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CASO CLÍNICO imediatamente, os pensamentos

automáticos da paciente durante esses


períodos:
Denise, viúva de 59 anos, informou que TERAPEUTA: Que tipo de pensamento
havia morado sozinha no último ano. Seu passou pela sua cabeça quando você sentiu
marido foi diagnosticado com câncer no essas coisas na última semana?
cérebro três anos antes e morrera há um
ano. Ela tinha dois filhos solteiros (de 25 e DENISE: Acho que fico pensando qual é a
27 anos) que estavam morando em outras razão de tudo isso. Minha vida acabou.
partes do país por questões profissionais. Não é mais a mesma coisa. Penso coisas
Denise tinha curso superior incompleto e como “o que eu vou fazer?”. Às vezes
havia trabalhado até os 30 anos, mas parou sinto raiva dele, de meu marido. Como ele
depois de se casar. Ela descrevia seus foi me deixar?… Isso não é uma coisa
principais problemas como depressão (no horrível da minha parte? O que está
último ano e meio), dificuldade de dar acontecendo comigo? Como posso ter
conta da vida cotidiana e solidão. Ela raiva dele? Ele não queria ter morrido
informou um episódio intenso de depressão dessa maneira horrível. Eu deveria ter feito
maior próximo aos 25 anos, depois da mais. Eu deveria ter feito ele ir ao médico
morte de seu pai. Denise disse que tinha se quando começou a ter dor de cabeça... Ah,
tornado cada vez mais isolada socialmente, mas de que adiantaria?
com o início da doença de seu marido
(câncer no cérebro). Informou ter tido TERAPEUTA: Parece que você está se
amizades normais quando criança, sentindo muito mal agora. É isso?
adolescente e adulta. Ela e o marido DENISE: É.
tiveram uma vida relativamente tranquila
juntos, direcionada em sua maior parte a TERAPEUTA: Conte o que mais está
criar os filhos e a trabalhar. Quando tinham passando pela sua cabeça agora.
tempo livre, gostavam de fazer atividades DENISE: Não posso mudar nada. Acabou.
intelectuais e culturais juntos (museus, Não sei... parece tudo tão sem graça e
palestras, concertos e bons restaurantes). triste. O que eu tenho para esperar do
Os poucos amigos próximos com os quais futuro... doença e depois, morte?
conviviam haviam se aposentado e ido
morar longe durante a época da doença de TERAPEUTA: Então, um dos
seu marido. Denise foi diagnosticada com pensamentos é que você não pode mudar
transtorno depressivo maior, recorrente. Os as coisas, e que elas não vão melhorar?
escores de seus testes confirmavam o
DENISE: É.
diagnóstico de depressão. Seu escore no
Inventário de Depressão de Beck (BDI-II) TERAPEUTA: E às vezes você acredita
era 28, situando- a na faixa da depressão nisso completamente?
moderada a grave. Seus sintomas mais
proeminentes de depressão eram falta de DENISE: É, acredito, às vezes.
prazer, irritabilidade, retraimento social, TERAPEUTA: Neste momento, você
incapacidade de tomar decisões, fadiga, acredita?
culpa, dificuldade de se motivar para
desempenhar as funções diárias e solidão. DENISE: Acredito, sim,

Sessão 1 TERAPEUTA: Neste momento, você


acredita que não tem como mudar as coisas
A sessão começa com Denise descrevendo e que isso não vai melhorar?
a “tristeza” que tem sentido. O terapeuta
começou a evocar, quase que
Referência: Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a
passo. Artmed Editora.
DENISE: Bom, tem uma pontinha de sentir menos sozinha, e que meus
esperança, mas é mais... problemas não são tão ruins.
TERAPEUTA: Existe alguma coisa que TERAPEUTA: E quanto tempo você fica
você talvez espere, em termos de sua vida fazendo isso?
daqui para frente?
DENISE: Ultimamente?... a maior parte do
DENISE: O que eu espero é... eu gosto de tempo. Ficar em casa e ver televisão é
ver meus filhos, mas eles andam muito seguro, meio que protegido, tudo... como a
ocupados. Meu filho é advogado e minha minha solidão, parece mais distante.
filha está estudando medicina. Então eles
estão muito ocupados, e não têm tempo TERAPEUTA: Depois de passar um tempo
para estar comigo. Ao interrogar sobre os assim, como você se sente?
pensamentos automáticos de Denise, o DENISE: Depois? Geralmente, eu tento
terapeuta começou a entender sua não prestar muita atenção em como estou
perspectiva de que ficaria para sempre, na me sentindo.
maior parte do tempo, sozinha. Isso ilustra
a desesperança em relação ao futuro que é TERAPEUTA: Mas quando presta, como
característica da maioria dos pacientes se sente?
deprimidos. Uma segunda vantagem dessa DENISE: Sinto-me mal. Mal por
linha de investigação é que o terapeuta desperdiçar o dia. Não faço as coisas que
apresentou a Denise a ideia de observar tinha de fazer... como as minhas contas,
seus próprios pensamentos, que é central à limpar, tomar banho. Geralmente, acabo
terapia cognitiva. À medida que a sessão me sentindo meio patética... e culpada.
continuava, o terapeuta investigou a
perspectiva que Denise tinha com relação a TERAPEUTA: Por um lado, você se sente
sua vida cotidiana. Ele escolheu se aliviada e, por outro, depois, é meio crítica
concentrar em sua inatividade e em relação a si mesma?
retraimento. Esse é com frequência o
Observe que o terapeuta não tentou debater
primeiro objetivo terapêutico ao se
ou exortar Denise para que saia de casa ou
trabalhar com um paciente gravemente
se envolva com as tarefas necessárias do
deprimido. Na sequência a seguir o
cotidiano, e sim, por meio de
terapeuta orientou Denise a examinar as
questionamento, estimulou-a a examinar
vantagens e as desvantagens de ficar em
mais de perto seu pressuposto de que
casa o dia todo.
estava melhor assistindo à televisão todo o
DENISE: Geralmente, eu não quero sair de dia em sua casa. Esse é o processo a que
casa. Eu quero ficar lá, simplesmente chamamos de “empirismo colaborativo”.
deixar as persianas baixas, sabe como é, a Na segunda sessão, Denise já tinha
gente não quer fazer nada. Só quero deixar reexaminado sua hipótese sobre assistir
tudo lá fora, tudo longe de mim. televisão e ficar em casa todo o dia.
TERAPEUTA: Você se sente melhor DENISE: Sobre assistir à televisão em casa
quando fica em casa todo o dia tentando e sair, eu pensei nisso outro dia. Lembro-
deixar tudo lá fora? me de dizer que ficar em casa me fazia
sentir melhor. Quando prestei atenção ao
DENISE: Um pouco... que eu realmente sentia, não me fazia
TERAPEUTA: O que você quer dizer? sentir melhor, só meio que bloqueava o
sentir mal, mas não me sentia melhor.
DENISE: Bom, eu posso assistir à
televisão todo o dia e simplesmente me TERAPEUTA: É engraçado. Quando você
perder nesses programas bobos. Me faz fala nisso, sua lembrança da experiência
Referência: Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a
passo. Artmed Editora.
foi mais positiva do que realmente tinha minha vida é um desperdício, então por
sido, mas isso acontece com as pessoas às que não acabar com ela, simplesmente? O
vezes. Acontece comigo, também. Eu acho terapeuta queria que Denise se sentisse o
uma coisa boa e não é tanto quando vou mais livre possível para discutir
conferir de verdade. Voltamos agora à pensamentos suicidas, então se esforçou
primeira sessão. Depois de um pouco de para entender as razões de sua
investigação por parte do terapeuta, Denise desesperança e o que a impedia de se
mencionou que às vezes é como se a suicidar. Após determinar que ela não tinha
terapia cognitiva fosse sua “última planos iminentes de fazer uma tentativa, o
esperança”. O terapeuta usou isso como terapeuta disse que trabalharia com ela
uma oportunidade de explorar sua para fazer algumas mudanças. A seguir,
desesperança e sua ideação suicida. pediu que escolhesse um pequeno
problema em que eles pudessem trabalhar
TERAPEUTA: O que estava passando pela juntos.
sua cabeça quando você disse “Essa é a
minha última esperança”? Você teve algum TERAPEUTA: Tem alguma coisa pequena
tipo de visão em sua mente? que você possa fazer que afetasse a sua
vida imediatamente?
DENISE: Tive, se isso não funcionar, eu
sinto que não consigo viver assim pelo DENISE: Não sei. Bom, acho que
resto da vida. simplesmente ligar para a minha amiga
Diane, na Flórida. Ela me telefonou faz um
TERAPEUTA: E se não funcionar, o que mês e depois de novo na semana passada.
acontece? Nas duas vezes, eu disse que estava
DENISE: Ah, eu não me importo com o ocupada e que ligaria para ela, mas não
que aconteça comigo... liguei. Tenho me sentido tão para baixo.
Não tenho nada para dizer a ela.
TERAPEUTA: Você tinha alguma coisa
mais concreta em mente? TERAPEUTA: Quando ela morava perto,
sobre quais coisas vocês conversavam?
DENISE: Bom, neste momento eu não
acho que conseguiria cometer suicídio, DENISE: Temos filhos mais ou menos da
mas se continuar me sentindo assim por mesma idade, então falávamos dos nossos
muito tempo, talvez sim. Mas não sei. Já filhos. Ambas gostamos de ler e
pensei em suicídio antes, mas nunca pensei frequentávamos um clube de leitura juntas
realmente em como faria. Sei que algumas e depois falávamos dos livros que
coisas me impedem, como os meus filhos, estávamos lendo. Nós duas gostamos de
acho que machucaria eles de verdade, e arte. Assistíamos a palestras no museu
outras pessoas, como a minha mãe. A durante a semana e depois falávamos de
minha mãe está bem de saúde agora, mas arte e comentávamos as palestras.
pode precisar de mim algum dia... Essas Tínhamos planos de fazer coisas juntas em
coisas me impedem, meus filhos e minha nosso tempo livre. Sempre era muito
mãe. interessante quando eu passava algum
tempo com ela. Tínhamos tanta coisa em
TERAPEUTA: Então essas são as razões comum! Eu tenho saudades dela.
para não cometer suicídio. E quais seriam
algumas das razões pelas quais você TERAPEUTA: Parece que você costumava
poderia querer fazer isso? fazer muitas atividades interessantes. E
agora?
DENISE: Por que às vezes tudo parece tão
vazio e sem esperança. Não há nada para DENISE: Depois que o meu marido ficou
esperar, todo o dia é a mesma coisa. A doente e os meus amigos se mudaram, eu

Referência: Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a


passo. Artmed Editora.
simplesmente parei. Faz tempo que não TERAPEUTA: Quando está sem
faço nada disso. esperanças, você tenta negar, por assim
dizer, ou cortar possíveis soluções ou
TERAPEUTA: O que você acha de opções.
participar de um ciclo de palestras agora?
DENISE: É verdade.
DENISE: Não sei.
TERAPEUTA: Quando você fica presa na
TERAPEUTA: Bom, o que você acha da desesperança, não tem nada que possa
ideia? fazer. É isso que você acha?
DENISE: Certo, é uma ideia, mas DENISE: É.
simplesmente parece demais. Não acho
que eu vá me divertir... do jeito que me TERAPEUTA: Então, em vez de se acusar
sinto... não sei. de não ter feito isso antes, porque não vai e
faz isso agora? Esse trecho ilustra o
TERAPEUTA: Você estaria disposta a processo de exercícios graduais que é tão
testar esse pensamento de que não iria se importante nas primeiras etapas da terapia
divertir com isso atualmente? com um paciente deprimido. O terapeuta
DENISE: Não sei... acho que sim. fez à paciente uma série de perguntas para
desmembrar em passos menores o processo
TERAPEUTA: Isso é um “sim”? de participar de um ciclo de palestras.
DENISE: É, mas não sei como vou fazer Denise se deu conta de que todo o tempo
para conseguir. sabia o que fazer, mas, como mostrou o
terapeuta, sua desesperança a impedia de
TERAPEUTA: Bom, como você iria ficar ver as opções.
sabendo que há um ciclo de palestras?
DENISE: Dar esse passo vai ser difícil
DENISE: É só olhar na internet, na página para mim.
do museu e ver o que está disponível.
TERAPEUTA: Os primeiros passos são
TERAPEUTA: Certo, você tem mais difíceis para todo mundo, mas tem
computador? uma expressão antiga: “Uma caminhada de
mil quilômetros começa com o primeiro
DENISE: Tenho.
passo”.
TERAPEUTA: Está funcionando?
DENISE: Isso é bem verdade.
DENISE: Está.
TERAPEUTA: É o primeiro passo que é
TERAPEUTA: E como você se sente para tão importante, e depois você pode se
fazer isso? preparar para o segundo, depois o terceiro
e assim por diante. Com o tempo, você
DENISE: Acho que posso fazer... eu sou pega o ritmo, e cada passo parece ser uma
tão patética, sei o que fazer. Eu não preciso consequência mais natural. Mas, primeiro,
que você me explique. Por que eu tudo o que você tem que fazer é dar um
simplesmente não fiz isso antes? pequeno passo. Você não tem que dar
TERAPEUTA: Bom, você provavelmente passos gigantes.
teve boas razões para não fazer isso antes. DENISE: Bom, sim entendo. Acho que
Provavelmente estava muito presa na estava achando que cada passo fosse tão
desesperança. difícil quanto o primeiro. Talvez vá
DENISE: Acho que sim. ficando mais fácil. Na segunda sessão,
Denise relatou ter tido sucesso.

Referência: Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a


passo. Artmed Editora.
DENISE: Verifiquei na internet sobre o
ciclo de palestras e me surpreendi. Tinha
uma que parecia ser interessante, e estou
pensando que vou me inscrever pela
internet mesmo. Eu realmente não achava
que algum desses sentimentos ainda
estivesse presente. Estou com expectativas
para o segundo passo.
No fim da primeira sessão, o terapeuta
ajudou Denise a preencher o Plano de
Atividades Semanais para a semana
seguinte. As atividades eram bastante
simples, como levantar e tomar um banho,
fazer comida, ir às compras e verificar o
ciclo de palestras na internet. Por fim, o
terapeuta pediu a Denise uma opinião em
relação à sessão e sua desesperança.
TERAPEUTA: Você tem alguma reação?
DENISE: Ainda estou me sentindo para
baixo, mas me sinto um pouco melhor. É
interessante que só a ideia de olhar quais
palestras podem estar disponíveis já esteja
me fazendo sentir um pouco mais leve. Até
fiquei com vontade de ligar para Diane e
comentar as alternativas... Isso é um sinal
de coisas melhores que estão vindo?
TERAPEUTA: O que você acha?
DENISE: Pode ser.

Referência: Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: Tratamento passo a


passo. Artmed Editora.

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