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26/02/2019 Aceleração do Tempo e Mal-Estar Contemporâneo - Cultura no Divã

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ARTIGO

Aceleração do Tempo e Mal-Estar Contemporâneo


1 de fevereiro de 2018 / Maria Inês Assumpção Fernandes

 
Paul Virilio (1932- ) dizia, há mais de quinze anos, que, “após a revolução industrial marcada pela
estandartização, a revolução da informação nos conduz em direção à sincronização. É a rapidez das
trocas e o tempo quase simultâneo que dominam a vida social”.[1]

A análise de Virilio põe em foco, no cenário contemporâneo, os efeitos da velocidade sobre as


transformações da informação, da economia, das relações e trocas sociais, do espaço urbano e, de modo
tangencial, nos remete ao Manifesto futurista de 1909 no qual, há um século, destacava-se a ruptura
radical que a energia da máquina, a velocidade, introduzia na modernidade.

Com a contração do tempo pela velocidade, em realidade, celebrava-se, também, o amor pelo perigo e,
como o futurista Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) já pressentia, instalava-se também a violência
nos domínios da vida cotidiana. A existência do homem começa a ser regulada pelo tempo da urgência e
do instantâneo – no trabalho, na circulação pelas cidades, no consumo.

Se a velocidade acompanhou os tempos da modernidade, atualmente, a hipermodernidade evidencia um


tempo de excesso de velocidade. Se a sincronização acompanhava a consolidação das instituições e
permitia a experiência de continuidade psíquica, na hipermodernidade a sincronização se dá sobre o
tempo intemporal das mídias, que veiculam informações em tempo real, dos games digitais – no espaço
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virtual, das redes sociais ─ intangíveis.


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A velocidade perturba nossa concepção de tempo e nossas temporalidades psíquicas e sociais afetando
nossa vida institucional. O ritmo de vida se transforma, as relações familiares exigem mudanças, o
trabalho pede rapidez e eficácia.

Enfraquece-se a experiência, pois o tempo das consciências é capturado e torna-se alvo de exploração
pelos mecanismos de urgência de consumo. Não há tempo para a reflexão: “exige-se o reflexo
condicionado em detrimento da reflexão em comum”, dizia Virilio. A permanência é atraso; o passado é
atacado e a obsolescência se manifesta como um “fenômeno social global” que abrange da ética à
política, da ciência à estética. Assim, também os valores morais são substituídos antes de novas formas
de convivência e coexistência se formarem, de tal modo que é a própria vida ética que se encontra em
questão, uma vez que valores requerem estabilidade e duração no tempo. Nesse contexto aloja-se a
ideologia da inovação.[2]

Esse quadro tem sido analisado por filósofos e psicanalistas preocupados com as implicações
institucionais e as incidências subjetivas desse processo de aceleração, principalmente no que se refere à
confrontação das passagens genealógicas e aos processos de transmissão. Por essa análise evidenciam-
se os efeitos de mutações do laço social, que se configuram por uma economia narcísica totalitária
destinada a anular o reconhecimento da alteridade e, portanto, a atacar o pacto social. A tendência anti-
histórica das instituições, aliada à dificuldade de os sujeitos se inscreverem numa temporalidade
histórica, por força dessa hipertrofia narcísica, potencializa a dimensão mortífera e assassina inerente à
questão genealógica.

É nesse embaraço dos tempos que o mal-estar se acomoda. Pelo fetiche do passado, no filicídio, ou pela
sacralização do novo, no parricídio, exibem-se as novas figuras paradigmáticas da destruição da
temporalidade nas instituições. Rapto de legitimidade que ataca a memória e faz desmoronar a
transmissão.[3]

 
Notas:

[1] Cf. Virilio, Paul. On ne Regarde plus les Étoiles, mais les Écrans. Le Monde de L’Éducation. Paris, n. 287, dezembro 2000.

[2]  Cf. Matos, Olgária. Aceleração do tempo e pós-democracia. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados – IEA-USP, 2014.

(Grupo Interdisciplinar de Estudos em Humanidades e Artes). Projeto.

[3] Cf. Kaës, René et al. Crises et Traumas à l’Épreuve du Temps. Paris: Dunod, 2015.

 
Imagem: Salvador Dali | A persistência da memória | Espanha | 1931 | óleo sobre bronze

Maria Inês Assumpção Fernandes é professora titular do Instituto de Psicologia da Universidade


de São Paulo (IPUSP), com tese de livre-docência sobre Mestiçagem e Ideologia (2004). Docente
desde 1977 no IPUSP, atuando na graduação e na pós-graduação, desenvolvendo projetos de
pesquisa e extensão nas áreas de saúde mental, processos coletivos, grupais e institucionais,
nestes últimos considerando-se famílias e casais, também coordena o Laboratório de Estudos em
Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO).

 Edifício Master: Traços do Contemporâneo Contribuições da Psicanálise à Prática Psiquiátr… 

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