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ENSAIO NÚMERO 1

Como pensamentos, emoções


e comportamentos influenciam a dor

A maioria dos profissionais de saúde em algum


momento já devem ter intuído que os aspectos
psicológicos do paciente influenciam a maneira
como ele relata a dor que sente. Outros
vão além e identificam que pensamentos,
sentimentos e comportamentos influenciam
a própria experiência de dor, não só o
seu relato. Até onde a ciência nos permite
compreender nesse momento, pensamentos,
sentimentos e ações, mais do que influenciar,
constroem a experiência que chamamos
de dor. Neste ensaio número 1, vou procurar
explicar de maneira suscinta e o mais clara
possível como essa composição se dá.

APRENDIZADO
Vamos começar com uma reflexão: como
aprendemos a nomear as coisas? Por volta do
primeiro ano de idade começamos a associar
certos objetos com diferentes sons: ao longo
do desenvolvimento do bebê, aprende-se
a relacionar palavras a certas pessoas, coisas,
Para saber mais
A Teoria das Molduras Relacionais (Relational
Frame Theory) busca compreender como se
dá o processo de aquisição de linguagem
e quais são as consequências desse processo
na vida das pessoas.
Sugestão de leitura: Hayes, Barnes-Holmes, Roche.
Relational Frame Theory: A Post-Skinnerian Account
of Human Language and Cognition. New York: Kluwer
Academic, 2001

lugares. Parece algo trivial, mas se analisarmos


bem, veremos que se trata de uma façanha
incrível e complexa, que leva tempo para ser
construída. Aos poucos, essas palavras vão
formando associações entre elas – começamos
a relacionar as coisas, pessoas, lugares e tudo
o mais através de conceitos como igual (“isso
é igual àquilo”), diferente (“isso não é aquilo”),
maior, menor, e por aí vai. Essas associações
vão formando redes, que se tornam cada vez
mais complexas. Para um adulto, uma palavra
simples, como maçã, é capaz de disparar
uma infinidade de associações em frações
de segundos, como é possível ver na imagem
abaixo:
COMO APRENDEMOS A NOMEAR DOR?
Ao invés de maçã, vamos pensar o que pode
acontecer se no meio da figura estiver a palavra
dor. Para cada pessoa, a dor traz uma série
de relações completamente diferentes. Tais
relações têm origem nas experiências prévias
que essa pessoa teve ao longo da vida, por
exemplo, nas vivências junto a seus cuidadores,
amigos e familiares. No momento em que o
paciente relata no seu consultório que está
com dor, toda essa rede automaticamente
estará ativa. E esta rede influenciará não só
o que o paciente chamará de dor, mas também
a sua forma de se relacionar com o que sente.
Temos aqui um conceito importantíssimo
em psicologia para tomarmos como base
de qualquer discussão sobre influência
psicológica na experiência de dor do
paciente: APRENDIZADO. Isso significa que
todas
as experiências que temos ao longo da
vida vão se somar e se inter-relacionar,
impactando
de maneira significativa tudo que vivemos.

AS TRÊS DIMENSÕES
Exames de imagem evoluíram
consideravelmente nos últimos anos.
Tal evolução nos permitiu sabermos
com muito mais propriedade o que acontece
no nosso cérebro quando sentimos dor.
Diversas regiões do cérebro se ativam
na experiência dolorosa. Na dor, há uma
integração entre áreas cerebrais relacionadas
às sensações corporais, às emoções,
ao planejamento, à memória. Melzack e
Casey, em 1968, dividiram a experiência de
dor em três aspectos: sensório-discriminativo
(sensação que percebemos no nosso corpo),
afetivo-motivacional (o aspecto desagradável
da dor, que motiva um comportamento de
defesa) e cognitivo-avaliativo (a interpretação
que fazemos a respeito do que estamos
sentido.
Tentando explicar de uma forma sintética
o modelo de Melzack e Casey: dor é algo que
a gente sente no corpo, discriminando suas
características (localização, intensidade, tipo
de sensação, entre outras). Dor também é algo
que nos afeta, no sentido de motivar um tipo
de comportamento que tem como objetivo
a auto-proteção (por exemplo, soltar da mão
um objeto quente). Por fim, dor também
é uma interpretação (cognição), em que eu

LEMBRE-SE: DOR É, AO MESMO TEMPO,


SENSAÇÃO, EMOÇÃO E COGNIÇÃO
uso as informações que tenho à disposição
(sensações, memórias, emoções e outras) para
planejar o que fazer (por exemplo: estou com
dor há 2 semanas e me lembro de um amigo
que teve uma doença grave no mesmo local
da minha dor – penso em ir ao médico para
checar o que pode ser a causa)

Referência: Melzack R, Casey KL. Sensory,


motivational and central control determinants of
pain. In: Kenshalo DR. The Skin Senses. Srpingfield:
Charles C. Thomas Publisher, 1968

A DOR CRÔNICA
Sendo multidimensional e complexa, a dor é
muitas vezes um grande desafio no tratamento,
principalmente em casos crônicos.
Uma dor é considerada crônica quando
permanece mais tempo do que é esperado
para que haja a cura de determinada lesão.
Dor aguda é um alarme de nosso corpo,
indicando que há um perigo. Com a cura da
lesão, a tendência é o alarme desligar – a dor
some. O problema é que em alguns casos esse
alarme não desliga. Em pesquisas, geralmente
considera-se crônicas as dores que a pessoa
sente há mais de 3 ou 6 meses (há uma
variação em relação a essa linha de corte).
De qualquer forma, o importante é saber que
após alguns meses de dor, o próprio sistema
fica comprometido. E aí, a relação entre
sensação, pensamento e comportamento
fica ainda mais complexa. Só para termos um
último modelo explicativo sobre essa interação,
vejam a figura a seguir:

O MODELO DE MEDO-EVITAÇÃO
Essa imagem mostra uma parte do modelo
de medo-evitação, conforme proposto por
Vlayen, Crombez e Linton. Imagine que a
pessoa teve uma lesão e isso gerou uma
experiência de dor. A partir daí, ela começou
a pensar: “deve ser algo grave”, “não vou
conseguir melhorar”, “nunca mais vou ser o
mesmo” – nas teorias cognitivas, este padrão
de pensamento é chamado de catastrofização:
pensar que o pior vai acontecer e achar que
não será possível lidar com isso.
Uma consequência de pensamentos
catastróficos é ter medo de sentir dor.
E por ter medo de sentir mais dor, a
pessoa fica hipervigilante, ou seja, passa a
prestar mais atenção no local que costuma
sentir dor. Hipervigilância é um fenômeno
particularmente importante neste modelo,
já que dor e atenção estão intimamente
ligados (em poucas palavras: prestar mais
atenção na dor é sentir mais dor).
Outra consequência do medo de sentir mais
dor é evitar situações que potencialmente
causem dor. Isso gera outras duas
consequências: a pessoa passa a usar menos
a musculatura, gerando mais incapacidade
e descondicionamento físico. Além disso,
ao ter menos contato com outras pessoas
e situações que poderiam ser prazerosas
ou significativas, corre-se um risco maior
de desenvolvimento de depressão.
Referência: Crombez G, Eccleston C, Van
Damme S, Vlaeyen JW, Karoly P. Fear-avoidance
model of chronic pain: the next generation. The
Clinical journal of pain 2012;28(6):475-483
Para cada um dos pontos que citei aqui, havia
uma infinidade de assunto para falarmos,
mas me prometi que cada um dos ensaios
não teria muito mais do que mil palavras.
Para cumprir minha promessa, paro por aqui
e prometo voltar em um próximo ensaio com
mais informações e discussão sobre os pontos
levantados aqui.

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