed Work Programme for January –
June 2003. TFET Donor‟s Council Meeting.
East Timor: Dili. December 9-10, 2002.
Disponível em www-wds.worldbank.org
(Acesso em 09.09.2010)

166

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