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A ARTE DO POSSÍVEL
EM CARTA A UM ESTUDANTE DE TEOLOGIA, A
FILÓSOFA ALEMÃ HANNAH ARENDT REBATE O
ALCANCE UNIVERSAL DOS ATOS POLÍTICOS
25 de novembro de 1967
Vácuo de poder
O único elemento de consolo na história toda é que o país vai
se agitando mais e mais, e que o governo não pode fazer
nada a respeito, se não quiser atingir os fundamentos da
república.
Confio que o senhor esteja a par disso e não entrarei em
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Caos puro
A "pacificação de cima para baixo" de que o senhor fala é
impossível tecnicamente, seja em termos militares ou
econômicos. Ninguém é rico o bastante para ajudar a quem
não consegue se ajudar; foi possível dar auxílio à Alemanha
ou ao Japão, mas não há como ajudar a Índia, o Egito ou o
Congo.
E, no que diz respeito aos militares, a Guerra do Vietnã
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Sonho de unidade
O senhor afirma que a Guerra do Vietnã teria revelado aos
estudantes "a unidade do mundo e a necessidade de
transformá-lo". Quanto a esse último ponto, podemos
concordar sem mais delongas; mas a "unidade do mundo",
supondo que o senhor entenda por esse termo mais que uma
espécie de solidariedade, é apenas um sonho. Apenas em
termos técnicos o mundo constitui uma espécie de unidade.
Sob todos os outros pontos de vista, sobretudo no que diz
respeito à política e às chances de um desenvolvimento rumo
à liberdade, cada país constitui um caso à parte.
Quanto ao seu último ponto, não resta dúvida de que estamos
envolvidos na persistência de "condições indignas" na Pérsia,
no Vietnã e no Brasil, mas não cabe a nós transformá-las.
Essa me parece ser uma espécie de delírio de grandeza às
avessas.
Tente fazer política na Pérsia, e o senhor logo estará curado.
Sua responsabilidade diz respeito a impedir que se
perpetuem condições indignas na Alemanha ou que se
matem estudantes durante uma manifestação. Temo que isso
já o manterá mais que ocupado.
"Politics, like charity, begins at home" [Política, como
caridade, começa em casa]. Se amanhã -e isso seria bem
possível-, após a retirada das tropas americanas do Vietnã, os
vietnamitas começarem a se degolar mutuamente, eu não me
sentirei em nada responsável.
A política é sempre, entre outras coisas, a arte do possível, e
as possibilidades dos homens e dos povos são sempre
limitadas. Não reconhecer esses limites é um delírio de
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