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BALINT, Michael. A Falha BáSica
BALINT, Michael. A Falha BáSica
básica
aspectos terapêuticos da regressão
M I C H A E L BALINT
M.D., PH.D., M.SC.
Tradução:
FRANCISCO FRANKE SETTINERI
Psicólogo
Biblioteca MA-PUCSP
•i, Gwvöa Kfouri
PUC/SP
100119050
ACDKAS
Porto A l e g r e 1993
Obra originalmente publicada em inglês sob o título
THE BASIC FAULT
Therapeutic Aspects of Regression - Tavistock 1968 - Routledge 1989 (reimpressa
© Enid Balint - Texto e Prefácio
LOJA-CENTRO
Rua General Vitorino, 277 — Fone (051) 225-8143
90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil
IMPRESSO N O BRASIL
PRINTED IN BRASIL
SUMÁRIO
P R E F Á C I O D A R E I M P R E S S Ã O D E 1979 P O R E N I D BALINT
PREFÁCIO
PARTE I
As Três Áreas da Mente
CAPÍTULO 1
O s Processos Terapêuticos e sua Localização
CAPÍTULO 2
Interpretação e Perlaboração
CAPÍTULO 3
O s Dois Níveis do Trabalho Analítico
CAPÍTULO 4
A Área da Falha Básica
CAPÍTULO 5
A Área da Criação
CAPÍTULO 6
Resumo
PARTE n
Narcisismo Primário e A m o r Primário
CAPÍTULO 7
As Três Teorias de Freud
CAPÍTULO 8
Contradições Inerentes
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
Esquizofrenia, Toxicomania e outras Condições Narcísicas
CAPÍTULO 11
Estados Pré-Natais e Pós-Natais Precoces
CAPÍTULO 12
A m o r Primário
CAPÍTULO 13
Amor Adulto
P A R T E III
O Abismo e as Respostas do Analista
CAPÍTULO 14
A Regressão e a Criança dentro do Paciente
CAPÍTULO 15
O Problema da Linguagem na Educação e
no Tratamento Psicanalítico
CAPÍTULO 16
A Técnica Clássica e suas Limitações
CAPÍTULO 17
O s Riscos Inerentes á Interpretação Consistente
CAPÍTULO 18
O s Riscos Inerentes ao Manejo da Regressão
P A R T E IV
As Formas Benignas e Malignas da Regressão
CAPÍTULO 19
Freud e a Idéia de Regressão
CAPÍTULO 20
Sintomatologia e Diagnóstico
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
As Diversas Formas de Regressão Terapêutica
CAPÍTULO 23
O Desacordo entre Freud e Ferenczi e sua Repercussão
PARTE V
O Paciente Regressivo e sua Análise
CAPÍTULO 24
Regressão Terapêutica, A m o r Primário e Falha Básica
CAPÍTULO 25
O Analista Não-Importuno
CAPÍTULO 26
A Travessia d o Abismo
BIBLIOGRAFIA
B I B L I O G R A F I A E S P E C I A L I Z A D A S O B R E DEPENDÊNCIA ORAL
E ESTADOS AFINS
ÍNDICE R E M I S S I V O
PREFÁCIO D A REIMPRESSÃO D E 1979
viii
PREFÁCIO D A REIMPRESSÃO DE 1 9 7 9
ix
bons teóricos, mudava enquanto ia pensando, trabalhando e escrevendo.
Planejamos reescrever certas partes deste livro, adicionando-lhe mais u m
capítulo. A o relê-lo, fiquei satisfeita por não ter havido tempo para fazê-lo. Está
bem e m sua forma atual, oferecendo ao discernimento do leitor u m a forma
lúcida a respeito de algumas das formas, até então não descritas, pelas quais os
pacientes se relacionam com seus analistas e estes com seus pacientes, e m u m a
relação bipessoal, criada e descrita originalmente por Freud. Essas relações
devem continuar a ser observadas e redefinidas para elucidar não só os
problemas dos psicanalistas, mas os de todos aqueles interessados pelo estudo
das relações humanas.
A b r i l de 1 9 7 9
ENID BALINT
PREFÁCIO
A b r i l de 1967
MICHAEL BALINT
PARTE I
AS TRÊS ÁREAS DA
MENTE
CAPÍTULO 1
Os Processos Terapêuticos e
sua Localização
natureza desse reforço e das técnicas para sua obtenção ainda sejam bastante
vagas. O que sabemos desse aspecto de nossa terapia resume-se no seguinte:
deve ser reforçada a parte de ego em contato mais íntimo com o id. Referimo-
nos à parte do ego que pode gozar de gratificações pulsionais, suportar u m
considerável aumento de tensões, ser capaz de preocupação e consideração,
contendo e tolerando, tanto desejos insatisfeitos como ódio, procurando aceitá-
los, testando as realidades tanto internas como externas. Embora essa parte do
ego não possa e não se atreva a gozar de u m a gratificação pulsional intensa,
precisa defender-se contra qualquer aumento da tensão emocional, através da
recusa da realidade, da inibição e da inversão da pulsão em seu contrário o u por
meio de formações reativas — isto é, não se deve reforçar a parte que está
adaptada à realidade externa e às demandas do superego às custas da realidade
interna; pelo contrário, seu papel deve tornar-se menos dominante.
A i n d a não foi esclarecido ou discutido adequadamente se o reforço do ego
e as modificações do superego antes abordados são apenas dois aspectos de u m
mesmo processo o u dois processos mais o u menos independentes. A fórmula
mais utilizada afirma que o ego é o mediador, sob o comando do superego, entre
as demandas da realidade externa e o id. Ainda é uma questão aberta o mediador
ter ou não qualquer poder próprio para influir no compromisso e, além disso, quais
são os processos terapêuticos com algum efeito sobre este poder.
A i n d a há grande incerteza a respeito da possibilidade e dos meios de
influenciar o i d . Temos poucas ideias sobre a possibilidade disso ser feito e, se
possível, a maneira de fazê-lo. Os que aceitam a existência da pulsão primária
de morte e com ela o sadismo primário, o narcisismo primário e a destrutividade
concluem forçosamente que com nossa terapia também se pode modificar o i d .
Já foi descrito por Freud, em "Análise terminável e interminável" (1937), u m
aspecto dessa possível mudança como a "submissão das pulsões". N o caso
particular do sadismo primário, significa que a intensidade dos impulsos
destrutivos — algumas vezes chamados de destrudo — deve ser mitigada
durante o tratamento analítico — o u educada — seja por sua transformação na
origem, isto é, no i d , ou, de alguma forma, por sua "fusão" com mais libido.
C o m o os dois conceitos teóricos de "fusão" e "desfusão" são muito vagos, é
quase impossível situá-los confiavelmente no i d o u no ego; além de , exceto
pelos nomes, termos sido capazes de formar alguma ideia sobre os processos e
mecanismos neles envolvidos. Talvez a única sugestão seja a de que, provavel-
mente, a desfusão e a frustração estejam ligadas de uma forma bastante íntima;
é bastante incerto se o mesmo seria verdade para sua contraparte, tão impor-
tante tecnicamente, a gratificação e a fusão.
E m tais circunstâncias, é pouco provável que alguém tenha sido capaz de
descrever métodos confiáveis para influir nesses dois processos. Se a "fusão" e
a "desfusão" p o d e m ser influenciadas pela análise, só o que podemos afirmar
com segurança é que essa influência se dá pela transferência, isto é, essencial-
6 MICHAEL BALINT
Interpretação e Perlaboração
C
\ ^ O M O procuramos demonstrar, o ponto de vista tópico não parece oferecer
muito auxílio no sentido de favorecer uma melhor compreensão de nossas
dificuldades técnicas e, em particular, não nos fornece critérios suficientemente
confiáveis para decidir se u m determinado passo terapêutico é correto o u não,
e m certas circunstancias. Contudo, isso era de se esperar. Não devemos
esquecer que a última revisão de nossa teoria das instâncias e localizações
mentais foi feita por Freud, no início da década de 20. Desde então, não foi
apresentada, essencialmente, nenhuma ideia a respeito do aparelho mental
(apesar das novas psicologias do ego de Fairbairn, Hartmann e Winnicott). Por
outro lado, é inquestionável que, desde aquele tempo, nosso potencial técnico,
nossa habilidade atual e com eles nossos problemas técnicos aumentaram
consideravelmente. Revisamos esses novos desenvolvimentos em u m trabalho
apresentado ao Congresso de Zurique (1949), no qual procuramos mostrar que
a técnica de Freud e suas concepções teóricas eram interdependentes.
O próprio Freud afirmou, em suas duas grandes monografias, O ego e o id
(1923) e Inibições, sintomas e angústia (1926), que ele, nas experiências clínicas
realizadas com pacientes obsessivos e melancólicos, baseava-se tanto e m sua
técnica como em sua teoria, porque — de acordo com suas próprias palavras —,
nesses pacientes, tanto os processos mentais como os conflitos estavam consi-
deravelmente "internalizados" (verinnerlicht). Isso significa que, em tais pacien-
7
8 M I C H A E L BALINT
10
A F A L H A BÁSICA 11
damente perturbados" isso pode ou não ocorrer. Mas se o paciente não experimen-
tar a interpretação do analista como uma interpretação, isto é, uma sentença que
consiste de palavras com significados concordantes, não ocorrerá perlaboração. A
perlaboração só pode entrar em operação se nossas palavras tiverem aproximada-
mente o mesmo significado, tanto para nossos pacientes como para nós.
N o nível edípico, esse problema não existe. O paciente e o analista
certamente falam na mesma linguagem; as mesmas palavras significam a
mesma coisa para ambos. N a verdade, o paciente pode rejeitar u m a interpre-
tação, pode se incomodar, se assustar o u magoar-se com ela, mas não há dúvida
de que foi u m a interpretação.
O estabelecimento de dois níveis diferentes fornece u m a terceira resposta
à nossa pergunta original, mas, ao mesmo tempo, levanta outros problemas
interessantes. Porém, antes, vamos examinar nosso trajeto até o momento.
Começamos com o achado — o u truísmo — de que mesmo os mais experimen-
tados entre nós encontram, ocasionalmente, alguns pacientes difíceis o u
mesmo muito difíceis. Depois, perguntamos onde se desenvolvem os processos
terapêuticos, em que parte da mente eles ocorrem, o que seria responsável pelas
dificuldades e, afinal mas não menos importante, que meios técnicos temos para
influenciá-los. Mais tarde, revisamos a teoria de nossa técnica, constatando que
a abordagem topológica não nos oferece muita ajuda. Indo mais adiante,
compreendemos que todas as descrições do que ocorria na mente do paciente,
durante a terapia, baseava-se no estudo acurado de pacientes — iniciado pelo
próprio F r e u d no começo da década de 20 — que aceitam e "recebem" as
interpretações do analista como interpretações e que são capazes de "perlaborá-
las". Finalmente, constatamos que há pelo menos dois níveis de trabalho
analítico; portanto, é muito provável que existam dois níveis de processos
terapêuticos e, ademais, que u m dos aspectos dessa distinção resida nas
diferentes utilidades da linguagem adulta nos dois níveis.
Essa grande diferença em relação à linguagem, que pode criar u m abismo
entre o paciente e o analista, impedindo o progresso do tratamento, foi descrita
primeiramente por Ferenczi, particularmente em seu último trabalho para o
congresso (1932) e em suas "Notes and Fragments", publicadas postumamente.
Chamou-a de "The Confusion of Tongues between the C h i l d (singular!) e the
Adults (plural!)". Desde então — embora geralmente sem mencionar seu
trabalho pioneiro — têm sido feitas inúmeras tentativas por vários pesquisado-
res para descrever o mesmo fenómeno. Assim, a conclusão chegada no capítulo
anterior é apenas uma reformulação de algo bem conhecido, a saber: que o
trabalho analítico ocorre em pelo menos dois diferentes níveis, u m familiar e
menos problemático, chamado de nível edípico, e outro para cuja descrição são
utilizados termos como pré-edípico, pré-genital e pré-verbal.
Propomos a conservação dos termos "nível", "período", "conflito" o u
"complexo edípico", pois representam os aspectos mais importantes do nível ao
14 MICHAEL BALINT
que esse outro nível é definitivamente mais simples, mais primitivo do que o
edípico. Propomos chamá-lo de nível da falha básica, e gostaria de acentuar que
é descrito como uma falha e não como u m a situação, posição, conflito o u
complexo. Mais tarde explicaremos o por quê.
As principais características do nível da falha básica são: a) todos os
eventos que nele ocorrem pertencem a uma relação exclusivamente bipessoal
— não existe u m a terceira pessoa: b) essa relação bipessoal é de u m a natureza
particular, completamente diferente das bem conhecidas relações do nível
edípico: c) a natureza da força dinâmica que opera nesse nível não é a de u m
conflito e d) muitas vezes a linguagem adulta pode ser inútil o u enganadora
para descrever eventos nesse nível, pois nem sempre as palavras estão de
acordo c o m seu significado convencional.
Embora algumas dessas características só fiquem claras durante a discus-
são dos últimos capítulos, podemos agora dizer algo sobre as demais. Primei-
ramente, a respeito da natureza da relação bipessoal primitiva nesse nível.
Assim, na primeira abordagem, ela pode ser considerada como u m a instância
da relação objetal primária ou de amor primário, que várias vezes já descreve-
mos (Balint, M . , 1932, 1934, 1937, 1959 e capítulo 12 deste livro). Qualquer
terceiro que interfira nessa relação é sentido como u m pesado encargo o u u m a
força intolerável. Outra importante qualidade dessa relação é a imensa diferen-
ça de intensidade entre os fenómenos de satisfação e frustração. Enquanto a
satisfação — a "adaptação" do objeto ao sujeito — traz u m a sensação de bem-
estar, que só pode ser observada com muita dificuldade, pois é natural e suave,
a frustração — a falta de "adaptação" do objeto — provoca sintomas muito
intensos e tumultuosos (ver também capítulo 16).
Mais tarde, no capítulo 4, voltaremos a discutir a natureza das forças que
operam no nível da falha básica, mas, de momento, queremos ilustrar a curiosa
imprecisão de linguagem obtida nesse nível, o que se origina do feixe de
associações que ainda envolve cada palavra no uso adulto. N o entanto, no nível
da falha básica, cada membro do feixe pode ter praticamente o mesmo direito
de posse da palavra. Isto não se limita ao nível da falha básica, como é
demonstrado pela impossibilidade prática de encontrar definições exaras,
especialmente em ciência psicológica. Para determinar a definição exata, deve-
se despir a palavra de quaisquer associações indesejáveis. A experiência mostra
que isso raramente é possível, pois as pessoas obstinadamente pensam o u ,
mesmo, p r o v a m que as palavras utilizadas implicam outros significados que
não o pretendido pelo inventor da definição. (Este problema será discutido com
mais detalhes no capítulo 20.)
CAPÍTULO 4
A
x A - C E I T A N D O teoricamente a existência do nível da falha básica, devemos
indagar que tipos de eventos devem ser considerados, durante o tratamento
analítico, como sinais de que se atingiu esse nível. Tomando u m caso bastante
normal, suponhamos que o tratamento tenha evoluído brandamente durante
algum tempo, paciente e analista compreendendo-se mutuamente, enquanto
que as forças e demandas de cada u m deles, em particular sobre o analista, foram
apenas razoáveis e, sobretudo, sempre inteligíveis. Então, em certo momento,
súbita o u insidiosamente, a atmosfera da situação analítica modifica-se p r o f u n -
damente. C o m alguns pacientes isso pode ocorrer após u m período muito curto
o u , mesmo, desde o começo.
Há vários aspectos do que chamamos de profunda modificação da
atmosfera, entre os quais se destacam, como foi apresentado no capítulo
anterior, as interpretações fornecidas pelo analista não são mais experimenta-
das pelo paciente como interpretações. E m vez disso, passa a senti-las como u m
ataque, demanda, insinuação, grosseria o u insulto injustificado, tratamento
incorreto, injustiça o u pelo menos uma completa desconsideração. Por outro
lado, também é possível que as interpretações do analista sejam experimentadas
como algo muito prazeroso e gratificante, excitante ou confortante, o u , mesmo,
como u m a sedução; em geral, como u m irrefutável sinal de consideração,
afeição e amor. Também pode ocorrer que as palavras comuns, que até então
16
A F A L H A BÁSICA 17
ser interrompido pelo paciente como inútil o u , após u m a longa e solitária luta,
o paciente será obrigado a identíficar-se com o agressor, como está sentindo o
analista, isto é, como foi descrito em u m de nossos seminários — o paciente
parece ter u m eterno disco L P interno. N o capítulo 17, voltaremos a tão
importante problema técnico.
Todos esses eventos pertencem essencialmente à área da psicologia
bipessoal, sendo mais elementares do que os do nível edípico, com três pessoas.
Ademais, não apresentam a estrutura de u m conflito. Este é u m dos motivos
pelos quais propusemos chamá-los de "básicos". Mas por que falha? E m
primeiro lugar, porque é exatamente a palavra empregada por muitos pacientes
para descrevê-lo. O paciente diz que sente que existe u m a falha dentro de si,
u m a falha que precisa ser corrigida. E sentida como u m a falha, não u m
complexo, conflito o u situação. E m segundo lugar, há u m sentimento de que
essa falha foi provocada porque alguém falhou o u descuidou-se dele. E m
terceiro, essa área é invariavelmente cercada de u m a grande angústia, geral-
mente expressa como u m a demanda desesperada de que agora o analista não
pode — de fato não lhe deve — falhar.
O termo "falha" tem sido utilizado em algumas ciências exatas para
indicar condições que lembram o que estamos discutindo. Assim, por exemplo,
e m geologia e cristalografia, a palavra "falha" é utilizada para descrever u m a
súbita irregularidade na estrutura total, u m a irregularidade que, em circunstân-
cias normais, estaria escondida, mas, se houver pressões o u forças, pode levar
a uma ruptura, alterando profundamente a estrutura total.
Estamos habituados a pensar que toda força dinâmica que opera na mente
tem a forma de uma pulsão biológica ou de u m conflito. Embora altamente
dinâmica, a força que se origina da falha básica não assume a forma n e m de u m a
pulsão, n e m de u m conflito. E uma falha, algo errado na mente, u m a espécie de
deficiência que precisa ser corrigida. Não é algo represado para o qual deve ser
encontrada a melhor saída, mas algo que está faltando agora o u talvez por quase
toda a vida do paciente. U m a necessidade pulsional pode ser satisfeita, u m
conflito pode ser resolvido, mas uma falha básica talvez possa apenas ser
preenchida, desde que os ingredientes que estão faltando possam ser encontra-
dos e, mesmo assim, apenas em quantidade suficiente para preencher o defeito,
como u m a simples e indolor cicatriz.
O adjetivo "básica", em nosso novo termo, significa não apenas que está
relacionado com condições mais simples do que as que caracterizam o complexo
de Édipo, mas também que sua influência se estende amplamente, provavel-
mente por toda a estrutura psicobiológica do indivíduo, envolvendo em
diferentes graus tanto a mente quanto o corpo. Assim, o conceito de falha básica
nos permite compreender não só as diversas neuroses (talvez também as
psicoses), transtorno de caráter, doenças psicossomáticas, etc, como sintomas
de u m a mesma entidade' etiológica, mas também — como as experiências de
20 MICHAEL BALINT
CAPÍTULO 5
A Area da Criação
A-
L \ T E o momento, discutimos dois possíveis níveis o u áreas da mente: o do
conflito edípico e o da falha básica. Para complementar o quadro devemos
mencionar sutilmente a terceira área, antes de expor a relevância de nossas
ideias sobre a psicologia da mente humana.
Enquanto a área do conflito de Édipo caracteriza-se pela presença de pelo
menos dois objetos, exceto o sujeito, e a área da falha básica por u m tipo de
relação muito peculiar, exclusivamente bipessoal, a terceira área é caracteriza-
da pelo fato de que nela não está presente o objeto externo. O sujeito está por
sua conta e sua principal preocupação é produzir algo por si mesmo, que pode
ser u m objeto, embora n e m sempre o seja. Propomos chamá-lo de "nível" o u
"área de criação". O exemplo mais conhecido é, evidentemente, o da criação
artística, mas outros fenómenos também pertencem ao mesmo grupo, entre os
quais a Matemática e a Filosofia, a obtenção de discernimento, a compreensão
de algo, e, finalmente, porém não menos importante, dois fenómenos: as
primeiras fases de ficar — física o u mentalmente — "doente" e a recuperação
espontânea da "doença".
Apesar de várias tentativas, na verdade pouco sabemos sobre tais
processos. U m motivo óbvio dessa escassez deve-se ao fato de que, em toda
essa área, não se encontra u m objeto externo, e por isso não se pode
desenvolver u m a relação transferencial. O n d e não há transferência, nossos
21
22 M I C H A E L BALINT
toda a sua vida, o Urfaust foi iniciado quando ele tinha 21 anos, e ainda trabalhava
em sua Segunda Parte, até sua morte, em 1832. A produção habitual de Flaubert
era de u m a a duas páginas por dia, tendo necessitado de sete anos para concluir
Madame Bovary. Vermeer e Giorgione foram trabalhadores muito lentos, bem como
Beethoven. Leonardo trabalhou durante 15 anos em " L a Gioconda" — para
mencionar apenas alguns. Por outro lado, Mozart foi u m trabalhador rápido (1) (o
exemplo mais famoso é a "Ouverture" de Don Giovanni), como também o foram
H a y d n e Bach. Balzac era u m escritor rápido, assim como Simenon, cuja produção
habitual, durante certo tempo, foi de uma novela por noite. U m a parte bastante
grande da oeuvre de V a n Gogh foi pintada em dois anos. Parece que conflitos
intensos no nível edípico podem acelerar ou inibir a velocidade do processo
criativo, mas que também, além e acima desses conflitos, o que realmente interessa
é a configuração mental do indivíduo, a estrutura de sua área de criação.
Tudo isso é muito pouco, especialmente quando comparado com nosso
conhecimento dos processos e mecanismos inconscientes que operam sob pressão
de conflitos. Isso ainda é mais notável quando os analistas têm a oportunidade
única de observar as pessoas enquanto absorvidas na área de criação. O que temos
em mente é o paciente silencioso, u m problema enigmático para nossa técnica. A
atitude analítica habitual é considerar o silêncio meramente u m sintoma de
resistência a alguns materiais inconscientes, originados no passado do paciente ou
de uma situação transferencial atual. Podemos acrescentar que tal interpretação
quase sempre está correta; o paciente está fugindo de alguma coisa, geralmente de
u m conflito, mas também poderá ser que ele esteja correndo para alguma coisa, isto
é, está em u m estado no qual se sente relativamente seguro, podendo fazer algo
a respeito do problema que o está atormentando o u preocupando. O algo, que
eventualmente irá produzir e depois apresentar, é uma espécie de "criação"—nem
sempre honesta, sincera, profunda ou artística — mas não menos u m produto de
sua criatividade. N a verdade, não podemos estar com ele durante o trabalho de
criação, mas o podemos momentos antes ou depois e, além disso, podemos
observá-lo de fora, durante seu trabalho. Talvez, se modificássemos nossa aborda-
gem, deixando de considerar o silêncio u m sintoma de resistência e passando a
estudá-lo como u m a possível fonte de informação, pudéssemos aprender algo
sobre essa área da mente.
NOTA
1. "Dois dias antes da première de Don Giovanni, em Praga, Mozart ainda não tinha começado a
compor a abertura. Seus amigos, o diretor da Ópera e a orquestra estavam em suspense,
enquanto o próprio génio despreocupadamente se divertia em uma festa. Mais tarde, durante
a noite, escreveu a música sem qualquer correção posterior; ele sabia que a escrita musical inteira
iria surgir-lhe, súbita e simultaneamente, de forma clara em sua mente" (Weiss, E., 1957).
CAPÍTULO 6
Resumo
24
A F A L H A BÁSICA 25
e m sua totalidade, como u m sinal funesto. Nas partes II e III, devemos examinar
quão justificada foi essa generalização e em que tipo de casos demonstrou ser
incorrera. Após ter esclarecido nosso caminho, nas duas últimas partes do livro
discutiremos suas implicações técnicas.
PARTE II
NARCISISMO PRIMÁRIO
E AMOR PRIMÁRIO
CAPÍTULO 7
31
32 M I C H A E L BALUMT
que começa como relação objetal primária, levando a u m a escolha objetal, mais
tarde caracterizada por Freud como de apoio.
O segundo é que, nas passagens que acabamos de citar, Freud afirma que
o narcisismo é essencialmente u m fenómeno secundário — " u m a fase a meio
caminho". Poderia repetir aqui a sentença que destaca: "Deve-se acrescentar
algo ao auto-erotismo—uma nova ação psíquica—para chegar ao narcisismo".
N o t e m que não há n e n h u m a qualificação dessa afirmativa, o que é ainda mais
surpreendente, pois a citação se origina de dois parágrafos que se seguem, de
imediato, à passagem n a qual Freud utiliza pela primeira vez (2) sua famosa
metáfora da ameba: " A s s i m , formamos a ideia de que ali existia u m investimen-
to libidinal original d o ego, a partir do qual, mais tarde, u m a parte v a i para os
objetos, mas que fundamentalmente permanece, estando relacionado ao
investimento objetal, como o corpo de uma ameba ao pseudópode que dela
parte" (Standard Edition, XIV). Voltaremos ao assunto para discutirmos essa
contradição, depois de ter descrito a terceira teoria de Freud.
E de admirar que o trabalho "Sobre o Narcisismo", introdutor dessa
teoria, não contenha u m a descrição concisa do narcisismo primário. Entretan-
to, como e m geral se sabe, o narcisismo primário tornou-se a teoria-padrão
para descrever a relação mais primitiva do indivíduo c o m seu entorno, e,
muitas vezes, F r e u d remete a ela, em seus escritos posteriores. É bastante
interessante que a teoria não tenha m u d a d o em nada, nos restantes 25 anos de
trabalho ativo de Freud. Para comprová-lo, deixem-me fazer duas citações.
U m a , de u m acréscimo aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, por ocasião
da terceira edição, e m 1915: " A libido narcisista o u do ego parece ser o grande
reservatório do qual os investimentos objetais são enviados e ao qual mais u m a
vez são recolhidos; o investimento libidinal narcísico do ego é o estado original
das coisas, realizado n a infância mais precoce, sendo meramente encoberto
pelas posteriores extrusões da libido, mas essencialmente persistindo por trás
delas (Standard Edition, VII).
A outra passagem pertence ao último trabalho de Freud, não concluído,
Esboço de psicanálise, escrito em 1938 e 1939, no qual, n o segundo capítulo com
o subtítulo " A Teoria das Pulsões", diz: "É difícil dizer algo sobre a conduta da
libido n o i d e n o superego. Tudo o que sabemos a respeito está relacionado ao ego,
no qual é primeiramente armazenada toda a cota de libido disponível. Chamamos a este
estado absoluto de narcisismo primário. Ele permanece até que o ego comece a
investir as ideias de objetos com libido, para transformar a libido narcisista e m
libido objetal. Durante a vida inteira, o ego continua sendo o grande reserva-
tório do qual os investimentos libidinais são enviados aos objetos e ao qual são
mais u m a vez recolhidos, como faz a ameba com seus pseudópodes. A
principal cota de libido é transferida para o objeto somente quando a pessoa
está completamente apaixonada, assumindo o objeto, e m certa extensão, o
lugar d o ego" (Standard Edition, XXIII. Grifos nossos). A descrição, c o m as
A F A L H A BÁSICA 35
NOTAS
1. Ver a analise de Schreber citada abaixo, Leonardo da Vinci (1910) (Standard Edition, XI) e Totem e
tabu (1913) (Standard Edition, XT1I).
2. Cf. Totem e Tabu, acima citado.
CAPÍTULO 8
Contradições Inerentes
A
^ A P A R E N T E M E N T E , estas três teorias — amor objetal primario, auto-erotismo
primário e narcisismo primário — se contradizem. A i n d a assim, tanto quanto nos
é dado saber, Freud, ao escrever, nunca discutiu sua contradição; pelo contrário,
há evidências impressas de que, até 1923, ele conservava simultaneamente três
teorias , o que só poderia significar que não as considerava contraditórias o u
mutuamente excludentes.
Antes de iniciar a discussão desse intrigante problema, queremos lembrar
que a psicanálise, obedecendo fielmente a Freud, utiliza o termo narcisismo
para descrever estados muito semelhantes, embora longe de serem idênticos.
U m deles — chamado por Freud de narcisismo primário o u absoluto — é u m a
hipótese e não u m a observação clínica; presumimos que, no início, toda a libido
está armazenada no ego — o u no i d . O outro, geralmente chamado simples-
mente de narcisismo, embora devesse ser denominado narcisismo secundário,
pode ser observado clinicamente; demonstra u m estado no qual u m a o u mesmo
uma grande parte da libido, que anteriormente investia em objetos externos, é
retirada deles e investida no ego — mas, em definitivo, não no i d . Essa distinção
provará ser de grande importância nos capítulos subsequentes da Parte II.
Freud, sem ao menos mencionar a necessidade de resolver o u , sequer,
reconciliar as inerentes contradições que acabamos de mencionar, tentou
sintetizar essas três teorias em suas Conferências introdutórias sobre psicanálise, em
36
A F A L H A BÁSICA 37
escreve: "Até o momento, tive muito pouca oportunidade de falar a respeito dos
fundamentos da vida erótica, até onde os descobrimos, e agora é muito tarde
para corrigir essa omissão. N o entanto, devo enfatizar que a escolha objetal, o
passo para frente do desenvolvimento da libido, dado após o estágio narcísico,
pode ocorrer de duas formas diferentes: de acordo com o tipo narcísico, no qual
o próprio ego do sujeito é substituído por outro, que é o mais parecido possível
com o sujeito, o u de acordo com o tipo de apoio (Anlehungstypus, que geralmente
é traduzido para o inglês como "tipo anaclítico"), no qual as pessoas que se
haviam tornado preciosas, por terem satisfeito as outras necessidades vitais,
eram também escolhidas como objetos pela libido" (Standard Edition, XVI).
Faremos outra citação, do mesmo capítulo: "Portanto, o auto-erotismo
deveria ser a atividade sexual do estágio narcísico de alocação da libido" (op. cit.).
Não há dúvida de que, então, Freud nos tenha dado u m a teoria aparen-
temente abrangente: a fase mais primitiva é o narcisismo primário, a partir do
qual se desenvolvem, como fases posteriores, as demais organizações da libido.
Apesar de todas as vantagens de simplicidade e de plausibilidade, essa teoria
não soluciona as contradições fundamentais acima citadas; além disso, cria
desnecessariamente novos problemas. Para consubstanciar esse ponto, deve-
mos mencionar uma curiosa nota de rodapé, que Freud acrescentou ao terceiro
capítulo de O ego e o id, publicado em 1923 (o mesmo ano em que foi publicado
seu artigo na Enciclopédia, reafirmando a natureza primária do amor objetal).
O subtítulo do capítulo é " O Ego e o Superego", e a nota de rodapé refere-se à
primeira parte desse capítulo. Nele, Freud descreve as mudanças que poderão
ocorrer no ego, depois que o i d — e não o ego, como foi postulado na citação
anterior de Esboço de psicanálise — tiver sido forçado a abandonar seus objetos
de amor, sendo tais mudanças a introjeção e a identificação: "Agora que
distinguimos entre o ego e o i d , devemos reconhecer o i d como o grande
reservatório de libido, apontado em m e u trabalho sobre o narcisismo. A libido,
que é derramada no ego devido às identificações acima descritas, p r o d u z o
narcisismo secundário" (Standard Edition, XIX).
Mais tarde, no capítulo 4 do livro, Freud reafirma a mesma ideia, se
possível de u m a forma ainda mais inequívoca: " N o começo, toda a libido é
acumulada no i d , enquanto o ego ainda está em processo de formação, o u ainda
é fraco. O i d envia parte de sua libido para o investimento objetal erótico, no que
o ego, agora mais forte, tenta reter essa libido objetal, forçando-a sobre o i d como
u m amor objetal. O narcisismo do ego é pois secundário, o que foi retirado dos
objetos" (op. cit.).
A finalidade óbvia dessas duas passagens é a de esclarecer u m a situação
incerta, à l u z das novas descobertas. Isso é feito em alguma extensão — e, como
poderemos ver atualmente, de forma apenas temporária — criando, ao mesmo
tempo, mais problemas e contradições. Aprendemos que o grande reservatório
38 MICHAEL BALINT
da libido é o i d e não o ego, como afirmou tanto antes como depois de O ego e
o id; e, além disso, que o investimento libidinal do ego, em particular, o das partes
modificadas pela introjeção e pela identificação, é definitivamente classificado
como narcisismo secundário, embora possa ocorrer no início da vida. E v i d e n -
temente, a prévia questão seguinte seria: existiria u m narcisismo primário no
ego? Espantosamente, Freud naquele momento não faz essa pergunta .
O n d e é então o lugar e qual o papel do narcisismo primário? E p o d e m
essas duas passagens ser integradas com a versão habitual, como a citada do
Esboço de psicanálise, segundo a qual tudo o que sabemos a respeito dela (da
libido) está relacionado com o ego, no qual, inicialmente, toda a cota de libido
disponível é armazenada? Denominamos esse estado de "narcisismo absoluto
o u primário".
James Strachey busca uma solução para essa contradição, em u m a nota
editorial de O Ego e o Id, sob o título " O Grande Reservatório da L i b i d o " (1).
Strachey sugere que possivelmente Freud, sem o notar, tenha utilizado a
expressão " O Grande Reservatório da Libido" em dois diferentes sentidos: (a)
indicando u m a função semelhante à de u m tanque de armazenagem e (b) outra
função, como a de uma fonte de suprimento. Evidentemente, a primeira se
refere ao ego, enquanto que a última ao id. Esta é uma hipótese muito plausível,
muito à la Freud e, se aceita, resolveria essa contradição. Entretanto, o fato é que
Freud nunca pensou sobre isso e, embora definisse o i d como u m a fonte de
narcisismo primário, deixou sem resolver o que é investido pelo narcisismo
primário. Não poderia ser o ego — em seus primeiros estágios é questionável
se existe algum ego para investir; nem poderia ser o i d — essa presunção
novamente confundiria a "fonte de suprimento" e o "tanque de armazenagem",
que Strachey recém havia separado (Hartmann, H . , 1956).
O u t r a alternativa aceitável é o dito u m tanto rude de Hartmann, de que
" F r e u d , como o fizeram outros, algumas vezes utilizava o termo 'ego' em mais
de u m sentido, e n e m sempre no sentido no qual era mais bem definido.
Algumas vezes... o termo 'ego' era intercambiavel com 'sua própria pessoa' o u
'o si-próprio'."
Hartmann então propõe distinguir entre os dois significados do termo
"ego": u m , referindo-se às funções e investimentos do ego como u m sistema (em
contraste com o investimento de diferentes partes da personalidade), o outro
para opor o investimento em si próprio ao investimento em outras pessoas
(objeto). M a s o termo "narcisismo" foi utilizado para abranger o investimento
libidinal, tanto do ego como o de si próprio. C o m o mesmo uso, originou-se
também a formulação frequentemente encontrada de que, no início da vida,
toda a libido está no ego, parte da qual é, mais tarde, enviada para investir o
objeto. Nesse caso, parece perfeitamente claro que Freud pensava que o
investimento do si próprio precedia o do objeto — senão por outro motivo, pelo
menos porque, naquele momento, não pensava que houvesse, ao nascimento,
A F A L H A BÁSICA 39
algo que se pudesse comparar ao ego". Hartmann então conclui que " p o d e r i a
significar que, para a definição de narcisismo, seria u m elemento essencial
distinguir o investimento libidinal em si próprio, como oposto ao objetal".
Há várias objeções a essa proposição. A primeira é que escapa à resposta,
considerando-a já respondida. O fato embaraçoso é que nossa teoria atual da
mente e a teoria do narcisismo primário leva-nos a contradições aparentemen-
te insolúveis; H a r t m a n n tenta salvar a situação, introduzindo u m conceito ad
hoc, em lugar de examinar o que havia de errado com as duas teorias o u , pelo
menos, com uma delas. Voltaremos, dentro em breve, a esse passo metodológico.
D e momento, examinaremos o significado do novo conceito: "o investimento
libidinal em si próprio", mas, antes de que se possa fazê-lo, é preciso definir o
" s i próprio". Seria ele a soma total do consciente e do pré-consciente? Incluiria
todo o ego e o superego o u apenas as partes conscientes dessas duas instâncias,
excluindo totalmente o id? O u também se deveria incluir o id? N o entanto,
neste último caso, deveríamos indagar como isso seria possível, pois, no
conjunto, não se tem u m acesso consciente ao i d , constituindo-se em u m a
dificuldade observar como ele pode ser sentido como self. Julgamos que seria
correto dizer que "si próprio" o u self é u m conceito vago e nebuloso, como
"caráter", "personalidade", etc., todos pouco definidos e em termos nebulosos,
muito úteis em u m a emergência desagradável, mas talvez inadmissíveis como
meios de fugir a u m a dificuldade teórica.
Se aceitarmos a nova terminologia, originalmente proposta por Hartmann,
Kris e Loewenstein, desapareceriam muitas—se não todas — das contradições
internas da teoria do narcisismo primário. Todavia, temos de formular duas
perguntas: surgirão novas complicações, na esteira dessa terminologia revista;
e, em segundo lugar, Freud a teria aceito? N e n h u m a delas é difícil de
responder. U m a definição de narcisismo como investimento libidinal do self
nos obrigaria a distinguir, além da forma geral de narcisismo do self, classes
especiais de narcisismo do i d , narcisismo do ego e do narcisismo do superego
— possivelmente cada uma com suas formas primárias e secundárias. Embora
essa subdivisão aparentemente precisa possa ser futuramente vantajosa —
desde que se possa definir adequadamente o self, distinguindo-o do ego, do i d
e do superego — atualmente vejo apenas suas desnecessárias complicações
teóricas.
Essa nova terminologia não remove nossas dúvidas clínicas a respeito da
natureza primária de qualquer u m dos novos tipos de investimento narcísico.
Apesar disso, presumimos que não só a Anlage, mas também algumas partes
relevantes do superego são pré-formadas filogeneticamente, devendo seu
investimento ser secundário, derivado do investimento dos objetos introjetados
ontogenéticamente, como foi descrito por Freud em O ego e o id. Se aceitarmos
a ideia de Freud de que o ego deve ser desenvolvido por algum processo de
maturação, seu investimento deve desenvolver-se mais o u menos ao mesmo
40 MICHAEL BALINT
NOTAS
1. Expressamos nossos agradecimentos pelo privilégio de haver lido esta nota no original, antes
de sua publicação no Standard Edition, Volume XIX.
2. É possível também que a ideia de narcisismo primário tenha sido uma tentativa de resolver um
conflito psicológico. Em inúmeras ocasiões, Freud mencionou seu imenso apego à sua mãe —
o tipo de escolha objetal de apoio. Também sabemos de seu profundo apego aos homens, uma
corrente poderosa durante toda a sua vida, que certamente já tinha se iniciado aos 2 anos com
seu sobrinho, John, ou mesmo mais cedo — um tipo narcísico de escolha objetal. Há muitas
indicações na vida de Freud, entre elas seu longo noivado e casamento tardio, que demonstram
que encontrava consideráveis dificuldades quando procurava encontrar uma solução satisfatória
para seu conflito. Poderíamos pensar que a teoria do narcisismo primário, além de seu valor
científico, também tenha servido à finalidade adicional de esconder esses dois trabalhosos
conflitos, erigindo no lugar assim vago uma estrutura teórica tranquilizadora e sem conflitos,
pelo menos, para seu criador.
CAPÍTULO 9
42
A F A L H A BÁSICA 43
te, já a partir da Interpretação dos sonhos, o sono tem sido uma das mais citadas
instâncias de regressão, tendo-se muitas vezes questionado se o sono, sobretudo
o sono profundo sem sonhos, pode ser considerado como uma das maiores
aproximações, no indivíduo normal, do hipotético estado de narcisismo primário,
sendo o outro exemplo o estado fetal pré-natal. Freud, Ferenczi e muitos outros
observaram que esses dois estados apresentam tantos aspectos semelhantes que,
reunidos, poderiam constituir u m argumento da maior importância.
Embora ninguém possa contestar a natureza regressiva do sono, é preciso
indagar de que ponto de fixação a pessoa adormecida tenta se aproximar? U m a
resposta seria que é do narcisismo primário, mas, será essa a única possibilida-
de? Nossa resposta é citar, de u m dos livros mais interessantes e estimulantes,
mas infelizmente negligenciado e quase esquecido, o primeiro parágrafo do
capítulo intitulado " O Coito e o Sono": "Quanto ao longo alcance da analogia
entre os esforços realizados no coito e no sono, que, com tanta frequência temos
insistido em referir, não podemos deixar de examinar u m pouco mais intima-
mente essas duas adaptações biológicas tão significativas, suas semelhanças e
diferenças. E m Fases do desenvolvimento do sentido de realidade, o primeiro sono do
recém-nascido — para o qual contribuem o cuidadoso isolamento e o cálido
enfaixamento pela mãe o u enfermeira — foi descrito como uma réplica do
estado intra-uterino. A criança, assustada e chorosa, abalada pela experiência
traumática do parto, logo é embalada nesse estado de sono, que cria nela u m a
sensação — por u m lado, com base na realidade, e por outro, alucinatória, isto
é, ilusória — de que aquele tremendo choque não ocorrera. Freud, em
(Conferências introdutórias sobre a psicanálise) tinha, de fato, dito que, falando
estritamente, o ser humano não nasceu completamente; não nasceu completa-
mente porque, ao ir todas as noites para a cama, gasta metade de sua vida como
se estivesse no útero materno" (Ferenczi, 1924).
Aparentemente, o orgasmo do coito e o fato de adormecer só p o d e m ser
atingidos se for possível estabelecer, entre o indivíduo e seu entorno, u m estado
de "harmonia" o u , pelo menos, de paz. U m a das condições para esse estado de
paz é que o entorno aceite o papel de proteger o indivíduo de qualquer
estimulação perturbadora externa, não lhe infligindo n e n h u m tipo de estímulo
excitante o u perturbador. C o m isso concorda o achado clínico de que u m dos
primeiros sintomas de insatisfação sexual é a insónia. Assim, o ponto ao qual tenta
chegar a pessoa adormecida, em sua regressão, talvez seja, não o do narcisismo
primário, mas o de uma espécie de estado primitivo de paz com o entorno, no qual
— para utilizar uma frase moderna — o entorno "sustenta" o indivíduo.
Indicaremos mais u m autor, da literatura muito rica sobre o sono, M a r k
Kanzer (1955), cujas observações são relevantes para o tópico que estamos
abordando. Segundo ele "Adormecer não é apenas uma regressão narcísica... o
adormecido não está verdadeiramente sozinho, mas "dorme com" seu objeto
b o m introjetado. Isso é demonstrado pelos hábitos dos adormecidos — as
46 MICHAEL BALINT
NOTA
Esquizofrenia, Toxicomania e
outras Condições Narcísicas
A
1 X P E N U L T I M A observação clínica utilizada por Freud para justificar a
introdução do narcisismo foi a regressão esquizofrénica. Todos concordam que
os esquizofrénicos retiram seu interesse do m u n d o externo — o u , de alguma
forma, é essa a impressão que dão. Já indicamos que, ao discutir a dinâmica das
regressões esquizofrénicas, invariavelmente Freud começava assim: " A libido,
que é liberada pela frustração, não permanece apegada aos objetos fantasmáticos,
mas retorna para o ego" (Standard Edition, XIV). Essa forma se repete sempre
que F r e u d aborda o problema da esquizofrenia. N o entanto, somente alguns
anos depois da publicação sobre o narcisismo, passou a aparecer outra sentença
que, até então, não era mencionada junto com a anterior. E m Conferências
introdutórias sobre psicanálise, Freud discute os pontos de fixação aos quais as
várias neuroses regridem, afirmando que a esquizofrenia é "provavelmente...
o estágio do narcisismo primitivo, para o qual retorna, em seu estágio final, a
demência precoce" (Standard Edition, XVI). E uma afirmativa teórica e, além do
mais, sofrendo de todas as contradições existentes na teoria do narcisismo
primário. M a s quais observações clinicas?
As opiniões divergem se os esquizofrénicos p o d e m o u não ser curados de
forma radical pela psicanálise, mas há u m consenso geral de que estão longe de
serem inacessíveis a ela. Por outro lado, a técnica normal, isto é, a técnica
analítica padrão, modificou-se consideravelmente para se tornar aplicável ao
47
48 MICHAEL BALINT
53
54 M I C H A E L BALINT
concluída, mudança de u m modo de vida para outro. Escreve: "Só posso pensar
que a parte principal da economia da libido narcisista fetal, que ocorre ao
nascimento, é justamente uma transição entre a quase completa dependência
da vida intra-uterina para o início da individuação, pelo menos para a
semidependência fora do corpo da mãe, em vez da completa dependência de
dentro" (op. cit., p. 45).
Repete o que Freud tinha dito, o u seja, que, durante o nascimento, as
experiências parecem organizar o padrão de angústia do indivíduo, acrescen-
tando que " C o m o o estabelecimento do padrão de angústia é u m a proteção
contra o perigo, a organização do narcisismo constitui u m instrumento positivo
de ataque, u m a pulsão agressiva propulsiva" (op. cit., p. 19).
Todas essas descrições podem ser interpretadas — com u m pouco de
dificuldade — como possíveis indicadores de u m estado de narcisismo primá-
rio, e é assim que Greenacre as utiliza. N o entanto, em minha opinião, p o d e m
ser interpretadas — sem muito esforço — mais como fortes argumentos para a
hipótese de u m a interação precoce e intensa entre o feto-bebê e seu entorno.
Nascer significa uma súbita interrupção de uma até então gratificante relação
com u m ambiente no qual, é verdade, ainda não há objetos, que é u m a espécie
de "oceano" não estruturado. Devemos voltar agora a essa sequência de ideias.
Voltando ao livro de Greenacre, tivemos de omitir muitas observações
clínicas interessantes a respeito da conexão do trauma do nascimento—presumi-
do o u real — com a sintomatologia desenvolvida na vida adulta, porque fogem
bastante de nosso escopo. Por outro lado, devemos destacar que todas as descrições
clínicas fornecidas por Greenacre, referentes aos efeitos dos eventos pós-natais,
podem ser tomadas como argumentos para a natureza secundária do narcisismo
e subsequentes à frustração pelo entorno. Para demonstrá-lo, citamos u m a
passagem de seu trabalho, "Pre-genital Patterning" (1952): "Voltando à questão do
aumento do narcisismo primário devido à precoce e repetida superestimulação do
bebé, tal aumento implica u m prolongamento e uma maior intensidade da
tendência à identificação primária, como observado, e uma alteração do desenvol-
vimento do sentido de realidade, combinada com o aumento da capacidade de
resposta e registro corporais do estímulo".
Frequentemente, a primeira infância é descrita como u m estado
indiferenciado, no qual ainda não há limites entre o indivíduo e o entorno —
u m a ideia aceitável, que será mais debatida no capítulo 12. Outra descrição,
alternativa o u paralela, afirma que a primeira infância é a fase do narcisismo
primário e da identificação primária, que é, mais tarde, definida algumas vezes
como u m aspecto funcional do narcisismo primário. Poderia apontar que, desde
que a palavra "identificação" conserve seu significado normal, há u m a contra-
dição lógica em aceitar a coexistência desses dois estados. C o m o foi acima
mencionado, Freud tinha plena consciência desse fato, que discutiu no capítulo
3 de O ego e o id. Qualquer identificação — no sentido habitual — significa u m a
56 MICHAEL BALINT
Amor Primário
58
A F A L H A BÁSICA 59
Amor Adulto
66
A F A L H A BÁSICA 67
RESUMO
O ABISMO E AS
RESPOSTAS DO
ANALISTA
CAPÍTULO 14
A Regressão e a Criança
Dentro do Paciente
73
74 M I C H A E L BALINT
ser curto o u demorado, mas sempre de natureza mais primitiva do que os bem
conhecidos fenómenos pertencentes ao nível edípico (1).
Voltemos agora às respostas do analista que, como acabamos de discutir,
são u m a parte importante de sua contribuição para o desenvolvimento d a
"atmosfera". Bons exemplos das possíveis variações são as respostas do analista
ao pedido do paciente para prolongar a sessão analítica. A duração tradicional
é de 50 minutos (2) e, e m geral, o analista tem 5 a 10 minutos livres, antes da
sessão seguinte. E m princípio, devemos ou não concordar com a solicitação do
paciente de deixá-lo ficar, ocasionalmente, mais 5 ou 10 minutos? O u devemos
compensá-lo se chegou 5 ou 10 minutos mais tarde? Independentemente do
fato de que a flexibilidade do analista também é limitada pelas circunstâncias
externas (o próximo paciente pode já estar esperando; por outro lado, o analista
pode ter u m a hora livre depois da do paciente e este, por u m o u outro motivo,
ficou sabendo disso, etc), deverá ele concordar em estender a sessão, e, se o fizer,
que critério deverá utilizar para determinar se essa extensão é o u não recomen-
dável?
U m a forma ainda mais difícil do mesmo problema surge quando a
solicitação é para uma sessão extra, durante o fim-de-semana, após o trabalho
diário o u mesmo durante as férias do analista. Julgamos ser irrefutável, seja qual
for a resposta, que não terá sido apenas o paciente mas também o analista quem
contribuiu para criar u m a "atmosfera" no tratamento analítico. U m paciente de
A n n a Freud, várias vezes citado, ao qual foi permitido que telefonasse à analista
em qualquer momento do dia ou mesmo do fim-de-semana, é u m a prova
convincente de que a aceitação e gratificação de algumas tendências regressivas
o u de acting-out n e m sempre são incompatíveis com a técnica "clássica"; e m
outras palavras, não é u m parâmetro irreversível.
As instâncias que acabamos de descrever são exemplos comuns das
respostas do analista ao acting-out de u m paciente regressivo; os escolhemos,
pois, e m virtude de sua estrutura simples, podem ser facilmente discutidas.
Embora seja mais difícil de demonstrar, é certo que existem inúmeros meios
pelos quais o analista pode responder às formas sutis de regressão do paciente.
Sua resposta pode ser de indiferença, desaprovação o u talvez apenas u m
discreto sinal de contrariedade; pode tolerar o acting-out, mas sempre o segue
com u m a interpretação correta e oportuna, a qual, por sua vez, levará o paciente
alguns passos mais na direção de aprender a linguagem do analista, inibindo
novos acting-out; pode permiti-lo de forma simpática, como u m a espécie de
válvula de segurança, ou pode tomá-lo como u m avanço, como uma evidência
de que não mais necessita, o u necessita menos de interpretação, isto é, de
interferência no acting-out, do que com qualquer outro meio de comunicação,
ou seja, de associações verbais. Evidentemente, é apenas neste último caso que
o acting-out e as associações verbais são igualmente aceitos como comunicações
dirigidas ao terapeuta.
A F A L H A BÁSICA 77
dos pacientes não pode nos contar quais as causas de seu ressentimento,
desinteresse e dependência, isto é, qual é a falha o u defeito que existe neles. N o
entanto, alguns são capazes de expressá-lo por seu oposto, isto é, por fantasias
sobre u m parceiro perfeito ou de u m a harmonia perfeita com todo o entorno,
felicidade não perturbada perfeita, contentamento perfeito consigo mesmo e
com o m u n d o , entre outras. Todavia, na forma mais frequente, o paciente fica
repetindo sempre que foi abandonado, que nada no m u n d o valerá a pena a não
ser que algo que lhe foi retirado — habitualmente algo inatingível atualmente
— l h e seja devolvido e, nos casos graves, chega a dizer que não vale a pena viver
se sua perda não for preenchida, procedendo como se isso fosse realmente
verdade.
Gostaríamos de ilustrar essa espécie de atmosfera, com dois sonhos tidos
por u m a paciente, em u m a mesma noite (3). N o primeiro, ela andava por u m
bosque; subitamente, u m grande pássaro cor de carne voou sobre ela, cortando
sua testa profundamente. A paciente ficou atordoada, caindo ao solo inconsci-
ente. O apavorante foi que o pássaro n e m olhou para trás, parecendo não estar
preocupado com o que havia feito. N o segundo, a paciente estava em u m a sala
com vários amigos, que jogavam, como costumavam fazer com ela, mas
n e n h u m deles a notou. O que era terrível é que tinha ficado completamente
sozinha para sempre, pois nunca poderia afastar o pensamento de que o pássaro
não tinha olhado para trás. Pode-se acrescentar que ela teve vários outros
sonhos com esse padrão, durante u m determinado período.
E m u m outro padrão, o paciente repete incansavelmente que sabe que
precisa cooperar, mas precisa ficar melhor ou mesmo praticamente b o m antes
de que possa fazê-lo. A o mesmo tempo, está completamente a par da realidade,
isto é, de que é impossível melhorar sem a sua cooperação; porém, tal
discernimento apenas exacerba seu desespero. Esse círculo v i c i o s o — n a sincera
convicção do paciente — só pode ser rompido se for substituída alguma coisa
que tinha ido errado, o u se pudesse ter em si algo que antes já tinha tido, mas
que perdera.
Os pacientes — e analistas — mais sofisticados p o d e m dizer que algo foi
irreparavelmente perdido o u que foi mal, como o pênis o u o seio, geralmente
sentidos como possuindo qualidades mágicas, falando da inveja do pênis o u do
seio, do medo da castração; cabem aí tanto o conceito de afanise de Jones (1927)
como as ideias de Melanie Klein sobre o ciúme e a inveja inatos; no entanto, em
quase todos os casos, tudo isso está associado a u m sentimento insaciável e
incontestável de que, se a perda não for corrigida, o próprio paciente continuará
m a l , sendo melhor enlouquecer o u até mesmo morrer.
Todos os fenómenos de regressão, como os observados na situação
analítica, impressionam de forma irresistível, pois se assemelham a u m a
conduta primitiva, reminiscente da conduta da primeira infância; u m forte
argumento para a tese de que qualquer neurose o u psicose necessariamente
82 M I C H A E L BALINT
NOTAS
(1) Uma possível explicação teórica para essas diferenças utiliza a ideia de trauma. De acordo com
ela, o indivíduo se desenvolveu mais ou menos normalmente, até o momento em que é afetado
por um trauma. A partir de então, seu desenvolvimento passa a ser influenciado fundamental-
mente pelo modo desenvolvido para lidar com os efeitos desse trauma — sua falha básica.
Evidentemente, nem sempre esse trauma é um evento único; ao contrário, com frequência, está
ligado a uma situação de certa duração, provocada por uma dolorosa divergência — uma falta
de " a d a p t a ç ã o " — e n t r e o indivíduo e seu entorno. Em geral, o indivíduo ainda é criança, sendo
seu entorno um mundo de adultos.
Na verdade, apesar da falta geral de "adaptação", em certos casos, um ou mais adultos podem
ficar ao lado da criança, porém, com muito mais frequência, é o indivíduo imaturo e fraco quem
precisa lidar com a situação traumática, por sua própria conta, sem nenhuma aj uda ou com uma
de um tipo que nada mais é do que uma forma de continuar a divergência, o que, para ele, é
inútil.
Assim, o indivíduo é levado a adotar seu próprio método de lidar com o trauma, método
encontrado em seu desespero ou indicado por um adulto pouco compreensivo, pouco amigo
ou indiferente, negligente ou até mesmo descuidado ou hostil. Como acabamos de dizer, o
desenvolvimento posterior do indivíduo será determinado, ou de algum modo limitado, por
esse método que, embora possa ajudar, em determinados aspectos, invariavelmente é difícil e,
acima de tudo, estranho. Não obstante, será incorporado à estrutura do ego — com sua falha
básica — e tudo o que ultrapassar ou contrariar tais métodos irá afetá-lo, como uma proposição
assustadora e mais ou menos impossível.
A tarefa do tratamento analítico consiste em lidar com os medos que obstruem o caminho da
readaptação—chamados de "fixações"—permitindo ao paciente ampliar suas potencialidades
e desenvolver novos métodos de lidar com suas dificuldades. Evidentemente, o resultado desse
empreendimento também irá depender de quanto o trauma afetou o indivíduo e até que ponto
o método escolhido é compatível com o desenvolvimento de uma forma de "amor genital". Em
alguns casos, aparentemente é necessário voltar ao período pré-traumático, para que o paciente
reviva o próprio trauma, mobilizando a libido nele "fixada" e encontrando novas possibilidades
de lidar com os problemas envolvidos. Se o trauma ocorreu em um estágio relativamente tardio
do desenvolvimento, o ponto ao qual o tratamento precisa retornar será o nível edípico, quando
então não haverá necessidade de levar além a regressão, que será possivelmente ainda menos
observável na situação analítica. Por outro lado, se o trauma o afetou em um ponto além da área
edípica, é provável ocorrer e ser observada uma regressão considerável.
(2) Quando começamos a praticar a psicanálise, no início da década de 20, costumava-se utilizar
55 minutos.
(3) Agradeço à minha esposa pelo material clínico.
CAPÍTULO 15
O Problema da Linguagem na
Educação e no Tratamento
Psicanalítico
A
x X . D I F I C U L D A D E mais geral, mas nem sempre totalmente reconhecida, é a
causada pelo uso continuado, pelo analista, da linguagem habitual, como
veículo de suas respostas ao paciente regressivo. Evidentemente, esse é apenas
u m caso particular do problema de linguagem na situação analítica. Não há
dúvida de que qualquer inglês o u norte-americano analisará u m paciente de
língua inglesa em inglês e que ambos se entenderão. Porém, é preciso admitir
que o analista usará, com cada paciente, u m conjunto u m pouco diferente de
palavras, frases e clichés; mas, no todo, os "dialetos" serão mutuamente
inteligíveis. Por outro lado, certamente não o serão para u m francês o u u m
alemão, devendo ser antes traduzidos.
Evidentemente, isso não quer dizer que o inglês o u , no caso, o francês o u
o alemão sejam superiores, mas que são linguagens diferentes. O motivo da
diferença é histórico: os ingleses, franceses e alemães, e m seus primeiros
estágios de formação, aprenderam linguagens diferentes com seus pais.
A maioria das coisas, objetos, relações, emoções, etc. p o d e m ser expressas
igualmente bem em diversas linguagens, mas devemos enfatizar que é apenas
a maioria delas, pois é preciso acrescentar que algumas não p o d e m . Isso é
verdade, e m particular, para as comunicações muito carregadas emocional-
mente. Bons exemplos disso são a poesia lírica o u as letras de músicas; traduzir
qualquer uma delas é u m a tarefa quase impossível; como sabemos, as óperas são
84
A F A L H A BÁSICA 85
qualquer outra pessoa como estranha e irritante. O que não podemos jamais
esquecer é que o simples fato de as pessoas falarem e entenderem não as eleva
à categoria de linguagem universal, embora os que a utilizam gostassem de que
isso fosse verdade.
Se o aceitarmos como inevitável, o que podemos fazer a respeito? Para
nossa teoria, a resposta seria u m programa laborioso; primeiramente, devemos
compilar, para cada u m a das linguagens analíticas, u m dicionário e u m a
gramática, isto é, u m a coleção, o mais completa possível, de palavras e das
diversas conexões possíveis entre elas; porém, quando comparamos esses
diversos dicionários e gramáticas, constataremos que há, em cada linguagem,
diversas palavras, frases e estruturas gramaticais intraduzíveis, características
de cada u m a das linguagens; em terceiro lugar, podemos então comparar as
diversas linguagens para determinar qual a mais adaptada como u m a forma de
expressar alguma coisa. Esta, a parte mais importante da pesquisa, só pode ser
montada depois que as duas anteriores atingiram certo estágio.
Além disso, todas as palavras possuem seus próprios feixes de associações,
alguns difusos, outros mais concentrados, alguns vagos, ampliados e fluidos,
outros mais condensados, quase sólidos, mas todos altamente individuais.
Dificilmente encontrar-se-ão duas palavras absolutamente idênticas e m duas
línguas diferentes. Há muitos exemplos dessa falta de correspondência, e, por
isso, iremos citar, para ilustrar o que digemos, alguns termos técnicos inadequa-
dos de nossa própria ciência. O termo alemão Besetzung, significa e m inglês
"occupation" (ocupação), "charge" (carga), "cathexis" (investimento); os termos
alemães Lust e Unlust são simplesmente intraduzíveis; o termo inglês pleasure
(prazer) significa algo completamente diferente, enquanto unpleasure (desprazer)
é u m desajeitado neologismo, sendo o mesmo verdade para pleasurable (prazeroso)
e unpleasurable (desprazeroso); o termo alemão Angst pode significar " m e d o " ,
"angústia" e mesmo "pânico". Todas essas palavras e m inglês possuem feixes
de associações muito diferentes dos do alemão. Inversamente, o termo inglês
sentiment, não encontra equivalente em alemão, e o termo inglês depressed tem
u m significado bastante diferente de seu equivalente linguístico alemão,
deprimiert. O termos ingleses skill e thrill não possuem u m verdadeiro equiva-
lente em qualquer outra língua europeia que conheçamos. Por último, mas não
menos importante, os alemães não possuem mind, mas os ingleses sentir-se-ão
desconfortáveis se alguém, exceto u m padre, lembrá-los de que possuem u m a
soul (alma). E m inglês, falamos das "doenças da mente"; seu equivalente
alemão, Geisteskrankheiten significa "doenças do espírito".
Selbstgefuhl e Selbstbewusst, conceitos bastante simples em alemão, não
encontram equivalente em inglês, em virtude de seus feixes de associações
serem muito diferentes, e m ambas as línguas. Selbstbewusst denomina u m a
pessoa que está consciente de suas qualidades pessoais, que confia, de u m a
forma realística, n a própria capacidade; o termo inglês equivalente, self-
A F A L H A BÁSICA 87
figuras, imagens o u sons, que podem, sem milito esforço, modificar seu sentido
o u ser assimilados a u m a outra — como de fato ocorre nos sonhos. Parece que,
no inconsciente, as palavras possuem a mesma imprecisão de contornos e cores
das imagens vistas e m u m sonho, u m a espécie de cinzento sobre cinzento;
embora investidas por u m a grande dose passageira de emoção e afeto, não
servem para ser usadas de u m a forma bem definida e concisa, como seria
necessário na linguagem adulta.
Nosso próximo problema é perguntar o que se está fazendo na prática com
esses pacientes? N o todo, os analistas procedem como as mães acima descritas.
Parecem não ter dúvidas quanto à linguagem a escolher; falam a sua própria
língua que, de fato, equivale à sua língua materna, pois foi c o m ela que
aprenderam sua infância analítica. Além de serem informantes e intérpretes,
também assumem o papel de professores e, portanto, seus pacientes inevitavel-
mente aprendem u m dos diversos dialetos da linguagem de seu analista. C o m o
já foi mencionado, há várias linguagens desse tipo, pois cada escola psicanalítica
desenvolveu a sua.
A seguir, descreveremos algumas dessas linguagens. Nossa principal
preocupação é estudar de que modo elas ajudam o analista a responder a u m
paciente regressivo e a impor limites à escolha das respostas. Por último,
tentaremos mostrar os perigos inerentes a cada tipo de resposta.
NOTA
(1) A seguir, fazemos uma pequena recapitulação de algumas ideias desenvolvidas em nosso livro
Thrills and Regressions, principalmente nos capítulos 8 e 11 (Balint, M . , 1959).
CAPÍTULO 16
90
A F A L H A BÁSICA 91
aceitas, se o analista puder controlá-las, para que não surjam perigos e, por
último mas não menos importante, para utilizá-las como veículos de interven-
ções terapêuticas. Pensamos que, em virtude de nosso treinamento, os analistas
são o único grupo de pesquisadores que pode empreender essa tarefa, e
certamente ficaremos mais pobres se fugirmos dela.
Alguns poderão dizer que, se você se aventura nessas terras não mapeadas,
poderá não encontrar nada e, mesmo que encontre, talvez não valha o risco
corrido pela psicanálise. Não somos tão pessimistas. O ouro p u r o tem a notável
qualidade de suportar qualquer fogo, sendo até mesmo purificado por ele. Não
vemos n e n h u m motivo para temer pelas partes essenciais de nossa ciência,
podendo até mesmo ser queimadas algumas de suas pequenas impurezas, se
o ouro não for puro, o que seria melhor para as futuras gerações.
CAPÍTULO 17
Os Riscos Inerentes à
Interpretação Consistente
95
96 MICHAEL BALINT
ções faz parte do discurso educado, e isso também poderá vir a ocorrer c o m essa
nova linguagem. Há u m a outra grande diferença entre a linguagem de F r e u d
e a dessa nova escola. Enquanto a de Freud estava interessada principalmente
nas experiências do nível edípico, essa escola empreendeu a tarefa consciente
de inventar expressões padronizadas para descrever experiências mais p r i m i -
tivas do que as pertencentes ao nível edípico.
C o m o esses analistas julgam que o paciente regressivo ainda não estabe-
leceu relações com os objetos totais reais, sendo capaz apenas de se relacionar
com objetos parciais, utilizam, com a finalidade de se comunicar com tais
pacientes, a linguagem convencional, mas livremente mesclada a substantivos
como "seio", "leite", "conteúdo " o u "dentro do corpo", "objetos parciais", etc,
e verbos como "fragmentar", "chupar", "incorporar", "projetar", "perseguir",
"danificar", etc. Assim, os termos "seio", "leite", "dentro do corpo", entre outros,
iniciaram suas carreiras como palavras normais, com u m significado convenci-
onal acordado, porém, com o passar do tempo, sofreram u m a curiosa mudança,
seu significado se tornando, em nossa opinião, ao mesmo tempo mais amplo e
abrangente, e m consequência de sua aplicação à descrição de fenómenos
pertencentes à área da falha básica.
Por essa constante ampliação semântica, tais analistas oferecem e
frequentemente conseguem dar nomes a coisas e experiências que ainda não
tinham nomes e, por isso, não podiam ser expressas em palavras. Por exemplo,
talvez fosse seio ou leite o que a criança pequena quisesse, mas ela, naquele
momento, ainda não conhecia essas palavras e suas experiências emocionais
nunca tinham sido tão definidas como implicadas pelo significado convencio-
nal adulto das palavras "seio", "leite " o u "danificado."
Utilizando, assim, forma as palavras, esses analistas desenvolveram u m a
linguagem "louca", muito característica, embora u m tanto peculiar, descrita por
muitos de seus próprios pacientes exatamente nestes termos. E m suas publica-
ções, são citados pacientes que teriam dito algo mais o u menos assim: " O
analista tenta forçar pensamentos loucos dentro do paciente; o paciente nunca
havia tido tais ideias loucas e perturbadoras antes de entrar em análise"; o u ,
depois de u m a interpretação "profunda" feita pelo analista, o paciente poderá
responder: " A interpretação fez o analista parecer estar louco e a análise
perigosa, pois agora o paciente sente que o analista está forçando seus próprios
pensamentos loucos para dentro do paciente, da mesma forma como, de acordo
com a reconstrução do analista, a mãe do paciente havia forçado para dentro
dele seu leite m a u , v i n d o de seu seio destruído".
Isoladamente, tais descrições podem parecer exageradas e incorretas, mas
ocorrem repetidamente, na forma citada, nas publicações. N o entanto, é preciso
acrescentar que a atitude aqui descrita é uma reminiscência da atitude de
algumas crianças que julgam a conversa dos adultos "louca", pois lhes é
ininteligível e, ao mesmo tempo, consideram qualquer tentativa firme de
A F A L H A BÁSICA 97
ensiná-las essa linguagem como forçar para dentro delas ideias contra as quais
seria melhor defender-se.
N o entanto, se o analista — e os adultos — continuarem a utilizar sua
linguagem com consistência absoluta, os pacientes e as crianças eventualmente
cederão, aprendendo o que lhes ensinam e adotando a linguagem dos mais
velhos e superiores. C o m o resultado dessa interação entre u m analista consis-
tente e seu paciente conformado, cria-se u m a "atmosfera" na qual inevitavel-
mente ocorrerão determinados eventos. Através desse processo de aprendiza-
do, os pacientes ficam definitivamente mais maduros, tornando-se capazes de
lidar melhor com certas situações, que, até então, tinham-lhes causado dificul-
dades.
Todavia, o paciente, preparado por sua irresistível necessidade de ser
compreendido, não só aprende a falar a linguagem habitual do analista para
expressar suas associações, mas também passa a aceitar tacitamente que a
análise só pode lidar adequadamente com tais experiências se elas forem
verbalizadas sem grande dificuldade, com uma intensidade que não vá além de
determinado nível crítico. O restante, que está além do reino das palavras,
obtém u m a interpretação muito vaga e inexata ou não pode ser expresso de
nenhuma forma pelo paciente. (O fato dessas experiências de alta intensidade
não poderem ser explicadas em palavras, de u m a maneira satisfatória, talvez
seja u m dos motivos pelos quais sabemos tão pouco a respeito dos processos
mais refinados do orgasmo.)
Esse resultado é u m a prova de que esse método particular de ensino foi
o melhor possível o u que a linguagem do adulto, a qual em certo momento
pareceu "louca", é universal? A apresentação da pergunta desse m o d o leva a
uma resposta. O método não é em absoluto correto, mas apenas eficiente e a
linguagem não é universal, mas apenas u m meio útil e localizado de comuni-
cação. Ademais, o fato de que as crianças e os pacientes procedem de forma
semelhante, enquanto aprendem, sugere que esse tipo de ensino se baseia, em
uma extensão muito ampla, na introjeção e na identificação. Pode-se até mesmo
ser-se desculpado por ter apresentado a suspeita de que, em ambos os casos, a
introjeção e a identificação sejam u m tanto aerificas. De todo modo, esta é a
impressão de u m estranho, quando observa u m candidato, durante e depois do
processo de aprendizado.
Tal impressão é reforçada pela conduta curiosa e bastante uniforme dos
adeptos dessa escola, pois todos parecem confiantes de serem proprietários, não
só de u m a linguagem totalmente adequada para a descrição dos fenómenos
"pré-edípicos" o u mesmo "pré-verbais, mas também de critérios confiáveis de
como utilizar essa linguagem; isto é, quando, o que e como interpretar. Suas
interpretações — como as referidas em nossos encontros científicos e na
literatura—dão a impressão de se originar de u m analista confiante, informado
e talvez até mesmo irresistível, uma impressão aparentemente partilhada por
98 M I C H A E L BALLNT
seus pacientes. Se for verdade, a atitude do analista pode ser u m dos motivos
pelos quais, por u m lado, emerge tanta agressividade, inveja e ódio no material
de associação de seus pacientes e, por outro, porque parecem estar tão
preocupados com a introjeção e a idealização. São esses os dois mecanismos
de defesa utilizados com mais frequência em qualquer parceria na qual u m
parceiro oprimido e fraco tem de lidar com outro irresistivelmente poderoso.
U m outro aspecto intrigante é sua relativa relutância em admitir u m
fracasso terapêutico. M e s m o que, evidentemente, os adeptos dessa escola
d e v a m ter tantos casos difíceis e fracassos como quaisquer outros, na literatura
deles originada está conspicuamente ausente qualquer menção a tal fato. Pelo
contrário, dão a impressão de estar dizendo o u deixando subentendido que,
como com sua nova linguagem obtiveram a chave do entendimento dos
processos pré-edípicos, simplesmente desapareceriam muitas das dificulda-
des e fracassos, se todos os analistas aprendessem a sua técnica e linguagem.
A implicação completa desse tipo particular de relação paciente-terapeu-
ta, característica dessa escola, só será discutida mais tarde, na Parte V . D e
momento, podemos apenas destacar que a desigualdade peculiar entre o
analista confiante, informado e talvez até mesmo irresistível, que utiliza sua
linguagem e interpretação com absoluta consistência, e o paciente, cuja única
escolha reside em aprender a linguagem aparentemente "louca" do analista o u
abandonar qualquer esperança de ajuda, é u m sinal significativo de que o
trabalho analítico atingiu a área da falha básica. Essa técnica aceita a realidade
da falha básica, mas a atribui a u m a falha do próprio paciente, em termos do
que teria feito, em sua fantasia, a seus objetos internalizados.
O risco inerente ao tipo de interpretação que se acabou de discutir talvez
possa ser b e m mais descrito como u m a "superego-intropressão", termo criado
por Ferenczi (1932), que, utilizando sua técnica de forma consistente, apresen-
ta-se ao paciente como u m a figura muito informada e inabalável. Por isso, o
paciente parece sempre ter a impressão de que o analista não só compreende
tudo, mas que também tem sob seu comando os únicos meios infalíveis e
corretos para exprimir tudo: experiências, fantasias, efeitos, emoções, etc.
Depois de superar o imenso ódio e ambivalência — em nossa opinião
provocados, em grande parte, pelo uso consistente da técnica — o paciente
aprende a linguagem do analista, e pari passu introjeta sua imagem idealizada.
Nos casos bem-sucedidos, o resultado parece ser a aquisição de u m a estrutura
mental bastante — embora longe de absoluta — uniforme, sem dúvida
altamente eficiente, embora continue sendo, talvez para sempre, u m tanto
estranha e artificial.
Há u m outro risco inerente a u m tipo de interpretação consistente. Se as
queixas, recriminações e acusações do paciente permanecerem vagas e não
p u d e r e m ser relacionadas a algo específico, quase sempre é possível "analisar"
a q u e i x a — n ã o interessando ao que realmente se r e f e r e — o u mesmo descarta-
A F A L H A BÁSICA 99
101
102 M I C H A E L BALINT
AS FORMAS BENIGNAS
E MALIGNAS DA
REGRESSÃO
CAPÍTULO 19
111
112 M I C H A E L BALINT
naquele momento, já tinha u m passado e iria ter u m futuro. Para dizer algo a
respeito deste último, gostaríamos de mencionar que A n n a F r e u d (1936)
colocou a regressão em primeiro lugar em sua enumeração dos mecanismos de
defesa, situando o recalcamento em segundo lugar .
Quanto ao seu passado, é difícil determinar uma data exata para seu
começo, mas parece provável que foi estimulado pelo contato de F r e u d c o m
Brücke o u Breuer. Breuer, no capítulo teórico de Estudos sobre a histeria (1895),
utilizou o adjetivo rückläufig (retrogressivo) para descrever os processos psico-
lógicos durante a alucinação, exatamente no mesmo sentido que Freud iria
utilizá-lo, cinco anos mais tarde, em A interpretação dos sonhos. Por outro lado,
tanto n o artigo " A s Psiconeuroses de Defesa" (1894) como n o publicado
postumamente "Manuscrito H " (janeiro de 1895), Freud descreveu as alucina-
ções como métodos de defesa contra ideias incompatíveis. Portanto, não pode
haver n e n h u m a dúvida de que a ideia de regressão como u m mecanismo de
defesa é muito antiga, mas não poderíamos afirmar, com certeza, quando surgiu
exatamente, n e m se foi descoberta por Breuer o u por Freud.
A ideia afim, mas mais geral, de regressão como u m importante fator na
patogenia das neuroses, psicoses, perversões, etc. é inteiramente de Freud,
tendo sido desenvolvida mais tarde do que a anterior, embora as primeiras
alusões a ela tenham ocorrido no trabalho embriológico de Freud, publicado
em 1877 e 1878; na Conferência XXII de Conferências introdutórias sobre psicaná-
lise (1916-17), utilizou esses achados embriológicos para ilustrar a função
patogénica da regressão. Porém, nos anos intermediários, o termo "regressão"
não apareceu nos primeiros trabalhos de Freud, nem na análise de D o r a (1905),
na de G r a d i v a (1907) o u na do Pequeno H a n s (1909). A primeiras tentativas de
aludir a essa ideia psicológica são encontradas e m algumas passagens d a
primeira edição de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), mas foi apenas
na terceira edição (1915) que Freud afirmou explicitamente que a regressão era
u m importante fator patogénico. A data exata dessa mudança parece ter sido
entre 1909 e 1910, destacada em "Cinco Lições de Psicanálise" (1909) e nos
trabalhos sobre o H o m e m dos Ratos (1909), Leonardo d a V i n c i (1910) e
Schreber (1911), momento em que Freud lutava com o problema do narcisismo.
A conexão entre essas duas ideias, por u m lado, o narcisismo e a regressão
como u m fator na patogenia, por outro, seria u m tópico dos mais interessantes
para u m estudo histórico.
E m 1914, Freud associou o lado teórico destas duas funções da regressão
— como mecanismo de defesa e como fator patogénico — na terceira edição de
A interpretação dos sonhos, onde distingue três aspectos da regressão: o topográ-
fico, o temporal e o formal. O movimento de "recuo" dos processos mentais,
"transformando pensamentos em imagens", não ocorre apenas no espaço, isto
é, entre as várias instâncias do aparelho mental, mas também no tempo, a partir
do presente, no sentido de experiências mais precoces. E, finalmente, talvez a
A F A L H A BÁSICA 113
Sintomatologia e Diagnóstico
118
A F A L H A BÁSICA 119
Nossa intenção é discutir esse campo sob três títulos. E m primeiro lugar,
a sintomatologia e o diagnóstico da regressão. As questões relevantes serão: o
que constitui u m a regressão durante a análise, isto é, quais são os critérios
diagnósticos diferenciais? Ocorre apenas sob u m a forma o u , se sob várias, quais
são elas? O segundo grupo de indagações está relacionado a seu dinamismo.
Quais os eventos essenciais durante u m a fase de regressão e qual o significado
específico de cada u m deles? E, finalmente, o terceiro grupo de indagações se
refere à técnica e à terapia. Este último grupo será apenas mencionado nesta
Parte, pois pretendemos discuti-lo, em pormenores, na Parte V . O problema é
decidir o que irá determinar se uma regressão terá u m efeito patogénico o u
terapêutico. Se isso é determinado o u mesmo influenciado por eventos exter-
nos, o que garante ao analista que a regressão do paciente é terapêutica,
evitando qualquer perigo de uma regressão patológica?
Sugerimos iniciar com nossas primeiras experiências clínicas nesse cam-
po. Seus aspectos recorrentes são os seguintes: em determinado ponto do
tratamento analítico, depois de uma interpretação aparentemente correta,
ocorre u m a súbita mudança e o paciente parece apresentar, na situação
analítica, u m a forma de satisfação primitiva o u u m a forma de relação objetal
simples, que, até então, era-lhe impossível, desagradável o u repulsiva. Sé isso
for interpretado da maneira habitual de objetividade simpática, não se identi-
ficará u m maior desenvolvimento. N o entanto, se o analista aceitá-la e respon-
der a ela, há uma ruptura imediata, com sinais de desenvolvimentos terapêuticos.
Essa diferença significa que tanto o paciente como o analista fazem u m
pouco mais, além de — mas não em vez de — o que acontece no tratamento
analítico "clássico".
Agora u m caso concreto: na segunda metade da década de 1920, começa-
mos o tratamento analítico de uma moça atraente, vivaz e coquete, de vinte e
tantos anos. Sua principal queixa era a incapacidade de concluir alguma coisa.
Tinha terminado, alguns anos antes, com sucesso, o curso universitário, mas
não conseguira fazer os exames finais. Era muito popular entre os homens, e
muitos deles a tinham desejado, para casamento o u para u m caso, mas ela
simplesmente não pudera corresponder. Gradualmente, surgiu que sua inca-
pacidade de corresponder estava ligada a u m temor da incerteza, sempre que
tivesse de correr algum risco ou tomar uma decisão. Tivera u m a ligação muito
forte com o pai poderoso, u m tanto obsessivo, mas muito confiável; eles se
compreendiam e apreciavam; enquanto que a relação com a mãe, u m tanto
intimidada, a quem julgava pouco confiável, era claramente ambivalente.
Passaram-se mais o u menos dois anos, antes de que tais conexões
adquirissem sentido para ela. Mais o u menos pela mesma época, havíamos lhe
feito a interpretação de que, aparentemente, para ela, a coisa mais importante
era manter a cabeça seguramente erguida, com os pés firmemente plantados no
chão. C o m o resposta, mencionou que, desde sua primeira infância, nunca
120 M I C H A E L BALINT
Gratificações e Relações
Objetáis
124
A F A L H A BÁSICA 125
paixão, logo após sua satisfação; o terceiro, a condição absoluta de que tudo
aconteça na condição analítica, isto é, em u m a relação objetal.
Comecemos pelo aspecto de gratificação. Não há dúvida de que alguma
coisa precisa ser satisfeita, mas é muito difícil identificá-la como derivada de u m
determinado componente pulsional. E m alguns casos, isso pode ser feito
cedendo-se u m pouco, como por exemplo no caso de nossa paciente que d e u
u m a cambalhota. Outra paciente—também u m tratamento bem-sucedido c o m
acompanhamento de cerca de 25 anos—desejou e segurou u m de meus dedos,
por algum tempo, em determinado período da análise. C o m pouco esforço,
poderíamos encontrar — ou criar — u m a pulsão de agarrar, que pudesse
explicar a satisfação observada neste caso. Outro paciente, desta vez u m
h o m e m , teve de entrar em licença de saúde por várias semanas, durante o
período do novo começo. Seria difícil dizer se estava o u não doente naquele
momento; não conseguia trabalhar, passando a maior parte do tempo acamado,
precisando de cuidados, mas comparecia regularmente às sessões — não
perdendo nenhuma. Mais o u menos na mesma época, solicitou sessões extras,
especialmente nos fins-de-semana o u que nós telefonássemos para ele. Seria
difícil considerar essas satisfações como u m a espécie de componente pulsional,
mas é evidente que todos os três pacientes precisavam de u m certo tipo de
relação simples, complacente {gewährend) com o entorno, isto é, com seu objeto,
naquele momento, mais importante: o analista.
Voltando à questão do diagnóstico diferencial, em cada u m dos casos
mencionados, as formas primitivas de se conduzir e de sentir surgiram depois
de já estabelecidas formas mais maduras, sendo a isso que propusemos chamar
de regressão, a qual regressão resultou em cobiça e anseio e, em todos os três,
o analista as atendeu positivamente, o u seja, as satisfez. Queremos enfatizar que
a satisfação não substituiu a interpretação, mas foi acrescentada a ela. D e acordo
com a situação, em alguns casos a interpretação precedeu, e, em outros, sucedeu
a satisfação.
N a década de 30, começamos a compreender que a satisfação exigida e
recebida pelo paciente, no período de novo começo, embora evidente, não era
o mais importante; talvez fosse apenas u m meio para u m fim. O que realmente
importava era que o paciente fosse auxiliado a se libertar das formas complexas,
rígidas e opressivas de relação com seus objetos de amor e ódio — chamadas,
naquele tempo, de "traços de caráter" —, para iniciar formas mais simples e
menos opressivas. Por exemplo, em nosso primeiro caso, no momento crucial,
o analista não foi sentido como u m objeto adulto excitante o u proibido, em cuja
presença nenhuma jovem poderia pensar em dar cambalhotas, mas como u m
objeto seguro, em cuja presença u m a paciente poderia e deveria se atrever a
prazeres infantis. De passagem, não interessa muito se a mesma diferença fosse
expressada na linguagem do conflito edípico triangular o u em qualquer u m a
das linguagens pré-edípicas — oral, anal, fálica, etc. Além disso, temos quase
126 MICHAEL BALINT
As Diversas Formas de
Regressão Terapêutica
A
i l T E o momento, citamos apenas pacientes que apresentaram u m a regressão
terapêutica bem-sucedida, o que pode ter dado a impressão de que fosse isso
o que nos interessava em u m tratamento analítico difícil, e, ademais, que as
repetidas recomendações de Freud, para ter cuidado ao lidar com u m a forma
regressiva de transferência, não tinham n e n h u m fundamento clínico, enquanto
que as ideias técnicas de Ferenczi estavam todas na direção correta e somente
morte prematura o tinha impedido de comprovar sua veracidade. Para desfazer
falsas impressões, voltemos às observações clínicas.
Há alguns anos (Balint, M , 1952), lidamos com alguma profundidade com
o problema dos pacientes que, embora capazes de regredir, não conseguem
atingir o estado arglos de confiança, que é uma pré-condição absolutamente
necessária para o novo começo, e nos quais o tratamento teve de ser terminado
com u m resultado parcial. Embora esses resultados tenham sido bastante
aceitáveis, foram menores do que os obtidos depois de u m adequado recomeço.
Para pormenores, remetemos o leitor à publicação original.
D e acordo com nossa experiência — exceto os sucessos parciais devidos
à incapacidade da unidade paciente-analista alcançar a área do novo começo —
os pacientes se dividem em dois grupos: em alguns tratamentos, ocorre apenas
u m , o u pelo menos poucos períodos de regressão o u de novo começo, depois
dos quais o paciente emerge espontaneamente de seu m u n d o primitivo e se
128
A F A L H A BÁSICA 129
sente melhor, o u mesmo curado — como foi previsto por Ferenczi; enquanto
que, em alguns outros, parece que nunca são suficientes; logo que u m dos
desejos o u necessidades primitivas foi satisfeito, é logo substituído por u m novo
desejo o u anseio, igualmente exigente e urgente. Isso, em alguns casos, levou
ao desenvolvimento de estados semelhantes à toxicomania, que foram difíceis
de lidar, e alguns deles foram — como Freud previu — até mesmo intratáveis.
Encontramos alguma explicação para essa grande diferença, no terceiro
grupo de eventos da sintomatologia do período de novo começo — sendo os
dois primeiros as formas primitivas de gratificação e as mudanças na relação
objetal. O s eventos aos quais agora voltamos são as súbitas mudanças de
intensidade da atmosfera analítica o u da transferência. Enquanto não se
aprofunda, a sintomatologia clínica parece bastante simples. Enquanto a tensão
do paciente se eleva, o u seja, enquanto ainda não obteve a satisfação esperada,
desenvolvem-se e se conservam sintomas impressionantes e ruidosos; logo que
é obtida a satisfação esperada, desaparecem os sintomas ruidosos e apenas u m a
observação muito cuidadosa poderá detectar, no paciente, os sinais de u m bem-
estar tranquilo e calmo. Foi até esse ponto que chegamos, em meados da década
de 30 e, evidentemente, estabelecemos u m paralelo óbvio entre essas observa-
ções e a transformação de u m bebé esfomeado em u m bebé satisfeito.
Todavia, logo compreendemos que esse paralelo, embora plausível, só
tinha validade nos limites da psicologia unipessoal. Para ilustrar o que temos em
mente, voltaremos ao precursor de toda a terapia analítica — o tratamento de
A n n a O . por Breuer.
Já haviam surgido em sua história alguns dos aspectos sempre presentes
de regressão, embora n e m Breuer, n e m Freud parecessem ter reconhecido sua
natureza fundamental; de todo modo, não há evidências publicadas a esse
respeito. A n n a O., em estado normal, não tinha acesso às lembranças recalcadas,
mas apenas em transe hipnótico, que é u m estado mais primitivo (isto é,
regressivo). Temos, então, a famosa cena final, u m pouco antes do término do
tratamento, na qual ela arrumou seu quarto como costumava fazer com o quarto
de doente de seu pai; atualmente, isso seria chamado de acting-out.
A relação entre a paciente e seu terapeuta, durante esse período, tinha se
tornado mais primitiva do que entre dois adultos normais. U m a característica
notável dessa mudança da relação foi que, embora o terapeuta tenha se tornado
muito importante para a paciente, ela não podia sentir o u demonstrar muita
preocupação por ele — ele simplesmente devia satisfazer as expectativas da
paciente —, exatamente como ocorre em uma relação com os objetos primários.
Por exemplo, Breuer, u m médico muito ocupado, era obrigado a fazer duas
visitas diárias de duração considerável, e isso continuou por algum tempo.
Outros aspectos da situação foram as grandes recompensas recebidas pelo
terapeuta. Desde que fosse capaz de atender às demandas de sua paciente, ser-
lhe-ia permitido observar e compreender os segredos íntimos e altamente
130 M I C H A E L BALINT
reveladores da alma humana, sentindo que sua ajuda era muito importante.
Além e acima disso, não devemos esquecer de que A n n a O . forneceu a Breuer,
de presente, o método da talkingcure, e também, quase certamente, a descoberta
da transferência; e não foi culpa de A n n a O . o fato de ele não ter compreendido
todo o valor do que lhe estava sendo oferecido.
Este é u m quadro bastante c o m u m com esse tipo de paciente. Enquanto
as expectativas e demandas do paciente forem atendidos, o terapeuta pode
observar os mais interessantes e reveladores eventos e, pari passu, seu paciente
se sentirá melhor, mais apreciador e grato. Este é u m dos lados da moeda, mas
há também seu lado adverso. Se as expectativas não forem atendidas, o que
segue é u m interminável sofrimento o u uma interminável vituperação o u
ambos. Depois de estabelecida essa situação, o analista encontrará muita
dificuldade para resistir ao seu poder, a libertar seu paciente e a ele mesmo,
sendo ainda mais difícil terminar a relação. Frequentemente, seu término é o de
u m trágico o u heróico finale.
Essa trágica situação possui diversos determinantes. U m é a natureza da
regressão, a qual, por sua vez, é determinada pelo caráter do paciente, sua
estrutura egóica e sua doença; outro, é a resposta do analista ao paciente, em
regressão o u regressivo, preparado por sua técnica, o u seja, por sua
contratransferência. Se, como discutimos no capítulo 16, o analista obedecer
conscienciosamente às instruções clássicas de Freud, é pouco provável que seja
exposto a essas perigosas situações, mas o provável preço a ser pago por isso será
u m certo número de análises interrompidas por pacientes que talvez precisas-
sem ter sido auxiliados por uma técnica mais flexível. C o m o nem toda regressão
acaba de forma trágica, quanto mais restringirmos o tipo de nossas respostas,
mais restringiremos nossa potencialidade de aprender pela comparação entre
os casos que terminam em fracasso e os bem-sucedidos.
U m a outra consequência dessa técnica é uma limitação de nossa teoria.
E m u m capítulo anterior, destacamos que Freud e, de acordo com ele, quase
toda a literatura analítica, trata a regressão como u m evento intrapsíquico, u m
fenómeno pertencente ao campo da psicologia unipessoal. Essa simplificação
só é válida enquanto o analista restringir seu estudo a casos de regressão nos
quais a resposta do entorno for negligenciável ou comandada pelas instruções
de Freud. Se essas restrições não forem consideradas como absolutamente
obrigatórias, a regressão surgirá como u m fenómeno pertencente ao campo da
psicologia bipessoal, determinada pela interação entre sujeito e objeto, isto é,
paciente e analista.
Voltando às observações clínicas, pensamos que, com alguns pacientes, a
regressão leva a tais situações precárias o u trágicas; com outros, toda a
atmosfera é completamente diferente. C o m eles — como mencionamos no
começo deste capítulo — ocorre apenas u m período de regressão, que se
transforma em u m verdadeiro novo começo; com alguns outros, alguns poucos
A F A L H A BÁSICA 131
estado em análise por cerca de dois anos, permaneceu silencioso, desde o início
da sessão, durante mais de 30 minutos; o analista aceitou isso e, compreendendo
o que provavelmente estava acontecendo, esperou, sem nenhuma tentativa de
interferir, nem, de fato, sentindo-se desconfortável o u pressionado a fazer
alguma coisa. Devemos acrescentar que, nesse tratamento, já tinham ocorrido
silêncios em diversas ocasiões, e paciente e analista já tinham alguma prática e m
tolerá-los. Eventualmente, o silêncio foi quebrado pelo paciente, que começou
a soluçar aliviado, conseguindo logo depois falar. C o n t o u ao analista que fora
capaz, durante algum tempo, de alcançar a si mesmo; mesmo na infância nunca
tinha sido deixado sozinho, sempre houvera alguém dizendo-lhe o que fazer.
Algumas sessões mais tarde, relatou que, durante o silêncio, tinha tido todos os
tipos de associações, mas as rejeitara por irrelevantes, nada mais do que u m
importuno transtorno superficial.
Para evitar mal-entendidos, repetiremos o que penso a respeito da
necessidade de esclarecer a terminologia relacionada com este complexo
campo. Espero que todos estejam de acordo que o evento agora citado,
pertencente ao que chamo de transferência, constitui uma espécie de acting-out.
Igualmente, não há dúvida de que o que ocorrera referia-se ao aparecimento de
u m a forma primitiva de conduta, depois de já estabelecidas formas mais
maduras. Pensamos, com alguma relutância, que talvez se pudesse admitir que
a técnica adotada tenha ajudado o paciente no sentido de u m a melhor
integração, removendo algumas de suas inibições ou mesmo recalcamentos. Mas
esse episódio pode ser chamado de regressão ou repetição? Nossa resposta é a
mesma do caso anterior, o da cambalhota, ou seja, que do ponto de vista lógico não
pode ser. Só se pode repetir algo, se isso já tiver ocorrido antes, pelo menos uma
vez; e, afinal, o mesmo é verdade para a regressão. E m vez desses dois termos
enganadores, sugerimos chamar esse episódio de u m "novo começo" o u de uma
"nova descoberta", que leva a uma relação diferente, mais satisfatória, com u m
objeto importante. A esse respeito, o episódio se parece muito com o da cambalho-
ta. A diferença é a evidente falta de qualquer ação e, portanto, de qualquer
gratificação pulsional óbvia, como a observada no caso anterior.
Expressando essa importante diferença de outra forma: nada aconteceu
no m u n d o externo, exceto pelo fato de que ele permaneceu quieto, deixando o
paciente em paz. Por sua vez, isso permitiu que o paciente alcançasse sua vida
interna, reconhecesse que algumas maneiras habituais e automáticas de sentir
e de se relacionar com o m u n d o externo eram — pelo menos nesta situação
particular — desnecessárias, infundadas e obtusas. Tal descoberta levou a u m
novo começo. E m lugar das antigas formas automáticas de relação, é possível
começar agora algo novo e diferente, que poderá levar ao estabelecimento de
u m a relação mais satisfatória com seus objetos importantes.
Por outro lado, devido à falta de ação, que poderia ser entendida e,
portanto, interpretada, as demandas sobre a técnica do analista foram u m
A F A L H A BÁSICA 133
138
A F A L H A BÁSICA 139
princípio de relaxação" (1930). Esse nome foi uma associação natural, pois a
nova ideia técnica, ao contrário da técnica ativa, tinha por finalidade evitar
qualquer aumento desnecessário da tensão. Ferenczi pensava que, responden-
do positivamente às expectativas, demandas o u necessidades dos pacientes,
agora que já tinha aprendido a compreendê-las em seu verdadeiro significado,
poderia modificar a situação desanimada de u m a análise muito prolongada,
fazendo surgir u m trabalho fecundo que a levasse a u m rápido término. N o
entanto, isso significava abandonar o princípio de abstinência.
O s resultados imediatos dessa técnica de abordagem eram encorajadores.
Seus pacientes — em sua maioria com mais de uma década de tratamento com
outros analistas — voltavam novamente à vida, seu estado melhorava, dando
a Ferenczi suas duas maiores descobertas. U m a foi a respeito do imenso efeito
dasatitudes "costumeiras", "habituais" o u "clássicas" na prática do analista para
desenvolver a relação transferencial e durante todo o tratamento analítico, e a
o u t r a , a respeito das p o s s i b i l i d a d e s técnicas de u m a i n t e r p r e t a ç ã o
contratransferencial (Ferenczi, 1932, e suas notas póstumas).
T u d o isso não quer dizer que Ferenczi não tivesse observado os problemas
provocados por suas inovações técnicas; que o tinha está bastante evidente em
seus trabalhos e notas publicados postumamente; mas acreditava piamente que
seus achados iriam levar a u m grande progresso da técnica analítica. O que, para
ele, continuava sendo o problema mais doloroso, ao qual voltava seguidamente,
era porque Freud não conseguia enxergar a importância dessas novas ideias.
Estamos certos de que o sentimento de não ser compreendido por Freud o
i m p e d i u , durante muito t e m p o — a f i n a l de contas, Freud tinha sido seu analista
de treinamento — de perceber que a inquestionável melhora de alguns de seus
pacientes só iria durar enquanto ele pudesse satisfazer seus anseios; essa
compreensão só veio gradualmente mais ou menos em fins de 1932 e início de
1933, quando, devido à sua crescente debilidade, precisou suspender sua
prática, analítica. Muitos de seus pacientes reagiram a isso com u m desespero
confuso o u u m amargo ressentimento e deterioração de seu estado. Embora
tivesse sido u m golpe muito grande em seu orgulho científico, aceitou-o
plenamente, falando por certo tempo a respeito de seus possíveis enganos no
passado recente, dizendo que, se melhorasse de sua enfermidade, recomeçaria
exatamente do mesmo modo; porém, tinha a esperança de que seus experimen-
tos e enganos seriam utilizados pelas futuras gerações como importantes
marcos e sinais de alerta.
Apesar de tudo, temos, particularmente, muitas dúvidas de que ele tenha
chegado ao ponto de distinguir entre os vários tipos de regressão descritos no
capítulo 22. Nós também chegamos a esse diagnóstico diferencial apenas nos
últimos 15 anos mais o u menos, mas gostaríamos de dizer que recebemos o
primeiro estímulo para isso por ter permanecido em contato com alguns
pacientes do último grupo de Ferenczi, acompanhando sua evolução e,
A F A L H A BÁSICA 141
sobretudo, a forma como falavam sobre suas experiências, durante seu trata-
mento com ele e inclusive depois.
Esperamos que tenha ficado mais claro o trágico desacordo entre F r e u d
e Ferenczi, que tanta dor causou a ambos, atrasando consideravelmente o
desenvolvimento da técnica analítica. Ferenczi, devido às suas próprias dúvi-
das, não poderia utilizar as críticas bem intencionadas e fundamentadas de
Freud; via nelas apenas falta de compreensão. Por seu lado, Freud ainda estava
influenciado por suas experiências frustrantes do fim do século passado, só
encontrando nos experimentos de Ferenczi a confirmação de sua cautela. O
caráter dos dois homens, embora muito diferentes em seus aspectos superfici-
ais, tinha muitas raízes comuns. C o m o tem acontecido com muitas trágicas
amizades históricas, essas raízes comuns primeiramente agiram como u m a
poderosa atração, que serviu, por muitos anos, de base para u m a amizade
íntima e feliz, mas que irresistivelmente levou a u m trágico final; e, no fim, todos
saíram perdendo, inclusive nós, os psicanalistas.
O evento histórico do desacordo entre Freud e Ferenczi agiu como u m
trauma no m u n d o psicanalítico. Foi u m choque altamente perturbador e
extremamente doloroso, admitir que u m mestre consumado na técnica psica-
nalítica, como Ferenczi, autor de u m grande número de trabalhos clássicos e m
psicanálise, tenha ficado tão cego que sequer os reiterados avisos de Freud o
fizeram reconhecer seus enganos e que ambos, dois psicanalistas dos mais
proeminentes, não tenham sido capazes de compreender e avaliar adequada-
mente os achados, observações clínicas e ideias teóricas u m do outro. A primeira
reação foi de u m assustado recuo. C o m consentimento tácito, declarou-se a
regressão, durante o tratamento analítico, u m sintoma perigoso, recalcando-se
quase completamente seu valor como aliado terapêutico. Isso é verdade,
particularmente no que diz respeito à atitude daquilo que se poderia chamar de
centro maciço de psicanálise "clássica".
Para a maior parte dos analistas desse grupo, a regressão passou a ser
considerada apenas em seus aspectos ameaçadores e prejudiciais, já discutidos
no capítulo 19, o u seja, u m mecanismo de defesa difícil de manejar, u m
importante fator da patogênese e uma formidável forma de resistência. Sua
função, como aliado da terapia, praticamente não foi incluída em suas conside-
rações. E m consequência, quando surgiam fenómenos de natureza regressiva,
durante o tratamento, eles passaram a ser considerados como sintomas indese-
jáveis, provocados por u m a técnica questionável ou indicativos de u m distúrbio
tão profundo no paciente, que colocava em dúvida o prognóstico. Parece que,
em tais casos, a medida adotada com mais frequência foi a de retirar o paciente,
o mais rápido possível, da regressão, terminando o tratamento com resultados
apenas aceitáveis. De todo modo, é este o quadro que surge do Painel de
Discussão sobre "Aspectos Técnicos da Regressão, durante a Psicanálise", do
encontro de inverno da American Psychoanaiytical Association, em 1957.
142 M I C H A E L BALINT
NOTA
(1) Evidentemente não sabemos se existem quaisquer conexões causais entre os dois eventos, mas
existem as cronológicas. Antes de sua auto-análise, Freud acreditava piamente na realidade das
cenas de sedução; depois dela, igualmente acreditava piamente que a sedução tinha ocorrido
apenas na fantasia infantil. Ademais, sabemos que ele iniciou, ou talvez estivesse evoluindo em
sua auto-análise no verão de 1897, e, em setembro do mesmo ano, em uma carta a Fliess,
apresenta seus motivos para abandonar a ideia a respeito da realidade dos traumas sexuais
infantis — um dos mais comoventes e bem redigidos argumentos entre os escritos de Freud.
PARTE V
O PACIENTE REGRESSIVO
E SUA ANÁLISE
CAPITULO 24
147
148 MICHAEL BALINT
prática analítica. São elas: (a) a mais primitiva, que chamamos de amor primário
o u relação primária, u m a espécie de mistura interpenetrante harmoniosa entre
o indivíduo em desenvolvimento e suas substâncias primárias o u objetos
primários; (b) e (c), a ocnofilia e ofilobatismo, que constituem entre si u m a espécie
de contrapartida, pressupondo já a descoberta de objetos parciais e/ou totais
bastante estáveis. Para o indivíduo predominantemente ocnofílico, a vida só é
segura em íntima proximidade com os objetos, enquanto que os períodos o u
espaços entre os objetos são sentidos como horrendos e perigosos. Tais
fenómenos já são conhecidos há bastante tempo; mas, recentemente, por
influência da etologia, passaram a ser conhecidos como "conduta de apego" (e.
g., Bowlby, 1958). A o contrário, os indivíduos predominantemente filobáticos
sentem os objetos como inseguros e perigosos, estando inclinados a dispensá-
los, buscando as expansões amistosas, que separam os objetos traiçoeiros no
tempo e no espaço.
Obviamente, a próxima pergunta será: o que irá ganhar o paciente com
a regressão? Por que ela é tão importante para ele? C o m o já dissemos várias
vezes, n e m todos os pacientes atravessam u m período de regressão. Isso
significa que alguns pacientes podem dispensá-lo o u talvez sequer precisem
dele. Todavia, é difícil obter alguma indicação a respeito da distribuição
daqueles que precisam e daqueles que não precisam de u m período de
regressão. Isso ocorre porque os pacientes submetidos ao tratamento analítico
não constituem u m a amostra representativa, por terem sido selecionados de
acordo com as ideias do analista a respeito da analisabilidade. Não obstante,
talvez haja alguma verdade na impressão de que, em nosso atual material de
pacientes, o número daqueles que precisam de regressão é maior do que antes
e talvez ainda vá aumentar.
A resposta à nossa pergunta repousa na ideia da falha básica e nas
observações que nos levaram à descoberta do "novo começo". Nossa linha de
pensamento é a seguinte: todos temos determinados traços de caráter o u , dito
na terminologia moderna, padrões compulsivos de relação objetal. Alguns são
produtos de u m conflito o u complexo; se o analista, com suas interpretações,
puder ajudar seu paciente a resolver esses conflitos e complexos, a natureza
compulsiva desses padrões será reduzida a u m nível suficientemente flexível
para permitir a adaptação à realidade. E m certo número de casos no qual, de
acordo com minhas ideias, os padrões tiveram origem em u m a reação à falha
básica, as interpretações terão u m poder incomparavelmente menor, pois não
existe, no sentido estrito, u m conflito ou complexo para resolver, e na área da
falha básica as palavras são instrumentos não muito confiáveis.
E m certos casos, nos quais as palavras, isto é as associações seguidas pelas
interpretações, não parecem capazes de induzir o u conservar as mudanças
necessárias, devem ser considerados outros agentes terapêuticos. E m nossa
opinião, o mais importante deles é o que ajuda o paciente a desenvolver u m a
A F A L H A BÁSICA 153
NOTA
(1) A "dependência oral" é um conceito relativamente novo. Não descobrimos nenhuma referência
a ele nos escritos de Freud, parecendo,pois, ser pós-freudiano, muito provavelmente uma
criação americana. Julgamos que seria um estudo interessante conhecer a história exata de seu
desenvolvimento. Existem alguns dados a respeito. O termo "dependência", sem o adjetivo
"oral", surge algumas vezes no livro de Fenichel (1945). A primeira utilização da expressão
"dependência oral" foi a de F. Alexander, em 1950. Para nossa surpresa, não pudemos encontrá-
lo nos escritos de Melanie Klein, tendo ocorrido a primeira referência a ela, em sua escola, em
News Directions in Psycho-Analysis (1955), uma compilação de trabalhos escritos por Melanie
Klein, por ocasião de seu septuagésimo aniversário, em 1952. Também nela faltava o adjetivo
"oral", mas o termo "dependência" se referia ao que atualmente poderia ser chamado de
"dependência oral", a dependência da criança pela mãe; os dois autores que a utilizaram foram
Paula Heimann e Joan Rivière. Mais ou menos a partir de 1952, o termo dependência, e mesmo
dependência oral, passam a ocorrer com uma frequência crescente nos trabalhos de Winnicott,
mas aparentemente não antes disso..
CAPÍTULO 25
O Analista Nao-Importuno
159
160 M I C H A E L BALINT
A pergunta que surge é sobre o tipo de técnica que o analista pode utilizar
para criar u m a relação objetal que, em sua opinião, seja a mais adequada àquele
determinado paciente; o u , em outras palavras, aquela que irá, provavelmente,
produzir u m melhor efeito terapêutico. O primeiro analista que experimentou
esses efeitos de forma bastante sistemática foi Ferenczi. Vista desse ângulo, sua
"técnica ativa" e seu "princípio de relaxação" foram tentativas deliberadas de
criar, em sua opinião, relações objetais mais adequadas às necessidades de
alguns pacientes do que a atmosfera de u m a situação analítica criada de acordo
com as recomendações clássicas de Freud. Ferenczi bem cedo reconheceu que,
fosse o que tentasse fazer, o resultado era que seus pacientes tornavam-se mais
dependentes dele, isto é, ele se tornava cada vez mais importante para eles; por
outro lado, não pôde identificar os motivos pelos quais isso acontecia. Hoje em
dia, podemos acrescentar que sua técnica, em lugar de reduzir, aumentava a
desigualdade entre os pacientes e ele, a quem os pacientes consideravam como
sendo verdadeiramente onisciente e onipotente.
Bem cedo, em nossa carreira, compreendemos que conservar os parâmetros
da técnica clássica significava aceitar a estrita seleção de pacientes. E m nosso
entusiasmo de iniciante, isso era inaceitável, e sob a influência de Ferenczi,
experimentamos as comunicações não-verbais; iniciando com 1932, relatamos
sobre nossos experimentos e resultados em diversos artigos; em sua maioria
repetidos em Primary Love (Balint, M . , 1952). Evidentemente, nossas técnicas e
formas de pensar sofreram uma mudança considerável com o passar dos anos,
e mesmo que esteja plenamente consciente de que nossas ideias atuais nada têm
de conclusivas, elas novamente atingiram u m estágio no qual possamos
"organizá-las", isto é, expressá-las de uma forma suficientemente concreta para
que possam ser debatidas e, acima de tudo, criticadas.
E m nosso esforço para superar as dificuldades que acabamos de mencio-
nar, durante alguns anos experimentamos uma técnica que permite ao paciente
vivenciar u m a relação bipessoal que não pode, não precisa e talvez não deva ser
expressa em palavras, mas algumas vezes pelo que é habitualmente chamado
de acting-out na situação analítica. Apressamo-nos em acrescentar que todas
essas comunicações não-verbais, acting-out, evidentemente seriam perlaboradas
depois que o paciente emergisse daquele nível, atingindo novamente o nível
edípico — mas nunca antes disso.
Recapitularemos as várias linhas de pensamento que nos levaram a essas
experiências. E m muitas ocasiões, julgamos, para nossa tristeza e desespero, que
as palavras deixam de ser meios confiáveis de comunicação, quando o trabalho
analítico atinge áreas além do nível edípico. O analista pode tentar, o mais
arduamente possível, tornar claras e inequívocas suas interpretações, mas o
paciente, de alguma forma, sempre consegue entendê-las como algo comple-
tamente diferente do que o analista pretendeu que fossem. Neste nível, as
explicações, os argumentos, as versões melhoradas o u corrigidas, quando
A F A L H A BÁSICA 161
tentadas, provam não ter valia; ao analista só resta aceitar o amargo fato de que
suas palavras, nessas áreas, em vez de esclarecer a situação, são com frequência
mal-entendidas, mal-interpretadas, tendendo a aumentar a confusão de lín-
guas entre seu paciente e ele próprio. De fato, as palavras se tornam pouco
confiáveis e imprevisíveis.
Esta observação clínica é tão importante para nossa linha de pensamento
que a mostraremos ainda de u m outro ângulo. A s palavras — nesses períodos
— d e i x a m de ser veículos para a associação livre; tornam-se sem vida, repetitivas
e estereotipadas; parecem-se com as de u m antigo disco de gramofone estraga-
do, com a agulha rodando interminavelmente no mesmo sulco. A propósito,
isso muitas vezes também é verdadeiro a respeito das interpretações do analista.
Durante esses períodos elas também parecem estar rodando interminavelmen-
te em u m mesmo sulco. O analista descobre, então, para seu desespero e
desolação, que, nesses períodos, não adianta nada interpretar as comunicações
verbais do paciente. N o nível edípico — e mesmo em alguns dos chamados
"pré-edípicos" — u m a interpretação adequada, que torne consciente u m
conflito recalcado, resolvendo assim uma resistência ou corrigindo uma clivagem,
faz com que as associações livres do paciente novamente continuem; no nível
da falha básica, nem sempre isso ocorre. A interpretação é experimentada como
interferência, crueldade, uma demanda injustificável o u u m a influência injusta,
como u m ato hostil o u u m sinal de afeto, o u então é sentida muito desanimada,
na verdade morta, isto é, sem nenhum efeito.
C o m a descoberta da tendência ocnof flica de nossa técnica, já discutida e m
capítulos anteriores (e, em 1959, capítulo XII), começou outra linha de pensa-
mento. Atualmente, os analistas gostam de interpretar tudo o que acontece na
situação analítica, também ou mesmo principalmente em termos de transferên-
cia, isto é, de relação objetal. Essa técnica, de outro modo sensível e eficiente,
significa que nos oferecemos incessantemente a nossos pacientes como objetos
onde se agarrar, interpretando qualquer coisa que contrarie a adesividade como
resistência, agressividade, narcisismo, irritabilidade, angústia paranóide, medo
de castração e assim por diante. Assim, cria-se uma atmosfera altamente
ambivalente e tensa, com o paciente lutando, levado por seu desejo de
independência, mas encontrando o caminho barrado em cada ponto pelas
interpretações "transferenciais" ocnofílicas.
A terceira linha de pensamento se originou de nosso estudo do "paciente
silencioso". O silêncio, como tem sido cada vez mais reconhecido, pode ter
muitos significados, cada u m deles exigindo u m diferente manejo técnico. O
silêncio pode ser u m vazio árido e assustador, inimigo da vida e do crescimento,
no qual o paciente deve ser retirado dele o mais cedo possível; pode ser u m a
excitante e amigável expansão, convidando o paciente a empreender jornadas
de aventuras em terras desconhecidas de sua vida de fantasia, na qual qualquer
interpretação transferencial ocnofílica estará completamente deslocada, sendo,
162 M I C H A E L BALINT
pacífico, seguro e não importuno; que deveria estar presente e que deveria ser
favorável ao sujeito, mas que o sujeito não precisaria de n e n h u m m o d o notar,
agradecer o u preocupar-se com ele. Mais u m a vez, esses aspectos e m c o m u m
são as características exatas do que chamamos de objetos primários o u substân-
cia primária.
Fornecer esse tipo de objeto ou entorno com certeza é u m a importante
parte d a tarefa terapêutica. Evidentemente, é apenas u m a parte, não toda a
tarefa. Exceto por ser u m a "necessidade de reconhecimento" e talvez mesmo
u m objeto "de necessidade de satisfação", o analista também precisa ser u m
objeto " d e necessidade de compreensão" que possa, além disso, ser capaz de
comunicar ao paciente sua compreensão.
CAPÍTULO 26
A Travessia do Abismo
^^ío capítulo 14, falamos sobre o profundo abismo que separa a "criança
dentro do paciente" do analista adulto, afirmando que u m paciente que tenha
regredido até o nível da falha básica geralmente é incapaz de atravessá-lo por
si mesmo. Dissemos que o problema era saber qual a parte dessa tarefa que
deveria ser realizada pelo analista e qual a que deveria ser deixada para o
paciente. A primeira resposta, ao problema de como transpor a lacuna, é a
padrão: pela compreensão do que o paciente necessita do analista. Essa
compreensão não precisa — e em certos momentos definitivamente não deve
— ser transferida a u m paciente regressivo pelas interpretações, mas, sim, pela
criação da atmosfera que precisa. Isso inclui tolerar e respeitar a atuação
analítico do paciente e, em particular,não exigir que ele m u d e , sem qualquer
demora, seus meios não-verbais de expressão para a forma edípica verbal. N o
capítulo anterior, procuramos resumir o que pensamos que deve ser feito pelo
analista. Se nossas ideias estiverem correras, poderão explicar as inúmeras
dificuldades que inevitavelmente surgem se u m analista, seduzido pelos
sofrimentos de seu paciente, tentar fazer mais.
Particularmente, ao lidar com esses estados, acreditamos que o analista
deve ter sempre e m mente que deve procurar evitar penetrar nas defesas e
desfazer as rupturas por meio de interpretações incisivas e correras, pois estas
p o d e m ser sentidas, pelos pacientes regressivos, como descrença quanto à
167
168 M I C H A E L BALDMT
minutos para que ela se acalmasse. Nesse caso, os acessos poderiam ser
considerados como uma espécie de demanda e a maneira como a mãe lidava
com eles u m a espécie de resposta.
Suponhamos que algo desse tipo possa ocorrer na análise. Deve o analista
fazer como essa mãe fez e, em caso afirmativo, de que forma? Deve ele tentar
conter seu paciente por meio de interpretações, por alguma ação simbólica o u
mesmo, realmente, utilizando suas mãos? E m quais casos deve a "criança dentro
do paciente" ser tratada como u m a criança e em quais como u m adulto? Antes
de que alguém fique indignado com a possível insinuação, lembramos que, e m
qualquer caso, o quadro da situação analítica é u m a espécie de "segurar o
paciente apertado". Além do mais, o paciente é solicitado a deitar-se em u m divã
e não levantar dele, o que só pode ser considerado como u m a restrição.
Voltando ao nosso problema, poderia chamar o quadro analítico clássico de
uma restrição, pela ação simbólica por parte do analista e gostaríamos de
acrescentar que, por intermédio dessa ação simbólica, desenvolve-se u m a
espécie de relação entre o analista e o paciente, que é, até certo ponto,
mutuamente satisfatória.
Ademais, o procedimento clássico é u m exemplo convincente de u m a ação
simbólica pelo analista, anterior a quaisquer interpretações: ao pedir que nossos
pacientes se deitem, simbolicamente os restringimos, antes da qualquer neces-
sidade de interpretações o u do surgimento de ação. Esse exemplo também
mostra outro importante aspecto da satisfação de u m a necessidade pelo analista
na situação analítica. C o m o sabemos, em geral há dois tipos de satisfações. U m
grupo, embora satisfatório em si mesmo, também age como mais u m estímulo,
aumentando a excitação total. U m exemplo familiar desse tipo são os diversos
tipos de carícias prévias utilizados no ato amoroso. O outro grupo de satisfações
possui u m efeito tranquilizante e calmante. Agem afastando da consciência do
paciente os estímulos irritantes ou excitantes, ajudando-o assim a chegar ao
estado que descrevemos como u m bem-estar calmo e tranquilo, o qual é a
melhor base para u m b o m entendimento entre o indivíduo e seu entorno,
Se se generalizar a partir desse exemplo, chega-se então a u m a outra
resposta a uma de nossas perguntas. O tipo de satisfação compatível c o m a
situação analítica é aquele que não excitar o paciente; ao contrário, aquele que
reduzir a tensão total, levando, assim, ao estabelecimento de u m melhor
entendimento entre ele o analista. Q u a n d o examinamos o quadro analítico
clássico em detalhes, constatamos a existência de u m certo número de satisfa-
ções deste tipo, inerentes a ele. Para mencionar alguns: o quarto calmo e de boa
temperatura, u m divã confortável, ambiente não excitante, o analista que não
interrompe o paciente desnecessariamente, o paciente tendo toda a oportuni-
dade de dizer o que lhe vem à mente, etc. N o todo, esse tipo de satisfação poderia
ser também descrita como de cuidado ou mesmo uma espécie de assistência
psicológica.
A F A L H A BÁSICA 171
a verdade, e nada mais do que a verdade de seu analista. E m geral, sempre são
hipersensíveis; reagindo com dor e retração a qualquer demonstração de
insinceridade, mesmo alguma que esteja incluída no título geral de formas
convencionais de boas maneiras.
Se o analista conseguir evitar todas essas armadilhas atraentes, o paciente,
em parte em resposta à maior tolerância do analista, exibe u m a calma determi-
nação, de outro modo escondida, de ver através as coisas, de tomar as coisas —
poderíamos dizer condicionalmente —, para poder entendê-las o u meramente
para dar-lhes u m a olhadela.
C o m isso, paciente sai gradualmente de sua regressão. Esse pode não ser
o último passo, podendo ser seguido de recidivas, mas sempre é u m passo à
frente, e m u m a longa estrada. Assim, o que descrevemos nesta Parte não é o fim
nem toda a história. Todavia, sempre significa o estabelecimento de u m a nova
relação entre o paciente e u m a parte de seu mundo, na qual tinha sido, até então,
barrado pelo abismo criado por sua falha básica e, portanto, u m passo no
sentido da melhor integração de seu ego.
C o m o acabamos de dizer, o que condensamos nesta Parte não é ainda a
história toda. Podemos mesmo indicar alguns dos capítulos que faltam. Primei-
ramente, não disse nada a respeito da função da repetição, da atuação na terapia
analítica o u , em outros termos, não definimos quando, até onde e e m que
condições a repetição pode se tornar u m agente terapêutico. O u t r o capítulo
poderia lidar com os caminhos potencialmente abertos a u m paciente, para
mudar seu m u n d o interno, o que determina amplamente sua relação com os
objetos externos. U m capítulo paralelo discutiria os meios técnicos disponíveis
a nós, analistas, para ajudar nossos pacientes a obter essa mudança. E, por
último, u m capítulo na verdade muito importante, que lidaria com as funções
das interpretações. Falamos das interpretações clássicas, nos períodos entre
regressões bem-sucedidas. O problema técnico que temos em mente é como
integrar as duas importantes tarefas que temos de realizar, por meio das
mesmas interpretações. U m a é a criação e conservação de u m a atmosfera na
qual possam ter lugar determinados eventos importantes terapéuticamente,
enquanto a outra é fazer com que o paciente compreenda qual foi a sua
contribuição e qual a do analista para a criação dessa atmosfera; como essas duas
determinam, por u m lado, u m a à outra e, por outro, o resultado final.
Esperamos ter deixado claro que seja qual for a atmosfera criada, ela conduz a
determinadas interpretações e exclui outras; e, por outro lado, certas interpre-
tações criam u m a atmosfera particular, enquanto que, evitando essas interpre-
tações, criar-se-á u m a outra atmosfera, totalmente diferente.
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ÍNDICE REMISSIVO
180
A F A L H A BÁSICA 181
"Grande experimento"
Fetal, vida, v. Pré-natal, vida
Édipo, complexo de (conflito, nível, Filobatismo, 61, 63,67,148,152
período), 10-12,14, 24, 61, 78,81 Físicos, distúrbios, v. Doença orgânica
Ego e o id, O, 7, 37 FLAUBERT, G., 23
Ego, 5,26, 33, 34-5, 36, 38, 65,144 Fogo, v. Substâncias primárias
falso, 101 FREUD e FERENCZI, desacordo entre,
reforço do, v. Novo começo 117,124,138-44
Ego, necessidade de uma boa estrutura FREUD, A., 76-77,111,143-44
do, 8-9 FREUD, S., 5, 7-8,10,13,25,26, 67, 68,
Ego, psicologia do, 7,25,37 73-74,128,138, 138-39
EISSLER, K., 91-2,105 e contradições teóricas, 36-41,58
Elementos (água, terra, ar e fogo) e linguagem psicanalítica, 87
v. Primárias, substâncias e regressão, ideias de, 111-18,126-
Enfaixamento, 56-57 135,149
Entorno sobre o narcisismo, 36-54, 66
diferentes termos para, 154 técnica de, 93-4,147-48,156,160
emergência de objetos do F R O M M , E., 138
(diferenciação), 61-65 FROSCH, J., 143
"suporte", 45-46,56, 57,154 Frustração, 25-26
indiferenciado (sem objetos), 66 v. também abstinência
Erotismo oral, 14, 31-32 na situação analítica.
v. também Toxicomania como dando origem ao ódio,
Erotismo, v. Auto-erotismo, Pulsões agressividade, etc, 59
Esboço de psicanálise, 34-5 Fusão e Desfusão, 6
Escolas psicanalíticas, motivos das, 6
Escopofilia, 32
Esquizofrenia, 62 GILL, M . , 142,143,144
e regressão, 81 GIORGIONE, 23
progressiva, 121 GOETHE, J. W. V O N , 22
e a teoria do narcisismo, 47-50, 68 Gratificação, v. também Regressão em
Expansões, v. Filobatismo busca de,
e abstinência v. Técnica, abstinência
dos anseios e súplicas do pacien-
FAIRBAIRN, W. R. D., 7, 25 te, 124-25
Falha básica, v. Básica, falha e relaxação, 139-40
Feixe de associações, 15,84,86 GRECO, R. S., 20
v. também Linguagem (ns) GREENACRE, P., 50-51,142
FERENCZI, S., 14,45, 98,103-07,115-17, e o estado pré-natal, 53-55
122,123 Grupo, análise de, 93
v. também Freud e Ferenczi,
desacordo entre, Ativa, técnica,
184 MICHAEL BAHNT
73
Totem e Tabu, 33-34
Técnica, v. também Resposta do analista, Toxicrjmahia
Contratransferência, Gratificação, e narrisismõr50=51,69
Interpretação, Regressão, Tensão Toxicomania, estados semelhantes à,
(ões), em crianças, 133-134
Fracassos terapêuticos, em pacientes histéricas de Freud, 139
Processos terapêuticos, Perlaboração em pacientes regressivos, 78-79,102,
"ativa" (Ferenczi), 115-117,122, 128,131,163-164,171-172
139-140,159-60 "Trabalho de conquista", 67-68
"clássica", 8, 79-80,90-100,141-42 Transferência, v. também Acting-out,
de abstinência ou privação, 114,115- Atmosfera, relação objetal,
116,149-50 Regressão, Repetição,
v. também Frustração Compulsão, 6,113-14,120,147,155-
de relaxação (Ferenczi), 139-40 56
"grande experimento", 103-05 anseios e súplicas do paciente na, 77-
"manejo", 101-07 78
"parâmetros" da, 91-4,105-106, 150- forma regressiva da, 77-78, 80-81
151 Trauma
tendência ocnofflica da, 153-54,155- como determinante da falha básica,
56,161 76,103
Tensão, 8-9,11, 129, 156-57 do nascimento, 45, 54-56, 61
provocada intencionalmente, como sub superestímulação, 116-17
terapéuticamente, 115-116,117, Três ensaios sobre a teoria
121-22 da sexualidade, 31, 34-35, 43,149
terceira pessoa sentida como
intolerável, 15
Terapêutica, regressão, v. também Unio mystica, 67
Regressão, Novo começo Unipessoal, psicologia, 142,150-51
Terapêuticos, fracassos, 78-79, 98
causas de, 3-6,12-13, 48-49
Terapêuticos, processos, v. também V A N G O G H , V. 23
Interpretação, Transferência, Verbalização, v. Linguagem
Perlaboração, 4-6 Voracidade, 18-19, 78-79, 105-106, 157
localização do,s 4-6,10-15
três conjuntos de, correspondentes
às três áreas da mente 79-80 WEISS, E., 23,40-41
Terra, v. Substâncias primárias WINNICOTT, D. W., 7, 25,45-46,101,
Thalassa, 122 106-107,121,143-144,154-155
Thrills and Regressions, 60,122-123,155-
156
Tolerânciaa ao acting-out pelo analista,