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a falha

básica
aspectos terapêuticos da regressão

M I C H A E L BALINT
M.D., PH.D., M.SC.

Tradução:
FRANCISCO FRANKE SETTINERI
Psicólogo

Biblioteca MA-PUCSP
•i, Gwvöa Kfouri
PUC/SP

100119050

ACDKAS

Porto A l e g r e 1993
Obra originalmente publicada em inglês sob o título
THE BASIC FAULT
Therapeutic Aspects of Regression - Tavistock 1968 - Routledge 1989 (reimpressa
© Enid Balint - Texto e Prefácio

Capa: Mário Röhnelt

Composição e Arte: LASER HOUSE — m.q.o.f.


editoração eletrônica

Supervisão Editorial: Maria Rita Quintella

Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à


EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA.
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IMPRESSO N O BRASIL
PRINTED IN BRASIL
SUMÁRIO

P R E F Á C I O D A R E I M P R E S S Ã O D E 1979 P O R E N I D BALINT

PREFÁCIO

PARTE I
As Três Áreas da Mente

CAPÍTULO 1
O s Processos Terapêuticos e sua Localização

CAPÍTULO 2
Interpretação e Perlaboração

CAPÍTULO 3
O s Dois Níveis do Trabalho Analítico

CAPÍTULO 4
A Área da Falha Básica

CAPÍTULO 5
A Área da Criação

CAPÍTULO 6
Resumo
PARTE n
Narcisismo Primário e A m o r Primário

CAPÍTULO 7
As Três Teorias de Freud

CAPÍTULO 8
Contradições Inerentes

CAPÍTULO 9

Fatos Clínicos sobre o Narcisismo

CAPÍTULO 10
Esquizofrenia, Toxicomania e outras Condições Narcísicas
CAPÍTULO 11
Estados Pré-Natais e Pós-Natais Precoces

CAPÍTULO 12
A m o r Primário

CAPÍTULO 13
Amor Adulto

P A R T E III
O Abismo e as Respostas do Analista

CAPÍTULO 14
A Regressão e a Criança dentro do Paciente

CAPÍTULO 15
O Problema da Linguagem na Educação e
no Tratamento Psicanalítico

CAPÍTULO 16
A Técnica Clássica e suas Limitações

CAPÍTULO 17
O s Riscos Inerentes á Interpretação Consistente

CAPÍTULO 18
O s Riscos Inerentes ao Manejo da Regressão
P A R T E IV
As Formas Benignas e Malignas da Regressão

CAPÍTULO 19
Freud e a Idéia de Regressão

CAPÍTULO 20
Sintomatologia e Diagnóstico

CAPÍTULO 21

Gratificações e Relações Objetáis

CAPÍTULO 22
As Diversas Formas de Regressão Terapêutica
CAPÍTULO 23
O Desacordo entre Freud e Ferenczi e sua Repercussão

PARTE V
O Paciente Regressivo e sua Análise

CAPÍTULO 24
Regressão Terapêutica, A m o r Primário e Falha Básica

CAPÍTULO 25
O Analista Não-Importuno

CAPÍTULO 26
A Travessia d o Abismo

BIBLIOGRAFIA

B I B L I O G R A F I A E S P E C I A L I Z A D A S O B R E DEPENDÊNCIA ORAL

E ESTADOS AFINS

ÍNDICE R E M I S S I V O
PREFÁCIO D A REIMPRESSÃO D E 1979

z l S ideias apresentadas e as questões levantadas neste livro há dez anos


foram importantes, porém algumas delas ainda continuam mais relevantes nos
dias de hoje. Estou satisfeita por ter-me sido dada a oportunidade de escrever
o prefácio desta segunda edição.
Michael Balint escreveu, e m seu prefácio à primeira edição, e m abril de
1967, que os problemas discutidos no livro o haviam preocupado durante os
últimos dez anos. A m i m , parece que se preocupou com esses problemas por
muito mais tempo, talvez até mesmo durante toda a sua vida profissional.
Apesar disso, quando discutíamos a respeito dos assuntos abordados neste
livro, a discussão invariavelmente se referia a problemas clínicos. Balint jamais
permitiu que quaisquer ideias preconcebidas o u teorias anteriores bloqueassem
suas observações e pensamentos. Permitia longos períodos de dúvida e incer-
teza surgidos de suas novas observações, evitando, assim, satisfazer-se c o m
falsas soluções c o m as quais poderia escapar dos problemas e do entendimento
que tentava alcançar. Sua honestidade de pensamento impressionava-me tanto
à época como atualmente.
Talvez algumas das precisas descrições de Balint das diferentes técnicas—
de u m a mítica técnica "correra" — fossem menos centrais a nosso trabalho do
que o foram há u m a década. Entretanto, sua descrição é u m estágio valioso e
necessário do desenvolvimento de nosso pensamento. Balint, como todos os

viii
PREFÁCIO D A REIMPRESSÃO DE 1 9 7 9
ix
bons teóricos, mudava enquanto ia pensando, trabalhando e escrevendo.
Planejamos reescrever certas partes deste livro, adicionando-lhe mais u m
capítulo. A o relê-lo, fiquei satisfeita por não ter havido tempo para fazê-lo. Está
bem e m sua forma atual, oferecendo ao discernimento do leitor u m a forma
lúcida a respeito de algumas das formas, até então não descritas, pelas quais os
pacientes se relacionam com seus analistas e estes com seus pacientes, e m u m a
relação bipessoal, criada e descrita originalmente por Freud. Essas relações
devem continuar a ser observadas e redefinidas para elucidar não só os
problemas dos psicanalistas, mas os de todos aqueles interessados pelo estudo
das relações humanas.

A b r i l de 1 9 7 9

ENID BALINT
PREFÁCIO

(^)s problemas discutidos neste livro preocuparam-me durante os últimos


dez anos, mais o u menos. E m várias ocasiões, nesse período, escrevi e publiquei
u m a o u outra parte que julgava suficientemente amadurecida, destacando-se
"The Three Areas of the M i n d " (1957), "Primary Narcissism a n d Primary L o v e "
(I960), "The Regressed Patient and his Analyst"(1960) e "The Benign a n d the
Malignant Forms of Regression" (1965).
Todas estas publicações esparsas precisaram ser reorganizadas, algumas
reescritas, para incluir neste livro, sendo que "The Regressed Patient a n d his
Analyst" foi u m a das mais alteradas; sua primeira metade transformou-se na
Parte III, enquanto a segunda tornou-se o núcleo da Parte V .
Agradeço a cortesia dos editores do International Journal of Psycho-Analysis,
do Psychoanalytic Quarterly, d o Psychiatry: Journal for the Study of Interpersonal
Processes, b e m como Gruñe & Stratton, N o v a Iorque, por me haverem permitido
utilizar o material por eles já publicado.
C o m o em qualquer outro de meus livros, neste também quero assinalar
m i n h a dívida para com minha esposa, sem cujo auxílio a compilação deste
volume teria demorado ainda mais. E m mais de u m momento, quando hesitava
desanimado, era o diálogo com ela que me permitia superar o obstáculo e
continuar o trabalho.
PREFÁCIO xi

Agradeço à minha amiga e colega M a r y Hare, a A n n H u t c h i n s o n ,


secretária da Biblioteca no Instituto de Psicanálise, pela leitura das provas e
valiosos comentários, e a Hutchinson, pela preparação do índice remissivo.

A b r i l de 1967

MICHAEL BALINT
PARTE I

AS TRÊS ÁREAS DA
MENTE
CAPÍTULO 1

Os Processos Terapêuticos e
sua Localização

U A S E toda a Parte I deste livro consiste de capítulos autónomos, o que não


auxilia no acompanhamento do argumento principal. Precisamos adotar tal
estrutura porque em vários momentos se fazia necessário esclarecer algumas
formas já estabelecidas de ver e pensar a respeito de observações clínicas
bastante conhecidas, antes de poder iniciar a fase seguinte de nossa sequência
de ideias.
Antes de iniciar nossa jornada, devemos concordar que todos nós, leitores
e escritor, somos analistas relativamente seguros, que não cometem erros
elementares, isto é, fornecemos interpretações bastante correras e m momentos
bastante sensíveis e perlaboramos, tanto quanto possível, o material p r o d u z i d o
por nossos pacientes em vários níveis, tanto genital como pré-genital, tanto na
transferência como na realidade.
Tendo concordado neste ponto, talvez também devêssemos admitir que
todos, ocasionalmente, temos pacientes difíceis, diante dos quais nos sentimos
perplexos e incertos e que — de acordo com rumores que circulam e m todos os
ramos de nossa Associação Internacional — mesmo os mais experimentados e
capacitados analistas ocasionalmente também fracassam.
C o m o isso acontece e qual é a explicação para tão desagradável fato? E m
suma, as razões das dificuldades e fracassos p o d e m ser agrupadas sob três
títulos. P o d e m ser devidas à nossa técnica inadequada, às dificuldades inerentes
4 M I C H A E L BALINT

à personalidade o u doença do paciente e a u m mau "ajustamento" entre nossa


capacidade técnica, em geral adequada, e as qualidades intrínsecas, de outra forma
curáveis, do caso.
A primeira pergunta com a qual precisamos lidar é por que alguns pacientes
são mais difíceis de tratar do que outros o u por que algumas análises são menos
gratificantes para o analista — e para seus pacientes — do que outras. Vamos
formular a mesma pergunta de uma forma diferente, que talvez facilite a sua
resolução. O que são os processos terapêuticos, em que parte da mente eles
ocorrem e o que neles é responsável pelas várias dificuldades experimentadas pelos
analistas?
Depois de mais de 60 anos de pesquisa, ainda não são totalmente conhecidas
as partes do aparelho mental acessíveis à psicanálise e em que extensão ou, usando
nossa formulação, em que partes da mente ocorrem os processos terapêuticos.
Mesmo que estas duas formulações não descrevam exatamente o mesmo proble-
ma, elas se sobrepõem de forma considerável.
E m geral, há uma concordância que uma das metas desejáveis da terapia, na
verdade, é influenciar o superego. Até mesmo temos alguma ideia a respeito do que
ocorre nessa parte da mente, isto é, ideias a respeito dos processos terapêuticos
envolvidos e as mudanças provocadas.
Sabemos, por exemplo, que o superego foi construído principalmente por
introjeções, sendo suas principais fontes os estimulantes, mas nunca totalmente
satisfatórios objetos sexuais da primeira infância, da infância e da puberdade;
poderíamos dizer que, de alguma forma, o superego é a soma das cicatrizes mentais
deixadas por tais objetos. Por outro lado, o superego pode ser modificado por novas
introjeções, mesmo na idade madura; uma ocasião convincente dessa mudança é
o tratamento analítico, durante o qual o analista é parcial o u mesmo totalmente
introjetado. Gostaríamos de estabelecer distinção entre introjeção e u m outro
processo—o mais importante na construção do superego—,a identificação, que
poderia ser considerada como u m passo secundário, posterior à introjeção: o
indivíduo não só se apropria do objeto sexual estimulante, porém frustrante, mas
passa a considerá-lo como parte integrante de si mesmo. Algumas vezes, a
identificação é precedida ou está intimamente associada à idealização; por outro
lado, u m alto grau de idealização poderá se tornar u m grande obstáculo à
identificação com o objeto introjetado. Tudo isto é bastante conhecido, mas
dificilmente se conhece alguma coisa sobre os processos necessários para desfazer
a introjeção, a idealização o u a identificação. E m suma, temos alguma ideia dos
processos que levam a novas introjeções e identificações, mas quase nada sabemos
sobre os meios para desfazer uma introjeção ou identificação já estabelecida. Isto
é lamentável, pois seria muito importante para nossa eficiência técnica sabermos
como ajudar o paciente a livrar-se de parte de seu superego.
Concordamos também que, em geral, a terapia analítica tem como
finalidade o fortalecimento do ego, embora nossas ideias a respeito da exata
A F A L H A BÁSICA 5

natureza desse reforço e das técnicas para sua obtenção ainda sejam bastante
vagas. O que sabemos desse aspecto de nossa terapia resume-se no seguinte:
deve ser reforçada a parte de ego em contato mais íntimo com o id. Referimo-
nos à parte do ego que pode gozar de gratificações pulsionais, suportar u m
considerável aumento de tensões, ser capaz de preocupação e consideração,
contendo e tolerando, tanto desejos insatisfeitos como ódio, procurando aceitá-
los, testando as realidades tanto internas como externas. Embora essa parte do
ego não possa e não se atreva a gozar de u m a gratificação pulsional intensa,
precisa defender-se contra qualquer aumento da tensão emocional, através da
recusa da realidade, da inibição e da inversão da pulsão em seu contrário o u por
meio de formações reativas — isto é, não se deve reforçar a parte que está
adaptada à realidade externa e às demandas do superego às custas da realidade
interna; pelo contrário, seu papel deve tornar-se menos dominante.
A i n d a não foi esclarecido ou discutido adequadamente se o reforço do ego
e as modificações do superego antes abordados são apenas dois aspectos de u m
mesmo processo o u dois processos mais o u menos independentes. A fórmula
mais utilizada afirma que o ego é o mediador, sob o comando do superego, entre
as demandas da realidade externa e o id. Ainda é uma questão aberta o mediador
ter ou não qualquer poder próprio para influir no compromisso e, além disso, quais
são os processos terapêuticos com algum efeito sobre este poder.
A i n d a há grande incerteza a respeito da possibilidade e dos meios de
influenciar o i d . Temos poucas ideias sobre a possibilidade disso ser feito e, se
possível, a maneira de fazê-lo. Os que aceitam a existência da pulsão primária
de morte e com ela o sadismo primário, o narcisismo primário e a destrutividade
concluem forçosamente que com nossa terapia também se pode modificar o i d .
Já foi descrito por Freud, em "Análise terminável e interminável" (1937), u m
aspecto dessa possível mudança como a "submissão das pulsões". N o caso
particular do sadismo primário, significa que a intensidade dos impulsos
destrutivos — algumas vezes chamados de destrudo — deve ser mitigada
durante o tratamento analítico — o u educada — seja por sua transformação na
origem, isto é, no i d , ou, de alguma forma, por sua "fusão" com mais libido.
C o m o os dois conceitos teóricos de "fusão" e "desfusão" são muito vagos, é
quase impossível situá-los confiavelmente no i d o u no ego; além de , exceto
pelos nomes, termos sido capazes de formar alguma ideia sobre os processos e
mecanismos neles envolvidos. Talvez a única sugestão seja a de que, provavel-
mente, a desfusão e a frustração estejam ligadas de uma forma bastante íntima;
é bastante incerto se o mesmo seria verdade para sua contraparte, tão impor-
tante tecnicamente, a gratificação e a fusão.
E m tais circunstâncias, é pouco provável que alguém tenha sido capaz de
descrever métodos confiáveis para influir nesses dois processos. Se a "fusão" e
a "desfusão" p o d e m ser influenciadas pela análise, só o que podemos afirmar
com segurança é que essa influência se dá pela transferência, isto é, essencial-
6 MICHAEL BALINT

mente através de u m a relação objetal. Inversamente, significa que os processos


iniciados na situação analítica devem ser concebidos como suficientemente
poderosos o u intensos para penetrar nas camadas profundas da mente, nelas
realizando as modificações fundamentais. C o m o isso acontece e que tipo de
relação objetal, de que intensidade, realizará esta tarefa ainda não foi adequa-
damente discutido em nossa literatura.
Assim, chegamos à resposta para o quebra-cabeça com o qual iniciamos
nossa jornada: por que mesmo os mais experientes entre nós têm casos difíceis
e fracassos ocasionais? Temos algumas concepções teóricas a respeito dos
prováveis processos mentais durante a terapia psicanalítica, mas ainda não
existe n e n h u m a ligação direta, com suficiente credibilidade, entre essas concep-
ções teóricas e nossa habilidade técnica. E m outras palavras, com base em nossas
concepções teóricas sobre os processos terapêuticos e suas localizações, ainda
não estamos em condições de afirmar qual a técnica recomendável e quais as
medidas técnicas a serem evitadas. Esse fato é a raison d'être para a coexistência
de várias escolas analíticas, cada u m a com sua própria técnica, sendo conside-
ravelmente diferentes umas das outras, mas aceitando todas as mesmas ideias
básicas a respeito da estrutura da mente. E importante acrescentar que o
analistas de todas as escolas — sem exceção — têm seus sucessos, seus casos
difíceis e sua cota de fracassos. E muito provável que os protagonistas das
diferentes escolas alcancem sucesso — ou fracasso—com diferentes pacientes;
além do mais, o modo de sucesso — ou de fracasso — pode ser diferente c o m
as distintas técnicas. Portanto, u m estudo crítico, mas imparcial, dessa área, será
muito revelador para nossa teoria de técnica. Infelizmente, inexiste esse tipo de
revisão independente; a história da tentativa de revisão estatística, feita pela
American Psychoanalytic Association — tentativa cuidadosa e mesmo excessiva-
mente cautelosa —, que precisou ser abandonada, b e m demonstra quanta
angústia e resistência pode provocar uma pesquisa desse tipo.
CAPÍTULO 2

Interpretação e Perlaboração

C
\ ^ O M O procuramos demonstrar, o ponto de vista tópico não parece oferecer
muito auxílio no sentido de favorecer uma melhor compreensão de nossas
dificuldades técnicas e, em particular, não nos fornece critérios suficientemente
confiáveis para decidir se u m determinado passo terapêutico é correto o u não,
e m certas circunstancias. Contudo, isso era de se esperar. Não devemos
esquecer que a última revisão de nossa teoria das instâncias e localizações
mentais foi feita por Freud, no início da década de 20. Desde então, não foi
apresentada, essencialmente, nenhuma ideia a respeito do aparelho mental
(apesar das novas psicologias do ego de Fairbairn, Hartmann e Winnicott). Por
outro lado, é inquestionável que, desde aquele tempo, nosso potencial técnico,
nossa habilidade atual e com eles nossos problemas técnicos aumentaram
consideravelmente. Revisamos esses novos desenvolvimentos em u m trabalho
apresentado ao Congresso de Zurique (1949), no qual procuramos mostrar que
a técnica de Freud e suas concepções teóricas eram interdependentes.
O próprio Freud afirmou, em suas duas grandes monografias, O ego e o id
(1923) e Inibições, sintomas e angústia (1926), que ele, nas experiências clínicas
realizadas com pacientes obsessivos e melancólicos, baseava-se tanto e m sua
técnica como em sua teoria, porque — de acordo com suas próprias palavras —,
nesses pacientes, tanto os processos mentais como os conflitos estavam consi-
deravelmente "internalizados" (verinnerlicht). Isso significa que, em tais pacien-

7
8 M I C H A E L BALINT

tes, os conflitos originais, assim como os mecanismos e processos defensivos


mobilizados para lidar com eles, tinham se tornado — e amplamente permane-
cido — como eventos internos. Inversamente, os objetos externos são muito
pouco investidos por eles. Portanto, à primeira abordagem, todos os eventos
importantes com tais pacientes, tanto patológicos como terapêuticos, p o d e m ser
considerados como ocorrendo quase que exclusivamente internamente. F o i
essa condição que permitiu a Freud descrever as modificações terapêuticas de
u m a forma mais simples. Se os eventos e objetos externos forem inconsistente-
mente investidos, a influência de tal variação, de u m analista para outro, desde
que utilizem u m a técnica analítica "sensível", será ainda menor, na verdade
praticamente negligenciável. Esquecendo de que isso só é verdade nesse caso-
limite e somente à primeira abordagem, alguns analistas chegaram à ideia da
"técnica correra", isto é, de uma que é correta para todos os pacientes e analistas,
independentemente de sua individualidade. Se nossa maneira de pensar tiver
validade, " a técnica correta" é u m a quimera, u m a fantástica compilação de
fragmentos incompatíveis da realidade.
U m a importante pré-condição para a internalização é u m a estrutura
suficientemente boa do ego para suportar e conter as tensões causadas pela
internalização, sem desmoronar o u recorrer a u m tipo diferente de defesa —
que pode ser chamado de externalização — como, por exemplo, o acting-out, a
projeção, a confusão, a recusa ou a despersonalização. C o m pacientes capazes
de u m a internalização sustentada, o famoso símile utilizado por Freud oferece
uma boa descrição daquilo que realmente ocorre durante o tratamento analí-
tico. N a maior parte do tempo, o analista é, de fato, u m "espelho bem p o l i d o " ,
que meramente reflete o que o paciente transmite. Ademais, como é demons-
trado e m todos os casos clínicos publicados por Freud, o material transmitido
ao analista, nesse tipo de trabalho analítico, consiste quase que exclusivamente
de palavras, sendo de palavras que se utiliza para devolver o material ao
paciente. Durante todo o processo de transmissão e devolução, cada u m dos
parceiros — paciente e analista — compreende quase no mesmo sentido o que
o outro diz. N a verdade, encontram-se resistências, que, algumas vezes, p o d e m
ser mesmo muito intensas, mas sempre se pode contar com u m ego confiável
e inteligente, capaz de aceitar as palavras, permitindo que elas o influenciem,
isto é, o ego é capaz de realizar aquilo que Freud chamou de "perlaboração".
Essa sequência de ideias leva à segunda resposta de nosso problema.
Primeiramente, a recém-fornecida descrição de nossa técnica pressupõe que as
interpretações sejam experimentadas, tanto pelo paciente como pelo analista,
como interpretações e nada mais. Isso poderia parecer mais como u m a
afirmativa do óbvio, mas esperamos, mais tarde, demonstrar que é importante
enfatizar tal fato de maneira explícita.
A terapia psicanalítica, mesmo no sentido clássico de u m "espelho b e m
polido", é essencialmente uma relação objetal; todos os eventos, que finalmente
A F A L H A BÁSICA 9

conduzem a modificações terapêuticas na mente do paciente, são iniciados por


eventos ocorridos em u m a relação bipessoal, isto é, acontecem essencialmente
entre duas pessoas e não apenas em uma delas. Esse fato fundamental só pode
ser negligenciado enquanto os principais objetos de estudo forem pacientes que
utilizem, sobretudo, a internalização, isto é, pacientes com uma estrutura do ego
bastante forte. Essas pessoas podem "aceitar" aquilo que seu analista oferece,
bem como o que elas próprias experimentam na situação analítica e p o d e m
experimentar com seu novo conhecimento. Seu ego é suficientemente forte
para tolerar — durante u m certo tempo — as tensões então criadas. A s tensões
e forças provocadas pelas interpretações p o d e m algumas vezes ser intensas,
mas tais pacientes ainda podem suportá-las. De certa forma, este é o quadro que
recebemos das publicações dos casos clínicos de Freud.
Assim, chegamos à segunda causa provável de dificuldades e fracassos na
análise. Nossa técnica foi desenvolvida para pacientes que sentem a interpre-
tação do analista como interpretação e cujo ego é suficientemente forte para
permitir "aceitá-las" e realizar o que Freud chamou de processo de "perlaboração".
Sabemos que nem todos os pacientes são capazes dessa tarefa, e é justamente
com eles que encontramos dificuldades.
CAPÍTULO 3

Os Dois Níveis do Trabalho


Analítico

IEm geral, para descrever a atmosfera característica do nível do trabalho


terapêutico clássico, a literatura psicanalítica utiliza os termos "nível edípico o u
genital" em contraste com "pré-edípico, pré-genital o u pré-verbal". E m nossa
opinião, estes últimos termos já possuem u m significado carregado e propomos
u m termo novo, inequívoco, que parece estar livre de certos vieses latentes.
Porém, antes de fazê-lo, examinemos o real significado desses termos.
O complexo de Édipo foi uma das maiores descobertas de Freud, que o
descreveu como sendo o complexo nuclear de todo o desenvolvimento humano
— d e saúde e doença, religião e arte, civilização e lei, etc. Apesar de o complexo de
Édipo ser característico de uma fase bastante precoce do desenvolvimento, Freud
não hesitou em descrever as experiências mentais, emoções e sentimentos infantis
dessa fase em linguagem de adultos. (Como queremos deixar claro o principal
problema de cronologia, deixamos deliberadamente em aberto a definição daquilo
que é considerado uma idade muito precoce.) De fato, a hipótese de Freud foi u m a
audaciosa projeção, uma ousada extrapolação. Formulou tacitamente a hipótese,
sem maiores provas, de que as emoções, sentimentos, desejos, medos, moções
pulsionais, satisfações e frustrações da criança muito pequena são não apenas
muito semelhantes aos dos adultos, mas também possuem entre si relação de
reciprocidade. Sem essas duas hipóteses, seria totalmente injustificável a utilização
da linguagem adulta para descrever tais eventos.

10
A F A L H A BÁSICA 11

Reiteramos que essa hipótese constituiu-se n u m passo audacioso, mas,


posteriormente, seus resultados foram completamente validados, tanto pelas
observações de crianças normais como pelas experiências clínicas durante a
análise daquelas neuróticas. Ademais, é preciso enfatizar que, embora tenha
começado com a análise do Pequeno Hans (1909), a validação completa da
mesma ocorreu na mesma época de sua última revisão de nossos conceitos
teóricos a respeito do aparelho mental, ou seja, na década de 20.
Para evitar algum mal-entendido, devemos acrescentar que enquanto
trabalha sobre o nível edípico, o analista evidentemente não ignora o u negligen-
cia o material pré-genital, mas o trabalha com linguagem adulta, isto é, elevado
ao nível edípico o u "verbal". Este é u m ponto importante de nossa técnica, pois
logo levanta-se o problema de o que o analista deve fazer em u m caso no qual
for ininteligível o u inaceitável para o paciente a expressão do material pré-
genital em palavras adultas, isto é, em u m caso no qual aparentemente inexista,
para o paciente, u m caminho direto do pré-verbal para o edípico.
Desde os anos 20, nossa técnica progrediu muito, podendo-se dizer que,
atualmente, é possível tratar pacientes que antes eram considerados não-
tratáveis e que, certamente, podemos entender melhor o paciente médio, em
maior profundidade e com mais exatidão do que nossos colegas de quarenta
anos atrás. Durante esse desenvolvimento, procedemos a u m a rica colheita de
observações clínicas e de problemas intricados, todos pertencentes a eventos
ocorridos e observados em situação psicanalítica. A primeira abordagem, esses
eventos p o d e m ser descritos em termos de conflito edípico, utilizando a
linguagem adulta. Entretanto, pari passu com o aumento de nossa experiência
e o aperfeiçoamento de nossos poderes de observação, temos encontrado u m
grupo de eventos que provoca consideráveis dificuldades, tanto em nossas
descrições teóricas como em nossa habilidade técnica.
Por exemplo, aprendemos que há certos pacientes que têm grande
dificuldade em "aceitar" qualquer coisa que aumente a pressão sobre eles,
enquanto que há outros que aceitam tudo, porque, aparentemente, seu seZ/mais
íntimo é muito pouco influenciado. Como dissemos, esses dois tipos criam
grandes dificuldades técnicas e teóricas, talvez porque sua relação com o
analista seja muito diferente da que costumamos encontrar no nível edípico.
Os dois tipos que acabamos de mencionar constituem apenas u m a
pequena amostra dos muitos pacientes que geralmente são descritos como
"profundamente perturbados", "profundamente d i v i d i d o s " , "seriamente
esquizoides", " c o m u m ego demasiado débil o u imaturo", "altamente narcisis-
tas", o u com "profunda ferida narcísica", etc., indicando, portanto, que a raiz de
sua doença é mais distante e profunda do que o conflito edípico. A esse respeito,
em termos de problema teórico muitas vezes discutido, é irrelevante se eles
surgiram originalmente no período edípico já enfermo o u se eventos traumá-
ticos mais tardios tornaram ineficazes os mecanismos defensivos pertencentes
12 MICHAEL BALINT

a esse período, forçando-os a uma regressão o u desvio para antes do nível


edípico. N o contexto atual, o importante é reconhecer os dois diferentes níveis
de trabalho analítico.
Para ilustrar o tipo de problema encontrado nesse outro nível, desejamos
citar u m eterno exemplo fora de nossa área. E m nossos seminários de pesquisa
sobre prática clínica geral (Balint, M . , 1964), algumas vezes os médicos costuma-
v a m relatar que tinham explicado a u m paciente muito claramente quais eram
as implicações de u m a enfermidade; posteriormente, quando os verdadeiros
resultados da explicação eram comparados com os pretendidos, surpreenden-
temente algumas vezes parecia que a explicação só havia sido clara para o
médico; para o paciente, permanecia obscura, parecendo, algumas vezes, n e m
ter sido u m a explicação. Assim, sempre que u m médico d i z que explicou algo
muito claramente, a pergunta habitual é: "Claramente para quem?". O motivo
dessa discrepância entre intenção e resultado é que as mesmas palavras
possuem u m significado completamente diferente para u m médico interessado
mas não envolvido e para u m paciente profundamente envolvido.
Muitas vezes, os analistas se defrontam com a mesma experiência. Damos
a nosso paciente u m a interpretação clara, concisa, bem fundamentada e no
momento exato — algumas vezes para nossa surpresa, espanto, irritação e
desapontamento — a qual não teve n e n h u m efeito sobre ele o u teve u m efeito
muito diferente do pretendido. E m outras palavras, nossa interpretação não foi
n e m u m pouco clara o u , mesmo, sequer experimentada como u m a interpreta-
ção. Geralmente, os analistas procuram explicar esses desapontamentos, utili-
zando três linhas de raciocínio autotranqüilizadoras. O analista pode se criticar
por não haver conseguido interpretar a principal angústia da situação — isto é,
ter sido enganado por algo de uma importância apenas secundária; sua
autocrítica geralmente é seguida por esforços ingentes para adivinhar que
fantasias do paciente barraram o caminho para o entendimento das interpre-
tações do analista. O u o analista reativa, em si mesmo, a eterna controvérsia a
respeito dos méritos e desvantagens relativos das interpretações de conteúdo,
de defesa o u de transferência, que pode continuar interminavelmente. E, por
fim, tranqüiliza-se dizendo que, no momento operativo, a resistência do
paciente tinha sido forte demais e que, portanto, precisaria de algum tempo
para "perlaborar" a interpretação. Esta última fórmula é mais tranquilizadora,
já tendo sido utilizada antes por Freud.
I n f e l i z m e n t e , nesses casos, tais fórmulas e maneiras de pensar
tranquilizadoras têm relevância, pois todas pertencem ao nível edípico, isto é,
pressupõe-se que as interpretações do analista sejam vivenciadas pelo paciente
como interpretações. F o i apenas para essa situação que Freud c u n h o u o termo
"perlaboração". Evidentemente, a perlaboração só é possível se o paciente
puder aceitar a interpretação, experimentando-a como uma interpretação e
permitindo que ela influencie sua mente. C o m o tipo de pacientes " p r o f u n -
A F A L H A BÁSICA 13

damente perturbados" isso pode ou não ocorrer. Mas se o paciente não experimen-
tar a interpretação do analista como uma interpretação, isto é, uma sentença que
consiste de palavras com significados concordantes, não ocorrerá perlaboração. A
perlaboração só pode entrar em operação se nossas palavras tiverem aproximada-
mente o mesmo significado, tanto para nossos pacientes como para nós.
N o nível edípico, esse problema não existe. O paciente e o analista
certamente falam na mesma linguagem; as mesmas palavras significam a
mesma coisa para ambos. N a verdade, o paciente pode rejeitar u m a interpre-
tação, pode se incomodar, se assustar o u magoar-se com ela, mas não há dúvida
de que foi u m a interpretação.
O estabelecimento de dois níveis diferentes fornece u m a terceira resposta
à nossa pergunta original, mas, ao mesmo tempo, levanta outros problemas
interessantes. Porém, antes, vamos examinar nosso trajeto até o momento.
Começamos com o achado — o u truísmo — de que mesmo os mais experimen-
tados entre nós encontram, ocasionalmente, alguns pacientes difíceis o u
mesmo muito difíceis. Depois, perguntamos onde se desenvolvem os processos
terapêuticos, em que parte da mente eles ocorrem, o que seria responsável pelas
dificuldades e, afinal mas não menos importante, que meios técnicos temos para
influenciá-los. Mais tarde, revisamos a teoria de nossa técnica, constatando que
a abordagem topológica não nos oferece muita ajuda. Indo mais adiante,
compreendemos que todas as descrições do que ocorria na mente do paciente,
durante a terapia, baseava-se no estudo acurado de pacientes — iniciado pelo
próprio F r e u d no começo da década de 20 — que aceitam e "recebem" as
interpretações do analista como interpretações e que são capazes de "perlaborá-
las". Finalmente, constatamos que há pelo menos dois níveis de trabalho
analítico; portanto, é muito provável que existam dois níveis de processos
terapêuticos e, ademais, que u m dos aspectos dessa distinção resida nas
diferentes utilidades da linguagem adulta nos dois níveis.
Essa grande diferença em relação à linguagem, que pode criar u m abismo
entre o paciente e o analista, impedindo o progresso do tratamento, foi descrita
primeiramente por Ferenczi, particularmente em seu último trabalho para o
congresso (1932) e em suas "Notes and Fragments", publicadas postumamente.
Chamou-a de "The Confusion of Tongues between the C h i l d (singular!) e the
Adults (plural!)". Desde então — embora geralmente sem mencionar seu
trabalho pioneiro — têm sido feitas inúmeras tentativas por vários pesquisado-
res para descrever o mesmo fenómeno. Assim, a conclusão chegada no capítulo
anterior é apenas uma reformulação de algo bem conhecido, a saber: que o
trabalho analítico ocorre em pelo menos dois diferentes níveis, u m familiar e
menos problemático, chamado de nível edípico, e outro para cuja descrição são
utilizados termos como pré-edípico, pré-genital e pré-verbal.
Propomos a conservação dos termos "nível", "período", "conflito" o u
"complexo edípico", pois representam os aspectos mais importantes do nível ao
14 MICHAEL BALINT

qual estão relacionados. Há várias características que distinguem clinicamente


os fenómenos pertencentes a esse nível dos pertencentes ao outro. Primeira-
mente, todas as coisas no nível edípico — mesmo quando relacionadas a
experiências genitais o u pré-genitais — ocorrem em u m a relação triangular, o
que significa que, além do sujeito, existem sempre, pelo menos, dois objetos
paralelos envolvidos. Ambos p o d e m ser duas pessoas, como na situação
edípica, o u u m a pessoa e algum objeto, como na esfera do erotismo anal, e quase
certamente na do oral. N o inicial, o segundo objeto é representado pelas fezes
e seus diversos derivados, enquanto que, no final, pelo menos em seus últimos
estágios, além da fonte o u fornecedor de alimentos, sempre está presente, como
objeto, o próprio alimento. Embora essas duas esferas sejam, por definição, pré-
genitais, a estrutura da relação relevante — certamente, na fase anal e nos
últimos estágios da fase oral —, que consiste no sujeito e pelo menos dois objetos
paralelos, coloca-os na área edípica, elevando-os a esse nível.
A segunda característica importante da área edípica é sua inseparabilidade
do conflito. Exceto em alguns poucos casos, ainda não bem estudados, o conflito
é causado pela ambivalência originada das complexidades da relação entre o
indivíduo e seus dois objetos paralelos. Embora tal conflito seja inerente à
situação, pode ser resolvido ou, de alguma forma, consideravelmente ajustado.
O exemplo mais estudado de conflito talvez seja aquele no qual u m a autoridade
— externa o u interna — recomenda ou proíbe determinada forma de gratifica-
ção. Eventualmente, esse tipo de conflito pode levar a u m a fixação, pois certa
quantidade de libido fica presa em uma luta inútil, criando u m a tensão
contínua. O tratamento analítico tem, nesse caso, por tarefa, mobilizar e libertar
essas quantidades de libido, através da interpretação o u dando oportunidades
ao paciente, na transferência, de regredir, a f i m de encontrar uma solução
melhor. M e s m o que inexista uma solução ideal, todas elas provocando alguma
tensão, quase sempre se pode encontrar uma que a reduza bastante.
A terceira característica importante desse nível é que nele a linguagem
adulta é u m meio de comunicação confiável e adequado—pois, como sabemos,
Édipo era u m h o m e m adulto. Se fosse necessário criar u m novo termo para esse
nível, proporia chamá-lo de nível de concordância, convencional o u de lingua-
gem adulta.
N a ciência, p o d e algumas vezes ocorrer que u m a denominação
inapropriada provoque mal-entendidos o u prejuízos ao correto estudo do
problema. Para evitá-los, os dois níveis mentais devem ser chamados por termos
que não dependam u m do outro. Assim como o nível edípico foi nomeado a
partir de u m a de suas principais características, o outro nível deve ter o seu, não
devendo ser chamado de "pré-alguma coisa" — certamente não pré-edípico,
pois, até onde foi nossa experiência clínica, pode coexistir com o nível edípico.
De momento, queremos deixar em aberto a existência o u não de períodos nos
quais a mente conhece apenas u m dos níveis. Por outro lado, é preciso enfatizar
A F A L H A BÁSICA 15

que esse outro nível é definitivamente mais simples, mais primitivo do que o
edípico. Propomos chamá-lo de nível da falha básica, e gostaria de acentuar que
é descrito como uma falha e não como u m a situação, posição, conflito o u
complexo. Mais tarde explicaremos o por quê.
As principais características do nível da falha básica são: a) todos os
eventos que nele ocorrem pertencem a uma relação exclusivamente bipessoal
— não existe u m a terceira pessoa: b) essa relação bipessoal é de u m a natureza
particular, completamente diferente das bem conhecidas relações do nível
edípico: c) a natureza da força dinâmica que opera nesse nível não é a de u m
conflito e d) muitas vezes a linguagem adulta pode ser inútil o u enganadora
para descrever eventos nesse nível, pois nem sempre as palavras estão de
acordo c o m seu significado convencional.
Embora algumas dessas características só fiquem claras durante a discus-
são dos últimos capítulos, podemos agora dizer algo sobre as demais. Primei-
ramente, a respeito da natureza da relação bipessoal primitiva nesse nível.
Assim, na primeira abordagem, ela pode ser considerada como u m a instância
da relação objetal primária ou de amor primário, que várias vezes já descreve-
mos (Balint, M . , 1932, 1934, 1937, 1959 e capítulo 12 deste livro). Qualquer
terceiro que interfira nessa relação é sentido como u m pesado encargo o u u m a
força intolerável. Outra importante qualidade dessa relação é a imensa diferen-
ça de intensidade entre os fenómenos de satisfação e frustração. Enquanto a
satisfação — a "adaptação" do objeto ao sujeito — traz u m a sensação de bem-
estar, que só pode ser observada com muita dificuldade, pois é natural e suave,
a frustração — a falta de "adaptação" do objeto — provoca sintomas muito
intensos e tumultuosos (ver também capítulo 16).
Mais tarde, no capítulo 4, voltaremos a discutir a natureza das forças que
operam no nível da falha básica, mas, de momento, queremos ilustrar a curiosa
imprecisão de linguagem obtida nesse nível, o que se origina do feixe de
associações que ainda envolve cada palavra no uso adulto. N o entanto, no nível
da falha básica, cada membro do feixe pode ter praticamente o mesmo direito
de posse da palavra. Isto não se limita ao nível da falha básica, como é
demonstrado pela impossibilidade prática de encontrar definições exaras,
especialmente em ciência psicológica. Para determinar a definição exata, deve-
se despir a palavra de quaisquer associações indesejáveis. A experiência mostra
que isso raramente é possível, pois as pessoas obstinadamente pensam o u ,
mesmo, p r o v a m que as palavras utilizadas implicam outros significados que
não o pretendido pelo inventor da definição. (Este problema será discutido com
mais detalhes no capítulo 20.)
CAPÍTULO 4

A Area da Falha Básica

A
x A - C E I T A N D O teoricamente a existência do nível da falha básica, devemos
indagar que tipos de eventos devem ser considerados, durante o tratamento
analítico, como sinais de que se atingiu esse nível. Tomando u m caso bastante
normal, suponhamos que o tratamento tenha evoluído brandamente durante
algum tempo, paciente e analista compreendendo-se mutuamente, enquanto
que as forças e demandas de cada u m deles, em particular sobre o analista, foram
apenas razoáveis e, sobretudo, sempre inteligíveis. Então, em certo momento,
súbita o u insidiosamente, a atmosfera da situação analítica modifica-se p r o f u n -
damente. C o m alguns pacientes isso pode ocorrer após u m período muito curto
o u , mesmo, desde o começo.
Há vários aspectos do que chamamos de profunda modificação da
atmosfera, entre os quais se destacam, como foi apresentado no capítulo
anterior, as interpretações fornecidas pelo analista não são mais experimenta-
das pelo paciente como interpretações. E m vez disso, passa a senti-las como u m
ataque, demanda, insinuação, grosseria o u insulto injustificado, tratamento
incorreto, injustiça o u pelo menos uma completa desconsideração. Por outro
lado, também é possível que as interpretações do analista sejam experimentadas
como algo muito prazeroso e gratificante, excitante ou confortante, o u , mesmo,
como u m a sedução; em geral, como u m irrefutável sinal de consideração,
afeição e amor. Também pode ocorrer que as palavras comuns, que até então

16
A F A L H A BÁSICA 17

haviam tido u m significado convencional de "adulto" e p o d i a m ser utilizadas


sem maiores consequências, tornem-se imensamente importantes e poderosas,
tanto no b o m como no mau sentido. De fato, nesses momentos, qualquer
observação casual do analista, qualquer gesto o u movimento, pode significar
muito, assumindo u m a importância muito além de qualquer coisa que realmen-
te se tivesse pretendido.
A d e m a i s — e isso não é tão fácil de admitir — o paciente de alguma forma
parece capaz de saber o que está se passando com o analista. Começa a saber
cada vez mais a respeito dele. Esse aumento do conhecimento não tem sua
origem n u m a fonte de informações externa, mas aparentemente deriva de u m
talento misterioso, que permite ao paciente "compreender" os motivos do
analista e "interpretar" sua conduta. Algumas vezes, esse talento misterioso
pode dar a impressão de telepatia o u clarividência (ver Balint, M . , "Notes o n
Parapsychology and Parapsychological Healing", 1955). O analista sente o
fenómeno como se o paciente pudesse vê-lo por dentro, retirando daí coisas a
seu respeito. O que é assim encontrado sempre é altamente pessoal, de a l g u m
modo sempre em relação ao paciente e, em geral, absolutamente correta e
verdadeira e, ao mesmo tempo, totalmente desproporcionada e, por isso, falsa
— pelo menos é assim que o analista a sente.
Se nesse momento o analista não estiver "ligado", isto é, não responder do
m o d o como o paciente espera que o faça, não surgirá, na transferência, como
seria de esperar no nível edípico, nenhuma reação de zanga, ódio, contenta-
mento o u crítica. Somente pode ser observado u m sentimento de vazio, de
perda, morte e futilidade, associado a uma aceitação aparentemente sem vida
de tudo o que lhe está sendo oferecido. De fato, tudo é aceito sem muita
resistência, mas nada faz qualquer sentido. Outra reação à incapacidade do
analista de "ligar-se" pode ter o aspecto de angústias persecutórias. M e s m o que
tais estados de angústia—em sua forma clínica c o m u m — s e j a m em geral muito
discretas e difíceis de perceber, qualquer frustração passa a ser sentida por esses
pacientes como se lhes tivesse sido intencionalmente infligida. Não conseguem
aceitar que haja qualquer outra causa para a frustração de seus desejos a não ser
a malícia, a má intenção o u pelo menos u m a negligência criminosa. A s coisas
boas ocorrem por acaso, mas as frustrações constituem testemunhos incontes-
táveis dos sentimentos maus e hostis de seu entorno.
Espantosamente, tudo isso é aceito como u m fato doloroso, sendo ainda
mais surpreendente como mobiliza pouca aversão e ainda menos a disposição
de lutar. Causa ainda mais surpresa que dificilmente desenvolva-se u m senti-
mento de desespero. Parece que o desespero e o desânimo pertencem ao nível
edípico. Provavelmente, são pós-depressivos. Embora a sensação de vazio e de
morte (cf. Balint, E., 1963) possa ser muito intensa, atrás dela geralmente existe
u m a forte determinação sincera e calma de ver através das coisas. Essa estranha
mistura de sofrimento profundo, falta da menor vontade de luta e u m a
18 M I C H A E L BALINT

inabalável determinação de avançar, torna tais pacientes realmente atraentes—


u m importante sinal diagnóstico de que o trabalho atingiu o nível da falha
básica.
A reação do analista também é característica, completamente diferente da
reação à resistência do nível edípico. Voltaremos a isso nas partes III, IV e V deste
livro, mas, de momento, basta dizermos que todas as coisas o tocam muito mais
mtimamente, encontrando alguma dificuldade para manter sua atitude habi-
tual de passividade simpática e objetiva. De fato, está em constante perigo de
u m envolvimento emocional subjetivo. Alguns analistas permitem o u , mesmo,
optam por serem levados por essa corrente poderosa, modificando suas
técnicas de acordo com isso. Outros, com prudência, engatilham suas experi-
mentadas armas e, de forma consistente, evitam qualquer risco de envolvimen-
to. Também há os que, diante da ameaça, adotam — também como formação
reativa contra isso — u m a atitude de confiança u m tanto onipotente, constan-
temente tranqüilizando-se de que sua técnica de interpretação é capaz de lidar
com qualquer situação.
Outro importante grupo de fenómenos está situado em torno do que se
poderia chamar de apreciação o u gratidão pelo trabalho do analista. N o nível
edípico, desde que o trabalho do analista tenha obedecido aos padrões profis-
sionais, estes dois sentimentos—apreciação e gratidão—são poderosos aliados
que p o d e m auxiliar muito, em especial durante os períodos áridos. N o nível da
falha básica não se pode ter certeza de se o paciente irá lembrar, e ainda menos
se irá considerar, que seu analista foi habilidoso e compreensivo no passado,
seja remoto o u recente. U m dos motivos dessa profunda modificação é que,
nesse nível, os pacientes sentem que lhe dão o que estão precisando. A i n d a
voltaremos a este importante aspecto.
Assim, se o analista fornecer o necessário, isso é dado como certo,
perdendo todo o valor como prova de capacidade profissional, dádiva excep-
cional o u favor, originando a produção de mais e mais demandas. N a literatura
analítica atual, essa síndrome é chamada de "voracidade" o u , mesmo, de
"avidez oral". Não temos nenhuma objeção em chamá-la de "avidez", mas as
temos — e fortes — em chamá-la de "oral", pois é incorreto. É irrelevante a
relação com o componente pulsão oral para a compreensão dessa síndrome,
mas o fato de que se origina em uma relação bipessoal que pode ou não ser "oral".
Citando a categoria das toxicomanias, na qual a "voracidade" é o aspecto mais
importante, há muitas e inquestionáveis toxicomanias "orais", entre as quais a
nicotina e o álcool. Mas há muitas outras que não são orais, como o morfinismo,
a cocaína, não esquecendo das várias formas de coceira, como no prurido.
N o nível edípico, o analista quase nunca é tentado a sair de sua passivi-
dade simpática. N o nível da falha básica, se abandonar a passividade, poderá
iniciar u m a perigosa espiral de toxicomania — devido à peculiar falta de
gratidão o u presença da avidez; se permanecer inflexível, o tratamento poderá
A F A L H A BÁSICA 19

ser interrompido pelo paciente como inútil o u , após u m a longa e solitária luta,
o paciente será obrigado a identíficar-se com o agressor, como está sentindo o
analista, isto é, como foi descrito em u m de nossos seminários — o paciente
parece ter u m eterno disco L P interno. N o capítulo 17, voltaremos a tão
importante problema técnico.
Todos esses eventos pertencem essencialmente à área da psicologia
bipessoal, sendo mais elementares do que os do nível edípico, com três pessoas.
Ademais, não apresentam a estrutura de u m conflito. Este é u m dos motivos
pelos quais propusemos chamá-los de "básicos". Mas por que falha? E m
primeiro lugar, porque é exatamente a palavra empregada por muitos pacientes
para descrevê-lo. O paciente diz que sente que existe u m a falha dentro de si,
u m a falha que precisa ser corrigida. E sentida como u m a falha, não u m
complexo, conflito o u situação. E m segundo lugar, há u m sentimento de que
essa falha foi provocada porque alguém falhou o u descuidou-se dele. E m
terceiro, essa área é invariavelmente cercada de u m a grande angústia, geral-
mente expressa como u m a demanda desesperada de que agora o analista não
pode — de fato não lhe deve — falhar.
O termo "falha" tem sido utilizado em algumas ciências exatas para
indicar condições que lembram o que estamos discutindo. Assim, por exemplo,
e m geologia e cristalografia, a palavra "falha" é utilizada para descrever u m a
súbita irregularidade na estrutura total, u m a irregularidade que, em circunstân-
cias normais, estaria escondida, mas, se houver pressões o u forças, pode levar
a uma ruptura, alterando profundamente a estrutura total.
Estamos habituados a pensar que toda força dinâmica que opera na mente
tem a forma de uma pulsão biológica ou de u m conflito. Embora altamente
dinâmica, a força que se origina da falha básica não assume a forma n e m de u m a
pulsão, n e m de u m conflito. E uma falha, algo errado na mente, u m a espécie de
deficiência que precisa ser corrigida. Não é algo represado para o qual deve ser
encontrada a melhor saída, mas algo que está faltando agora o u talvez por quase
toda a vida do paciente. U m a necessidade pulsional pode ser satisfeita, u m
conflito pode ser resolvido, mas uma falha básica talvez possa apenas ser
preenchida, desde que os ingredientes que estão faltando possam ser encontra-
dos e, mesmo assim, apenas em quantidade suficiente para preencher o defeito,
como u m a simples e indolor cicatriz.
O adjetivo "básica", em nosso novo termo, significa não apenas que está
relacionado com condições mais simples do que as que caracterizam o complexo
de Édipo, mas também que sua influência se estende amplamente, provavel-
mente por toda a estrutura psicobiológica do indivíduo, envolvendo em
diferentes graus tanto a mente quanto o corpo. Assim, o conceito de falha básica
nos permite compreender não só as diversas neuroses (talvez também as
psicoses), transtorno de caráter, doenças psicossomáticas, etc, como sintomas
de u m a mesma entidade' etiológica, mas também — como as experiências de
20 MICHAEL BALINT

nossa pesquisa na clínica geral demonstraram — u m grande número de


doenças "clínicas" comuns (Balint, M . , 1957; Balint, M . & Balint, E., 1961; Lask,
1966; Greco a n d Pittenger, 1966). C o m isso queremos dizer que, por influência
de diversas experiências emocionais, entre elas o tratamento clínico, u m a
doença "clínica" pode desaparecer, dando origem a u m distúrbio psicológico
específico e vice-versa.
E m nossa opinião, a origem da falha básica pode ser identificada com u m a
considerável discrepância nas fases formativas precoces do indivíduo, entre
suas necessidades biopsicológicas e o cuidado material e psicológico, e a afeição
disponível e m momentos relevantes. Isso cria u m estado de deficiência cujas
consequências e efeitos posteriores parecem ser apenas parcialmente reversí-
veis. A causa de tal discrepância precoce pode ser congénita, isto é, as grandes
necessidades biopsicológicas infantis (existem crianças não viáveis e condições
congénitas progressivas, como a ataxia de Friedreich o u os rins policísticos), o u
ambientais, como u m cuidado insuficiente, deficiente, aleatório, excessivamen-
te angustiado, superprotetor, severo, rígido, muito inconsistente, inoportuno,
superestimulante o u apenas sem compreensão ou indiferente.
Como pode ser observado a partir de nossa descrição, enfatizamos a falta de
"adaptação" entre a criança e as pessoas que representam seu entorno.
Incidentalmente, começamos com uma falta semelhante de "adaptação" — entre
o analista com uma técnica de outra forma correta e determinadas necessidades do
paciente, o que, muito provavelmente, pode ser uma importante causa de
dificuldade ou mesmo de fracassos experimentados pelos analistas em sua prática.
Esse assunto será discutido com maiores detalhes na Parte V .
Voltando ao nosso tema principal, desejamos que o leitor esteja atento ao
nosso ponto de vista pessoal, por cuja influência nossa descrição do processo,
que eventualmente pode resultar em alguma falha básica, é expressa em termos
de relação objetal. E m nossa opinião, todos esses processos ocorrem em u m a
relação objetal muito primitiva e peculiar, fundamentalmente diferente daque-
las e m geral observadas entre adultos. Definitivamente, é u m a relação bipessoal
na qual, entretanto, apenas u m dos parceiros interessa; seus desejos e necessi-
dades são os únicos que contam e precisam ser atendidos; o outro parceiro,
embora pareça ser muito poderoso, interessa apenas enquanto pode gratificar
ou decidir frustrar as necessidades e desejos do primeiro. Ademais, seus
interesses, necessidades, desejos, etc. simplesmente não existem. N o capítulo
12, propomos n u m a discussão mais pormenorizada dessa relação essencial-
mente bipessoal, distinguindo-a da que chamamos de amor objetal primário o u
relação objetal primária.
f

CAPÍTULO 5

A Area da Criação

A-
L \ T E o momento, discutimos dois possíveis níveis o u áreas da mente: o do
conflito edípico e o da falha básica. Para complementar o quadro devemos
mencionar sutilmente a terceira área, antes de expor a relevância de nossas
ideias sobre a psicologia da mente humana.
Enquanto a área do conflito de Édipo caracteriza-se pela presença de pelo
menos dois objetos, exceto o sujeito, e a área da falha básica por u m tipo de
relação muito peculiar, exclusivamente bipessoal, a terceira área é caracteriza-
da pelo fato de que nela não está presente o objeto externo. O sujeito está por
sua conta e sua principal preocupação é produzir algo por si mesmo, que pode
ser u m objeto, embora n e m sempre o seja. Propomos chamá-lo de "nível" o u
"área de criação". O exemplo mais conhecido é, evidentemente, o da criação
artística, mas outros fenómenos também pertencem ao mesmo grupo, entre os
quais a Matemática e a Filosofia, a obtenção de discernimento, a compreensão
de algo, e, finalmente, porém não menos importante, dois fenómenos: as
primeiras fases de ficar — física o u mentalmente — "doente" e a recuperação
espontânea da "doença".
Apesar de várias tentativas, na verdade pouco sabemos sobre tais
processos. U m motivo óbvio dessa escassez deve-se ao fato de que, em toda
essa área, não se encontra u m objeto externo, e por isso não se pode
desenvolver u m a relação transferencial. O n d e não há transferência, nossos

21
22 M I C H A E L BALINT

métodos analíticos perdem seu poder, deixando-nos limitados a inferências a partir


de observações obtidas depois que o indivíduo abandonou os limites dessa área.
Logo que entra em cena u m objeto externo, como u m trabalho artístico completo,
uma tese matemática o u filosófica, uma peça de cliscernimento o u compreensão,
que possa ser expresso em palavras, o u logo que a doença atinge o estágio no qual
o indivíduo pode se queixar a respeito dela a alguém, existe u m objeto externo que
podemos utilizar no trabalho com nossos métodos analíticos.
A falta de transferência também explica como nossas tentativas para compre-
ender esses importantes estados mentais ainda continuam engatinhando. A maior
parte das teorias analíticas relativas a tais estados — de acordo com o exemplo da
linguagem — considera o indivíduo como uma espécie de procriador. Todas as
linguagens, tanto como nos é dado conhecer, descrevem esses estados por palavras
derivadas de concepção, gestação e parto. O indivíduo concebe uma ideia,
engravida, sente as dores do parto e dá à luz ou aborta alguma coisa. Talvez seja
pela mesma falta de transferência que é comparativamente pobre nossa psicologia
da gestação e do parto. E m tais situações, também procuramos transformar u m a
situação evidentemente unipessoal em uma relação bipessoal, que permita utilizar
nossos comprovados métodos e formas de pensar habituais.
Neste caso, novamente encontramos as dificuldades criadas pela nossa
linguagem adulta e convencional. Sabemos que não existem "objetos" na área de
criação, mas também sabemos que nela, na maior parte do tempo, o sujeito não está
completamente sozinho. O problema é que nossa linguagem não tem palavras
para descrever o u até mesmo indicar os "algos" que estão presentes, quando o
sujeito não está completamente só; para poder falar a seu respeito, propomos
utilizar o termo "pré-objeto"; pois "embrião de objeto" seria muito definitivo; em
alemão, Objekt-Anlage poderia ser u m termo adequado. Se compreendemos Bion
(1962 e 1963), ele encontrou a mesma dificuldade; sua proposta, neste caso em
especial, foi chamar os elementos de alfa e beta, e a função de alfa.
Tudo isso demonstra que os "pré-objetos" existentes na área da criação
devem ser tão primitivos que não podem ser considerados "organizados" ou " u m
todo". Somente depois de o trabalho de criação ter conseguido torná-los "organi-
zados" o u " u m todo" é que poderá ocorrer uma adequada interação "verbal" o u
"edípica" entre eles e os objetos externos. É provável que sempre estejam
ocorrendo interações mais primitivas — adequadas aos níveis da falha básica e da
criação; interações, no entanto, difíceis de observar e ainda mais de descrever de
uma forma adequada (Balint, M . , 1959, em particular capítulos 8 e 11).
A única que sabemos é que o processo de criação, a transformação do "pré-
objeto" no próprio objeto, é imprevisível. Não sabemos por que, em alguns casos,
é bem-sucedido, enquanto fracassa em outros, nem tampouco por que demora
tanto em alguns e ocorre como u m relâmpago em outros. A história da criação
científica e artística nos fornece inúmeros relatos interessantes, mas isso é tudo.
Sabemos, por exemplo, que os problemas de Fausto ocuparam Goethe durante
A F A L H A BÁSICA 23

toda a sua vida, o Urfaust foi iniciado quando ele tinha 21 anos, e ainda trabalhava
em sua Segunda Parte, até sua morte, em 1832. A produção habitual de Flaubert
era de u m a a duas páginas por dia, tendo necessitado de sete anos para concluir
Madame Bovary. Vermeer e Giorgione foram trabalhadores muito lentos, bem como
Beethoven. Leonardo trabalhou durante 15 anos em " L a Gioconda" — para
mencionar apenas alguns. Por outro lado, Mozart foi u m trabalhador rápido (1) (o
exemplo mais famoso é a "Ouverture" de Don Giovanni), como também o foram
H a y d n e Bach. Balzac era u m escritor rápido, assim como Simenon, cuja produção
habitual, durante certo tempo, foi de uma novela por noite. U m a parte bastante
grande da oeuvre de V a n Gogh foi pintada em dois anos. Parece que conflitos
intensos no nível edípico podem acelerar ou inibir a velocidade do processo
criativo, mas que também, além e acima desses conflitos, o que realmente interessa
é a configuração mental do indivíduo, a estrutura de sua área de criação.
Tudo isso é muito pouco, especialmente quando comparado com nosso
conhecimento dos processos e mecanismos inconscientes que operam sob pressão
de conflitos. Isso ainda é mais notável quando os analistas têm a oportunidade
única de observar as pessoas enquanto absorvidas na área de criação. O que temos
em mente é o paciente silencioso, u m problema enigmático para nossa técnica. A
atitude analítica habitual é considerar o silêncio meramente u m sintoma de
resistência a alguns materiais inconscientes, originados no passado do paciente ou
de uma situação transferencial atual. Podemos acrescentar que tal interpretação
quase sempre está correta; o paciente está fugindo de alguma coisa, geralmente de
u m conflito, mas também poderá ser que ele esteja correndo para alguma coisa, isto
é, está em u m estado no qual se sente relativamente seguro, podendo fazer algo
a respeito do problema que o está atormentando o u preocupando. O algo, que
eventualmente irá produzir e depois apresentar, é uma espécie de "criação"—nem
sempre honesta, sincera, profunda ou artística — mas não menos u m produto de
sua criatividade. N a verdade, não podemos estar com ele durante o trabalho de
criação, mas o podemos momentos antes ou depois e, além disso, podemos
observá-lo de fora, durante seu trabalho. Talvez, se modificássemos nossa aborda-
gem, deixando de considerar o silêncio u m sintoma de resistência e passando a
estudá-lo como u m a possível fonte de informação, pudéssemos aprender algo
sobre essa área da mente.

NOTA

1. "Dois dias antes da première de Don Giovanni, em Praga, Mozart ainda não tinha começado a
compor a abertura. Seus amigos, o diretor da Ópera e a orquestra estavam em suspense,
enquanto o próprio génio despreocupadamente se divertia em uma festa. Mais tarde, durante
a noite, escreveu a música sem qualquer correção posterior; ele sabia que a escrita musical inteira
iria surgir-lhe, súbita e simultaneamente, de forma clara em sua mente" (Weiss, E., 1957).
CAPÍTULO 6

Resumo

^ ^ . S S I M , parece que temos pelo menos três áreas da mente, cada u m a


caracterizada, como primeiramente propôs Rickman (1951), por u m número.
Também se p o d e m designar essas três áreas de espaços, esferas, campos, níveis,
localidades o u instâncias, ou até mesmo por outros termos. Todos esses termos
possuem seus próprios feixes de associações, e, particulamente, somos cuida-
dosos em nos ligarmos a qualquer u m deles, considerando-o o mais adequado.
D e momento, preferimos utilizar "área" ou "nível", mas devemos admitir que
não sabemos o motivo pelo qual preferimos esses dois.
A mais conhecida dessas três áreas caracteriza-se pelo número 3, e pode
ser chamada de área do conflito de Édipo. É corretamente descrita como o
complexo nuclear, pois todo o desenvolvimento humano — individual o u
coletivo—precisa passar por ela, conservando para sempre a marca da solução
que o indivíduo o u a civilização em questão encontrou, em sua luta c o m os
conflitos envolvidos. A área total é caracterizada pelo fato de que tudo o que
ocorre nela envolve, além do sujeito, pelo menos dois objetos paralelos. A força
que opera nesse nível assume a forma de u m conflito, em geral originado da
ambivalência criada pelas complexidades da relação entre o indivíduo e seus
dois objetos paralelos.
Esse nível é u m dos mais conhecidos. Há duas razões principais para tanto.
A primeira porque a relação entre o sujeito e seus objetos é muito semelhante

24
A F A L H A BÁSICA 25

à de u m adulto, enquanto a segunda, porque a linguagem adulta é u m meio


bastante adequado para descrever o que pode ser observado.
A segunda área, como procuramos mostrar nesta Parte, é completamente
diferente d a anterior. E a área da falha básica, caracterizada pelo número 2,
significando que nela estão envolvidas duas, e apenas duas, pessoas. Entretan-
to, sua relação não é a encontrada entre dois adultos; é mais primitiva. U m a
outra diferença entre essas duas áreas é aquela causada pela natureza da força
dinâmica que atua e m cada uma. N a área do complexo de Édipo, a forma da
força é a de u m conflito. Embora altamente dinâmica, a força originada da falha
básica não assume o aspecto de u m conflito. C o m o foi descrito n o capítulo 4,
assume o aspecto de u m a falha, de algo destorcido o u que está faltando na
mente, produzindo u m defeito que deve ser corrigido. Disso decorre u m certo
número de problemas técnicos, que propomos discutir nas partes III-V. Talvez
a maior dificuldade para tentar qualquer descrição teórica de tais fenómenos
seja a comparativa inutilidade da linguagem adulta, como já mencionamos.
Finalmente, temos a área de criação, que recebe o número 1, na qual não está
envolvido n e n h u m objeto externo, não havendo, portanto, relação objetal, n e m
transferência. É por esse motivo que nosso conhecimento sobre esses processos
são tão escassos e imprecisos. Nossos métodos analíticos não se aplicam a essa
área, motivo pelo qual temos de nos apoiar em inferências pouco seguras, assim
como e m extrapolações.
Até onde essas áreas se estendem na mente? É u m a pergunta muito
interessante, para a qual só temos u m a resposta bastante incompleta. Certa-
mente, todas as três áreas estão no ego, porém não saberíamos dizer se alcançam
o superego, e a mesma incerteza é preciso admitir quanto ao i d . N o entanto,
todos os recentes avanços da teoria do aparelho mental pertencem, principal o u
exclusivamente, ao ego. Isso também é verdadeiro em Fairbairn, H a r t m a n n e
Winnicott, de forma que não estamos em má companhia.
Antes de terminar esta parte do livro, queremos acrescentar algumas
recomendações. A primeira delas refere-se à relevância de nossas observações
sobre a teoria geral do desenvolvimento humano. E m geral, admite-se que os
fenómenos observados clinicamente, na situação psicanalítica, p o d e m ser
considerados como exemplos representativos do desenvolvimento total d o
h o m e m (Balint, M . , 1956). Embora raramente expressa de forma clara, essa ideia
matiza muitas das nossas proposições teóricas. Julgamo-na completamente
falsa; e m primeiro lugar, n e m tudo o que acontece n o desenvolvimento
humano repete-se na situação analítica e, em segundo, o que é repetido está
profundamente distorcido, devido às condições predominantes. F o i F r e u d
quem recomendou que o tratamento analítico deveria ser realizado em estado
de abstenção, isto é, de frustração. Mesmo que essa máxima não tenha sido
obedecida tão incondicionalmente como seu texto sugere, no conjunto, é
verdade que o paciente deve, durante o tratamento, aceitar mais frustrações do
26 M I C H A E L BALINT

que gratificações. É preciso verificar se a mesma desproporção ocorre durante


todo o desenvolvimento humano. Até então, é mais seguro presumir que o que
conseguimos observar, em nossa prática, é u m quadro consideravelmente
distorcido e que isso é produzida por nossa técnica bem comprovada, que
impõe frustrações ao paciente e, ao mesmo tempo, impede o u inibe as
gratificações. Por negligenciar os efeitos dessa distorção, a teoria psicanalítica
nos levou, inevitavelmente, a exagerar a importância, para a mente, da
frustração e da ambivalência.
N a verdade, os acontecimentos passados e presentes, pertencentes à área
do conflito edípico, são trabalhados constantemente durante o tratamento
analítico, mas isso ocorre principalmente por via indireta, através dos relatos
verbais do paciente. O que observamos diretamente na situação analítica é u m a
relação bipessoal, e, do mesmo modo, u m a parte da área da falha básica.
Evidentemente, então expressamos nossas experiências em linguagem adulta,
o que significa que devemos trazê-las para o nível edípico, isto é, para o nível
da linguagem convencional. Se nossa forma de pensar estiver correra, isso
também p r o d u z uma boa dose de distorção, que pode ser u m a explicação de por
que nossa teoria e técnica se distanciaram tanto, desde as últimas grandes
monografias de Freud. N a Parte I, tentamos preencher essa lacuna, utilizando
nossas experiências clínicas para desenvolver u m a nova teoria da mente e, e m
particular, do ego, que teria, como limite, a psicologia do ego clássica de Freud.
E m segundo lugar, queremos acentuar que, no que se refere a esta Parte
do livro, deixamos inteiramente em aberto a questão da cronologia, pois não
pensamos aue nosso conhecimento atual seja suficiente para resolver tão difícil
problema. E tentador, mas estamos certos de que é falso presumir que o simples,
logicamente, seja necessariamente o primeiro, cronologicamente; assim, chega-
mos a u m a sequência: primeiro, o nível de criação, a seguir, o da falha básica e,
por último, o nível do complexo de Édipo. C o m o sabemos da embriologia,
algumas vezes acontece que, durante o desenvolvimento, u m a estrutura
precoce complexa gradualmente se simplifica o u mesmo se perde completa-
mente, e m u m estado posterior (cf. Balint, M . , 1959, capítulo 7). Portanto,
podemos pensar que o nível mais precoce é o do amor primário e com ele o nível
da falha básica, a partir do qual, por u m lado, desenvolve-se, por diferenciação,
o conflito edípico e, por outro, por simplificação, o nível de criação.
Nosso plano é adorar esta última ideia como hipótese de trabalho e
examinar se poderemos chegar, sob essa base, a u m a melhor compreensão de
alguns de nossos intrigantes problemas teóricos e técnicos.
Pelo lado teórico, temos dois problemas antigos e amplamente inter-
relacionados: o narcisismo e a regressão. Embora ambos possuam conexões com
a área do complexo de Édipo, pertencem fundamentalmente à área da falha
básica. C o m o esse fato não pôde ser adequadamente avaliado, o aparecimento
de aspectos narcisistas o u regressivos na situação transferencial foi considerado,
A F A L H A BÁSICA 27

e m sua totalidade, como u m sinal funesto. Nas partes II e III, devemos examinar
quão justificada foi essa generalização e em que tipo de casos demonstrou ser
incorrera. Após ter esclarecido nosso caminho, nas duas últimas partes do livro
discutiremos suas implicações técnicas.
PARTE II

NARCISISMO PRIMÁRIO
E AMOR PRIMÁRIO
CAPÍTULO 7

As Três Teorias de Freud

ti U M fato curioso, porém de fácil verificação que, durante muitos anos,


Freud tenha conservado três pontos de vista mutuamente exclusivos da
relação mais primitiva do indivíduo com seu entorno. O mais antigo foi
publicado em 1905, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, tendo permane-
cido imutável em todas as edições subsequentes, embora se deva notar que
tanto este livro como A interpretação dos sonhos foram os únicos que F r e u d
procurava manter atualizados, revisando-os e corrigindo-os a cada n o v a
edição, neles incluindo todas as descobertas feitas nos anos posteriores à
última edição. Estranhamente, essa passagem ocorre na última seção do
terceiro e último ensaio, cujo subtítulo era, em alemão, Die Objektfindung, u m a
bela e concisa frase, traduzida para o inglês de u m a forma u m tanto canhestra
como "The F i n d i n g of an Object" (Standard Edition, VII, p. 222).
Freud escreveu: " N u m momento em que as primeiras satisfações sexuais
ainda estão ligadas à ingesta de alimentos, a pulsão sexual tem um objeto sexual
fora do próprio corpo da criança, sob a forma do seio da mãe. Só mais tarde é que
a pulsão perde esse objeto, talvez exatamente no momento em que a criança
se torna capaz de formar uma ideia total da pessoa a quem pertence o órgão que
lhe está fornecendo satisfação. Como regra, então, a pulsão sexual se torna auto-
erótica, e somente após ter passado o período de latência é restaurada a relação
original. Estas são, pois, boas razões do mamar da criança no seio materno

31
32 M I C H A E L BALUMT

tornou-se o protótipo de toda a relação de amor. O encontro de u m objeto é


de fato seu reencontro" (Os grifos são nossos.)
Devemos fazer duas observações a respeito da tradução para o inglês, n o
restante excelente. A última sentença é, e m alemão, verdadeiramente bela:
"Die Objektfindung ist eigentlich eine Wierderfindung". A inglesa é u m a pálida
tradução d a poderosa e categórica frase original. Embora não totalmente
correta e u m tanto mais livre — mas parecendo-nos mais verdadeira — ,a
tradução deveria ser: " T o d a descoberta objetal é, de fato, u m a redescoberta".
Nossa segunda observação refere-se à época. N o original de F r e u d , é a
anfänglichste Sexualbefriedigung, que é incomparavelmente mais enfática do que
a de outra forma correta tradução para o inglês, the first beginnings of sexual
satisfaction [os verdadeiros primórdios da satisfação sexual]; talvez u m a
tradução mais fiel fosse the very first sexual satisfaction [a primeira verdadeira
satisfação sexual].
C o m o já foi dito, essa passagem permaneceu imutável, mas, em 1915,
F r e u d acrescentou u m a nota de rodapé, para chamar a atenção para sua
descoberta de mais um método de encontrar u m objeto, especificamente o
narcísico. E fácil demonstrar que, depois da introdução d a teoria psicanalítica
do narcisismo, por muitos anos Freud não teve a intenção de abandonar a ideia
de relação objetal primária e m favor do narcisismo primário.
Para provar tal assertiva, transcrevemos duas passagens de seus escritos
daqueles tempos. U m a pertencente às Conferências introdutórias sobre psicanálise,
que, como sabemos, foram publicadas em 1916-1917. Freud, primeiramente,
destaca que certos componentes pulsionais da sexualidade, como o sadismo, a
escopofilia e a curiosidade, possuem u m objeto desde o começo, continuando:
"Outros, ligados mais definitivamente a determinadas zonas erógenas do
corpo, possuem-no apenas no começo, enquanto ainda presos a funções não-
sexuais, abandonando-os quando se separam delas", referindo-se em particular
ao componente oral da pulsão, quando então afirma: " A pulsão oral torna-se
auto-erótica, como o são, desde o começo, a pulsão anal e outras pulsões
erógenas. U m maior desenvolvimento, para situar o assunto o mais concisa-
mente possível, tem duas finalidades: primeiramente, o abandono d o auto-
erotismo e, mais u m a vez, a substituição do próprio corpo d o sujeito p o r u m
objeto externo, e, em segundo lugar, a unificação dos vários objetos das diversas
pulsões e sua substituição por u m único objeto (Standard Edition, XVI).
A outra passagem pertence ao artigo de Freud sobre psicanálise, n o livro
de M . Marcuse Handwörterbuch der Sexualwissenschaft, valendo a pena menci-
onar que a passagem ocorre na secção cujo por subtítulo é " 0 Processo de
Encontrar u m Objeto". " N a primeira instância, o componente oral da pulsão
encontra satisfação em se apegar à satisfação do desejo por alimento, e seu
objeto é o seio da mãe. Depois desliga-se, torna-se independente e, ao mesmo
tempo, auto-erótico; isto é, encontra u m objeto no próprio corpo da criança"
A F A L H A BÁSICA 33

(Standard Edition, XVIII. Grifos n o original). Sabemos que esse artigo f o i


escrito e m 1922, u m pouco antes do Congresso de Berlim, o último a que F r e u d
compareceu, n o qual anunciou suas novas ideias a respeito d a estrutura
mental, que levaram, mais tarde, ao desenvolvimento d o que é atualmente
chamado de psicologia do ego. A i n d a assim, como o comprova a passagem
citada, não abandonou a ideia de relação objetal primária.
A s outras duas teorias, a respeito da relação mais primitiva do indivíduo
c o m seu entorno surgiram pela primeira vez em 1914, e m Sobre o narcisismo:
uma introdução, embora a mais antiga delas tivesse apresentado várias precur-
soras nos anos anteriores (1). Esta, a teoria mais antiga, foi iniciada, no artigo
de 1914, de forma bastante categórica, sem quaisquer qualificativos. F r e u d
indaga, n a primeira secção do trabalho: " Q u a l é a relação do narcisismo, d o
qual estamos agora falando, com o auto-erotismo, que descrevemos como um
estado precoce d a libido?", do que responde assim: " D e v o dizer que fomos
levados a supor que não poderia existir no indivíduo, desde o começo, u m a
unidade comparável ao ego; o ego precisa desenvolver-se. N o entanto, as
pulsões auto-eróticas estão presentes desde o começo; assim, é preciso acres-
centar algo ao auto-erotismo — u m a nova ação psíquica — para se chegar ao
narcisismo" (Standard Edition, XIV. Grifo nosso).
Sabemos, por Ernest Jones (Sigmund Freud, II), que a primeira vez que
Freud utilizou o termo "narcisismo", com o sentido acima citado, foi em 10 de
novembro de 1909, em u m encontro da Sociedade Analítica de Viena. Q u a n d o
afirmou: " O narcisismo não era necessariamente u m estágio intermediário na
passagem do auto para o alo-erotismo". Isso está de acordo c o m u m a passagem
da análise de Schreber (Standard Edition, XII. Grifos nossos). " A s recentes
pesquisas voltaram nossa atenção para u m estágio d o desenvolvimento d a
libido, no qual ela passa do auto-erotismo ao amor objetal. Tal estágio recebeu
o nome de narcisismo... Estafase, a meio caminho entre o auto-erotismo e o amor
objetal, talvez seja normalmente indispensável, mas parece que muitas pessoas
permanecem por demasiado tempo nessa condição, levando com elas muitos
de seus aspectos para os estágios posteriores de seu desenvolvimento". Essa
passagem, publicada em 1911, incidentalmente, é a terceira ocasião e m que
F r e u d utiliza o termo "narcisismo", tendo ocorrido a segunda no trabalho
sobre Leonardo. Voltaremos à primeira vez em que o termo foi utilizado.
D e momento discutiremos dois pontos. E m primeiro lugar, é inequívoca
a descrição de Freud nas duas passagens apresentadas. A forma mais primitiva
de relação d o indivíduo com seu entorno é o auto-erotismo, seguida pelo
estágio narcísico, a partir do qual então se desenvolvem as relações objetáis.
Evidentemente, é esse o desenvolvimento que leva ao tipo de escolha objetal
que, mais tarde, no trabalho "Sobre o Narcisismo", é descrito como narcisismo.
Esse desenvolvimento deveria ser considerado como u m a alternativa o u como
paralelo ao antes descrito — em Três ensaios e outros escritos acima citados —,
34 MICHAEL BALINT

que começa como relação objetal primária, levando a u m a escolha objetal, mais
tarde caracterizada por Freud como de apoio.
O segundo é que, nas passagens que acabamos de citar, Freud afirma que
o narcisismo é essencialmente u m fenómeno secundário — " u m a fase a meio
caminho". Poderia repetir aqui a sentença que destaca: "Deve-se acrescentar
algo ao auto-erotismo—uma nova ação psíquica—para chegar ao narcisismo".
N o t e m que não há n e n h u m a qualificação dessa afirmativa, o que é ainda mais
surpreendente, pois a citação se origina de dois parágrafos que se seguem, de
imediato, à passagem n a qual Freud utiliza pela primeira vez (2) sua famosa
metáfora da ameba: " A s s i m , formamos a ideia de que ali existia u m investimen-
to libidinal original d o ego, a partir do qual, mais tarde, u m a parte v a i para os
objetos, mas que fundamentalmente permanece, estando relacionado ao
investimento objetal, como o corpo de uma ameba ao pseudópode que dela
parte" (Standard Edition, XIV). Voltaremos ao assunto para discutirmos essa
contradição, depois de ter descrito a terceira teoria de Freud.
E de admirar que o trabalho "Sobre o Narcisismo", introdutor dessa
teoria, não contenha u m a descrição concisa do narcisismo primário. Entretan-
to, como e m geral se sabe, o narcisismo primário tornou-se a teoria-padrão
para descrever a relação mais primitiva do indivíduo c o m seu entorno, e,
muitas vezes, F r e u d remete a ela, em seus escritos posteriores. É bastante
interessante que a teoria não tenha m u d a d o em nada, nos restantes 25 anos de
trabalho ativo de Freud. Para comprová-lo, deixem-me fazer duas citações.
U m a , de u m acréscimo aos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, por ocasião
da terceira edição, e m 1915: " A libido narcisista o u do ego parece ser o grande
reservatório do qual os investimentos objetais são enviados e ao qual mais u m a
vez são recolhidos; o investimento libidinal narcísico do ego é o estado original
das coisas, realizado n a infância mais precoce, sendo meramente encoberto
pelas posteriores extrusões da libido, mas essencialmente persistindo por trás
delas (Standard Edition, VII).
A outra passagem pertence ao último trabalho de Freud, não concluído,
Esboço de psicanálise, escrito em 1938 e 1939, no qual, n o segundo capítulo com
o subtítulo " A Teoria das Pulsões", diz: "É difícil dizer algo sobre a conduta da
libido n o i d e n o superego. Tudo o que sabemos a respeito está relacionado ao ego,
no qual é primeiramente armazenada toda a cota de libido disponível. Chamamos a este
estado absoluto de narcisismo primário. Ele permanece até que o ego comece a
investir as ideias de objetos com libido, para transformar a libido narcisista e m
libido objetal. Durante a vida inteira, o ego continua sendo o grande reserva-
tório do qual os investimentos libidinais são enviados aos objetos e ao qual são
mais u m a vez recolhidos, como faz a ameba com seus pseudópodes. A
principal cota de libido é transferida para o objeto somente quando a pessoa
está completamente apaixonada, assumindo o objeto, e m certa extensão, o
lugar d o ego" (Standard Edition, XXIII. Grifos nossos). A descrição, c o m as
A F A L H A BÁSICA 35

próprias palavras de Freud, tornou-se a versão oficial, que é ensinada e m todos


os institutos psicanalíticos do m u n d o .

NOTAS

1. Ver a analise de Schreber citada abaixo, Leonardo da Vinci (1910) (Standard Edition, XI) e Totem e
tabu (1913) (Standard Edition, XT1I).
2. Cf. Totem e Tabu, acima citado.
CAPÍTULO 8

Contradições Inerentes

A
^ A P A R E N T E M E N T E , estas três teorias — amor objetal primario, auto-erotismo
primário e narcisismo primário — se contradizem. A i n d a assim, tanto quanto nos
é dado saber, Freud, ao escrever, nunca discutiu sua contradição; pelo contrário,
há evidências impressas de que, até 1923, ele conservava simultaneamente três
teorias , o que só poderia significar que não as considerava contraditórias o u
mutuamente excludentes.
Antes de iniciar a discussão desse intrigante problema, queremos lembrar
que a psicanálise, obedecendo fielmente a Freud, utiliza o termo narcisismo
para descrever estados muito semelhantes, embora longe de serem idênticos.
U m deles — chamado por Freud de narcisismo primário o u absoluto — é u m a
hipótese e não u m a observação clínica; presumimos que, no início, toda a libido
está armazenada no ego — o u no i d . O outro, geralmente chamado simples-
mente de narcisismo, embora devesse ser denominado narcisismo secundário,
pode ser observado clinicamente; demonstra u m estado no qual u m a o u mesmo
uma grande parte da libido, que anteriormente investia em objetos externos, é
retirada deles e investida no ego — mas, em definitivo, não no i d . Essa distinção
provará ser de grande importância nos capítulos subsequentes da Parte II.
Freud, sem ao menos mencionar a necessidade de resolver o u , sequer,
reconciliar as inerentes contradições que acabamos de mencionar, tentou
sintetizar essas três teorias em suas Conferências introdutórias sobre psicanálise, em

36
A F A L H A BÁSICA 37

1917. N a 26 Conferência, cujo subtítulo é " A Teoria da Libido e o Narcisismo",


a

escreve: "Até o momento, tive muito pouca oportunidade de falar a respeito dos
fundamentos da vida erótica, até onde os descobrimos, e agora é muito tarde
para corrigir essa omissão. N o entanto, devo enfatizar que a escolha objetal, o
passo para frente do desenvolvimento da libido, dado após o estágio narcísico,
pode ocorrer de duas formas diferentes: de acordo com o tipo narcísico, no qual
o próprio ego do sujeito é substituído por outro, que é o mais parecido possível
com o sujeito, o u de acordo com o tipo de apoio (Anlehungstypus, que geralmente
é traduzido para o inglês como "tipo anaclítico"), no qual as pessoas que se
haviam tornado preciosas, por terem satisfeito as outras necessidades vitais,
eram também escolhidas como objetos pela libido" (Standard Edition, XVI).
Faremos outra citação, do mesmo capítulo: "Portanto, o auto-erotismo
deveria ser a atividade sexual do estágio narcísico de alocação da libido" (op. cit.).
Não há dúvida de que, então, Freud nos tenha dado u m a teoria aparen-
temente abrangente: a fase mais primitiva é o narcisismo primário, a partir do
qual se desenvolvem, como fases posteriores, as demais organizações da libido.
Apesar de todas as vantagens de simplicidade e de plausibilidade, essa teoria
não soluciona as contradições fundamentais acima citadas; além disso, cria
desnecessariamente novos problemas. Para consubstanciar esse ponto, deve-
mos mencionar uma curiosa nota de rodapé, que Freud acrescentou ao terceiro
capítulo de O ego e o id, publicado em 1923 (o mesmo ano em que foi publicado
seu artigo na Enciclopédia, reafirmando a natureza primária do amor objetal).
O subtítulo do capítulo é " O Ego e o Superego", e a nota de rodapé refere-se à
primeira parte desse capítulo. Nele, Freud descreve as mudanças que poderão
ocorrer no ego, depois que o i d — e não o ego, como foi postulado na citação
anterior de Esboço de psicanálise — tiver sido forçado a abandonar seus objetos
de amor, sendo tais mudanças a introjeção e a identificação: "Agora que
distinguimos entre o ego e o i d , devemos reconhecer o i d como o grande
reservatório de libido, apontado em m e u trabalho sobre o narcisismo. A libido,
que é derramada no ego devido às identificações acima descritas, p r o d u z o
narcisismo secundário" (Standard Edition, XIX).
Mais tarde, no capítulo 4 do livro, Freud reafirma a mesma ideia, se
possível de u m a forma ainda mais inequívoca: " N o começo, toda a libido é
acumulada no i d , enquanto o ego ainda está em processo de formação, o u ainda
é fraco. O i d envia parte de sua libido para o investimento objetal erótico, no que
o ego, agora mais forte, tenta reter essa libido objetal, forçando-a sobre o i d como
u m amor objetal. O narcisismo do ego é pois secundário, o que foi retirado dos
objetos" (op. cit.).
A finalidade óbvia dessas duas passagens é a de esclarecer u m a situação
incerta, à l u z das novas descobertas. Isso é feito em alguma extensão — e, como
poderemos ver atualmente, de forma apenas temporária — criando, ao mesmo
tempo, mais problemas e contradições. Aprendemos que o grande reservatório
38 MICHAEL BALINT

da libido é o i d e não o ego, como afirmou tanto antes como depois de O ego e
o id; e, além disso, que o investimento libidinal do ego, em particular, o das partes
modificadas pela introjeção e pela identificação, é definitivamente classificado
como narcisismo secundário, embora possa ocorrer no início da vida. E v i d e n -
temente, a prévia questão seguinte seria: existiria u m narcisismo primário no
ego? Espantosamente, Freud naquele momento não faz essa pergunta .
O n d e é então o lugar e qual o papel do narcisismo primário? E p o d e m
essas duas passagens ser integradas com a versão habitual, como a citada do
Esboço de psicanálise, segundo a qual tudo o que sabemos a respeito dela (da
libido) está relacionado com o ego, no qual, inicialmente, toda a cota de libido
disponível é armazenada? Denominamos esse estado de "narcisismo absoluto
o u primário".
James Strachey busca uma solução para essa contradição, em u m a nota
editorial de O Ego e o Id, sob o título " O Grande Reservatório da L i b i d o " (1).
Strachey sugere que possivelmente Freud, sem o notar, tenha utilizado a
expressão " O Grande Reservatório da Libido" em dois diferentes sentidos: (a)
indicando u m a função semelhante à de u m tanque de armazenagem e (b) outra
função, como a de uma fonte de suprimento. Evidentemente, a primeira se
refere ao ego, enquanto que a última ao id. Esta é uma hipótese muito plausível,
muito à la Freud e, se aceita, resolveria essa contradição. Entretanto, o fato é que
Freud nunca pensou sobre isso e, embora definisse o i d como u m a fonte de
narcisismo primário, deixou sem resolver o que é investido pelo narcisismo
primário. Não poderia ser o ego — em seus primeiros estágios é questionável
se existe algum ego para investir; nem poderia ser o i d — essa presunção
novamente confundiria a "fonte de suprimento" e o "tanque de armazenagem",
que Strachey recém havia separado (Hartmann, H . , 1956).
O u t r a alternativa aceitável é o dito u m tanto rude de Hartmann, de que
" F r e u d , como o fizeram outros, algumas vezes utilizava o termo 'ego' em mais
de u m sentido, e n e m sempre no sentido no qual era mais bem definido.
Algumas vezes... o termo 'ego' era intercambiavel com 'sua própria pessoa' o u
'o si-próprio'."
Hartmann então propõe distinguir entre os dois significados do termo
"ego": u m , referindo-se às funções e investimentos do ego como u m sistema (em
contraste com o investimento de diferentes partes da personalidade), o outro
para opor o investimento em si próprio ao investimento em outras pessoas
(objeto). M a s o termo "narcisismo" foi utilizado para abranger o investimento
libidinal, tanto do ego como o de si próprio. C o m o mesmo uso, originou-se
também a formulação frequentemente encontrada de que, no início da vida,
toda a libido está no ego, parte da qual é, mais tarde, enviada para investir o
objeto. Nesse caso, parece perfeitamente claro que Freud pensava que o
investimento do si próprio precedia o do objeto — senão por outro motivo, pelo
menos porque, naquele momento, não pensava que houvesse, ao nascimento,
A F A L H A BÁSICA 39

algo que se pudesse comparar ao ego". Hartmann então conclui que " p o d e r i a
significar que, para a definição de narcisismo, seria u m elemento essencial
distinguir o investimento libidinal em si próprio, como oposto ao objetal".
Há várias objeções a essa proposição. A primeira é que escapa à resposta,
considerando-a já respondida. O fato embaraçoso é que nossa teoria atual da
mente e a teoria do narcisismo primário leva-nos a contradições aparentemen-
te insolúveis; H a r t m a n n tenta salvar a situação, introduzindo u m conceito ad
hoc, em lugar de examinar o que havia de errado com as duas teorias o u , pelo
menos, com uma delas. Voltaremos, dentro em breve, a esse passo metodológico.
D e momento, examinaremos o significado do novo conceito: "o investimento
libidinal em si próprio", mas, antes de que se possa fazê-lo, é preciso definir o
" s i próprio". Seria ele a soma total do consciente e do pré-consciente? Incluiria
todo o ego e o superego o u apenas as partes conscientes dessas duas instâncias,
excluindo totalmente o id? O u também se deveria incluir o id? N o entanto,
neste último caso, deveríamos indagar como isso seria possível, pois, no
conjunto, não se tem u m acesso consciente ao i d , constituindo-se em u m a
dificuldade observar como ele pode ser sentido como self. Julgamos que seria
correto dizer que "si próprio" o u self é u m conceito vago e nebuloso, como
"caráter", "personalidade", etc., todos pouco definidos e em termos nebulosos,
muito úteis em u m a emergência desagradável, mas talvez inadmissíveis como
meios de fugir a u m a dificuldade teórica.
Se aceitarmos a nova terminologia, originalmente proposta por Hartmann,
Kris e Loewenstein, desapareceriam muitas—se não todas — das contradições
internas da teoria do narcisismo primário. Todavia, temos de formular duas
perguntas: surgirão novas complicações, na esteira dessa terminologia revista;
e, em segundo lugar, Freud a teria aceito? N e n h u m a delas é difícil de
responder. U m a definição de narcisismo como investimento libidinal do self
nos obrigaria a distinguir, além da forma geral de narcisismo do self, classes
especiais de narcisismo do i d , narcisismo do ego e do narcisismo do superego
— possivelmente cada uma com suas formas primárias e secundárias. Embora
essa subdivisão aparentemente precisa possa ser futuramente vantajosa —
desde que se possa definir adequadamente o self, distinguindo-o do ego, do i d
e do superego — atualmente vejo apenas suas desnecessárias complicações
teóricas.
Essa nova terminologia não remove nossas dúvidas clínicas a respeito da
natureza primária de qualquer u m dos novos tipos de investimento narcísico.
Apesar disso, presumimos que não só a Anlage, mas também algumas partes
relevantes do superego são pré-formadas filogeneticamente, devendo seu
investimento ser secundário, derivado do investimento dos objetos introjetados
ontogenéticamente, como foi descrito por Freud em O ego e o id. Se aceitarmos
a ideia de Freud de que o ego deve ser desenvolvido por algum processo de
maturação, seu investimento deve desenvolver-se mais o u menos ao mesmo
40 MICHAEL BALINT

ritmo, isto é, não pode ser primário. Resta-nos o narcisismo do i d como u m


possível estado primário. Pode-se imaginar, como o fez James Strachey, sem
muita dificuldade, o i d como a fonte — o u mesmo o reservatório — de toda a
libido, mas não como seu objeto original. A libido foi sempre representada
como u m a corrente, como u m fluxo. É difícil conceber que a origem e o alvo
de u m a corrente sejam idênticos, a não ser que a corrente deixe a origem, saia
e, depois, m u d a n d o de direção, retorne ao ponto do qual saiu. N o entanto, este
quadro só se adaptaria ao que chamamos de narcisismo secundário. Por outro
lado, u m a fonte sem escoadouro provocaria u m a tensão crescente, sendo
provavelmente isso que Freud queria dizer quando escreveu: " C o m o último
refúgio, devemos começar a amar, para não ficarmos doentes, e o ficaremos se,
em consequência da frustração, não formos capazes de amar" (Standard
E d i t i o n , XIV).
O problema de definir topograficamente a parte do aparelho mental
investido pelo hipotético narcisismo primário — em contraste com a fonte de
toda a libido — nunca foi resolvido por Freud e, em nossa opinião, foi apenas
posto de lado, mas não realmente resolvido pela proposição de H a r t m a n n , Kris
e Loewenstein. N a verdade, se compararmos as duas passagens de O ego e o Id
com as passagens, uma de Três ensaios e outra de Esboço de psicanálise, já citadas,
temos de admitir que a proposição de Hartmann, Kris e Loewenstein parece
b e m fundamentada. Nesse sentido, a introdução do self é u m a proposta útil,
pois aparentemente organiza u m a teoria desorganizada, mas é preciso indagar
se faz alguma coisa mais. E m particular, poderemos predizer, sobre suas bases,
novas observações clínicas o u ela nos poderá auxiliar a explicar fenómenos
clínicos b e m estabelecidos, que de outra forma permaneceriam inexplicáveis?
A resposta a ambas as perguntas é u m a negativa. Ademais, a introdução do self
sequer tenta resolver a importante contradição na cronologia, que será
abordada no capítulo 11.
Apesar da dura crítica de Hartmann, Freud poderia ser tudo, menos u m
escritor descuidado; assim deve haver alguma razão para que sempre voltasse
ao investimento do ego, sempre que falava sobre narcisismo. Assim, concor-
damos com Edoardo Weiss quando expressa fortes dúvidas quanto a se F r e u d
teria concordado com as novas proposições de H a r t m a n n , Kris e Loewenstein.
Embora se deva admitir que Freud nunca aspirou a ser u m teórico obsessivo,
era, definitivamente, u m impecável observador clínico, constatando-se inva-
riavelmente que, quanto mais se examinam suas descrições clínicas, mais se
fica impressionado por sua veracidade e profundidade. Por conseguinte,
nosso argumento é que a causa dessa contradição interna da teoria do
narcisismo primário não é o emprego descuidado o u a incapacidade de ver
claramente e definir exatamente, mas a pouca vontade de Freud de abandonar
o u modificar as observações clínicas, em favor de uma teoria bem organizada.
O motivo pelo qual sempre e invariavelmente voltava ao investimento do ego
A F A L H A BÁSICA 41

pela libido, ao falar sobre o narcisismo, simplesmente é porque é isso é o que


pode ser observado; tudo o mais é especulação, plausível o u falsa, mas não u m
fato clinicamente observável (2).

NOTAS

1. Expressamos nossos agradecimentos pelo privilégio de haver lido esta nota no original, antes
de sua publicação no Standard Edition, Volume XIX.
2. É possível também que a ideia de narcisismo primário tenha sido uma tentativa de resolver um
conflito psicológico. Em inúmeras ocasiões, Freud mencionou seu imenso apego à sua mãe —
o tipo de escolha objetal de apoio. Também sabemos de seu profundo apego aos homens, uma
corrente poderosa durante toda a sua vida, que certamente já tinha se iniciado aos 2 anos com
seu sobrinho, John, ou mesmo mais cedo — um tipo narcísico de escolha objetal. Há muitas
indicações na vida de Freud, entre elas seu longo noivado e casamento tardio, que demonstram
que encontrava consideráveis dificuldades quando procurava encontrar uma solução satisfatória
para seu conflito. Poderíamos pensar que a teoria do narcisismo primário, além de seu valor
científico, também tenha servido à finalidade adicional de esconder esses dois trabalhosos
conflitos, erigindo no lugar assim vago uma estrutura teórica tranquilizadora e sem conflitos,
pelo menos, para seu criador.
CAPÍTULO 9

Fatos Clínicos sobre o


Narcisismo

^ ^ A M O S acompanhar Freud, que avisa, em seu trabalho "Sobre o Narcisismo",


que ideias especulativas ou teóricas "não são o fundamento científico sobre o
qual tudo se apoia; tal fundamento é unicamente a observação. As ideias não
são a base mas o topo de toda a estrutura, podendo ser substituídas o u
descartadas sem ser danificadas" ("Sobre o Narcisismo", Standard Edition, XIV).
D e acordo c o m essa recomendação, examinemos as observações clínicas,
utilizadas por Freud para comprovar a existência do narcisismo, nesse trabalho
de 1914. O s defensores da teoria dirão, em primeiro lugar, como fez Freud, que
as observações clínicas não podem provar nem negar o narcisismo primário,
pois ele é apenas u m a teoria; depois, como fez Freud, fornecerão as observações
clínicas para tornar a teoria aceitável. Neste capítulo, nossa intenção é demons-
trar que as observações sobre as quais Freud — e depois os teóricos — baseou
a hipótese do narcisismo primário só comprovam a existência d o narcisismo
secundário. Pode-se ligar a elas uma teoria do Narcisismo primário, mas esta
não decorre delas.
Freud enumerou, em seu trabalho "Sobre o Narcisismo", cinco aspectos
clínicos sobre os quais baseou a teoria do narcisismo — e m b o r a , na realidade,
tenha utilizado oito, em seu argumento. Menciona, em primeiro lugar, o estudo
da esquizofrenia e d a homossexualidade, continuando: "Outros meios de
abordagem... através dos quais podemos obter u m maior conhecimento d o

42
A F A L H A BÁSICA 43

narcisismo" são "o estudo das doenças orgânicas, da hipocondria e da vida


erótica sexual" (op. cit.). Os demais aspectos não mencionados, mas utilizados
no argumento são: (1) as diversas — psicóticas o u normais — superavaliações
do self e do objeto, (2) o sono e (3) as observações de crianças e bebés. Não há
dúvida de que, nos casos de doenças orgânicas o u hipocondria, devemos lidar
com o narcisismo secundário, isto é, com a libido retirada dos objetos, mas o que
ocorre com as demais observações clínicas?
Gostaria de iniciar minha discussão com as observações referentes à
homossexualidade e à vida erótica sexual. Depois de mencionar sua teoria do
"encontro de u m objeto", em os Três ensaios, Freud continua: "Todavia, junto
com esse tipo e fonte de escolha objetal, que pode ser chamada "de apoio",
"anaclítica" o u "de apego", a pesquisa psicanalítica revelou u m segundo tipo, que
não esperávamos encontrar. Descobrimos, especialmente deforma bastante clara,
em pessoas cujo desenvolvimento líbidinal sofrera algum distúrbio, como as perverti-
das e as homossexuais, que, em sua última escolha de amor objetal, tomavam
como modelo não a mãe, mas elas próprias". Ele considera isso como o tipo
narcísico de escolha objetal, concluindo o parágrafo: " C o m essa observação,
encontramos o principal motivo pelo qual fomos levados a adotar a hipótese do
narcisismo" (Standard Edition, XIV. O grifo é nosso).
Q u e forma de narcisismo Freud considera, nesse caso? A frase que
destacamos sugere ser a do narcisismo secundário. E, de acordo com essa
presunção, Freud, ao descrever o tipo de apoio, faz referência u m desenvolvi-
mento que poderia ser chamado de normal, enquanto que, para descrever o tipo
narcísico, precisa utilizar condições muito patológicas. Aceitando-se o narcisismo
primário como u m estágio do desenvolvimento normal, é bastante estranho
que não pareça derivar dele nenhum tipo normal.
Mais u m argumento para nossa tese de que o tipo narcísico de escolha
objetal depende do narcisismo secundário e não do primário, é encontrado na
passagem histórica, na qual Freud utiliza pela primeira vez, em 1910, em seus
trabalhos, o termo "narcisismo", em uma nota de rodapé acrescentada a Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade: "... E m todos os casos que examinamos,
constatamos que os futuros invertidos, durante os primeiros anos da infância,
passaram por u m a fase de fixação muito intensa, mas passageira, por u m a
mulher (geralmente sua mãe) e que, depois de deixá-la de lado, identificaram-
se com u m a mulher, tomando a si próprios como objeto sexual. Isso é, continu-
aram sobre u m a base narcisista, buscando u m homem jovem, parecido c o m
eles, a quem eles pudessem amar como suas mães os amaram" (Standard Edition,
VII. Grifos no original). Mais uma vez, esta é u m a afirmativa verdadeiramente
categórica. Ademais, baseia-se em observações clínicas, que p o d e m ser confir-
madas por qualquer pessoa que tenha analisado homossexuais, constituindo
provavelmente u m dos mais fortes argumentos a respeito da natureza secun-
dária do tipo narcísico de escolha objetal.
44 MICHAEL BALINT

M a s existe u m outro grupo de observações clínicas que, mesmo não


mencionado explicitamente na enumeração, é utilizado por F r e u d para com-
provar a existência do narcisismo; esse grupo compreende todos os tipos de
supervalorizações não realistas, desde a megalomania psicótica, passando pela
supervalorização de si mesmo o u de seus objetos de amor, até a idealização. É
evidente que, em todos os casos de supervalorização de u m objeto externo, o
primeiro investimento é pela libido objetal, o qual, em u m segundo passo, pode
ser reforçado pela libido narcisista—mas, certamente, este não é u m argumento
prima fade para o narcisismo primário; o caso de natureza secundária do
narcisismo, utilizado na megalomania psicótica, é ainda mais intenso. D o
mesmo m o d o , é fácil demonstrar que a formação do ideal do ego o u , de fato,
de qualquer idealização, depende do narcisismo secundário (1). Qualquer ideal
começa peia internalização de algo derivado e modelado sobre objetos externos,
em geral sobre as figuras parentais. Tal construção é chamada de introjeção e
não podemos deixar de admitir que só p o d e m ser introjetados objetos externos
importantes, isto é, intensamente investidos pela libido.
A supervalorização de si próprio, observada entre os povos primitivos e
as crianças, que é habitualmente chamada, em teoria analítica, de "onipotência",
está intimamente ligada ao fenómeno de idealização. Algumas vezes, essa
expressão é atenuada, de forma explícita, por adjetivos como "ilusória" o u
"alucinatória", mas o significado está sempre e invariavelmente implicado,
quando se utiliza o termo "onipotência" o que, por si só, sugere que essa
comprovada observação clínica seja de natureza secundária, isto é, subsequente
à frustração. Além do que, se forem analisados adultos o u mesmo crianças que
exibam u m a atitude onipotente, essa onipotência invariavelmente revela-se
como sendo u m a tentativa desesperada de se defender contra u m a sensação
avassaladora de impotência. Até onde sabemos, os dados antropológicos a
respeito dos povos primitivos estão de acordo com essa explicação. Outrossim,
como nossas ideias a respeito da onipotência infantil basearam-se principal-
mente em extrapolações de fatos observados em adultos e crianças mais velhas,
julgo que não p o d e m ser utilizadas sem mais provas para a existência do
narcisismo primário, mas sim para a do narcisismo secundário.
O próximo fenómeno clínico, utilizado por Freud para provar a existência
do narcisismo, é o sono que, é de se notar, não incluiu na enumeração acima
citada; mencionou-o — quase como uma reflexão tardia — no final de sua
discussão a respeito das mudanças na distribuição da libido, durante as doenças
orgânicas, quando diz: "Temos, em ambos os estados, sem nada mais, exemplos
de mudanças da distribuição da libido, decorrentes da mudança do ego"
(Standard Edition, XIV). Essa impecável descrição clínica sugere que tais
estados narcísicos são de natureza secundária.
Indubitavelmente, o sono, tanto do ponto de vista biológico como do
psicológico, apresenta alguns aspectos bastante primitivos. Conseqúentemen-
A F A L H A BÁSICA 45

te, já a partir da Interpretação dos sonhos, o sono tem sido uma das mais citadas
instâncias de regressão, tendo-se muitas vezes questionado se o sono, sobretudo
o sono profundo sem sonhos, pode ser considerado como uma das maiores
aproximações, no indivíduo normal, do hipotético estado de narcisismo primário,
sendo o outro exemplo o estado fetal pré-natal. Freud, Ferenczi e muitos outros
observaram que esses dois estados apresentam tantos aspectos semelhantes que,
reunidos, poderiam constituir u m argumento da maior importância.
Embora ninguém possa contestar a natureza regressiva do sono, é preciso
indagar de que ponto de fixação a pessoa adormecida tenta se aproximar? U m a
resposta seria que é do narcisismo primário, mas, será essa a única possibilida-
de? Nossa resposta é citar, de u m dos livros mais interessantes e estimulantes,
mas infelizmente negligenciado e quase esquecido, o primeiro parágrafo do
capítulo intitulado " O Coito e o Sono": "Quanto ao longo alcance da analogia
entre os esforços realizados no coito e no sono, que, com tanta frequência temos
insistido em referir, não podemos deixar de examinar u m pouco mais intima-
mente essas duas adaptações biológicas tão significativas, suas semelhanças e
diferenças. E m Fases do desenvolvimento do sentido de realidade, o primeiro sono do
recém-nascido — para o qual contribuem o cuidadoso isolamento e o cálido
enfaixamento pela mãe o u enfermeira — foi descrito como uma réplica do
estado intra-uterino. A criança, assustada e chorosa, abalada pela experiência
traumática do parto, logo é embalada nesse estado de sono, que cria nela u m a
sensação — por u m lado, com base na realidade, e por outro, alucinatória, isto
é, ilusória — de que aquele tremendo choque não ocorrera. Freud, em
(Conferências introdutórias sobre a psicanálise) tinha, de fato, dito que, falando
estritamente, o ser humano não nasceu completamente; não nasceu completa-
mente porque, ao ir todas as noites para a cama, gasta metade de sua vida como
se estivesse no útero materno" (Ferenczi, 1924).
Aparentemente, o orgasmo do coito e o fato de adormecer só p o d e m ser
atingidos se for possível estabelecer, entre o indivíduo e seu entorno, u m estado
de "harmonia" o u , pelo menos, de paz. U m a das condições para esse estado de
paz é que o entorno aceite o papel de proteger o indivíduo de qualquer
estimulação perturbadora externa, não lhe infligindo n e n h u m tipo de estímulo
excitante o u perturbador. C o m isso concorda o achado clínico de que u m dos
primeiros sintomas de insatisfação sexual é a insónia. Assim, o ponto ao qual tenta
chegar a pessoa adormecida, em sua regressão, talvez seja, não o do narcisismo
primário, mas o de uma espécie de estado primitivo de paz com o entorno, no qual
— para utilizar uma frase moderna — o entorno "sustenta" o indivíduo.
Indicaremos mais u m autor, da literatura muito rica sobre o sono, M a r k
Kanzer (1955), cujas observações são relevantes para o tópico que estamos
abordando. Segundo ele "Adormecer não é apenas uma regressão narcísica... o
adormecido não está verdadeiramente sozinho, mas "dorme com" seu objeto
b o m introjetado. Isso é demonstrado pelos hábitos dos adormecidos — as
46 MICHAEL BALINT

demandas físicas da criança pelos pais, do adulto pelo parceiro sexual e do


neurótico por luzes, brinquedos e rituais — como condições preliminares ao
sono". Outras medidas introjetivas dos adultos, enumeradas por Kanzer são:
comer, beber, tomar pílulas ou banho; das crianças: pedidos para embalar o u
cantigas de ninar. Evidentemente, pode-se comparar a tela de sonho de Bertram
L e w i n ao parceiro de sonho. Kanzer afirma: " O sono não é u m fenómeno de
narcisismo primário, é do secundário, pelo menos após a primeira infância, e o
adormecido partilha seu sono com u m objeto introjetado".
Assim, o sono, que parecia ser u m argumento tão forte, tornou-se bastante
duvidoso, para demonstrar a existência do narcisismo primário. N a verdade, o
indivíduo, quando tenta adormecer, retira-se do m u n d o dos objetos e, aparen-
temente, fica sozinho. Esse recolhimento e solidão, que foram interpretados
como narcisismo, revelaram, a u m exame mais aprimorado, que a verdadeira
intenção do adormecido é fugir às pressões das relações comuns, para recapturar
u m a forma de relação mais primitiva e satisfatória com os objetos, cujos
interesses são idênticos aos seus. São exemplos de tais objetos: camas confortá-
veis, travesseiros, casas, quartos, livros, flores, brinquedos e objetos transicionais
(Winnicott, 1951), etc. Evidentemente, são representantes o u símbolos de
objetos internos que, por sua vez, derivam de contatos precoces com o entorno,
alimentos satisfatórios, lençóis quentes e macios, sustentação segura o u o colo
da mãe, embalo" e cantigas de ninar, etc. Tais observações demonstram que a
regressão do adormecido é para aquele m u n d o e não para o do narcisismo
primário, no qual não há entorno com o qual se relacionar.

NOTA

(1) Cf. também O ego e o id, capítulo HL


CAPÍTULO 10

Esquizofrenia, Toxicomania e
outras Condições Narcísicas

A
1 X P E N U L T I M A observação clínica utilizada por Freud para justificar a
introdução do narcisismo foi a regressão esquizofrénica. Todos concordam que
os esquizofrénicos retiram seu interesse do m u n d o externo — o u , de alguma
forma, é essa a impressão que dão. Já indicamos que, ao discutir a dinâmica das
regressões esquizofrénicas, invariavelmente Freud começava assim: " A libido,
que é liberada pela frustração, não permanece apegada aos objetos fantasmáticos,
mas retorna para o ego" (Standard Edition, XIV). Essa forma se repete sempre
que F r e u d aborda o problema da esquizofrenia. N o entanto, somente alguns
anos depois da publicação sobre o narcisismo, passou a aparecer outra sentença
que, até então, não era mencionada junto com a anterior. E m Conferências
introdutórias sobre psicanálise, Freud discute os pontos de fixação aos quais as
várias neuroses regridem, afirmando que a esquizofrenia é "provavelmente...
o estágio do narcisismo primitivo, para o qual retorna, em seu estágio final, a
demência precoce" (Standard Edition, XVI). E uma afirmativa teórica e, além do
mais, sofrendo de todas as contradições existentes na teoria do narcisismo
primário. M a s quais observações clinicas?
As opiniões divergem se os esquizofrénicos p o d e m o u não ser curados de
forma radical pela psicanálise, mas há u m consenso geral de que estão longe de
serem inacessíveis a ela. Por outro lado, a técnica normal, isto é, a técnica
analítica padrão, modificou-se consideravelmente para se tornar aplicável ao

47
48 MICHAEL BALINT

seu tratamento. Expressa em termos teóricos, essa comprovada experiência clínica


significa que (a) a impressão de que os esquizofrénicos se retiram do m u n d o
externo é verdadeira apenas em parte; eles se retiram do mundo da normalidade
— isto é, das relações triangulares ou edípicas—mas (b) são capazes de outro tipo
de relação, que as modificações da técnica permitem observar.
De momento, não podemos revisar a rica literatura sobre o assunto, basta
dizer que esse tipo de relação — o u técnica — exige muito mais do analista do
que a técnica padrão. Isso não quer dizer que o analista precisa satisfazer, de
imediato e incondicionalmente, todas as necessidades do paciente, mas deve ser
capaz de demonstrar que pode compreendê-lo, trabalhando em " h a r m o n i a " ,
e m "sintonia" com ele.
De passagem, isso se aplica a todos os pacientes regressivos, não só aos
esquizofrénicos. Todos eles parecem ser muito sensíveis aos humores do
analista, e quanto mais regressivo estiver o paciente, mais sensível se torna; o
que muitas vezes u m paciente normal o u neurótico sequer percebe, em geral
afeta o u , mais corretamente, perturba profundamente o paciente regressivo.
Para evitar essa perturbação, o analista deve estar em "sintonia" com seu
paciente. Enquanto puder fazer isso, o trabalho analítico continuará avançando
constantemente, de forma comparável a u m crescimento sustentado; mas se
não puder permanecer "sintonizado", o paciente irá reagir com angústia,
sintomas agressivos muito ruidosos o u com desespero.
Essa harmonia o u sintonia deve incluir toda a vida do paciente regressivo,
não apenas sua relação com o analista. E da natureza da situação analítica que
essa harmonia seja mantida apenas durante períodos curtos; de tempos em
tempos, o analista precisa se desligar do paciente, para rever a situação
"objetivamente", e, talvez, até mesmo, fornecer uma bem fundamentada
interpretação. E m geral, tais pacientes p o d e m manter relações apenas por
curtos períodos com u m objeto externo real, devendo esses períodos ser
reservados ao trabalho analítico. Se o entorno, isto é, a vida diária, exigir demais
do paciente, grande parte de sua libido disponível será retirada, não restando
o suficiente para a análise. Devem-se a isso as demandas, algumas vezes
excessivas, feitas pelos analistas encarregados desse tipo de pacientes, de que
o entorno deve "concordar" completamente com o paciente, "sustentá-lo", para
que o paciente possa concentrar toda a libido restante em uma relação —
terapêutica — mais definitiva com o analista.
Depois de compreendida a importância dessa condição, é possível enten-
der por que tantos relatos sobre o tratamento de esquizofrénicos terminam com
melancólicas passagens como estas: "Nesse ponto, devido a circunstâncias
externas, o tratamento teve de ser interrompido" o u "Infelizmente, os parentes
intervieram e o tratamento teve de ser suspenso", entre outras.
U m aspecto teórico dessa condição de harmonia é a noção da "mãe
esquizofrenizante", isto é, da mãe que não consegue estar em harmonia com o
A F A L H A BÁSICA 49

filho. U m sábio e experimentado clínico (Hill, 1955) escreve: "Essas mães a m a m


os filhos, que ficam esquizofrénicos, não só excessiva, mas condicionalmente.
O que a criança não consegue encontrar é a condição para seu amor... Essas
mães só vêem a camada externa normal do filho, sendo inacessíveis a quaisquer
impressões, como as vindas de dentro dele". U m a descrição clínica muito
interessante a respeito da importância do entorno harmonioso, para o trata-
mento do esquizofrénico, está contida em u m livro de Stanton e Schwarz (1954),
no qual é demonstrado, de forma convincente, que qualquer desarmonia do
entorno, isto é, entre os vários membros da equipe envolvida no tratamento de
qualquer paciente, conduz a u m a deterioração de sua condição.
Parece então que a bem fundamentada observação clínica da retirada
esquizofrénica não pode ser utilizada como prova de u m estado narcísico
primário. De fato, seria mais correto dizer que o esquizofrénico possui u m laço
mais mtimo e é muito mais dependente de seu entorno do que o " n o r m a l " o u
o "neurótico". N a verdade, u m a observação superficial de sua conduta não
consegue revelar esse laço íntimo e dependência desesperada; pelo contrário,
deixa a impressão de retirada e de falta de qualquer contato. A esse respeito, a
regressão esquizofrénica pode ser a contrapartida da fase infantil o u fetal, na
qual também encontramos exatamente as mesmas condições: a aparência
externa o u a independência narcísica de desinteresse pelo m u n d o externo, de
contatos fugazes e aparentemente sem importância com objetos parciais,
demonstradas pela pesquisa moderna, como a de R. Spitz (1946), sobre os efeitos
da privação precoce, apenas escondem levemente uma desesperada dependên-
cia e u m a grande necessidade de "harmonia". Esse tópico será retomado no
próximo capítulo e, também, nas partes III e V .
Discutidas as curiosas contradições da atitude dos esquizofrénicos para
com o entorno, devemos acrescentar que isso é apenas u m a forma exagerada
da atitude observada nas pessoas geralmente chamadas de narcisistas. Embora
seu interesse esteja centrado em seu ego — o u em seu self, para utilizar o termo
de H a r t m a n n — e embora tenham, aparentemente, muito pouco amor a dar às
pessoas, não são n e m seguras, nem independentes, mas também não p o d e m ser
descritas como estáveis, controladas o u auto-suficientes. E m geral, são altamen-
te sensíveis a qualquer falta do entorno em tratá-las como esperam ser tratadas;
facilmente sentem-se feridas e ofendidas por ofensas que dificilmente parecem
realmente existir. Ademais, esses narcisistas, na vida real, dificilmente são
capazes de viver sozinhos. Via de regra, vivem com seu duplos, no padrão dos
famosos pares, como Fausto e Mefistófeles, D o n Quixote e Sancho Pança, D o n
Juan e Leporello, e tantos outros. E m todos esses casos — como já foi muitas
vezes apresentado na literatura analítica, de Otto Rank (1924) a Helene Deutsch
(1937) —, o parceiro pouco glamouroso e não narcísico, capaz de amor objetal,
é o único realmente independente e capaz de lidar com as vicissitudes do
cotidiano; é o parceiro, sem cuja ajuda e dedicação o encantador e aparente-
50 MICHAEL BALINT

mente independente herói narcísico pereceria miseravelmente. C o m bastante


frequência, na vida real, o parceiro sem encantos é a mãe do herói narcísico.
Assim, chegamos à conclusão de que o homem o u mulher realmente
narcísico é, na verdade, apenas u m fingido. São desesperadamente dependen-
tes de seu entorno e seu narcisismo só pode ser preservado se o entorno quiser
ou for forçado a cuidar deles. E m geral, isso é verdade, desde o maior ditador
até o mais h u m i l d e catatônico.
U m a boa oportunidade para observar as mudanças da relação objetal
adulta para a narcisista e, depois, para o tipo de relação primitiva e seu retorno,
em u m a sucessão bastante rápida, nos é fornecida pela análise dos alcoolistas, I
sobretudo dos bebedores periódicos. Suas relações objetais, mesmo que habi-
tualmente bastante intensas, são vacilantes e instáveis. Consequentemente,
essas pessoas se desequilibram com facilidade, sendo a causa mais c o m u m u m
choque de interesses entre elas e u m de seus importantes objetos de amor. Esse
choque parece de imediato tão esmagador, que se sentem completamente
incapazes de remediar a situação, fazendo com que então retirem praticamente
toda a libido objetal; nada mais interessa, apenas seu narcisismo; por u m lado,
sentem-se como o centro de toda a atenção, tanto amistosa quanto hostil e, por
outro, completamente miseráveis e desamparadas.
Habitualmente, é neste estado que começam a beber — embora possam
existir outras causas precipitantes. Porém, seja qual for a causa, o primeiro
efeito da intoxicação é, invariavelmente, o estabelecimento de u m a sensação
de que tudo está bem entre elas e seu entorno. E m nossa experiência, o anseio
por essa sensação de "harmonia" é a causa mais importante de alcoolismo o u
de qualquer forma de toxicomania. Nesse ponto, começam vários tipos de
processos secundários que ameaçam a "harmonia", e o alcoolista, em seu
desespero, cada vez bebe mais, para conservá-la o u , de alguma forma, salvar
alguma coisa dela.
O aspecto mais importante desse estado de harmonia que cerca o bebedor
intoxicado é que não há pessoas ou objetos de amor o u de ódio, em especial,
n e m pessoas o u objetos exigentes. A harmonia só é mantida enquanto o bebedor
conseguir manter-se livre de tudo e de todos aqueles que possam exigir algo
dele; muitos bebedores periódicos se encerram e bebem sozinhos, o u fogem de
seu m u n d o familiar de objetos e pessoas, indo para u m ambiente com qual não
tenham tido n e n h u m contato anterior, para que nada lhes possa ser exigido ao
menos com envolvimento libidinal. (Uma impressionante compreensão desses
dois mundos — o normal com compromissos libidinais e o do bêbedo, com
apenas investimentos fugazes—foi apresentada no filme de C h a p l i n "Luzes da
Cidade"). A s pessoas, neste novo m u n d o , são toleradas enquanto forem
simpáticas e amistosas; a mais leve crítica o u choque de interesses irá provocar
reações violentas de sua parte, devidas à sua desesperada necessidade de conservar
a harmonia com o mundo criado pelo álcool.
A F A L H A BÁSICA 51

É pertinente com nosso problema u m outro grupo de observações clínicas.


E a atmosfera analítica aparentemente necessária para o tratamento de deter-
minados pacientes difíceis. A dificuldade pode ser causada pela regressão do
paciente, por seu intenso narcisismo, pela natureza de sua doença o u pela
composição de seu caráter. E m geral, essas pessoas são caracterizadas, na
literatura analítica por alguns adjetivos como "profundamente perturbados".
Foi com tais pacientes que, pela primeira vez, reconhecmos a existência de
relações primitivas com o entorno. Entretanto, pode-se argumentar que,
embora nossas descrições correspondam a certos fenómenos do tratamento,
estes foram causados não apenas pelo paciente, mas também por nossa técnica.
A d m i t i n d o essas críticas, citaremos as descrições de u m analista que,
indubitavelmente, utiliza a técnica clássica: Phyllis Greenacre (1953). Ela escre-
ve: "Preciso indicar os meios através dos quais acredito que se possa tratar,
durante a análise, esse excesso de narcisismo e angústia — meios que precisam
ser utilizados, para que se possa desenvolver u m a análise "regular", que lide
principalmente com distúrbios do desenvolvimento libidinal. Certamente,
nesses casos, o excesso de narcisismo é u m problema realmente assustador para
o analista. Porém, sou levada a pensar que o narcisismo pode ser suficientemen-
te educado e se isso for feito com cuidado, permitirá que o paciente suporte a
dor da análise, desde que, ao mesmo tempo, seja dada a devida atenção à
angústia cega, que é a pedra angular de sua estrutura insegura de caráter".
Q u a n d o essa passagem é comparada à minha descrição das necessidades de u m
paciente esquizofrénico em estado regressivo, torna-se evidente que falamos a
respeito de u m a mesma experiência clínica.
A o discutir a respeito de pacientes que entram em pânico na análise,
Greenacre diz: " E extremamente importante, nos primeiros estágios, conseguir
uma cooperação compreensiva das pessoas que estão próximas ao paciente,
durante a maior parte das restantes 23 horas do dia, no hospital ou em casa; grande
parte do obtido, durante a sessão terapêutica, pode ser perdido com parentes ou
amigos hostis, solícitos ou demasiado ativos" (op. cit). Evidentemente, não diríamos
outra coisa.
Mais adiante (ov. cit), Greenacre aparentemente compara o que chama de "a
educação do narcisismo" com o reforço do ego. Nada temos a corrigir nessa
descrição, porém, gostaríamos de destacar que o método por ela defendido
recomenda que, para começar, o analista deva estar "sintonizado" o mais possível
com o paciente, para depois, gradual e cuidadosamente, tentar se desviar para u m
objeto normal, isto é, para u m que possa fazer demandas. Naturalmente, estar
"sintonizado" nem sempre significa que, de início, o analista deva satisfazer
automaticamente as vontades, desejos e necessidades do paciente, mas sim,
definitivamente, que o analista deva honestamente esforçar-se para que ele e seu
paciente estejam o mais próximo possível, em uma relação semelhante à que
chamamos de "mistura harmoniosa", discutida com mais detalhes no Capítulo 12.
52 M I C H A E L BALINT

Queremos ainda acrescentar uma importante cláusula. A descrição dos


fenómenos clinicamente observáveis, feita por Greenacre, bem como suas reco-
mendações terapêuticas, poderiam ser usadas como estão, isto é, sem nada mudar,
como ilustrações de eventos pertencentes à área da falha básica, descritos na Parte
I. Neles, há uma relação exclusivamente bipessoal, com a exigência absoluta de que
u m dos parceiros — o analista — esteja todo o tempo em "sintonia" com o outro
— o paciente —, a falta de conflito, a relativa pouca importância das formas
costumeiras de interpretação, etc. Esperamos que o estudo do quadro clínico dos
transtornos narcísicos, de sua metapsicologia e, acima de tudo, de sua terapia,
alcancem u m considerável progresso, se forem abordados à luz da teoria da falha
básica. U m a tentativa dessa ordem será feita nas partes III e V .
A importância dessa nova abordagem poderá ser demonstrada em u m
trabalho recente e excelente de W . G. Joffe e Joseph Sandler (1965), "Disorders of
Narcissism", que ignora todas as críticas contra a teoria do narcisismo primário. Sua
principal preocupação é demonstrar que, para a compreensão do narcisismo e seus
transtornos, além da gratificação (em alemão Befriedigung — literalmente "pacifi-
cação") das pulsões, também devem ser considerados em conta os "desvios de u m
estado ideal de bem-estar... em seus aspectos afetivos e ideativos". Esse "estado
ideal de bem-estar", como será discutido no Capítulo 12, é a meta final do amor
primário e, de fato, de todo o esforço humano, e qualquer alteração intensa em suas
primeiras fases conduz ao estabelecimento de uma falha básica específica. A o
deixar de examinar a estrutura dinâmica deste "estado ideal de bem-estar", os
autores deixam de reconhecer sua natureza de relação objetal, igualando-a, sem
mais provas, ao narcisismo primário. De outra forma, embora não o afirme
explicitamente, sua discussão refere-se apenas a fenómenos da área do narcisismo
secundário; por conseguinte, devemos apenas dizer que concordamos com
praticamente todas as suas conclusões.
O fundamental do que foi encontrado nesta seção é que os esquizofrénicos
— ao contrário das expectativas teóricas — são capazes, mesmo em seus estados
mais regressivos, de responder ao seu entorno, sendo, pois, acessíveis à terapia
analítica. Entretanto, a resposta é ténue e precária, devido à sua constrangedora
necessidade de uma relação "harmoniosa". Sugerimos que sua retirada narcisista
é secundária, subsequente à frustração. Os demais estados abordados sucintamen-
te nesta seção — os alcoólicos e os pacientes "profundamente perturbados" ou
"narcisistas" — apresentam o mesmo quadro; há, em todos eles, a mesma
necessidade primitiva de harmonia, a frustração devido às exigentes demandas do
parceiro em geral e do analista em particular, bem como a retirada para o
narcisismo secundário.
CAPÍTULO 11

Estados Pré-Natais e Pós-Natais


Precoces

\ S EPOIS de revisar os aspectos clínicos utilizados por Freud para apoiar a


introdução d o narcisismo, concluímos que, à exceção de dois, todos os demais
são casos b e m claros de narcisismo secundário. Encontramos apenas dois
fenómenos que não podem ser explicados puramente com base no narcisismo
secundário: os estados regressivos da esquizofrenia e do sono profundo sem
sonhos; mesmo assim, nessas duas instâncias, parece que o ponto de fixação, ao
qual tende a regressão, não seria necessariamente o narcisismo primário, mas
uma forma muito primitiva de relação, na qual foi intensamente investido u m
entorno provavelmente indiferenciado.
Porém, não devemos esquecer de que essa dificuldade foi corretamente
prevista p o r Freud, o clínico, que já tinha afirmado, em 1914: " O narcisismo
primário das crianças, que previmos e que constitui u m dos postulados de
nossas teorias da libido, é menos fácil de apreender pela observação direta d o
que confirmar por inferências de outra origem (Standard Edition, XIV. Grifos
nossos). U m quadro convincente do estado de mente de Freud é que o teórico
é otimista e prossegue e m suas construções, enquanto que o clínico é, pelo
menos, cauteloso, quando não cético.
Ademais, nessa passagem, Freud fala sobre o narcisismo primário das
crianças, enquanto que a teoria psicanalítica nos força a considerar o narcisismo
primário no estado pré-natal. Essa tendência à antecipação está muito generaliza-

53
54 M I C H A E L BALINT

da na teoria analítica: se uma hipótese não for compatível com a observação


clínica, em vez de rejeitá-la como insustentável o u de reexaminá-la, é antecipa-
da, passando a referir-se a fases ainda mais precoces do desenvolvimento, tão
precoces que escapam a uma observação clínica.
Para simplificar, discutiremos principalmente as ideias de Phyllis Greenacre
relativas a esse tópico, o que se explica, pois é u m a autoridade reconhecida na
área, tendo abordado extensamente este tópico em seu livro Trauma, Growth and
Personality (1953). Embora nem todas as ideias debatidas nesta seção tenham se
originado dela, citaremos inúmeras delas, sempre que possível usando suas
próprias palavras. Para simplificar, essas ideias serão discutidas em três grupos:
(1) as relacionadas à vida fetal propriamente dita, (2) as relacionadas às
mudanças provocadas pelo nascimento e (3) as relacionadas à fase mais precoce
da vida extra-uterina.
Greenacre afirma de maneira bastante categórica: " D o ponto de vista
biológico, o narcisismo pode ser definido como o componente libidinal do
crescimento" (op. cif. p. 20). De acordo com Freud, então afirma: " O narcisismo
coincide c o m toda a vida... de fato, encontra-se a libido narcisista onde houver
uma centelha de v i d a " ou, mais especificamente: " N o feto, o narcisismo se reduz
à expressão mais simples, estando quase ou completamente desprovido de
conteúdo psíquico" (op. cif., p. 45).
Neste caso, nosso problema reside no fato de que, embora as afirmações
de Greenacre sejam plausíveis, fazendo sentido no todo, continuam a ser
apenas hipóteses, que não p o d e m ser comprovadas o u negadas pela observa-
ção. Ela — e u m grande número de analistas junto com ela — pensa que
afirmativas desse tipo são extrapolações justificáveis de diversas observações
clínicas e biológicas, mesmo que, sem dúvida, concorde que temos apenas vagas
opiniões e ideias, mas não fatos seguros a respeito da distribuição da libido na
vida intra-uterina, a respeito do "componente libidinal do crescimento" o u do
"narcisismo totalmente desprovido de conteúdo psíquico". Sabemos que não é
muito justo, para u m autor, separar as frases de seu contexto, mas devemos
admitir que não é justo, para o leitor, que se utilizem frases deste tipo, sem
afirmar inequivocamente que não pretendem descrever achados clínicos,
sendo meras especulações.
E m seu livro, Greenacre fornece u m a excelente descrição das imagens
utilizadas pelas pessoas para expressar suas sensações o u , possivelmente,
"memórias" do nascimento, que pode ter sido percebido como, pòr exemplo,
" u m a ponte entre u m modo e outro de existência", " u m quiasma", " u m hiato",
" u m a espécie de escurecimento muito parecido com a morte", etc. (op. cit., p p .
20-21). \\
Greenacre conclui que a experiência do nascimento provavelmente
compreende todas essas fantasias como fatores sobredeterminàntes, porém
talvez sua característica mais fundamental seja-a.de uma precipitada, mas bem
A F A L H A BÁSICA 55

concluída, mudança de u m modo de vida para outro. Escreve: "Só posso pensar
que a parte principal da economia da libido narcisista fetal, que ocorre ao
nascimento, é justamente uma transição entre a quase completa dependência
da vida intra-uterina para o início da individuação, pelo menos para a
semidependência fora do corpo da mãe, em vez da completa dependência de
dentro" (op. cit., p. 45).
Repete o que Freud tinha dito, o u seja, que, durante o nascimento, as
experiências parecem organizar o padrão de angústia do indivíduo, acrescen-
tando que " C o m o o estabelecimento do padrão de angústia é u m a proteção
contra o perigo, a organização do narcisismo constitui u m instrumento positivo
de ataque, u m a pulsão agressiva propulsiva" (op. cit., p. 19).
Todas essas descrições podem ser interpretadas — com u m pouco de
dificuldade — como possíveis indicadores de u m estado de narcisismo primá-
rio, e é assim que Greenacre as utiliza. N o entanto, em minha opinião, p o d e m
ser interpretadas — sem muito esforço — mais como fortes argumentos para a
hipótese de u m a interação precoce e intensa entre o feto-bebê e seu entorno.
Nascer significa uma súbita interrupção de uma até então gratificante relação
com u m ambiente no qual, é verdade, ainda não há objetos, que é u m a espécie
de "oceano" não estruturado. Devemos voltar agora a essa sequência de ideias.
Voltando ao livro de Greenacre, tivemos de omitir muitas observações
clínicas interessantes a respeito da conexão do trauma do nascimento—presumi-
do o u real — com a sintomatologia desenvolvida na vida adulta, porque fogem
bastante de nosso escopo. Por outro lado, devemos destacar que todas as descrições
clínicas fornecidas por Greenacre, referentes aos efeitos dos eventos pós-natais,
podem ser tomadas como argumentos para a natureza secundária do narcisismo
e subsequentes à frustração pelo entorno. Para demonstrá-lo, citamos u m a
passagem de seu trabalho, "Pre-genital Patterning" (1952): "Voltando à questão do
aumento do narcisismo primário devido à precoce e repetida superestimulação do
bebé, tal aumento implica u m prolongamento e uma maior intensidade da
tendência à identificação primária, como observado, e uma alteração do desenvol-
vimento do sentido de realidade, combinada com o aumento da capacidade de
resposta e registro corporais do estímulo".
Frequentemente, a primeira infância é descrita como u m estado
indiferenciado, no qual ainda não há limites entre o indivíduo e o entorno —
u m a ideia aceitável, que será mais debatida no capítulo 12. Outra descrição,
alternativa o u paralela, afirma que a primeira infância é a fase do narcisismo
primário e da identificação primária, que é, mais tarde, definida algumas vezes
como u m aspecto funcional do narcisismo primário. Poderia apontar que, desde
que a palavra "identificação" conserve seu significado normal, há u m a contra-
dição lógica em aceitar a coexistência desses dois estados. C o m o foi acima
mencionado, Freud tinha plena consciência desse fato, que discutiu no capítulo
3 de O ego e o id. Qualquer identificação — no sentido habitual — significa u m a
56 MICHAEL BALINT

mudança do ego, pela influência de algum objeto externo o u de alguma parte


d o entorno, que tenha sido antes investida intensamente. M e s m o a identifica-
ção mais primária é feita com alguma coisa externa ao indivíduo, e, para
provocar u m a mudança no ego, de acordo com algum padrão externo, este deve
significar muito para o indivíduo. Assim, nossa controvérsia reside em que não
pode haver qualquer identificação primária. Todas as identificações devem ser,
per definitionem, secundárias a algum investimento objetal o u ambiental. Portan-
to, segue-se que o narcisismo primário e a identificação primária não p o d e m
existir simultaneamente — se realmente existirem.
O u t r o argumento frequentemente utilizado, para o narcisismo primário,
é que a criança, em seus primeiros dias, não percebe o m u n d o externo. C o m o ,
para ela, ainda não existe o m u n d o externo para investir, ela pode ser
considerada como vivendo no narcisismo primário. Geralmente, é atenuado o
fato de que esse argumento parece estar em conflito com os fatos observados;
a criança satisfeita adormece e, portanto, "afasta-se" da influência do m u n d o o u ,
se acordada, deve-se presumir — como, por exemplo, o faz W . Hoffer (1959) —
"que o entorno-mãe veio em auxílio do narcisismo primário da criança e como
ainda não há ego, não existe a ideia de perigo, angústia o u defesa...". Assim, " é
necessário procurar manter o estado de narcisismo primário, u m equivalente
das qualidades de sustentação da mãe pré-natal".
N o mesmo artigo, Hoffer sugere que Freud deve ter sido influenciado, e m
suas teorias a respeito dos estados precoces, pela forma de cuidado infantil que
prevalecia em seu tempo, isto é, pelo enfaixamento. A s faixas, de acordo com
Hoffer, "agem como u m tegumento narcísico para o ego em desenvolvimento",
isto é, as crianças são protegidas das estimulações externas e, por isso, prova-
velmente são retardadas suas relações objetais. " C o m a remoção das faixas, o
narcisismo primário da criança já estaria prejudicado, evidentemente, não de
fato, mas apenas para o observador que começasse a observar as relações
objetais que encobrem o narcisismo primário", acrescentando: "Imagino... se
não estamos considerando como u m progresso da ciência da psicanálise aquilo
que, de fato, é devido a uma adaptação de nossas teorias às condições (isto é,
às formas de cuidar) atualmente predominantes".
Todos esses argumentos nada mais são d o que fuga da questão. E m
primeiro lugar, decreta-se que há o narcisismo primário e, para conservar não
violado esse decreto, além disso, decreta-se que (a) o entorno-mãe deve
"sustentar" a criança, para proteger o estado de narcisismo primário, (b) a
criança não deve dar-se conta de qualquer modificação nessa "sustentação" e
(c) que qualquer relação observada com o ambiente e qualquer resposta observada
a u m a mudança na "sustentação" (isto é, à falta da faixa) deve ser considerada
como falsa — sem o que toda a estrutura teórica entrará em colapso.
Julgamos que seria muito mais simples aceitar a ideia de que, desde o
começo, existe a relação com o entorno de u m a forma primitiva e que a criança
A F A L H A BÁSICA 57

pode dar-se conta e responder a qualquer mudança considerável nele. C o n t u -


do, isso iria significar, utilizando o argumento de Hoffer, que a teoria do
narcisismo primário tinha se baseado, principalmente, em experiências com
crianças que foram tratadas de forma insensível, como faixas apertadas, rotina
rígida de cuidados, etc, tendo sido, em consequência, forçadas a desenvolver
amplamente, em u m a fase demasiado precoce, o narcisismo secundário, como
resposta à relação perturbada com o entorno.
CAPÍTULO 12

Amor Primário

HIPÓTESE do narcisismo primário—mesmo oferecendo u m a teoria clara,


ordenada e lógica—mergulha-nos em contradições e incertezas insolúveis. E m
nossas considerações teóricas, podemos indicar com facilidade a fonte da libido,
especificamente o i d , mas até agora tem sido impossível definir topologicamente
tanto "o grande reservatório da libido" como o ponto de ancoragem do
narcisismo primário. As diversas descrições fornecidas pelo próprio F r e u d são
contraditórias e inconsistentes e as novas proposições de H a r t m a n n , Kris e
Loewenstein, por u m lado, e por James Strachey, por outro, mesmo resolvendo
alguns problemas, criam novos. Outra contradição insolúvel refere-se à datação:
a relação objetal primária, o auto-erotismo primário e o narcisismo primário
foram descritos por Freud, como sendo, todos eles, a forma mais primitiva e
precoce da relação do indivíduo com seu entorno.
Para situá-los, a teoria analítica apela para u m a comprovada rota de fuga,
a antecipação. Enquanto Freud falava do "narcisismo primário das crianças", a
teoria moderna julgou necessário atribuir o narcisismo primário ao feto. N o
capítulo anterior procuramos mostrar que o obtido com essa tentativa foi u m a
"teoria-valise", na qual se encontra apenas o nela que foi colocado.
Durante todos os 50 anos a partir da introdução do conceito psicanalítico de
narcisismo, não foram descritas novas observações clínicas que comprovem a
existência ou aceitabilidade do narcisismo primário, u m fato histórico altamente

58
A F A L H A BÁSICA 59

sugestivo. Enquanto a literatura sobre o narcisismo primário é escassa, dificilmente


indo além de repetir as várias afirmativas e sugestões feitas por Freud, a do
narcisismo secundário é muito rica e baseada em excelentes observações clínicas.
U m a boa teoria deve ter, pelo menos, algumas das seguintes qualidades: (1)
estar livre de contradições inerentes; e, como vimos, a teoria do narcisismo primário
é falha, a esse respeito, desde o início, tendo fracassado as repetidas tentativas de
remediá-lo. (2) ter uma estrutura estética que permita a integração de observações
desarticuladas, para melhor entendê-las; a teoria do narcisismo primário assim o
pretende mas, como demonstramos nos capítulos anteriores, não o conseguiu. (3)
C o m base em uma teoria, deve-se poder fazer previsões e tirar conclusões ou
inferências capazes de verificação ou refutação; ao que nos é dado saber, a teoria
do narcisismo primário levou apenas a mais especulações teóricas—algumas delas
discutidas acima — que não são passíveis de verificação ou, pelo menos uma vez
— a inacessibilidade do esquizofrénico ao tratamento analítico — comprovou ser
falsa, precisando ser abandonada.
Q u a l é a alternativa? Nossa proposição compõe-se de duas partes. E m
primeiro lugar, seria preciso admitir que a teoria do narcisismo primário compro-
v o u ser autocontraditória e improdutiva, tendo criado mais problemas do que
ajudado a resolvê-los, pois mais de 50 anos de árduo pensamento e observações
críticas não conseguiram resolver suas contradições internas. Consequentemente,
não podemos ver algum ponto no que se prender a ela. Nossa segunda proposição
é que deveriam ser utilizadas experiências clínicas com pacientes para construir
uma nova teoria para substituir a do narcisismo primário, que fosse mais passível
de verificação o u de refutação pela observação direta. Os que conhecem nossos
escritos poderão antecipar que a proposição que apresentamos é uma teoria da
relação primária com o entorno: em suma, o amor primário.
Para evitar mal-entendidos, queremos destacar que chamar nossa teoria de
"amor primário" não significa que pensamos que, na vida do ser humano, não haja
lugar para o sadismo o u para o ódio, ou que eles sejam negligenciáveis. Por outro
lado, consideramos os fenómenos secundários, consequências das inevitáveis
frustrações. A intenção de todos os esforços humanos é estabelecer — o u
provavelmente, restabelecer — uma harmonia envolvente com o entorno, para
poder amar em paz. Enquanto que o sadismo e o ódio parecem ser incompatíveis
com esse desejo, a agressividade — e talvez até mesmo a violência — pode ser
utilizada e mesmo gozada nos estágios imediatamente anteriores ao da desejada
harmonia, mas não durante esse estado. São essas as principais razões que nos
levam a denominar nossa teoria de "amor primário", a fortiori fiat denominatio.
Embora essa teoria tenha levado muitos anos de experiência clínica para
atingir a forma atual — referimos nossas primeiras tentativas de formulações
e m 1932 — a apresentamos, no momento, em favor da concisão, de u m a forma
u m tanto apodítica, ainda mais que foi discutida em alguma extensão em nosso
livro Thrills and Regressions (1959).
60 MICHAEL BALINT

De acordo com a teoria do narcisismo primário, o indivíduo, ao nascer,


tem pouca o u nenhuma relação com seu entorno. Neste m u n d o só existe até o
momento u m único objeto: o self, o ego ou o i d — como parece ser o caso — e
toda a libido está concentrada em u m , o u nos três. Começando com fatos
biológicos, sabemos que é extrema a dependência fetal ao seu entorno,
certamente mais intensa do que a de u m bebé o u do adulto. Portanto, é
essencial, para seu bem-estar e desenvolvimento ordenado, que o entorno
esteja, todo o tempo, muito próximo das necessidades do feto. Grandes
discrepâncias entre a necessidade e seu suprimento são acompanhadas por
graves repercussões, podendo até mesmo ameaçar sua vida.
Se fizermos dessa situação biológica u m modelo para a distribuição da
libido na vida fetal, isto é, uma condição psicológica, chegaremos à hipótese de
que deve ser muito intenso o investimento do entorno pelo f e t o — m a i s intenso
do que o de u m a criança o u do adulto. N o entanto, provavelmente esse entorno
é indiferenciado; por u m lado, ainda não há nele objetos e por outro, dificilmen-
te terá u m a estrutura e, e m particular, limites nítidos em relação ao indivíduo;
o entorno e o indivíduo se interpenetram, existem juntos em u m a "mescla
harmoniosa". U m importante significado dessa mescla harmoniosa interpenetrante
i é o peixe no mar (um dos símbolos mais arcaicos e mais amplamente ocorridos).
Seria inútil indagar se a água das guelras o u da boca faz parte do mar o u do
!; peixe; o mesmo é verdade a respeito do feto. O feto, o fluido amniótico e a
• placenta são uma mistura tão complicadamente interpenetrável de feto e de
entorno-mãe, que sua histologia e fisiologia estão entre as perguntas mais
temidas dos exames de Medicina.
Finalmente, vale a pena lembrar que nossa relação com o ar que nos cerca
obedece exatamente ao mesmo padrão. Utilizamos o ar, e, de fato, não podemos
viver sem ele; inalâmo-lo, retirando partes dele e as utilizamos de acordo com
nossas necessidades e, depois de nele colocar as substâncias das quais queremos
nos livrar, exalâmo-Io—sem lhe dar a menor atenção. De fato, precisamos dele,
e enquanto ele existir, em quantidade e qualidade suficientes, não lhe damos
n e n h u m a atenção. Esse tipo de entorno simplesmente deve estar ali, e enquanto
estiver — por exemplo, se tivermos suficiente ar — damos como certa sua
existência, não o considerando como u m objeto, isto é, separado de nós;
simplesmente o utilizamos. A situação m u d a de forma abrupta e caso o entorno
se alterar — se, por exemplo, no caso do adulto, o suprimento de ar sofrer
alguma interferência — quando, o aparentemente não investido entorno irá
assumir u m a imensa importância, isto é, tornar-se-á aparente seu verdadeiro
investimento latente.
C o m o no caso da relação entre o peixe e a água, nossa relação com o ar não
apresenta limites nítidos. E inútil indagar se o ar em nossos pulmões o u em
nossas vísceras é nosso ou não, o u quais são os exatos limites entre nós e esse
ar; ainda vivemos com o ar em u m a mistura interpenetrante quase harmoniosa.
A F A L H A BÁSICA 61

A importância dos estados reminiscentes desse tipo de relação para a técnica


analítica será discutida nas partes III, IV e V .
Conforme a teoria que defendemos, o indivíduo nasce n u m estado de
intensa relação com seu entorno, tanto biológica como libidinalmente. Antes do
nascimento, o self e o entorno estão harmoniosamente "misturados"; d e fato,
interpenetram-se. Nesse m u n d o , como já foi mencionado, ainda não existem
objetos, apenas substâncias o u expansões sem limites.
O nascimento é u m trauma que altera o equilíbrio, pela mudança radical
do entorno, forçando — sob u m a verdadeira ameaça de morte — a u m a nova
forma de adaptação, o que dá início, o u pelo menos acelera consideravelmente,
a separação entre o indivíduo e o entorno. Os objetos, inclusive o ego, começam
a emergir da mistura de substâncias e da ruptura da harmonia das expansões
sem limites. O s objetos possuem — e m contraste com as substâncias mais
amistosas — contornos nítidos e limites claros, que desde então devem ser
reconhecidos e respeitados. A libido não mais será u m fluxo homogéneo que vai
do i d para o entorno; sob a influência dos objetos emergentes, surgem
concentrações e rarefações em seu fluxo.
Sempre que a relação desenvolvida com u m a parte do entorno o u com u m
objeto estiver e m doloroso contraste com a anteriormente não perturbada
harmonia, a libido retorna ao ego, que inicia o u acelera seu d e s e n v o l v i m e n t o —
talvez em consequência da nova adaptação forçada — em u m a tentativa de
recuperar a anterior sensação de "unidade" dos primeiros estágios. Essa parte
da libido seria definitivamente narcisista, mas secundária ao investimento
original do entorno. De acordo com isso, o mvestimento libidinal observado na
primeira infância seria de quatro tipos: (a) os restos do investimento ambiental
original, transferidos para os objetos emergentes, (b) outros restos do investi-
mento ambiental original, retirados para o ego como tranquilizadores secundá-
rios contra a frustração, isto é, investimentos narcisistas e auto-eróticos e (c) o
reinvestimento emanado do narcisismo secundário do ego. Além dessas três
bastante b e m estudadas formas de investimento, há u m a quarta, resultante do
desenvolvimento das estruturas ocnofílica e filobática do m u n d o (Balint, 1959).
N o m u n d o ocnofílico, o investimento primário, embora misturado com u m a
grande dose de angústia, parece aderir aos objetos emergentes; estes são
sentidos como seguros e tranquilizadores, ao passo que os espaços entre eles são
considerados ameaçadores e terríveis. N o m u n d o filobático, as expansões sem
objeto retêm o investimento primário original e são consideradas como seguras
e amistosas, enquanto que os objetos são percebidos como perigos traiçoeiros.
A reação ocnofílica à emergência de objetos é prender-se a eles, introjetando-
os, pois o indivíduo sente-se perdido e inseguro sem eles; aparentemente,
prefere superinvestir suas relações objetais. O outro tipo, o filobata, superinveste
suas próprias funções do ego, assim desenvolvendo habilidades para poder
manter-se sozinho com muito pouco o u mesmo sem o auxílio de seus objetos.
62 M I C H A E L BALINT

Provavelmente, a ocnofilia e o filobatismo sejam instâncias da falha básica, e


certamente não as únicas. É sobre esse fundamento que, por u m lado, é
construído o complexo de Édipo e, por outro, possivelmente a área de criação
(ver capítulo 5). Esta última pode exigir, como u m primeiro passo, u m a
regressiva retirada dos objetos considerados muito desagradáveis e frustrantes,
para a mistura harmoniosa dos estados anteriores, seguida por uma tentativa de
criar algo melhor, mais amistoso, mais compreensível, mais bonito e, acima de
tudo, mais consistente e harmonioso do que demonstraram ser os objetos reais.
Infelizmente, essa tentativa nem sempre é bem sucedida; na maioria das vezes,
a criação não é melhor — podendo até ser pior — do que a amarga realidade.
E m primeiro lugar, possivelmente a maioria dos objetos é indiferente o u
mesmo frustrante, mas alguns deles provarão ser fontes de gratificações. Desde
que os cuidados com o bebé não sejam deficientes o u insensíveis demais, partes
do entorno poderão conservar algo de seu investimento primário original,
tornando-se o que chamei de objetos primários, sendo sempre diferente a relação
com eles e com seus derivados na vida futura, isto é, uma relação mais primitiva
do que a relação com qualquer outra coisa. Tais objetos primários são, em
primeiro lugar, a mãe e, espantosamente para muitas pessoas, a maioria dos
quatro "elementos", que são os símbolos da mãe arcaica: a água, a terra, o ar e,
com menos frequência, o fogo. Podemos adiantar que, durante certas fases de
u m tratamento analítico satisfatório, o analista assume, e de fato precisa
assumir, as qualidades de u m objeto primário. Voltaremos a esse tópico no
capítulo 13 e, novamente, nas partes IV e V .
Antes de prosseguir, queremos mencionar algumas observações clínicas
e linguísticas de T. D o i (1962), para que existe, na língua japonesa, u m a palavra
muito simples do dia-a-dia, amaeru, u m verbo intransitivo, que significa "desejar
o u esperar ser amado", no sentido do amor primário. Amae é o substantivo dele
derivado, enquanto que o adjetivo amai significa "doce". Essas palavras são tão
comuns que, " n a verdade, o japonês acha difícil acreditar que não exista u m a
palavra para traduzir amaeru, nas línguas europeias". Ademais, em japonês,
existe u m rico vocabulário para descrever as diversas atitudes e humores
desenvolvidos, quando se frustra ou reprime o desejo de amaeru. Todas essas
atitudes são conhecidas no m u n d o ocidental, mas não podem ser expressas c o m
palavras simples, apenas por meio de frases complicadas como "mal-humorado
o u amuado por ter percebido que não lhe é permitido demonstrar seu desejo
de amaeru tanto como desejava fazê-lo, fomentando nele, assim, u m a dor
mental, provavelmente de natureza masoquista", etc. D o i acrescenta que,
segundo foi informado, as línguas da Coreia e de A i m u possuem palavras
equivalentes, assim como também provavelmente o chinês.
Voltando ao nosso tópico principal, é muito provável que, nos estágios
iniciais da vida pós-natal, a manutenção de uma forma primitiva de u m tipo de
relação exclusivamente bipessoal seja o limite do desenvolvimento da capacida-
A F A L H A BASICA 63

de do bebê. C o m o foi discutido no capítulo 10, este provavelmente é o ponto


de regressão na esquizofrenia. Durante muitos anos acreditamos que havia só
u m tipo de relação primitiva bipessoal, o tipo que agora chamamos de
"ocnofilia". Nessa relação, como se acabou de descrever, o objeto é sentido
como u m importante suporte vital. Qualquer ameaça de ser separado dele cria
u m a intensa angústia e a defesa mais frequentemente utilizada é a adesividade.
Por outro lado, o objeto herda tanto investimento das substâncias primárias
que se torna tão importante a ponto de não lhes dar nenhuma preocupação o u
consideração, não podendo estas ter interesses diferentes dos do indivíduo,
simplesmente devendo se fazer presentes e, de fato, tidas como certas. A s
consequências desse tipo de relação objetal são (a) uma supervalorização do
objeto — que n e m sempre é devida a u m superinvestimento pela libido
narcisista e (b) u m a comparativa inibição contra o desenvolvimento de
habilidades pessoais que possam tornar o indivíduo independente de seus
objetos.
M a i s o u menos nos últimos 15 anos, descobrimos u m segundo tipo de
relação primitiva c o m os objetos o u talvez, mais corretamente, com o entorno.
Propusemos dar-lhe o nome de "filobatismo". Nele, os objetos são considera-
dos indiferentes o u mesmo como perigos traiçoeiros, que devem ser evitados.
Para conseguir isto, o indivíduo precisa desenvolver algumas capacidades
pessoais — o u seja, seu ego — para conservar o u recuperar a liberdade de
movimentos e a harmonia com as expansões sem objeto, tais como montanhas,
desertos, mar, ar, era, todos pertencentes à categoria de objetos primários em
p o t e n c i a l — o u , mais corretamente, substâncias primárias — porém, pari passu,
suas relações objetais p o d e m ficar obstaculizadas.
U m aspecto c o m u m de todas as formas primitivas de relação objetal é que
nelas o objeto é tido como certo, não tendo ainda ocorrido a ideia de que possa
existir u m objeto indiferente, que poderia se transformar em u m parceiro
operatório, através do "trabalho de conquista". Nessa harmoniosa relação
bipessoal, apenas u m dos parceiros pode ter desejos, interesses e demandas;
sem qualquer necessidade de testá-lo, é dado como certo que o outro parceiro,
o objeto o u expansão amistosa, irá ter, automaticamente, os mesmos desejos,
interesses e expectativas, o que explica por que tal estado é, com muita
frequência, chamado de "estado de onipotência". Essa descrição está u m tanto
fora de sintonia; de fato, não existe nela u m a sensação de poder, não havendo
necessidade de poder o u esforço, pois todas as coisas estão em harmonia.
Se ocorrer algum obstáculo o u desarmonia entre o sujeito e o objeto, a
reação a isso irá consistir de sintomas ruidosos e intensos, sugerindo processos
de natureza altamente agressiva e destrutiva, o u profundamente desintegra-
da, isto é, como se o m u n d o inteiro, inclusive o self, se tivesse rompido, o u como
se o sujeito tivesse sido engolfado por impulsos agressivo-destrutivos puros e
não mitigados. Por outro lado, se a harmonia conseguir persistir sem maiores
64 M I C H A E L BALINT

perturbações de fora, a reação conduz a u m a sensação de bem-estar calmo e


tranquilo, bastante inconspícuo e difícil de observar.
Tal diferença, expressa em linguagem adulta, seria mais o u menos como:
"Preciso ser amado e cuidado em tudo por todos e só no que me interessa, sem
que ninguém possa exigir qualquer esforço o u compensação por isso. O que
importa é apenas meus próprios desejos, interesses e necessidades; ninguém
que seja importante para m i m pode ter quaisquer interesses, desejos e
necessidades diferentes dos meus e, se os tiver, precisa subordiná-los aos meus,
sem n e n h u m ressentimento o u solicitação; na verdade, seu prazer e alegria
devem estar de acordo c o m meus desejos. Se isso ocorrer, serei b o m , agradável
e feliz, mas é só isso. Se isso não acontecer, será terrível, tanto para o m u n d o
como para m i m " .
Se tivermos em mente que, nessa fase, a relação harmoniosa entre o sujeito
e o objeto o u expansão é tão importante como o suprimento de ar, poderemos
compreender o aparecimento de sintomas ruidosos, veementes e agressivos,
quando for perturbada a harmonia entre o sujeito e seu objeto o u substância
primária. Essa relação primária é tão importante para o sujeito que ele não pode
tolerar qualquer interferência vinda de fora, e, se ocorrer algo que contrarie suas
necessidades o u desejos, ele simplesmente recorre a métodos desesperados.
C o m o entra o ódio nessa relação? O ódio é a perpetuação de u m a
dependência incondicional do amor primário, com a diferença de que seu sinal
passou a ser negativo. C o m o indicamos em nosso trabalho " O n Love a n d H a t e "
(1951), para liberar o indivíduo d a fixação e m seu ódio é indispensável a
cooperação de seu entorno, dificilmente bastando apenas as mudanças inter-
nas. E m raros casos, os eventos externos podem, por acaso, fazer as necessárias
mudanças d o entorno, mas as condições para tanto são tão exatas que, na
verdade, a probabilidade é muito pequena. A única situação na qual o entorno
poderia concordar, intencional e sistematicamente, com essas exigências exatas
é a situação analítica, em especial durante a fase do "novo começo". Se o analista
conseguir atender de forma correta aos desejos primitivos e irreais, o paciente
pode ser ajudado a reduzir a desigualdade opressiva entre ele e seu objeto. C o m
a redução da desigualdade, a dependência do paciente ao seu objeto primário,
que se tinha desenvolvido novamente na fase de novo começo do processo
analítico, poderá ser reduzida consideravelmente o u até mesmo desaparecer
por completamente. Q u a n d o a desigualdade — e com ela a dependência —
tiver sido reduzida, não haverá mais necessidade de qualquer defesa contra
elas; o ódio pode então desaparecer e, com ele, a intensidade dos impulsos
agressivos e destrutivos.
Se noossa teoria estiver correta, poderemos esperar atravessar todos estes
três tipos de relações objetais — o da mistura interpenetrante harmoniosa mais
primitiva, o da crispação ocnofílica aos objetos eoda preferênciafilobática pelas expansões
sem objeto—em todo o tratamento analítico no qual foi permitido regredir além
A F A L H A BÁSICA 65

de u m certo ponto. De fato, chegamos à nossa teoria por meio da observação,


em nossa prática analítica, desses três tipos de relações comigo e com o entorno
em geral, construindo-a a partir de tais observações.
Q u a l é o lugar do narcisismo nessa teoria? E m nossa opinião, todo
narcisismo é secundário à mais p r i m i t i v a dessas relações, a d a mistura
interpénétrante harmoniosa; sua causa imediata sempre é u m a perturbação
entre o indivíduo e seu entorno, o que leva à frustração e, devido a ela, o
indivíduo consegue distinguir o que até então era a fusão harmoniosa do self
com o entorno, retirando parte desse investimento do entorno para investi-lo
e m seu ego em desenvolvimento.
CAPÍTULO 13

Amor Adulto

LJM "Sobre o Narcisismo", Freud escreveu: " ... a finalidade e a satisfação e m


u m a escolha objetal narcisista é ser amado" (Standard Edition, XIV). Evidente-
mente, essa é mais u m a impecável observação clínica, mas algo sem muita
continuação teórica. A escolha objetal narcisista é aquela na qual o sujeito toma
a si mesmo o u alguém que o represente o u derive dele como objeto de amor,
mas n e m sempre decorre da teoria do narcisismo que desejaria ser amado pelos
outros. Pelo contrário, como ele retira sua libido do m u n d o externo — o u ,
alternativamente, ainda não a investiu — interessando-se apenas por si mesmo
o u por alguém que o represente, poder-se-ia esperar que o restante do entorno
seria, para ele, mais o u menos indiferente. Evidentemente, esta é outra das
contradições internas inerentes à teoria do narcisismo primário.
Toda a literatura clínica sobre o narcisismo — isto é, o narcisismo
secundário—apresenta o mesmo quadro de observações excelentes e facilmen-
te verificáveis que não se adaptam de forma confortável ao divã de Procusto do
narcisismo primário. Annie Reich (1953), por exemplo, diz que os objetos do
nível sexual pré-genital são utilizados "egoisticamente" para sua própria
gratificação; ainda não se pode considerar seu interesse e "se definimos tal
conduta como fixada nos níveis pré-genitais, como relação objetal o u narcisista,
isso é u m a questão de terminologia". Ela acrescenta: "Nesses níveis precoces,
são mais encontradas atitudes passivas do que u m a busca ativa por u m objeto".

66
A F A L H A BÁSICA 67

Julgamos que é de duvidar que se encontrem quaisquer conexões lógicas


entre o desejo de ser amado passivamente, a utilização "egoística" de objetos,
a incapacidade de se preocupar com seus interesses, a prevalência de atitudes
expectantes passivas acima da busca ativa de satisfações e a teoria do narcisismo
primário, que afirma que toda a libido está concentrada no ego o u n o i d — o u
no self.
D o mesmo m o d o , não compreendemos por que não interessa à nossa
teoria se descrervemos essas observações clínicas como fixações aos níveis pré-
genitais, como relação objetal o u como narcisismo e por que tudo isso deva ser
apenas u m a questão de terminologia. E m lugar da última frase, repetiria que
tudo isso é u m a consequência natural de utilizarmos u m a "teoria valise", como
a do narcisismo primário. Antes de fazer uma viagem, decide-se o que se vai
precisar e se preparam os casos de acordo com isso. Se surgir alguma outra
necessidade, será preciso comprá-la en route— não havendo outra solução.
Todas essas observações cabem bem na teoria do amor primário; de fato,
elas p o d e m ser previstas a partir dela e, assim, p o d e m ser consideradas como
evidências confirmatórias. " A s atitudes passivas" e a necessidade de ser amado
fazem parte de u m a relação com u m objeto primário, como o são a forma
"egoística" de amor e a incapacidade de se preocupar com os interesses do bem-
estar do objeto. C o m o indicamos várias vezes nas três formas de relação
primitiva — a mistura interpenetrante harmoniosa, a ocnofilia e o filobatismo
— pede-se que seja permitido dar como certos os objetos de alguém o u do
entorno; eles simplesmente não podem ter qualquer interesse próprio; sua
única preocupação deve ser a preservação da harmonia — custe o que custar.
A finalidade última de todo impulso libidinal é, pois, a preservação o u
restauração da harmonia original. Mais uma vez citamos A n n i e Reich, que
descreve o sentimento de êxtase, que acompanha o orgasmo, com estas
palavras: "Nesse estado é como se a individualidade da mulher deixasse de
existir, ela se sente fundida com o h o m e m " {pp. cit). Compara essa unio mystica
com o que Freud chamou de sentimento oceânico — "a torrente do 'self' e do
m u n d o do self e do objeto primário, têm a ver com u m abandono temporário
dos limites de separação" (op. cit.). Repitimos que essa observação clínica
também precisou ser guardada de forma diferente dentro da teoria valise do
narcisismo primário, mas é uma consequência natural da teoria do amor
primário.
Essa unio mystica, o restabelecimento da mistura interpenetrante harmo-
niosa, entre o indivíduo e as partes mais importantes de seu entorno, seus
objetos de amor, é o desejo de toda a humanidade. Para consegui-lo, u m objeto
indiferente o u possivelmente hostil deve se transformar em u m parceiro
cooperativo, por meio daquilo que chamamos de trabalho de conquista (1948).
Isso i n d u z ao objeto, agora transformado em parceiro, a tolerar ser tido como
certo, durante determinado período, isto é, ter apenas interesses idênticos. Os
68 MICHAEL BALINT

indivíduos variam grandemente quanto às habilidades requeridas para essa


"conquista" e, por isso, n e m todos são capazes de obter periodicamente u m
orgasmo o u , para tanto, u m a parceria harmoniosa. Esta é ainda a maneira mais
c o m u m de restabelecer a mistura harmoniosa primária.
N a vida adulta, há mais algumas poucas possibilidades de atingir esse
propósito final, todas exigindo habilidades e talentos consideráveis. São eles o
êxtase religioso, os sublimes momentos da criação artística e, finalmente,
embora talvez mais para os pacientes, certos períodos regressivos do tratamento
analítico. Embora em todos esses estados o indivíduo esteja retraído, dando a
impressão de retirada narcísica, todos têm em c o m u m a característica funda-
mental de, durante esses momentos muito breves, poder sentir, real e verdadei-
ramente, que foi eliminada toda a desarmonia, estando, naquele instante, ele e
todo o seu m u n d o unidos em u m a compreensão não perturbada, em u m a
mistura interpenetrante completamente harmoniosa.

RESUMO

Í.Freud propôs, também categoricamente, três teorias a respeito das rela-


ções mais primitivas do indivíduo com o entorno. São elas a relação objetal
primária, o auto-erotismo primário e o narcisismo primário. Embora estas três
teorias se contradigam, Freud jamais discutiu tal fato em seus trabalhos.
2. E m vez disso, Freud procurou sintetizar as três teorias em favor do
narcisismo primário. O auto-erotismo foi descrito como a satisfação caracterís-
tica da fase de narcisismo primário, enquanto que qualquer outro tipo de relação
objetal, seja de apoio o u narcísica, foi considerada secundária. Essa construção
teórica apresenta diversas contradições inerentes, nenhuma por ele reconheci-
da. Mais tarde, essas contradições foram destacadas em particular por Hartmann,
Kris e Loewenstein, que também propuseram u m a nova terminologia, a qual,
embora resolvendo alguns dos antigos problemas, parece ter criado novos.
3. Reexaminando os argumentos utilizados por Freud e, depois dele, pela
literatura analítica, para tornar aceitável a existência do narcisismo primário,
observamos que tais argumentos comprovam apenas a existência do narcisismo
secundário. As duas únicas exceções, que não puderam ser explicadas mera-
mente c o m base no narcisismo secundário, foram os estados regressivos da
esquizofrenia e do sono; mas, mesmo assim, nesses dois casos parece que a
regressão é mais para uma forma primitiva de relação do que para o narcisismo
primário.
4. C o m o as observações clínicas parecem não ser capazes de fornecer u m a
base suficientemente segura para a aceitação da teoria do narcisismo primário,
a teoria analítica antecipou-a para o período da vida fetal. U m a análise profunda
A F A L H A BÁSICA 69

dos dados disponíveis sugere que a teoria do narcisismo primário, embora


compatível, n e m sempre resulta dessas observações. É proposta u m a teoria do
amor primário que parece concordar melhor com os fatos observados.
5. Utilizando essa teoria, muitas das observações clínicas p o d e m mais b e m
compreendidas e integradas, constituindo u m argumento sugestivo de sua
validade. Tais observações incluem as experiências com esquizofrénicos,
alcoolistas e pacientes "narcisistas", bem como as diversas modificações da
técnica propostas por vários autores para permitir que o paciente estabeleça
u m a relação terapéuticamente eficaz na situação analítica.
6. Finalmente, o exame da vida erótica do homem fornece mais algum
suporte à teoria do amor primário.
P A R T E III

O ABISMO E AS
RESPOSTAS DO
ANALISTA
CAPÍTULO 14

A Regressão e a Criança
Dentro do Paciente

fcjM geral, os analistas toleram, na situação analítica, outro tipo de comuni-


cação além da expressa em palavras. Essa atitude "tolerante" tem algumas
consequências. Talvez a mais importante seja a de abrir a porta para o acting-
out, que é equivalente à regressão, pois as palavras sempre são u m a forma mais
adulta de comunicação do que a ação ou mesmo o gesto.
De certa forma, o processo de maturação e civilização avança, movimentan-
do-se cada vez menos massa física, isto é, utilizando-se cada vez menos energia
muscular, para expressar uma mesma ideia, efeito ou mensagem. Isso significa que
cada vez são envolvidos menos músculos e os movimentos tornam-se cada vez
mais delicados e sutis. De todos os músculos esqueléticos, talvez sejam os da fala
os que têm a menor massa, sendo, pois, os mais sutis e delicados; consequentemen-
te, movimentá-los gasta menos energia do que movimentar qualquer outro. N o
entanto, o processo de maturação não pára aí. A criança ou o primitivo primeira-
mente substitui o grito e o choro pelo ato, depois aprende a gritar e chorar menos,
isto é, a expressar a mesma intensidade de emoção utilizando menores quantias
de massa física e energia muscular. A recompensa por esta restrição e disciplina é
u m aumento cada vez maior da sutileza e riqueza de expressão, envolvendo a vida
mental consciente e pré-consciente. E provável que isso vá mais adiante, até a vida
mental inconsciente, que seria uma outra instância daquilo que Freud chamou de
educação das pulsões.

73
74 M I C H A E L BALINT

É da natureza d a situação analítica reverter, em alguma extensão, tais


processos de maturação e civilização. E m lugar de insinuar e sugerir sutilmen-
te, o paciente aprende a afirmar explicitamente e, muitas vezes, c o m intensi-
dade primitiva, o que pensa o u sente, logo compreendendo que não bastam
descrições factuais imparciais, também devendo expressar suas emoções
concomitantes. M o d i f i c a , então, a intensidade e o tom da v o z , utilizando gestos
o u movimentos; pode até mesmo se deixar levar pelas emoções, chegando,
assim, ao ato, durante a transferência, o u seja, na situação analítica.
T u d o isso inevitavelmente termina originando u m a tendência regressi-
v a , que afeta tanto o paciente como o analista. O que irá acontecer dependerá
das respostas do analista. Evidentemente, cada analista tentará compreender
o que o paciente procura transmitir por intermédio d o acting-out; mas, para
influir n o acting-out, o analista precisa, de algum m o d o , comunicar — isto é,
expressar—sua compreensão a seu respeito. Todavia, seu modo i n d i v i d u a l de
expressar entendimento o u , como gostamos de chamá-lo, suas respostas
habituais ao acting-out ["atuação"], "conduta" o u "repetição" do paciente
p o d e m variar muito e todas essas variações, utilizadas o u não de forma
consistente, irão influenciar consideravelmente a "atmosfera" d o consultório
d o analista.
O primeiro analista a descrever a atmosfera criada pelas "respostas"
consistentes f o i , naturalmente, Freud, que a comparou ao reflexo de u m
espelho b e m polido. Isso significa — quando tomado literalmente — que o
analista não acrescenta n e n h u m material estranho ao trabalho analítico,
apenas reflete, sem distorções, o que se origina do paciente. Isso só pode ocorrer
— m e s m o que nunca tenha sido dito explicitamente—se o material p r o d u z i d o
pelo paciente consistir quase que exclusivamente de palavras e, a fortiori, as
contribuições do analista à situação que está se desenvolvendo consistirem
também exclusivamente de palavras. Todas as palavras que vêm do paciente,
assim como as de seu analista, são usadas e mutuamente entendidas de u m a
forma adulta convencional. D e fato, nas histórias de casos publicadas p o r
Freud, não conseguimos encontrar nenhuma interpretação de qualquer tipo
de material não verbal produzido por u m paciente, embora desde os Estudos
sobre a histeria (1895) ele tenha registrado observações sobre fenómenos não
verbais. Sabendo quão impiedosamente acurados são os relatos de F r e u d a
respeito de seu trabalho clínico, parece auto-evidente essa auto-imposta
restrição. U m espelho reflete u m a imagem, mas não modifica sua natureza; por
isso, as palavras devem ser refletidas por palavras, mas a tradução d o material
não verbal e m palavras iria além da função de espelho do trabalho analítico.
Fomos gradualmente aprendendo a entender e a utilizar não apenas o
material verbal p r o d u z i d o por nossos pacientes, mas também aquilo a que
chamamos de "atmosfera", criada em parte pelas palavras, e m parte pela
maneira d o paciente utilizá-las e e m parte por tudo aquilo que é chamado de
A F A L H A BÁSICA 75

acting-out, "conduta", o u "repetição" na situação analítica. Este último g r u p o ,


como acabamos de destacar, sempre possui u m aspecto de regressão.
Clinicamente, isso significa que se observam, de tempos em tempos,
durante u m tratamento analítico, fenómenos sugestivos de regressão. N o
entanto, há, entre os analistas, opiniões amplamente divergentes a respeito da
frequência, significado e importância desses fenómenos. A s opiniões também
variam, no que se refere ao quanto desses fenómenos é provocado pelo
paciente, isto é, por sua personalidade, natureza e severidade de sua doença e
ao quanto pela técnica de cada analista. E m nossa opinião, tanto analista como
paciente possuem a sua parte, mas não é fácil identificar o que é devido a cada
u m . Qualquer descrição que procure isolar exclusivamente a contribuição de
u m dos parceiros provavelmente irá fracassar. Mas mesmo dando-nos conta
dessa armadilha, é de se esperar que cada descrição esteja marcada pelo ponto
de vista pessoal do autor, sobretudo por suas experiências comuns, as quais,
pelo menos em parte, são determinadas por sua própria técnica. Nossa
descrição não seria u m exceção à regra.
Evidentemente, nenhuma das contribuições de cada parceiro é comple-
tamente verbalizada, durante o tratamento — o u , no que se refere ao assunto,
nas discussões científicas — embora as respectivas parcelas devam ser defini-
tivamente consideradas. E m geral, é o paciente que é gradualmente levado a
expressar em palavras suas contribuições não verbais — entre elas as suas
propensões regressivas, " m u d a n d o assim da repetição para a recordação";
enquanto que, em geral, o analista não está sob tal pressão. Sua conduta
profissional, isto é, os pormenores de sua técnica, são considerados tão bem
padronizados que lhe parecem "naturais", sensíveis e cientificamente justifica-
dos, de tal modo que, nos casos que progridem "normalmente" e sem obstácu-
los, não irá sentir necessidade de mudar sua "repetição em recordação", ao
expressar, na situação terapêutica, a conduta habitai em palavras, para sujeitá-
la a u m escrutínio. E m muitos aspectos, essa atitude é sensata e realista — sem
outros motivos do que os de economia mental. O analista pode ter certeza de
que sua conduta já foi antes submetida a esse tipo de escrutínio, durante o
treinamento. E assim que os analistas conseguem ter u m a ideia da técnica
"clássica" o u "adequada" — de acordo o caso.
Vamos acompanhar, embora por pouco tempo, este exemplo, começando
pelas contribuições do paciente. Os pacientes diferem consideravelmente em
relação à regressão. E m suma, podem-se diferenciar dois tipos extremos,
evidentemente com vários graus intermediários. C o m u m dos tipos extremos
podem-se obter resultados terapêuticos bastante satisfatórios, sem se regredir
muito além do nível edípico. C o m o outro, durante algum tempo, dificilmente
são obtidos quaisquer resultados reais e estáveis, mas apenas o que são
chamadas de melhorias pouco duradoras da transferência; ocorrendo resulta-
dos terapêuticos verdadeiros apenas após u m período de regressão, que pode
76 M I C H A E L BALINT

ser curto o u demorado, mas sempre de natureza mais primitiva do que os bem
conhecidos fenómenos pertencentes ao nível edípico (1).
Voltemos agora às respostas do analista que, como acabamos de discutir,
são u m a parte importante de sua contribuição para o desenvolvimento d a
"atmosfera". Bons exemplos das possíveis variações são as respostas do analista
ao pedido do paciente para prolongar a sessão analítica. A duração tradicional
é de 50 minutos (2) e, e m geral, o analista tem 5 a 10 minutos livres, antes da
sessão seguinte. E m princípio, devemos ou não concordar com a solicitação do
paciente de deixá-lo ficar, ocasionalmente, mais 5 ou 10 minutos? O u devemos
compensá-lo se chegou 5 ou 10 minutos mais tarde? Independentemente do
fato de que a flexibilidade do analista também é limitada pelas circunstâncias
externas (o próximo paciente pode já estar esperando; por outro lado, o analista
pode ter u m a hora livre depois da do paciente e este, por u m o u outro motivo,
ficou sabendo disso, etc), deverá ele concordar em estender a sessão, e, se o fizer,
que critério deverá utilizar para determinar se essa extensão é o u não recomen-
dável?
U m a forma ainda mais difícil do mesmo problema surge quando a
solicitação é para uma sessão extra, durante o fim-de-semana, após o trabalho
diário o u mesmo durante as férias do analista. Julgamos ser irrefutável, seja qual
for a resposta, que não terá sido apenas o paciente mas também o analista quem
contribuiu para criar u m a "atmosfera" no tratamento analítico. U m paciente de
A n n a Freud, várias vezes citado, ao qual foi permitido que telefonasse à analista
em qualquer momento do dia ou mesmo do fim-de-semana, é u m a prova
convincente de que a aceitação e gratificação de algumas tendências regressivas
o u de acting-out n e m sempre são incompatíveis com a técnica "clássica"; e m
outras palavras, não é u m parâmetro irreversível.
As instâncias que acabamos de descrever são exemplos comuns das
respostas do analista ao acting-out de u m paciente regressivo; os escolhemos,
pois, e m virtude de sua estrutura simples, podem ser facilmente discutidas.
Embora seja mais difícil de demonstrar, é certo que existem inúmeros meios
pelos quais o analista pode responder às formas sutis de regressão do paciente.
Sua resposta pode ser de indiferença, desaprovação o u talvez apenas u m
discreto sinal de contrariedade; pode tolerar o acting-out, mas sempre o segue
com u m a interpretação correta e oportuna, a qual, por sua vez, levará o paciente
alguns passos mais na direção de aprender a linguagem do analista, inibindo
novos acting-out; pode permiti-lo de forma simpática, como u m a espécie de
válvula de segurança, ou pode tomá-lo como u m avanço, como uma evidência
de que não mais necessita, o u necessita menos de interpretação, isto é, de
interferência no acting-out, do que com qualquer outro meio de comunicação,
ou seja, de associações verbais. Evidentemente, é apenas neste último caso que
o acting-out e as associações verbais são igualmente aceitos como comunicações
dirigidas ao terapeuta.
A F A L H A BÁSICA 77

O analista pode aceitar a necessidade do paciente de regredir apenas nas


comunicações compreensíveis, como nas fantasias, as quais e m todos os demais
aspectos são totalmente irreais; consequentemente, a resposta do analista —
explícita o u implícita — irá significar que qualquer gratificação de tais necessi-
dades seria incompatível com a situação analítica. U m a forma u m pouco
diferente seria aceitar o acting-out como justificável, na situação analítica.
Finalmente, também é possível não só aceitar algumas dessas necessidades
como plenamente justificadas, mas também gratificá-las — desde que a grati-
ficação seja compatível com a situação analítica. Foi exatamente isso que ocorreu
no caso de A n n a Freud, citado antes.
Certamente, todas essas respostas contribuem—cada u m a a seu m o d o —
para desenvolver a "atmosfera" do tratamento. Algumas respostas abrem
amplamente as portas para a regressão, outras oferecem apenas u m a pequena
abertura e ainda outras procuram evitá-la. Assim, a regressão, durante o
tratamento analítico, depende não só do paciente mas também do analista. N o s
capítulos 16-18, voltaremos a examinar, detalhadamente, algumas das respostas
"padronizadas" e suas consequências. Mas, antes de fazê-lo, descreveremos as
consequências inevitáveis da regressão, quando se permite que se vá além do
nível edípico.
C o m o acabamos de observar, sob a influência da situação psicanalítica,
todos os pacientes, sem exceção, regridem até certo ponto; isto é, tornam-se
infantis e sentem intensas emoções primitivas em relação ao analista; tudo isso,
evidentemente, sempre faz parte do que é, em geral, chamado de transferência.
O impacto dessas emoções altamente carregadas leva a u m a curiosa
desigualdade na relação entre o analista e o paciente. O analista é sentido como
uma pessoa poderosa, vitalmente importante, mas apenas até onde for capaz
o u desejar gratificar o u frustrar as expectativas, esperanças, desejos e necessi-
dades do paciente; além dessa esfera, o analista, como u m a pessoa c o m u m e
real, quase não existe. Naturalmente, o paciente possui todo tipo de fantasias
a respeito de seu analista, porém, em geral, tais fantasias têm mais a ver com o
m u n d o interno do paciente do que com a vida e a personalidade reais do
analista. Embora comparado ao analista, o paciente habitualmente sinta-se
fraco e pouco importante, é apenas ele (o paciente) que importa, e importa
enormemente; são exclusivamente os seus desejos, impulsos e necessidades
que devem ser atendidos e é em seu interesse que deve estar, o tempo todo, o
foco de atenção.
E este o padrão geral; mas, mesmo que não haja exceções, sua intensidade
e duração variam com cada paciente. Alguns não vão além de u m certo ponto; os
processos terapêuticos iniciados desse modo são suficientemente eficazes para
fornecer u m reajuste suficiente e, depois de certo tempo, o paciente emerge
espontaneamente dessa relação bipessoal primitiva, curando-se. C o m outros, no
entanto, ocorrem outros processos acima e além dos que acabamos de descrever.
78 M I C H A E L BALINT

N a Parte I, revisamos em alguma extensão esses processos, tais como


p o d e m ser observados pelo terapeuta. Agora enumeraremos apenas as mais
importantes dessas observações: as palavras perdem a credibilidade como
meios aceitos de comunicação entre o paciente e o analista; em particular, as
interpretações, que tendem a ser experimentadas pelo paciente como sinais de
hostilidade e agressividade o u de afeição. Os pacientes começam a saber demais
sobre seus analistas; é bastante comum que estejam mais atentos aos humores
do analista do que aos seus próprios; paralelamente, seu interesse se torna
aparentemente cada vez mais desligado de seus próprios problemas e sofrimen-
tos, que originalmente o levaram a buscar a ajuda analítica, centrando-se cada
vez mais e m adivinhar os "reais motivos" do analista, para dizer isso, para
proceder daquele modo o u para estar com determinado " h u m o r " . T u d o isso
absorve u m a considerável quantidade de libido e talvez seja por isso que os
pacientes nesse estado aparentemente percam boa parte de sua pulsão para
melhorar e de seu desejo e mesmo capacidade de mudar. A o mesmo tempo,
suas expectativas sobre o analista crescem além das proporções de algo real,
tanto em sentido positivo, sob a forma de simpatia, compreensão, atenção e
pequenos presentes e outros sinais de afeto, como em sentido negativo, sob a
forma de ataques ferozes, retaliação impiedosa, gélida indiferença e extrema
crueldade. Para condensar essa situação em uma sentença, poderíamos dizer
que a importância do passado está quase completamente perdida para o
paciente; o que interessa é apenas o presente analítico.
E m termos analíticos costumeiros, tudo isso poderia ser descrito como
u m a exacerbação da neurose de transferência ou de amor transferencial, que
assumiu o comando completo da situação analítica e, de fato, tornou-se tão
intensa que é agora impermeável às interpretações habituais. Alguns analistas
acham que esse desenvolvimento é provocado pelas fantasias persecutórias do
paciente paranóide, que invadem a transferência. E m nossa opinião, todas essas
descrições são muito fracas e por isso perdem o motivo real (1958).
B e m sabemos que mesmo os mais capacitados e experientes analistas
encontram, algumas vezes, dificuldades com alguns pacientes e até mesmo
fracassos ocasionais. Mesmo que isso seja desagradável, deve ser aceito que não
há exceções a essa regra. Nossa opinião é a de que a maior parte das dificuldades
e fracassos ocorre no tratamento de pacientes que apresentam os sinais que
acabamos de descrever. Tais pacientes habitualmente são caracterizados como
"profundamente perturbados", "profundamente clivados", "intensamente
esquizoides o u paranóides", "sofrendo de uma profunda ferida narcísica",
"tendo u m ego demasiado frágil o u imaturo", e outros; todas essas descrições
indicam que, nesses pacientes, a raiz do distúrbio vai além o u mais fundo do que
o complexo de Édipo, que é a nossa habitual preocupação no paciente médio.
Para chegar a u m a melhor compreensão de algumas das dificuldades
encontradas em nosso trabalho terapêutico com esse tipo de pacientes, propo-
A F A L H A BÁSICA 79

mos, na Parte I, considerar a mente humana — o u talvez apenas a parte


chamada de ego — como sendo constituída de três áreas, a do complexo de
Édipo, a da falha básica e a de criação. Cada área é caracterizada por u m a forma
específica da força mental que nela opera e, finalmente, por u m nível específico
dos processos mentais. Recapitulando:
N a área do complexo de Édipo, a estrutura característica é u m a relação
triangular, consistindo do sujeito e de dois objetos; a força característica é a
originada de u m conflito e o nível dos processos mentais é o que corresponde
e pode ser adequadamente expresso em linguagem adulta convencional.
N a área da falha básica, a estrutura prevalente é u m a relação exclusiva-
mente bipessoal, a mais primitiva das encontradas entre adultos. A forma de
força mental não é a de u m conflito; sobre qual é essa forma, discutiremos mais
tarde, nas partes IV e V . Entretanto, já podemos mencionar que, sob determi-
nadas condições, a força que opera nesse nível cria estados semelhantes aos da
toxicomania, que são descritos em nossa literatura como avidez. O nível dos
processos mentais, particularmente os surgidos na situação terapêutica, é
denominado por termos como "pré-edípico", pré-genital", pré-verbal", etc. N o
capítulo 4, discutimos sem pormenores os motivos pelos quais acreditamos que
esses termos p o d e m confundir, propondo por isso chamá-lo de nível da falha
básica.
E, finalmente, temos a área de criação, caracterizada pela falta de u m
objeto externo. C o m o nosso método analítico se baseia na transferência, isto é,
está ligado inseparavelmente à presença de pelo menos u m objeto externo, além
do sujeito, não temos acesso direto para estudar tanto o nível de processos
mentais dessa área, como o tipo de forças que nela atuam. Não obstante, os
processos que ocorrem nessa área são de grande importância técnica, como,
entre muitos outros, o constituído pelo problema criado por u m paciente
silencioso.
A s s i m , podemos esperar encontrar na mente três diferentes conjuntos de
processos terapêuticos e também esperar que os analistas provavelmente
precisem de três diferentes conjuntos de medidas técnicas, cada u m a voltada
para influenciar a área correspondente da mente. Ademais, como a situação
analítica é u m a relação essencialmente bipessoal, com muitas qualidades que
definitivamente são mais primitivas do que as pertencentes ao nível edípico,
poderia ser esperado que nosso conhecimento teórico, relacionado à área da
falha básica, e nossos métodos de lidar com os problemas nela encontrados,
estivessem em u m estado bastante mais desenvolvido e muito mais seguramen-
te fundamentado do que qualquer coisa que pertença às duas outras áreas.
Evidentemente, o que ocorre é exatamente o oposto. Quase toda a nossa
teoria se refere às estruturas e processos mentais pertencentes ao nível edípico,
e o que é chamado de técnica analítica "clássica" — indubitavelmente o tipo
mais bem fundamentado de todas as técnicas analíticas — lida quase que
80 M I C H A E L BALINT

exclusivamente com problemas cuja estrutura dinâmica é ativada por u m


conflito o u conflitos, podendo ser expressos, sem muita dificuldade, e m
linguagem convencional, ou seja, com problemas pertencentes à área d o Édipo.
Para demonstrar a natureza da diferença entre os problemas técnicos que
surgem da área edípica e os da área da falha básica, vamos revisar os fenómenos
regressivos de u m outro ângulo. U m a das primeiras observações clínicas é a de
que, em u m o u outro momento, durante o tratamento analítico, os pacientes
deixam de cooperar. Isso pode assumir a forma de uma recusa a se mover, a
mudar, de u m a aparentemente completa incapacidade de aceitar qualquer
condição externa adversa ou suportar qualquer aumento de tensão. Se o
período de falta de cooperação for limitado, diz-se que é devido a u m a
resistência passageira o u à clivagem do ego, mas, se for duradouro, à prevalência
de mecanismos esquizoparanóides. Outro tipo de interpretação atribui tais
estados a u m ressentimento insolúvel contra a mãe e seus posteriores represen-
tantes, por não ter dado ao paciente a afeição, simpatia e compreensão como
deveria ter feito.
Embora sempre se tenha aceito que existe u m a parte não cooperativa em
todo paciente, tem-se discutido pouco sobre o que decide o quanto de cada
paciente coopera em determinada situação analítica, em u m determinado
período. E m casos de intensa regressão, o paciente parece incapaz de se dar
conta do que dele é esperado, o u seja, a obediência à nossa "regra fundamental";
nesses momentos, é praticamente inútil tentar lembrá-lo das queixas originais
que o levaram a buscar o auxílio analítico, pois ele passou a preocupar-se
exclusivamente com sua relação com o analista, com as gratificações e frustra-
ções que espera dela, parecendo ter perdido todo o sentido continuar o trabalho
analítico. Q u a n d o se compreende que esse tipo de transferência, que absorve
quase toda a libido do paciente, possui a estrutura de uma relação exclusiva-
mente bipessoal — em contraste com a transferência edípica " n o r m a l " , que é
definitivamente triangular—isso é reconhecido como u m outro sinal diagnós-
tico de que o paciente já atingiu a área da falha básica.
Isso nos leva diretamente ao nosso tópico principal, o u seja, como fazer
para que a parte não cooperativa de u m indivíduo coopere, isto é, receba a ajuda
analítica. O que queremos dizer é algo diferente de resolver resistências, isto é,
conflitos, no nível edípico ou de desfazer uma clivagem — é algo mais parecido
com estimular o u mesmo criar no paciente uma nova disposição para aceitar a
realidade e nela viver, uma espécie de redução do ressentimento, do desânimo,
etc, que surge em sua neurose transferencial como obstinação, inabilidade,
estupidez, hipercriticismo, falta de tato, avidez, dependência extrema, etc.
Foi para explicar essa impressão clínica completamente diferente que
concluímos que havia algo, que chamamos de "falha básica", que não é u m
complexo, conflito o u clivagem, mas uma falha na estrutura básica da persona-
lidade, algo mais parecido com u m defeito o u cicatriz. Evidentemente, a maioria
A F A L H A BÁSICA 81

dos pacientes não pode nos contar quais as causas de seu ressentimento,
desinteresse e dependência, isto é, qual é a falha o u defeito que existe neles. N o
entanto, alguns são capazes de expressá-lo por seu oposto, isto é, por fantasias
sobre u m parceiro perfeito ou de u m a harmonia perfeita com todo o entorno,
felicidade não perturbada perfeita, contentamento perfeito consigo mesmo e
com o m u n d o , entre outras. Todavia, na forma mais frequente, o paciente fica
repetindo sempre que foi abandonado, que nada no m u n d o valerá a pena a não
ser que algo que lhe foi retirado — habitualmente algo inatingível atualmente
— l h e seja devolvido e, nos casos graves, chega a dizer que não vale a pena viver
se sua perda não for preenchida, procedendo como se isso fosse realmente
verdade.
Gostaríamos de ilustrar essa espécie de atmosfera, com dois sonhos tidos
por u m a paciente, em u m a mesma noite (3). N o primeiro, ela andava por u m
bosque; subitamente, u m grande pássaro cor de carne voou sobre ela, cortando
sua testa profundamente. A paciente ficou atordoada, caindo ao solo inconsci-
ente. O apavorante foi que o pássaro n e m olhou para trás, parecendo não estar
preocupado com o que havia feito. N o segundo, a paciente estava em u m a sala
com vários amigos, que jogavam, como costumavam fazer com ela, mas
n e n h u m deles a notou. O que era terrível é que tinha ficado completamente
sozinha para sempre, pois nunca poderia afastar o pensamento de que o pássaro
não tinha olhado para trás. Pode-se acrescentar que ela teve vários outros
sonhos com esse padrão, durante u m determinado período.
E m u m outro padrão, o paciente repete incansavelmente que sabe que
precisa cooperar, mas precisa ficar melhor ou mesmo praticamente b o m antes
de que possa fazê-lo. A o mesmo tempo, está completamente a par da realidade,
isto é, de que é impossível melhorar sem a sua cooperação; porém, tal
discernimento apenas exacerba seu desespero. Esse círculo v i c i o s o — n a sincera
convicção do paciente — só pode ser rompido se for substituída alguma coisa
que tinha ido errado, o u se pudesse ter em si algo que antes já tinha tido, mas
que perdera.
Os pacientes — e analistas — mais sofisticados p o d e m dizer que algo foi
irreparavelmente perdido o u que foi mal, como o pênis o u o seio, geralmente
sentidos como possuindo qualidades mágicas, falando da inveja do pênis o u do
seio, do medo da castração; cabem aí tanto o conceito de afanise de Jones (1927)
como as ideias de Melanie Klein sobre o ciúme e a inveja inatos; no entanto, em
quase todos os casos, tudo isso está associado a u m sentimento insaciável e
incontestável de que, se a perda não for corrigida, o próprio paciente continuará
m a l , sendo melhor enlouquecer o u até mesmo morrer.
Todos os fenómenos de regressão, como os observados na situação
analítica, impressionam de forma irresistível, pois se assemelham a u m a
conduta primitiva, reminiscente da conduta da primeira infância; u m forte
argumento para a tese de que qualquer neurose o u psicose necessariamente
82 M I C H A E L BALINT

possui alguns aspectos infantis e que qualquer psicoterapeuta deve sempre


dar-se conta de que irá lidar — de uma o u de outra forma — com "a criança
dentro do paciente".
Sabemos da existência de dificuldades bastante grandes, quando "a
criança dentro de nosso paciente" está na idade do conflito edípico. M a s o
abismo que separa os adultos da "criança dentro do paciente", na idade da
falha básica — o "infans", no verdadeiro sentido do termo, isto é, aquele que
ainda não fala a linguagem dos adultos — é consideravelmente maior do que
qualquer coisa encontrada no nível edípico, no qual, afinal, todos utilizam a
linguagem convencional. Apesar da crescente dificuldade, o abismo que
separa o paciente do analista precisa ser atravessado, se se quiser continuar o
trabalho terapêutico. N o entanto, é preciso compreender que o paciente—isto
é, "a criança dentro do paciente", na idade da falha básica — é incapaz de
atravessar o abismo por conta própria. A grande questão técnica é: como
atravessar esse abismo? Q u e parte dessa tarefa deve ser feita pelo analista e
qual deve ser deixada ao paciente?
Para evitar u m possível mal-entendido, queremos enfatizar que, no que
segue, deveremos discutir os problemas técnicos encontrados nos pacientes
regressivos ao nível da falha básica. É provável que esse seja apenas u m tipo
das chamadas depressões "profundas". Julgamos que u m estudo analítico
mais p r o f u n d o dos pacientes verdadeiramente esquizofrénicos — mas não o
dos "caracteres esquizoides"—possivelmente revelará características que irão
diferenciar a regressão "esquizofrénica" da forma com a qual estamos preocu-
pados aqui.
Evidentemente, há muito tempo os analistas já reconhecem esses dois
problemas técnicos — a tarefa de atravessar o abismo que nos separa , os
adultos, da "criança dentro do paciente" e vencer a incapacidade do paciente
de aceitar a realidade e cooperar com o trabalho terapêutico, tendo sido
desenvolvidos vários métodos para lidar com eles. O que não foi suficiente-
mente enfatizado, na literatura sobre esse tópico, é que existem várias
eventualidades que ameaçam o terapeuta que esteja tentando atravessar o
abismo que o separa de u m paciente regressivo, especialmente quando a
regressão atingiu a área da falha básica; e que todas essas eventualidades são
causadas por suas respostas aos fenómenos pertencentes a essa área.
Nosso plano é discutir, no capítulo 15, a influência geral da linguagem
sobre a situação analítica e, depois, dedicar os capítulos 16-18 a u m a descrição
de algumas das respostas "padronizadas" a u m paciente regressivo e suas
consequências. Isso será seguido, nas partes IV e V , por u m a discussão de
nossas experiências clínicas com pacientes regressivos e das técnicas que
julgamos de utilidade nessas situações.
A F A L H A BÁSICA 83

NOTAS

(1) Uma possível explicação teórica para essas diferenças utiliza a ideia de trauma. De acordo com
ela, o indivíduo se desenvolveu mais ou menos normalmente, até o momento em que é afetado
por um trauma. A partir de então, seu desenvolvimento passa a ser influenciado fundamental-
mente pelo modo desenvolvido para lidar com os efeitos desse trauma — sua falha básica.
Evidentemente, nem sempre esse trauma é um evento único; ao contrário, com frequência, está
ligado a uma situação de certa duração, provocada por uma dolorosa divergência — uma falta
de " a d a p t a ç ã o " — e n t r e o indivíduo e seu entorno. Em geral, o indivíduo ainda é criança, sendo
seu entorno um mundo de adultos.
Na verdade, apesar da falta geral de "adaptação", em certos casos, um ou mais adultos podem
ficar ao lado da criança, porém, com muito mais frequência, é o indivíduo imaturo e fraco quem
precisa lidar com a situação traumática, por sua própria conta, sem nenhuma aj uda ou com uma
de um tipo que nada mais é do que uma forma de continuar a divergência, o que, para ele, é
inútil.
Assim, o indivíduo é levado a adotar seu próprio método de lidar com o trauma, método
encontrado em seu desespero ou indicado por um adulto pouco compreensivo, pouco amigo
ou indiferente, negligente ou até mesmo descuidado ou hostil. Como acabamos de dizer, o
desenvolvimento posterior do indivíduo será determinado, ou de algum modo limitado, por
esse método que, embora possa ajudar, em determinados aspectos, invariavelmente é difícil e,
acima de tudo, estranho. Não obstante, será incorporado à estrutura do ego — com sua falha
básica — e tudo o que ultrapassar ou contrariar tais métodos irá afetá-lo, como uma proposição
assustadora e mais ou menos impossível.
A tarefa do tratamento analítico consiste em lidar com os medos que obstruem o caminho da
readaptação—chamados de "fixações"—permitindo ao paciente ampliar suas potencialidades
e desenvolver novos métodos de lidar com suas dificuldades. Evidentemente, o resultado desse
empreendimento também irá depender de quanto o trauma afetou o indivíduo e até que ponto
o método escolhido é compatível com o desenvolvimento de uma forma de "amor genital". Em
alguns casos, aparentemente é necessário voltar ao período pré-traumático, para que o paciente
reviva o próprio trauma, mobilizando a libido nele "fixada" e encontrando novas possibilidades
de lidar com os problemas envolvidos. Se o trauma ocorreu em um estágio relativamente tardio
do desenvolvimento, o ponto ao qual o tratamento precisa retornar será o nível edípico, quando
então não haverá necessidade de levar além a regressão, que será possivelmente ainda menos
observável na situação analítica. Por outro lado, se o trauma o afetou em um ponto além da área
edípica, é provável ocorrer e ser observada uma regressão considerável.
(2) Quando começamos a praticar a psicanálise, no início da década de 20, costumava-se utilizar
55 minutos.
(3) Agradeço à minha esposa pelo material clínico.
CAPÍTULO 15

O Problema da Linguagem na
Educação e no Tratamento
Psicanalítico

A
x X . D I F I C U L D A D E mais geral, mas nem sempre totalmente reconhecida, é a
causada pelo uso continuado, pelo analista, da linguagem habitual, como
veículo de suas respostas ao paciente regressivo. Evidentemente, esse é apenas
u m caso particular do problema de linguagem na situação analítica. Não há
dúvida de que qualquer inglês o u norte-americano analisará u m paciente de
língua inglesa em inglês e que ambos se entenderão. Porém, é preciso admitir
que o analista usará, com cada paciente, u m conjunto u m pouco diferente de
palavras, frases e clichés; mas, no todo, os "dialetos" serão mutuamente
inteligíveis. Por outro lado, certamente não o serão para u m francês o u u m
alemão, devendo ser antes traduzidos.
Evidentemente, isso não quer dizer que o inglês o u , no caso, o francês o u
o alemão sejam superiores, mas que são linguagens diferentes. O motivo da
diferença é histórico: os ingleses, franceses e alemães, e m seus primeiros
estágios de formação, aprenderam linguagens diferentes com seus pais.
A maioria das coisas, objetos, relações, emoções, etc. p o d e m ser expressas
igualmente bem em diversas linguagens, mas devemos enfatizar que é apenas
a maioria delas, pois é preciso acrescentar que algumas não p o d e m . Isso é
verdade, e m particular, para as comunicações muito carregadas emocional-
mente. Bons exemplos disso são a poesia lírica o u as letras de músicas; traduzir
qualquer uma delas é u m a tarefa quase impossível; como sabemos, as óperas são

84
A F A L H A BÁSICA 85

cantadas preferencialmente na linguagem original. Nossa explicação favorita


para essa dificuldade emprega a ideia do "feixe de associações" que cerca cada
palavra, diferente em cada linguagem, diferente mesmo nas várias relações
humanas que utilizam a mesma linguagem. São exemplos óbvios as linguagens
quase secretas de diversos ofícios ou profissões, a gíria utilizada pelas pessoas
que frequentam a mesma escola, a mesma unidade do exército, a mesma prisão
ou pelos que foram treinados por u m mesmo instituto analítico. O u t r o exemplo
convincente é a dificuldade em encontrar u m a definição exata, especialmente
em psicologia. U m a definição exata procura despir as palavras utilizadas de
todas as associações indesejáveis, uma tarefa raramente bem-sucedida.
C o m o é demonstrado pela experiência, qualquer criança, paciente o u
candidato pode, potencialmente, aprender u m a linguagem; qual a que irá
realmente aprender, dependerá de seus pais, terapeuta o u analista que o estiver
treinando. A escolha não é sua; de fato, ele não tem nenhuma escolha; precisa
aprender a linguagem de seu entorno.
Isso é u m fato de suprema importância para nossa prática e teoria
analíticas; os pacientes (e candidatos) precisam aprender, e de fato aprendem,
a linguagem de seus analistas. N a verdade, durante todo o tempo o analista
também está aprendendo com cada paciente, mas esse aprendizado, embora
altamente importante, de fato é muito pequeno, quando comparado com o que
u m genitor complacente pode aprender com seu filho. Embora esse aprendiza-
do seja bastante grande, o fato é que, se o genitor for inglês, a linguagem
resultante será inevitavelmente o inglês, e nunca, diríamos, o húngaro o u o
chinês. Isso significa que a criança será capaz de se expressar com facilidade
somente os sentimentos, pensamentos e experiências da forma como habitual-
mente são experimentados pelos genitores, expressando-os e m inglês; mas
jamais aqueles que, embora ausentes no inglês, possam ser facilmente expressos
por u m a criança húngara o u chinesa em sua língua materna e vice-versa.
Poderíamos dizer que esse simples fato tem sido recalcado, sistematica-
mente, e m nossas considerações teóricas. E m geral, as associações dos pacien-
tes são apresentadas como provas da correção das ideias de seus analistas.
Definitivamente, é preciso reconhecer que o primeiro desejo de u m paciente
é o de ser compreendido e, por isso, ele precisa falar u m a linguagem
compreensível ao analista, o u seja, u m dos dialetos da linguagem do próprio
analista. Ademais, assim como u m genitor inglês nunca questiona a sabedoria
de falar inglês com seu filho, cada analista automaticamente utilizará sua
própria linguagem o u a do grupo com seus pacientes; nada seria mais natural
para ele do que isso.
Assim, cada analista desenvolve uma linguagem analítica, que continua
sendo, n a estrutura essencial, a mesma, embora mude e cresça, ficando mais
rica, mais exata, mais expressiva, mais eficiente e mais facilmente inteligível —
a todos aqueles que a aprenderam. Por outro lado, sempre é considerada por
86 M I C H A E L BALINT

qualquer outra pessoa como estranha e irritante. O que não podemos jamais
esquecer é que o simples fato de as pessoas falarem e entenderem não as eleva
à categoria de linguagem universal, embora os que a utilizam gostassem de que
isso fosse verdade.
Se o aceitarmos como inevitável, o que podemos fazer a respeito? Para
nossa teoria, a resposta seria u m programa laborioso; primeiramente, devemos
compilar, para cada u m a das linguagens analíticas, u m dicionário e u m a
gramática, isto é, u m a coleção, o mais completa possível, de palavras e das
diversas conexões possíveis entre elas; porém, quando comparamos esses
diversos dicionários e gramáticas, constataremos que há, em cada linguagem,
diversas palavras, frases e estruturas gramaticais intraduzíveis, características
de cada u m a das linguagens; em terceiro lugar, podemos então comparar as
diversas linguagens para determinar qual a mais adaptada como u m a forma de
expressar alguma coisa. Esta, a parte mais importante da pesquisa, só pode ser
montada depois que as duas anteriores atingiram certo estágio.
Além disso, todas as palavras possuem seus próprios feixes de associações,
alguns difusos, outros mais concentrados, alguns vagos, ampliados e fluidos,
outros mais condensados, quase sólidos, mas todos altamente individuais.
Dificilmente encontrar-se-ão duas palavras absolutamente idênticas e m duas
línguas diferentes. Há muitos exemplos dessa falta de correspondência, e, por
isso, iremos citar, para ilustrar o que digemos, alguns termos técnicos inadequa-
dos de nossa própria ciência. O termo alemão Besetzung, significa e m inglês
"occupation" (ocupação), "charge" (carga), "cathexis" (investimento); os termos
alemães Lust e Unlust são simplesmente intraduzíveis; o termo inglês pleasure
(prazer) significa algo completamente diferente, enquanto unpleasure (desprazer)
é u m desajeitado neologismo, sendo o mesmo verdade para pleasurable (prazeroso)
e unpleasurable (desprazeroso); o termo alemão Angst pode significar " m e d o " ,
"angústia" e mesmo "pânico". Todas essas palavras e m inglês possuem feixes
de associações muito diferentes dos do alemão. Inversamente, o termo inglês
sentiment, não encontra equivalente em alemão, e o termo inglês depressed tem
u m significado bastante diferente de seu equivalente linguístico alemão,
deprimiert. O termos ingleses skill e thrill não possuem u m verdadeiro equiva-
lente em qualquer outra língua europeia que conheçamos. Por último, mas não
menos importante, os alemães não possuem mind, mas os ingleses sentir-se-ão
desconfortáveis se alguém, exceto u m padre, lembrá-los de que possuem u m a
soul (alma). E m inglês, falamos das "doenças da mente"; seu equivalente
alemão, Geisteskrankheiten significa "doenças do espírito".
Selbstgefuhl e Selbstbewusst, conceitos bastante simples em alemão, não
encontram equivalente em inglês, em virtude de seus feixes de associações
serem muito diferentes, e m ambas as línguas. Selbstbewusst denomina u m a
pessoa que está consciente de suas qualidades pessoais, que confia, de u m a
forma realística, n a própria capacidade; o termo inglês equivalente, self-
A F A L H A BÁSICA 87

conscious, significa exatamente o oposto. Selbstgefühl, literalmente " o sentimento


de si mesmo", significa—graças ao efeito de melhora de seu f e i x e — " o r g u l h o " ,
"virilidade", "dignidade", "confiança". A teoria analítica traduziu-o por "auto-
estima", modificando consideravelmente seu significado pela influência do
feixe que envolve a palavra "estima", que é bastante diferente do que envolve
Gefãhl, isto é "sentimento".
Devemos acrescentar que todos os nossos exemplos foram tirados da
correspondência entre o inglês e o alemão; evidentemente, qualquer par de
línguas apresentará problemas similares, o mesmo ocorrendo com as lingua-
gens de quaisquer duas escolas analíticas.
Infeliz o u felizmente, na associação livre não interessam apenas as
palavras, mas também, e de uma maneira muito importante, a totalidade do
feixe. São bons exemplos disso os termos técnicos acima mencionados. F r e u d
nunca poderia ter desenvolvido a teoria de Besetzung em inglês, pois nessa
língua não existia uma palavra para expressar o que queria dizer. C o m o é bem
sabido, o termo "catexis" (investimento) foi criado sob medida para preencher
a lacuna, mas é pouco provável que alguma vez tenha sido u m a palavra viva.
O mesmo é verdade, mais ainda, no que se refere a Lust e Unlust. Por outro lado,
nossa moderna teoria da "depressão" só pode se desenvolver em inglês, no qual
o termo abrange u m campo vago e muito amplo — assim como o fazem, e m
alemão, Besetzung o u Abwehr. O termo alemão deprimiert, com seu feixe pequeno
e quase sólido de associações, teria desencorajado, desde o início, qualquer uso.
Desse modo, não precisamos apenas de u m vocabulário e de u m a
gramática para cada u m a das línguas analíticas, mas também de u m a coleção
dos feixes de associações que cercam cada palavra. Talvez seja essa a tarefa mais
difícil; mesmo em lingüística, o ramo correspondente, a semântica, está ainda
e m seus primeiros estágios, tendo ido dificilmente além da fase de colecionar
curiosidades. Mesmo assim, esse trabalho precisa ser feito.
Tememos que, nesse meio-tempo, devam ser aceitas como iguais todas as
linguagens analíticas; mesmo que, evidentemente, algumas estejam mais
desenvolvidas, enquanto outras ainda estão em u m estado primitivo e defici-
ente e, talvez, jamais saiam dele. N o entanto, cada uma expressa importantes
pormenores da experiência analítica, e, enquanto não pudermos traduzir para
qualquer outra, com confiança e segurança, as comunicações expressas em u m a
língua, é preciso tolerar todas.
E m geral, neste ponto é levantado u m argumento. Afirma-se que Freud
nos deu u m a linguagem bastante boa e eficiente, facilmente compreendida por
todo analista; vamos aceitá-la como u m a linguagem-padrão "clássica" da
psicanálise, pedindo que, doravante, qualquer reformador compile u m dicioná-
rio e u m a gramática que indique claramente em que pontos e de que m o d o sua
língua difere da de Freud. Essa proposta soa altamente razoável, mas temo que
seja inaceitável. C o m o procuramos demonstrar nos capítulos 1-3, as clássicas
88 MICHAEL BALINT

investigações de Freud não foram muito além do complexo nuclear, enquanto


que todos os idiomas "modernos" procuram descrever achados relacionados à
área da falha básica. Consequentemente, as diversas descrições de achados
clínicos nas linguagens analíticas "modernas" não p o d e m ser comparadas às
descrições "clássicas" de Freud; não temos o "primus", mas apenas o "pares".
M e s m o desagradável, este fato deve ser mutuamente aceito.
As consequências para nossa prática são igualmente importantes. N a
verdade, a existência de linguagens analíticas diferentes, n e m sempre m u t u a -
mente inteligíveis, pode ser desconsiderada enquanto o trabalho terapêutico
permanecer no nível edípico. Mesmo que — como se acabou de exemplificar
com as palavras intraduzíveis: Angst, Besetzung, Lust e depressed—encontremos
dificuldades, estas não constituem verdadeiros problemas técnicos. N o entanto,
estes de imediato surgem, quando nosso trabalho com o paciente ultrapassa a
área da linguagem adulta convencional, passando à da falha básica. Nesta área,
as comunicações não-verbais do paciente são tão importantes como suas
associações verbais, não interessando se a chamamos de "conduta", acting-out,
"repetição", "criação de atmosfera", etc. C o m o todas as "comunicações" são não
verbais, somos nós, os analistas, que devemos agir como intérpretes entre o self
consciente adulto do paciente e seus desejos inconscientes. E m outras palavras,
somos nós que temos de traduzir (1), em linguagem convencional adulta, sua
conduta primitiva, para que ele possa avaliar seu significado. Ademais, geral-
mente devemos agir não apenas como intérpretes, mas também como informan-
tes. M e s m o no nível edípico, n e m sempre o paciente se dá conta o u de alguma
forma quase nunca está plenamente consciente do que esteve fazendo na
situação analítica e, em particular, se sua conduta foi o u não u m a "atuação" o u
"repetição". N o nível da falha básica, a noção do paciente é ainda menos
confiável e vaga.
Nessa situação, nosso papel assemelha-se ao de u m viajante visitando
uma tribo primitiva, cuja língua ainda não foi estudada e cujos costumes ainda
não foram testemunhados e muito menos descritos em termos objetivos. E
trabalho do informante chamar a atenção para as partes relevantes de determi-
nada conduta, descrevendo-as de acordo com a importância, em linguagem
inteligível. Essa dupla tarefa — de informante e intérprete — é inevitável, não
interessando se pretendemos contribuir para o avanço da ciência o u meramente
auxiliar nossos pacientes.
A tarefa de traduzir, para a linguagem adulta, o significado dos fenómenos
observados—com finalidade científica o u terapêutica—baseia-se na presença
de u m vocabulário adulto e de u m a gramática adulta, apenas existente no nível
edípico. Até onde sabemos, o inconsciente não possui vocabulário, em nosso
sentido do termo; embora existam palavras, nele nada mais são do que qualquer
outra representação objetal, pois as palavras ainda não possuem a função
simbólica dominante exigida pela linguagem adulta. Elas são principalmente
A F A L H A BÁSICA 89

figuras, imagens o u sons, que podem, sem milito esforço, modificar seu sentido
o u ser assimilados a u m a outra — como de fato ocorre nos sonhos. Parece que,
no inconsciente, as palavras possuem a mesma imprecisão de contornos e cores
das imagens vistas e m u m sonho, u m a espécie de cinzento sobre cinzento;
embora investidas por u m a grande dose passageira de emoção e afeto, não
servem para ser usadas de u m a forma bem definida e concisa, como seria
necessário na linguagem adulta.
Nosso próximo problema é perguntar o que se está fazendo na prática com
esses pacientes? N o todo, os analistas procedem como as mães acima descritas.
Parecem não ter dúvidas quanto à linguagem a escolher; falam a sua própria
língua que, de fato, equivale à sua língua materna, pois foi c o m ela que
aprenderam sua infância analítica. Além de serem informantes e intérpretes,
também assumem o papel de professores e, portanto, seus pacientes inevitavel-
mente aprendem u m dos diversos dialetos da linguagem de seu analista. C o m o
já foi mencionado, há várias linguagens desse tipo, pois cada escola psicanalítica
desenvolveu a sua.
A seguir, descreveremos algumas dessas linguagens. Nossa principal
preocupação é estudar de que modo elas ajudam o analista a responder a u m
paciente regressivo e a impor limites à escolha das respostas. Por último,
tentaremos mostrar os perigos inerentes a cada tipo de resposta.

NOTA

(1) A seguir, fazemos uma pequena recapitulação de algumas ideias desenvolvidas em nosso livro
Thrills and Regressions, principalmente nos capítulos 8 e 11 (Balint, M . , 1959).
CAPÍTULO 16

A Técnica Clássica e suas


Limitações

ALGUNS analistas utilizam a linguagem "clássica", que data de Freud,


baseada principalmente em experiências pertencentes ao nível edípico, experi-
ências estas expressas em linguagem comum adulta ligeiramente modificada.
D e n e n h u m m o d o , houve negligência o u desconsideração desses analistas
pelas experiências "pré-genitais", que foram descritas na mesma linguagem
adulta, isto é, elevadas ao nível edípico.
Dito de outra forma, esses analistas procuram restringir suas respostas à
regressão—em primeiro lugar, às interpretações—pelo menos às consideradas
confiáveis, quando lidam com conflitos do nível edípico, esperando que, através
dessa técnica cautelosa, o paciente seja retirado da regressão e novamente
atraído pelos interesses remanescentes dos tidos anteriormente, em relações
triangulares da vida real, nas diversas formas de sexualidade oral, anal e genital,
e assim por diante. O que esses analistas cautelosos não percebem é que,
utilizando essa técnica, p o d e m forçar o paciente a permanecer no nível edípico
durante todo o tratamento o u a retornar a ele após regressões muito curtas a
outras áreas da mente. Nessa técnica, a maioria dos fenómenos pertencentes à
área da falha básica provavelmente é interpretada como sintomas do complexo
de castração o u da inveja do pênis. Essas interpretações são correras até onde
esclarecem u m dos fatores sobredeterminantes, mas, como negligenciam todos
os originados na própria falha básica, poderão, em alguns casos, mostrar-se

90
A F A L H A BÁSICA 91

terapéuticamente inúteis. N a verdade, tais terapeutas p o d e m alcançar resulta-


dos elogiáveis, mas apenas com pacientes selecionados com cuidado.
Urna excelente descrição das possíveis variações inerentes à técnica
psicanalítica "clássica" foi a fornecida por R. Loewenstein, no 20° Congresso
Internacional Psicanalítico, em Paris (1958). C o m o leal adepto à causa da
"técnica clássica" demonstrou, de forma habilidosa, sua grande flexibilidade e
capacidade de adaptar-se a u m a vasta gama de situações terapêuticas.
C o m o a maioria de seus associados mais próximos, não disse muito a
respeito de suas limitações, nem discutiu o que seria feito com pacientes cuja
doença — no todo o u em parte — estivesse fora do alcance da técnica clássica.
Citou, de maneira elogiosa, dois importantes trabalhos que lidam c o m o
problema. U m de E d w a r d Bibring (1954), que, de fato, admite que as necessi-
dades de certos pacientes vão além do que é compatível com a "técnica clássica";
e m tais casos, as necessidades p o d e m ser atendidas — talvez até mesmo c o m
sucesso — por u m outro tipo de psicoterapia, que não deve ser chamada de
psicanálise. Isso é bastante cortês. O outro trabalho é de K . Eissler (1953), que
demonstrou que a "técnica clássica", ou, de fato, qualquer técnica psicoterapêutica,
deve ser considerada como determinada por u m certo número de "parâmetros",
como: frequência das sessões, duração de cada sessão, a condição a que F r e u d
chamou de "abstinência", a situação terapêutica física, isto é, com o paciente e m
posição supina e analista sentado fora de suas vistas, a conduta geral do analista,
comparada por Freud a u m "espelho bem polido", etc.. D e u m a forma correra,
Eissler destacou que qualquer u m desses parâmetros pode ser, inconsciente o u
intencionalmente, modificado pelo analista, porém recomendou, com o assen-
timento de Loewenstein, que algumas mudanças são irreversíveis, isto é, depois
de permitida sua ocorrência, não mais será possível restaurar a situação
psicanalítica "clássica".
Se compreendemos corretamente, Loewenstein considerou tarefa sua
indicar o permissível, o u talvez apenas o seguro, além do qual não seria
recomendável ao analista aprofundar-se. Propomos devolver na mesma moe-
da, indagando quais as consequências da atitude terapêutica defendida por
Loewenstein, Bibring, Eissler e outros. Este é o grande problema, de forma que
mencionaremos apenas três de seus tópicos.
O primeiro é, evidentemente, a seleção, cláusula operatória de qualquer
limitação da técnica terapêutica. Se esta última for limitada, serão rejeitados
certos pacientes como incapazes de se beneficiar com ela. Loewenstein e todos
os seus associados — sabiamente — deixaram de mencionar esse fato desagra-
dável, fugindo assim da tarefa de indagar quais os critérios sobre cujas bases
seria feita essa dolorosa seleção.
Poderíamos dar como certo que, ao selecionar u m paciente, os analistas
não são levados apenas por ideias e critérios conscientes e explicitamente
afirmados, mas também por algumas expectativas inconscientes. Assim, talvez
92 MICHAEL BALINT

não fosse incorreto afirmar que as principais perguntas referem-se menos à


"curabilidade" do paciente do que à sua "analisabilidade". E m outras palavras,
essa análise será o u não gratificante? C o m u m pouco de malícia, poderia até
mesmo ser dito que u m a das indagações é se o paciente poderá o u não dar
satisfação ao analista. Se isso não acontece em n e n h u m outro campo, parece
muito provável que ocorra algo semelhante, quando candidatos são seleciona-
dos para treinamento. Devemos acrescentar que isso parece ocorrer em todas
as escolas de pensamento, não só na da técnica "clássica".
Evidentemente, tudo isso não significa que a seleção seja inerentemente
errada; é quase certo que o oposto é verdadeiro. O que quisemos enfatizar é que
os tipos de técnica e critérios de seleção são interdependentes, determinándo-
se mutuamente. A negligência dessa ordem fundamental explica a relativa
futilidade dos repetidos simpósios sobre "Analisabilidade", em especial nos
Estados Unidos (1960, 1963). Outro possível motivo para esses repetidos
simpósios poderá ser a necessidade de alguns analistas de justificar sua
relutância em aceitar pacientes com prognósticos arriscados. Deve-se repetir
que — desde que a seleção tenha sido feita com cuidado — os resultados
alcançados pelo uso da linguagem analítica clássica são excelentes.
Intimamente ligada a esse problema, encontra-se a questão de qual a
tarefa deveria ser a das "outras", das psicoterapias não clássicas e também
dinâmicas, que então deveriam ser utilizadas em pacientes declarados impró-
prios para a "análise clássica". Essa tarefa deveria ser entregue aos analistas
"selvagens", aos ecléticos, aos psiquiatras gerais — o u , talvez, aos que curam
pela fé? Vale a pena recordar que, em certo momento de nosso passado, não
hesitamos n e n h u m pouco em estender nosso alcance bem além dos limites da
técnica "clássica". Foi este o caso da análise infantil, para a qual foi preciso
desenvolver novas técnicas, para encontrar uma nova situação terapêutica.
Alguns dos parâmetros da análise infantil diferem fundamentalmente dos das
"técnicas clássicas". Mencionamos u m exemplo notável: durante o tratamento
de u m a criança com 3-4 anos, nenhum analista pode evitar ser chamado a ajudá-
la em sua função excretoria, uma situação impensável em u m paciente adulto,
e, certamente, de acordo com Eissler, u m dos parâmetros irreversíveis. Apesar
de tais diferenças fundamentais, não entregamos a análise infantil aos, digamos,
psicólogos educacionais, mas nós mesmos enfrentamos o problema, com
grande lucro para a ciência da educação, para a psicologia infantil, para a
psiquiatria infantil e, acima de tudo, para a própria psicanálise. Desde então, a
análise infantil tem sido u m estudo especializado, mas nem por isso deixou de
ser parte integrante do corpo da psicanálise.
Seria u m estudo histórico e psicológico intrigante descobrir o que levou
a opinião psicanalítica a adotar u m a atitude exatamente oposta, no caso da
terapia de grupo. Embora o próprio Freud previsse alguma mistura no ouro
puro da psicanálise, para torná-la apropriada à psicoterapia das grandes
A F A L H A BÁSICA 93

massas, e embora quase todos os pioneiros da terapia de grupo fossem


psicanalistas treinados, nós, como u m corpo, nos recusamos a aceitar a respon-
sabilidade de seu maior desenvolvimento — em nossa opinião, em detrimento
de todos os envolvidos e, acima de tudo, de nossa própria ciência. São outros
os que agora apanham a rica colheita desse importante campo e talvez
tenhamos perdido u m a oportunidade irrecuperável de obter observações
clínicas de primeira mão a respeito da psicodinâmica das coletividades.
Deixem-nos indagar agora por que u m grande número de analistas, com
u m a p r o f u n d a e variada experiência, como Loewenstein e associados, pensa
que não é recomendável e é até mesmo perigoso ir além da área tão clara e
convincentemente por eles mapeada? Pensamos que nossas ideias dão u m a
resposta a essa pergunta, evidentemente não a única. A técnica clássica, com
todas as variações permissíveis, pressupõe u m a relação entre o paciente e o
analista, que pode ser caracterizada como pertencente ao nível edípico. Q u a l -
quer variação é segura enquanto obrigar a relação a permanecer nesse nível.
Qualquer medida técnica que vá além das permitidas o u mesmo provocadas
pelas seguras variantes de Loewenstein, ao desenvolver outro tipo — o u muito
provavelmente outros tipos — de relação terapêutica que ainda não tenha sido
adequadamente estudada, irá envolver, em alguns riscos, tanto o paciente como
o analista. Por outro lado, temos a certeza de que existem outras relações, que
não as do nível edípico, sendo claro que algumas delas, sob determinadas
condições, p o d e m ser utilizadas com finalidades terapêuticas. Para evitar mal-
entendidos, desejamos acrescentar que as relações observadas e estudadas
durante a análise infantil em geral não pertencem às que temos em mente; são
variantes simplificadas do que chamamos de relação edípica. Mais tarde
voltaremos a essa afirmação.
Devemos admitir que tais relações não-edípicas p o d e m envolver alguns
riscos, tanto para o paciente como para o analista. Sabemos alguma coisa, mas
não o suficiente, a seu respeito. Poderia acrescentar que, quando F r e u d
abandonou sua técnica catártico-hipnótica, adotando uma técnica a partir da
qual desenvolveu a psicanálise, estava correndo riscos — como agora sabemos,
muitos bastante sérios — cuja natureza e extensão eram-lhe então quase
completamente desconhecidas. Certamente, para ele teria sido mais seguro não
iniciar a caminhada; mas teria sido mais sábio?
Sabemos que o sucesso de uma não justifica empreender outras aventuras
perigosas. Ademais, pela lei das probabilidades, é pouco provável que exista
outro F r e u d em nossas fileiras. Mesmo assim, devemos entregar essa tarefa,
certamente perigosa, a algum outro grupo de trabalhadores? Apesar das muito
b e m fundamentadas recomendações, nossa opinião é que não devemos.
Para o que serviria essa tarefa? Para estudar o mais possível as várias
relações primitivas, não edípicas, para descobrir os fatores que permitem o u
estimulam seu desenvolvimento; para definir as condições que devem ser
94 MICHAEL BALINT

aceitas, se o analista puder controlá-las, para que não surjam perigos e, por
último mas não menos importante, para utilizá-las como veículos de interven-
ções terapêuticas. Pensamos que, em virtude de nosso treinamento, os analistas
são o único grupo de pesquisadores que pode empreender essa tarefa, e
certamente ficaremos mais pobres se fugirmos dela.
Alguns poderão dizer que, se você se aventura nessas terras não mapeadas,
poderá não encontrar nada e, mesmo que encontre, talvez não valha o risco
corrido pela psicanálise. Não somos tão pessimistas. O ouro p u r o tem a notável
qualidade de suportar qualquer fogo, sendo até mesmo purificado por ele. Não
vemos n e n h u m motivo para temer pelas partes essenciais de nossa ciência,
podendo até mesmo ser queimadas algumas de suas pequenas impurezas, se
o ouro não for puro, o que seria melhor para as futuras gerações.
CAPÍTULO 17

Os Riscos Inerentes à
Interpretação Consistente

U T R O S analistas, influenciados pelas ideias de Melanie Klein, abordaram


esse problema com u m a atitude teórica completamente diferente. Embora
estivessem totalmente cônscios do imenso abismo que separa a criança do adulto
dentro do paciente, perceberam que tal diferença não seria alcançada pela
linguagem convencional. N a verdade, é fundamental a diferença entre a
psicologia do adulto e a de u m a criança, mas sua atitude científica implica que,
pelo uso judicioso das noções existentes e pela criação de novas, a linguagem
adulta é capaz de lidar mesmo com os mais primitivos processos da mente
infantil. A s duas outras suposições dessa escola são: (a) que, nos estágios iniciais
do desenvolvimento mental, a importância dos desejos derivados da hipotética
pulsão de morte é muito maior do que na vida adulta e (b) que praticamente
todos os fenómenos observados em adultos presumivelmente estarão, de
alguma forma, presentes na infância mais precoce, mesmo nas primeiras
semanas de vida, o que, dizem eles, pode ser validado pela observação direta
dos bebés.
Essa escola desenvolveu uma teoria mais elaborada, e com ela u m a
linguagem, bem como sua própria técnica de interpretação. Essa nova lingua-
gem é bastante diferente da adulta geralmente falada. Entretanto, não devemos
esquecer que a linguagem original de Freud também era, em muitos aspectos,
diferente da comumente utilizada; mas, atualmente, a maioria de suas inova-

95
96 MICHAEL BALINT

ções faz parte do discurso educado, e isso também poderá vir a ocorrer c o m essa
nova linguagem. Há u m a outra grande diferença entre a linguagem de F r e u d
e a dessa nova escola. Enquanto a de Freud estava interessada principalmente
nas experiências do nível edípico, essa escola empreendeu a tarefa consciente
de inventar expressões padronizadas para descrever experiências mais p r i m i -
tivas do que as pertencentes ao nível edípico.
C o m o esses analistas julgam que o paciente regressivo ainda não estabe-
leceu relações com os objetos totais reais, sendo capaz apenas de se relacionar
com objetos parciais, utilizam, com a finalidade de se comunicar com tais
pacientes, a linguagem convencional, mas livremente mesclada a substantivos
como "seio", "leite", "conteúdo " o u "dentro do corpo", "objetos parciais", etc,
e verbos como "fragmentar", "chupar", "incorporar", "projetar", "perseguir",
"danificar", etc. Assim, os termos "seio", "leite", "dentro do corpo", entre outros,
iniciaram suas carreiras como palavras normais, com u m significado convenci-
onal acordado, porém, com o passar do tempo, sofreram u m a curiosa mudança,
seu significado se tornando, em nossa opinião, ao mesmo tempo mais amplo e
abrangente, e m consequência de sua aplicação à descrição de fenómenos
pertencentes à área da falha básica.
Por essa constante ampliação semântica, tais analistas oferecem e
frequentemente conseguem dar nomes a coisas e experiências que ainda não
tinham nomes e, por isso, não podiam ser expressas em palavras. Por exemplo,
talvez fosse seio ou leite o que a criança pequena quisesse, mas ela, naquele
momento, ainda não conhecia essas palavras e suas experiências emocionais
nunca tinham sido tão definidas como implicadas pelo significado convencio-
nal adulto das palavras "seio", "leite " o u "danificado."
Utilizando, assim, forma as palavras, esses analistas desenvolveram u m a
linguagem "louca", muito característica, embora u m tanto peculiar, descrita por
muitos de seus próprios pacientes exatamente nestes termos. E m suas publica-
ções, são citados pacientes que teriam dito algo mais o u menos assim: " O
analista tenta forçar pensamentos loucos dentro do paciente; o paciente nunca
havia tido tais ideias loucas e perturbadoras antes de entrar em análise"; o u ,
depois de u m a interpretação "profunda" feita pelo analista, o paciente poderá
responder: " A interpretação fez o analista parecer estar louco e a análise
perigosa, pois agora o paciente sente que o analista está forçando seus próprios
pensamentos loucos para dentro do paciente, da mesma forma como, de acordo
com a reconstrução do analista, a mãe do paciente havia forçado para dentro
dele seu leite m a u , v i n d o de seu seio destruído".
Isoladamente, tais descrições podem parecer exageradas e incorretas, mas
ocorrem repetidamente, na forma citada, nas publicações. N o entanto, é preciso
acrescentar que a atitude aqui descrita é uma reminiscência da atitude de
algumas crianças que julgam a conversa dos adultos "louca", pois lhes é
ininteligível e, ao mesmo tempo, consideram qualquer tentativa firme de
A F A L H A BÁSICA 97

ensiná-las essa linguagem como forçar para dentro delas ideias contra as quais
seria melhor defender-se.
N o entanto, se o analista — e os adultos — continuarem a utilizar sua
linguagem com consistência absoluta, os pacientes e as crianças eventualmente
cederão, aprendendo o que lhes ensinam e adotando a linguagem dos mais
velhos e superiores. C o m o resultado dessa interação entre u m analista consis-
tente e seu paciente conformado, cria-se u m a "atmosfera" na qual inevitavel-
mente ocorrerão determinados eventos. Através desse processo de aprendiza-
do, os pacientes ficam definitivamente mais maduros, tornando-se capazes de
lidar melhor com certas situações, que, até então, tinham-lhes causado dificul-
dades.
Todavia, o paciente, preparado por sua irresistível necessidade de ser
compreendido, não só aprende a falar a linguagem habitual do analista para
expressar suas associações, mas também passa a aceitar tacitamente que a
análise só pode lidar adequadamente com tais experiências se elas forem
verbalizadas sem grande dificuldade, com uma intensidade que não vá além de
determinado nível crítico. O restante, que está além do reino das palavras,
obtém u m a interpretação muito vaga e inexata ou não pode ser expresso de
nenhuma forma pelo paciente. (O fato dessas experiências de alta intensidade
não poderem ser explicadas em palavras, de u m a maneira satisfatória, talvez
seja u m dos motivos pelos quais sabemos tão pouco a respeito dos processos
mais refinados do orgasmo.)
Esse resultado é u m a prova de que esse método particular de ensino foi
o melhor possível o u que a linguagem do adulto, a qual em certo momento
pareceu "louca", é universal? A apresentação da pergunta desse m o d o leva a
uma resposta. O método não é em absoluto correto, mas apenas eficiente e a
linguagem não é universal, mas apenas u m meio útil e localizado de comuni-
cação. Ademais, o fato de que as crianças e os pacientes procedem de forma
semelhante, enquanto aprendem, sugere que esse tipo de ensino se baseia, em
uma extensão muito ampla, na introjeção e na identificação. Pode-se até mesmo
ser-se desculpado por ter apresentado a suspeita de que, em ambos os casos, a
introjeção e a identificação sejam u m tanto aerificas. De todo modo, esta é a
impressão de u m estranho, quando observa u m candidato, durante e depois do
processo de aprendizado.
Tal impressão é reforçada pela conduta curiosa e bastante uniforme dos
adeptos dessa escola, pois todos parecem confiantes de serem proprietários, não
só de u m a linguagem totalmente adequada para a descrição dos fenómenos
"pré-edípicos" o u mesmo "pré-verbais, mas também de critérios confiáveis de
como utilizar essa linguagem; isto é, quando, o que e como interpretar. Suas
interpretações — como as referidas em nossos encontros científicos e na
literatura—dão a impressão de se originar de u m analista confiante, informado
e talvez até mesmo irresistível, uma impressão aparentemente partilhada por
98 M I C H A E L BALLNT

seus pacientes. Se for verdade, a atitude do analista pode ser u m dos motivos
pelos quais, por u m lado, emerge tanta agressividade, inveja e ódio no material
de associação de seus pacientes e, por outro, porque parecem estar tão
preocupados com a introjeção e a idealização. São esses os dois mecanismos
de defesa utilizados com mais frequência em qualquer parceria na qual u m
parceiro oprimido e fraco tem de lidar com outro irresistivelmente poderoso.
U m outro aspecto intrigante é sua relativa relutância em admitir u m
fracasso terapêutico. M e s m o que, evidentemente, os adeptos dessa escola
d e v a m ter tantos casos difíceis e fracassos como quaisquer outros, na literatura
deles originada está conspicuamente ausente qualquer menção a tal fato. Pelo
contrário, dão a impressão de estar dizendo o u deixando subentendido que,
como com sua nova linguagem obtiveram a chave do entendimento dos
processos pré-edípicos, simplesmente desapareceriam muitas das dificulda-
des e fracassos, se todos os analistas aprendessem a sua técnica e linguagem.
A implicação completa desse tipo particular de relação paciente-terapeu-
ta, característica dessa escola, só será discutida mais tarde, na Parte V . D e
momento, podemos apenas destacar que a desigualdade peculiar entre o
analista confiante, informado e talvez até mesmo irresistível, que utiliza sua
linguagem e interpretação com absoluta consistência, e o paciente, cuja única
escolha reside em aprender a linguagem aparentemente "louca" do analista o u
abandonar qualquer esperança de ajuda, é u m sinal significativo de que o
trabalho analítico atingiu a área da falha básica. Essa técnica aceita a realidade
da falha básica, mas a atribui a u m a falha do próprio paciente, em termos do
que teria feito, em sua fantasia, a seus objetos internalizados.
O risco inerente ao tipo de interpretação que se acabou de discutir talvez
possa ser b e m mais descrito como u m a "superego-intropressão", termo criado
por Ferenczi (1932), que, utilizando sua técnica de forma consistente, apresen-
ta-se ao paciente como u m a figura muito informada e inabalável. Por isso, o
paciente parece sempre ter a impressão de que o analista não só compreende
tudo, mas que também tem sob seu comando os únicos meios infalíveis e
corretos para exprimir tudo: experiências, fantasias, efeitos, emoções, etc.
Depois de superar o imenso ódio e ambivalência — em nossa opinião
provocados, em grande parte, pelo uso consistente da técnica — o paciente
aprende a linguagem do analista, e pari passu introjeta sua imagem idealizada.
Nos casos bem-sucedidos, o resultado parece ser a aquisição de u m a estrutura
mental bastante — embora longe de absoluta — uniforme, sem dúvida
altamente eficiente, embora continue sendo, talvez para sempre, u m tanto
estranha e artificial.
Há u m outro risco inerente a u m tipo de interpretação consistente. Se as
queixas, recriminações e acusações do paciente permanecerem vagas e não
p u d e r e m ser relacionadas a algo específico, quase sempre é possível "analisar"
a q u e i x a — n ã o interessando ao que realmente se r e f e r e — o u mesmo descarta-
A F A L H A BÁSICA 99

la da análise por u m determinado período; todavia, com o tempo, o paciente


invariavelmente volta ao mesmo tipo de queixas. Esse tipo de técnica deve
impressionar o paciente regressivo ao nível da falha básica, como se o analista
tentasse deixar de lado suas acusações e recriminações como irrelevantes o u
dissolvê-las eficientemente por meio de interpretações hábeis e profundas.
Encontram-se, com muita frequência, boas ilustrações de efeitos colaterais
não pretendidos dessa atitude e m nosso trabalho de pesquisa c o m clínicos
gerais e, recentemente, também com especialistas (Balint, M . , 1957,1961). A
maioria parece ter u m desejo irresistível de "organizar" as queixas dos
pacientes e m u m a "doença", com nome e classificação, e tanto o médico como
o paciente parecem perdidos, o u até mesmo desnorteados, se isso não for feito
rapidamente; de forma alternativa, se as queixas não p u d e r e m ser "organiza-
das" e m u m a "doença" tratável, diz-se ao paciente que "não há nada de errado
com ele", o que provoca então u m atrito e u m a irritação intermináveis entre
o paciente, que se sente doente, e o médico bem-intencionado, que não
consegue encontrar algo ao redor d o qual possa "organizar" as queixas d o
paciente e m u m a doença honesta. Sob o impacto do pensamento clínico atual,
os médicos não conseguem avaliar a importância do fato de que o paciente
possa se queixar (independentemente sobre a que se refere a queixa), n e m as
imensas e únicas potencialidades terapêuticas da relação médico-paciente, que
permitem que o paciente se queixe.
Pensamos que quase o mesmo e irresistível desejo de "organizar" age n a
maioria dos analistas. Isso nos compele a dar sentido, a qualquer preço, às
queixas de nossos pacientes, para que deixem de se queixar. N a verdade,
abandonamos mais o u menos a ideia de "doenças", mas ainda parecemos
impelidos p o r u m desejo semelhante de "organizar" as queixas e sintomas,
tanto quanto possível, e m u m "conflito" o u "posição", c o m nome e categoria
definitivos, como "precoce" o u "profundo", em nossa hierarquia cronológica.
D e fato, não damos aos nossos pacientes — como o fazem os clínicos —
sedativos, tranquilizantes, antidepressivos e outros medicamentos, mas talvez
isso faça c o m que se torne para nós ainda mais difícil lidar com queixas que não
p o d e m ser minoradas. Para poder fazer algo a respeito, dar algo para
interrompê-las, recorremos às interpretações, e, se isso não interromper as
queixas, tentamos pôr a culpa em outra coisa: e m nós mesmos, p o r nossa
técnica i n a d e q u a d a ; n o paciente, p o r sua doença incurável, p o r sua
destrutividade, por sua profunda regressão, pela clivagem de seu ego, e assim
por diante; o u e m seu entorno, e particularmante em seus pais, por sua falta
de compreensão, seus meios pouco simpáticos de educação, etc.; recentemente
foi ressuscitado, com esse propósito, u m antigo bode expiatório, a hereditariedade.
A s s i m , podemos desenvolver u m círculo vicioso infindável; o paciente se
queixa, o analista interpreta essas queixas do mesmo m o d o que achou útil
quando trabalhou nos níveis edípico e "pré-edípico"; no entanto, não ocorre
100 M I C H A E L BALINT

n e n h u m a mudança, e os sentimentos de culpa e fracasso aumentam de


intensidade, tanto no analista, como também no paciente, que assim são levados
a novas queixas e a novas interpretações frenéticas, ainda mais habilidosas e
profundas do que as anteriores.
CAPÍTULO 18

Os Riscos Inerentes ao Manejo


da Regressão

u M terceiro grupo de analistas, não tão bem organizados como os dois


anteriores, espalhado em todo o m u n d o analítico, também se origina no abismo
que nos separa, os adultos normais, da criança dentro do paciente, mas julga —
de maneira muito semelhante à nossa forma de pensar—que isso se deve à falta
de orientação da criança, pelos adultos, durante seu período formativo inicial,
sobretudo pela mãe. A falta de orientação, a falta de "adaptação" entre a mãe
e o filho, pode criar alterações estruturais duradouras na mente da criança. Por
exemplo, de acordo com Winnicott, u m dos resultados encontrados com mais
frequência é u m a espécie de clivagem do ego. E m resposta à falta de orientação
— devida, provavelmente, à introjeção de u m entorno indiferente, esmagador
o u inadequado — surge u m falso ego o u self para lidar com o m u n d o pouco
simpático. Esse falso ego pode ser altamente eficiente e mesmo bem-sucedido
e m muitas áreas da vida, mas barra o acesso ao self verdadeiro o u real, que por
isso permanece imaturo, sem contato com a realidade. O resultado é u m a
sensação duradoura de futilidade, vazio e infelicidade.
Essa escola, como acabamos de dizer, pela sua principal ênfase sobre u m a
"adaptação" adequada—entre o indivíduo, que se sente fraco, e o entorno, que
este considera como muito poderoso. E m geral, o verdadeiro ego é tão imaturo,
tão pouco habituado a lidar com os problemas da vida real, que é necessário dar
algum tempo, para protegê-lo dos ataques das demandas do m u n d o e para que

101
102 M I C H A E L BALINT

se torne intermediário entre essas demandas e as reais possibilidades do


indivíduo. Qualquer falta de "adaptação", a esse respeito, pode restabelecer o
falso ego, que funciona eficientemente na função de "ama-seca", em detrimento
do verdadeiro ego. Essa delicada parte do trabalho, que consiste em cuidar,
proteger, intermediar, atender, etc., geralmente é chamada de "manejo", que é
mais u m a o u talvez mesmo a tarefa mais fundamental da terapia analítica, nesse
nível, do que outras mais conhecidas, como u m a escuta simpática, a compreen-
são e a interpretação.
Parece que somente quando os pacientes puderem "regredir" — isto é,
abandonar a segurança adquirida e abandonar os serviços de "ama-seca" do
falso ego — ou seja, quando apenas o analista assumir os "cuidados" pelo
"manejo da regressão", é que irá se criar uma atmosfera, na qual as interpreta-
ções poderão alcançar e se tornar inteligíveis e aceitáveis para o ego real. Deve
ser enfatizado que o anverso do "manejo" pelo analista é, evidentemente, a
regressão do paciente; somente o paciente regressivo — que esteja temporari-
amente sob a proteção de seu "sei/adulto", e talvez falso — necessita de manejo.
Todavia, u m a experiência clínica bastante conhecida é a de que os
pacientes regressivos estão acostumados a desenvolver demandas exigentes,
muitas vezes chegando a estados semelhantes aos da toxicomania. Voltaremos
a esse tópico, nos capítulos 20-22. Portanto, o manejo de u m paciente regressivo
é sempre u m a tarefa delicada e precária, difícil de ser executada de maneira
satisfatória.
U m de seus aspectos pode ser descrito como ser seduzido, pelo intermi-
nável sofrimento do paciente regressivo, a aceitar a responsabilidade de criar
condições nas quais, a longo prazo, não mais seriam infligidos a ele sofrimentos
desnecessários. Embora isso pareça ser u m a razão altamente recomendável, a
experiência demonstra que, na prática, raramente funciona.
Há vários motivos para esse desenlace desapontador. O tipo de resposta
à regressão inevitavelmente leva o paciente a aceitar que sua falha básica foi
provocada por u m " m a u " entorno e que seu analista deseja e é capaz de
estruturar o m u n d o de forma que possa ser grandemente reduzido o efeito de
influências mal-intencionadas e prejudiciais. Como, naquele momento, temos
de lidar com experiências pertencentes à área da falha básica, não faz n e n h u m a
diferença se o analista afirmou isso explicitamente o u se apenas permitiu
tacitamente que o paciente interpretasse sua conduta como tal, pois as expec-
tativas resultantes serão as mesmas. Esta é parte da explicação de por que é tão
difícil impedir o desenvolvimento de u m trágico mal-entendido, de uma
verdadeira confusão de línguas, quando a regressão atingiu a falha básica.
Depois que se permitiu o desenvolvimento dessa atmosfera, inevitavel-
mente o paciente irá esperar o retorno ao m u n d o harmonioso onde vivera antes
do "trauma" que estabeleceu sua falha básica. Naquele m u n d o , que chamamos
de amor primário (ver capítulo 12), não pode haver e não existe n e n h u m choque
A F A L H A BÁSICA 103

de interesses entre o sujeito e o entorno. Evidentemente, isso só é possível


enquanto forem satisfeitas as necessidades pulsionais do sujeito e de seus
objetos primários, por u m único e mesmo evento, como é o caso entre mãe e
filho. C o m o o alimentando e sendo alimentado, o abraçando e sendo abraçado,
o que ocorre é u m único e mesmo evento, pois o que difere são apenas as
palavras que utilizamos para descrevê-los.
Isso também pode, até certo ponto, ser considerado verdadeiro entre
paciente e analista; em determinados períodos muito intensos do tratamento, ser
analisado e estar analisando podem ser quase o mesmo evento, podendo, até certo
ponto, gratificar ambos os parceiros da relação terapêutica. Mas é pouco provável
que tal mutualidade possa ser ampliada além de certos limites, que o analista possa
funcionar ou realmente ser u m objeto primário, permitindo ao paciente regressivo
repetir, na relação terapêutica, suas experiências precoces pré-traumáticas e que
possa manter essa atmosfera por tempo suficiente para que o paciente descubra
novos meios de desenvolvimento que possam evitar a repetição do trauma
original, levando à cicatrização da falha básica. Aparentemente, é mais fácil
planejar do que realizar; provavelmente, porque as necessidades pulsionais de
qualquer adulto, não importando até onde tenha regredido, são muito mais
complexas do que as de uma criança, geralmente estando além das possibilidades,
até mesmo do mais sensível e simpático analista, realizar uma identificação perfeita
com todas elas. N o nível da falha básica, qualquer diferença desse tipo é sentida
pelo paciente como uma grande tragédia, revivendo todos os amargos desapon-
tamentos que estabeleceram sua falha básica.
Tivemos o privilégio de testemunhar, de perto, u m a experiência desse tipo
realmente em grande escala—talvez a primeira, na história analítica. Foi levada
a cabo por Ferenczi que, em seus últimos anos de trabalho analítico, concordou
com u m de seus pacientes em assumir esse papel até onde fosse possível. Por
exemplo, a paciente obteve dele, durante o tempo que quisesse, várias sessões
por dia e, se necessário, também durante a noite. Como as rupturas foram
consideradas indesejáveis, foi recebida durante os fins-de-semana, sendo-lhe
permitido acompanhar o analista nas férias. Estes pormenores são apenas u m a
pequena amostra do realmente acontecido. A experiência prolongou-se por
alguns anos. O s resultados ainda eram inconclusivos quando Ferenczi, devido
à doença, teve de suspender o trabalho analítico, algumas semanas antes de
falecer. A paciente, uma mulher talentosa mas profundamente perturbada,
melhorou consideravelmente durante esse período, mas não se poderia ser
considerada como curada. A i n d a lembramos que, quando discutimos seus
experimentos — o caso mencionado era o maior, mas de n e n h u m a forma o
único — Ferenczi admitiu que, de certo modo, tinha fracassado, mas acrescen-
tou que havia aprendido muito coisa, e talvez outros pudessem se beneficiar
com seu fracasso, se compreendessem que a tarefa, da forma como tinha
tentado resolvê-la, era insolúvel.
104 MICHAEL BALINÍ

Desde então, particularmente tentamos essa tarefa e testemunhamos os


esforços de outros. E m suma, parece-nos que alguns tipos de analistas não
conseguem resistir a esse tipo de tentação, especialmente a originada de u m
paciente que "valha a pena". Existem algumas outras características constantes
do analista e do paciente "que valem a pena", e acima de tudo da sua relação
mútua durante e depois do experimento (Main, 1957); voltaremos a algumas
delas na Parte IV. De momento, apenas quero afirmar que, em n e n h u m caso em
que se permitiu desenvolver a atmosfera de u m "grande experimento",
observeamos u m verdadeiro sucesso. E m alguns casos, o resultado foi u m
desastre, e os melhores chegaram apenas até o que Ferenczi já havia concluído,
o u seja, que o paciente havia melhorado consideravelmente, mas não poderia
ser considerado curado.
A ideia que governa o "grande experimento" se desenvolve mais o u
menos assim: o analista compreende que sua conduta tradicional de objetivi-
dade simpática, mas passiva, é sentida por determinados pacientes como u m a
frustração imperdoável e insuportável, e que tratar os sofrimentos p o r ela
provocados como apenas outro sintoma de desenvolvimento da neurose de
transferência não parece trazer qualquer mudança. Talvez ele já tivesse algu-
mas dúvidas a respeito do valor da passividade simpática e objetiva a qualquer
preço; em todo caso, como o fato dos sofrimentos e privações do paciente não
serem minorados o demonstra, decide — seja para si mesmo, seja c o m a
concordância do paciente — que deve estabelecer u m novo regime para fazer
algo mais, acima e além da passividade-tradicional.
Esse algo mais sempre leva a gratificar alguns dos anseios regressivos de
seu paciente, a responder positivamente ao acting-out do paciente. Geralmente,
essa mudança traz alguma melhora imediata. Se o novo regime for decidido
perto d o término do tratamento de u m paciente com u m a falha básica não
muito grave, a melhora pode até se acelerar, podendo-se concluir pelo sucesso
o tratamento. U m o u dois experimentos bem-sucedidos encorajam o analista a
tentar essa atitude com u m paciente que "valha a pena", porém gravemente
enfermo e ainda longe do término do tratamento, mas desde o começo. Se foi
decidido desde o começo satisfazer todas as necessidades do paciente compa-
tíveis c o m u m a concepção muito elástica de situação analítica o u se tal decisão
surgiu gradualmente, devido à pressão do material clínico emergente, não faz
diferença, pois o "grande experimento" está em andamento.
Vários analistas tentaram descrever o que ocorre durante u m experimento
desse tipo — no analista, com o paciente e com sua relação. Ler tais relatos é
sempre u m a experiência tocante e estimulante, mas também melancólica.
Abrem-se grandes horizontes; pode-se penetrar em profundezas inesperadas
da mente e em inesperadas potencialidades da relação humana; e então, no fim,
algo escapa entre nossos dedos e continuamos intrigados mas desapontados.
D e todas as descrições, para nós, a mais reveladora foi a de Ferenczi, em Notes
A F A L H A BÁSICA 105

and Fragments (1930-32), u m a espécie de diário científico escrito durante seu


"grande experimento". As notas se destinavam apenas ao seu uso, tendo por
isso escapado a toda elaboração secundária. Revelam u m a história de desenvol-
vimentos esperançosos, de aparecimento de complicações inesperadas, fornece
u m a descrição penetrante e clara de muitos sobredeterminantes insuspeitados,
que configuram os processos terapêuticos e, acima e além de tudo, mostra-nos
u m terapeuta de talento trabalhando, suas inesperadas surpresas, esperanças,
seus apartes imediatos e sua luta com problemas difíceis. A qualquer u m que
esteja pensando em fazer experiências nesta área, recomendamos urgentemen-
te estudá-las, antes de começar.
Evidentemente, todo pesquisador que tenha estudado essa área tem suas
ideias favoritas e, consequentemente, descreve suas experiências por elas
influenciado, tendo como resultado u m outro exemplo de confusão das línguas
analíticas. U m leitor consciencioso, alguém muito diferente de nós, encontrará
u m campo fértil; comparando as várias linguagens analíticas, poderá lançar os
fundamentos de u m a semântica psicanalítica comparada. Algumas dessas
descrições procuram esconder o u justificar os resultados desapontadores;
outras, atribuem-nos a esta ou àquela causa acidental. Nossa ideia preferida é
a de que os resultados são diretamente determinados pelo desenvolvimento da
situação terapêutica. Esta última é, evidentemente, uma relação inteiramente
bipessoal, peculiar e primitiva, dando-nos, portanto, u m a boa oportunidade
para estudar processos pertencentes à área da falha básica.
C o m o mencionamos, o paciente é sempre u m a pessoa que "vale a pena",
alguém que precisa muito — e merece — u m claro sinal diagnóstico de
contratransferência positiva. O analista, em lugar de avaliar sua
contratransferência positiva, seu "envolvimento emocional" como u m sintoma
de doença do paciente (ver capítulo 4), aceita-a como verdadeira e decide agir
de acordo com ela. A decisão tem u m fundo de certas ideias preconcebidas; a
incapacidade do paciente de tolerar as frustrações e limitações inerentes à
situação analítica " n o r m a l " é interpretada como repetição, como u m sinal de
forte fixação a alguma situação traumática. Essa presunção dá origem a duas
condutas; u m a é a de reconstruir, a partir do material de associação do paciente
e dos sintomas de sua neurose transferencial, isto é, sua repetição, a hipotética
situação traumática; a outra, é de criar uma atmosfera para o paciente — pela
mudança de alguns parâmetros reversíveis — que não possa então agir como
u m estímulo que provoque as eternas repetições.
Alguns analistas, inclusive nós, preferem discutir essas formas de pensar
com o paciente, para assegurar-se de sua cooperação. Infelizmente, isso não faz
muita diferença. A razão é simplesmente porque tal discussão é, necessariamen-
te, conduzida e m linguagem adulta convencional normal, isto é, n o nível do
conflito edípico, enquanto que a repetição acontece em u m a relação bipessoal
primitiva, pertencente à área da falha básica. No nível edípico, o paciente
106 M I C H A E L BALINT

agradece reconhecidamente os esforços excepcionais de seu analista, prome-


tendo sua total cooperação; no nível da falha básica, não pode deixar de esperar
a gratificação plena de todas as suas urgentes necessidades, independente-
mente de qualquer gratidão o u interesse, exceto o seu. Qualquer frustração
nesse nível provoca veementes sintomas que, no entanto, desaparecem
imediatamente, se essa necessidade for gratificada. Infelizmente, tal gratifica-
ção, se pronta e seguramente disponível, perde qualquer valor especial e a
"voracidade" do paciente é atraída por outra demanda, determinada, aparen-
temente, e de u m a forma convincente, pelo passado do paciente, assim como
o fora a anterior.
Desse m o d o , é estabelecido u m círculo vicioso; para usar as ideias de K .
Eissler, p o d e m ser mudados reversivamente determinados parâmetros da
situação analítica, mas, se essa mudança for reforçada pelas mudanças de u m
segundo, terceiro o u mais parâmetros, o resultado deixará de ser reversível. N a
verdade, ambos os membros da parceria terapêutica se conduzem e agem de
maneira sensata e justificável; o que está errado é a relação bipessoal que está se
desenvolvendo entre eles. Notavelmente, isso leva a u m a grande quantidade de
ódio, sentido tanto na transferência e, como alguns analistas sinceros admitem
(Winnicott, 1949), como na contratransferência. U m a consequência dessa
exaltada sinceridade, que constitui u m importante ingrediente desses experi-
mentos, é a curiosa atitude apologética do analista — como as relatadas e m
nossos encontros científicos e na literatura — que nos choca, continuamente
confessando enganos e tolices, fracassos e fraquezas. Embora seja quase
diametralmente o oposto da atmosfera criada pelo modo de interpretação
utilizado pela segunda escola de analistas, tem-se a impressão de que, pela
técnica de "manejo", evoca-se no paciente mais o u menos a mesma quantidade
de ódio e agressividade, mas talvez menos introjeção do analista idealizado o u
de identificação com ele.
Há u m a outra diferença do mesmo tipo entre as duas escolas, no que d i z
respeito às "linguagens". N a verdade, a que "maneja" dificilmente poderia ser
chamada de escola, pois, ao contrário das duas anteriores, não possui organi-
zação o u coesão e, por isso, não desenvolveu qualquer linguagem própria,
embora existam sinais de que isso poderia acontecer, devido à influência das
ideias de Winnicott.
Evidentemente, a questão crucial é a eficácia terapêutica das três diferen-
tes técnicas, descritas nos capítulos 16-18. Responder a isso é u m a tarefa muito
difícil, tanto objetiva como subjetivamente. Qualquer u m que pertença a u m a
das três escolas, naturalmente estará influenciado, mas o mesmo inevitavel-
mente acontece com u m estranho como eu. Além do mais, n e n h u m estranho
tem a possibilidade de avaliar o trabalho terapêutico de outro analista, pois
simplesmente não conhece os fatos, tendo sua base de avaliação reduzida às
impressões subjetivas criadas pelos artigos apresentados e publicados, pelas
A F A L H A BÁSICA 107

contribuições às discussões científicas e, por último, mas não menos importante,


p e l a q u a l i d a d e d o s n o v o s analistas p r o d u z i d o s p o r c a d a e s c o l a .
Inquestionavelmente, há grandes diferenças a esse respeito, mas ainda não
temos a coragem suficiente para discuti-las em público e ainda menos e m letra
de imprensa.
E m lugar de u m a discussão crítica, discutiremos, na próxima Parte, nossas
próprias experiências clínicas com a regressão, como nos foi possível observar
na prática analítica privada, e, na Parte final, as técnicas que consideramos úteis
nessas situações.
P A R T E IV

AS FORMAS BENIGNAS
E MALIGNAS DA
REGRESSÃO
CAPÍTULO 19

Freud e a Ideia de Regressão

J. O D E ser facilmente comprovado que a ideia de regressão é tão antiga, se


não mais, que a psicanálise. Isso poderá surpreender algumas pessoas que
sabem que o termo "regressão" surgiu pela primeira vez em letra de imprensa
no último capítulo teórico de A interpretação dos sonhos (1900).
Foi u m primeiro aparecimento modesto. Freud precisava dele para
explicar a natureza alucinatória dos sonhos, aquilo que os diferencia das
lembranças. Ele presumiu uma direção normal o u "progressiva" dos processos
na mente adulta, começando com a percepção de u m estímulo e i n d o ,
primeiramente, para o pensamento e depois para a ação, que procuraria reduzir
a tensão provocada pelo estímulo. Se a ação for impossível ou mostrar-se
inadequada, poderá surgir u m movimento de recuo, retrogressivo o u "regres-
sivo", o qual, na vida normal desperta, chega apenas a traços de memória. U m a
regressão além desse ponto, no sentido de reviver os elementos perceptivos da
experiência, isto é, a alucinação, é uma das características psicológicas do sonho.
Esta foi, como dissemos, u m a modesta estreia, apresentando a regressão
como u m mecanismo de defesa menor, muito menos importante do que o
recalcamento. Para ilustrar essa diferença, a regressão é discutida apenas u m a
vez, próximo ao término de A interpretação dos sonhos, e seu papel não é mais do
que u m a medida temporária contra u m a pulsão o u desejo recalcado, isto é, u m a
contribuição menor ao trabalho de sonho. N o entanto, a ideia de regressão,

111
112 M I C H A E L BALINT

naquele momento, já tinha u m passado e iria ter u m futuro. Para dizer algo a
respeito deste último, gostaríamos de mencionar que A n n a F r e u d (1936)
colocou a regressão em primeiro lugar em sua enumeração dos mecanismos de
defesa, situando o recalcamento em segundo lugar .
Quanto ao seu passado, é difícil determinar uma data exata para seu
começo, mas parece provável que foi estimulado pelo contato de F r e u d c o m
Brücke o u Breuer. Breuer, no capítulo teórico de Estudos sobre a histeria (1895),
utilizou o adjetivo rückläufig (retrogressivo) para descrever os processos psico-
lógicos durante a alucinação, exatamente no mesmo sentido que Freud iria
utilizá-lo, cinco anos mais tarde, em A interpretação dos sonhos. Por outro lado,
tanto n o artigo " A s Psiconeuroses de Defesa" (1894) como n o publicado
postumamente "Manuscrito H " (janeiro de 1895), Freud descreveu as alucina-
ções como métodos de defesa contra ideias incompatíveis. Portanto, não pode
haver n e n h u m a dúvida de que a ideia de regressão como u m mecanismo de
defesa é muito antiga, mas não poderíamos afirmar, com certeza, quando surgiu
exatamente, n e m se foi descoberta por Breuer o u por Freud.
A ideia afim, mas mais geral, de regressão como u m importante fator na
patogenia das neuroses, psicoses, perversões, etc. é inteiramente de Freud,
tendo sido desenvolvida mais tarde do que a anterior, embora as primeiras
alusões a ela tenham ocorrido no trabalho embriológico de Freud, publicado
em 1877 e 1878; na Conferência XXII de Conferências introdutórias sobre psicaná-
lise (1916-17), utilizou esses achados embriológicos para ilustrar a função
patogénica da regressão. Porém, nos anos intermediários, o termo "regressão"
não apareceu nos primeiros trabalhos de Freud, nem na análise de D o r a (1905),
na de G r a d i v a (1907) o u na do Pequeno H a n s (1909). A primeiras tentativas de
aludir a essa ideia psicológica são encontradas e m algumas passagens d a
primeira edição de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), mas foi apenas
na terceira edição (1915) que Freud afirmou explicitamente que a regressão era
u m importante fator patogénico. A data exata dessa mudança parece ter sido
entre 1909 e 1910, destacada em "Cinco Lições de Psicanálise" (1909) e nos
trabalhos sobre o H o m e m dos Ratos (1909), Leonardo d a V i n c i (1910) e
Schreber (1911), momento em que Freud lutava com o problema do narcisismo.
A conexão entre essas duas ideias, por u m lado, o narcisismo e a regressão
como u m fator na patogenia, por outro, seria u m tópico dos mais interessantes
para u m estudo histórico.
E m 1914, Freud associou o lado teórico destas duas funções da regressão
— como mecanismo de defesa e como fator patogénico — na terceira edição de
A interpretação dos sonhos, onde distingue três aspectos da regressão: o topográ-
fico, o temporal e o formal. O movimento de "recuo" dos processos mentais,
"transformando pensamentos em imagens", não ocorre apenas no espaço, isto
é, entre as várias instâncias do aparelho mental, mas também no tempo, a partir
do presente, no sentido de experiências mais precoces. E, finalmente, talvez a
A F A L H A BÁSICA 113

característica mais importante seja a observação clínica, de que, durante a


regressão, as experiências mentais aparentemente se desintegram e m seus
componentes anteriores, com o reaparecimento de formas mais simples de
experiências dentro d o aparelho mental.
Essa distinção das três formas o u aspectos da regressão parece ser clara,
convincente e final. Porém, encontramos o primeiro sinal de que as coisas talvez
não sejam tão simples como parecem, quando descobrimos que, n o trabalho
escrito u m ano mais tarde, Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917),
Freud distingue apenas duas formas de regressão, a topográfica e a temporal (1),
excluindo completamente o aspecto formal, que, sem dúvida, seria considera-
do, atualmente, o mais importante.
A pergunta agora é: devemos considerar essa discrepância como u m
evento sem importância o u tratá-la—seguindo o próprio exemplo de Freud —
como u m esquecimento, indicando u m desagrado pelo tipo formal de regres-
são? E possível que este desagrado tenha sido importante para o lento
desenvolvimento da ideia como u m todo. A regressão, como u m mecanismo de
defesa, precisou de pelo menos cinco anos para ver a l u z do dia; a regressão,
como u m fator na patogenia, outros 10 o u 15 anos.
Além disso, ainda há uma outra função da regressão, também c o m u m a
longa história anterior, à qual Freud sempre iria voltar durante o período
seguinte (1912-20), que é a função da regressão como parte da transferência, em
especial a serviço da resistência. A atitude de Freud a respeito desse complexo
fenómeno, descrito em termos superponíveis como transferência, "atuação",
compulsão à repetição e regressão, poderia ser caracterizada como extrema-
mente cautelosa.
Tal atitude já está completamente presente no capítulo técnico de Estudos
sobre a histeria (1895). Embora o termo "regressão" não tenha sido utilizado,
Freud descreve claramente a forma regressiva de transferência como sendo u m
"obstáculo". Q u a n d o , nos anos que estamos revisando, Freud volta ao proble-
m a da transferência, nunca deixa de enfatizar que a forma regressiva de
transferência é o tipo mais potente de resistência. De fato, a transferência é u m
aliado do tratamento analítico, mas somente em sua forma adulta, afável e não
intencional (2). Por outro lado, a transferência poderia se tornar u m grande
perigo para o tratamento analítico, a não ser que o analista pudesse livrar-se dela
por meio de suas interpretações: (a) da transferência negativa e (b) da transfe-
rência positiva de impulsos eróticos recalcados, devida a u m a revivescência de
relações c o m imagos precoces, isto é, de elementos regressivos ("A Dinâmica da
Transferência", 1912).
E m seu clássico trabalho Recordar, repetir e elaborar (1914), Freud reconhece
completamente que determinados pacientes poderiam não lembrar de algumas
partes de seu passado emocional, mas deveriam atuá-las em sua relação com o
analista, isto é, a transferência deve ser também entendida como u m a repetição
114 M I C H A E L BALINT

do passado esquecido do paciente, que se tornou inacessível por quaisquer


outros meios; e admite que essa repetição é em parte induzida pelo próprio
tratamento analítico, sendo uma das consequências da " n o v a " técnica da
associação livre. Não obstante, foi repetida a cautelosa recomendação de que o
analista não deveria responder a esses fenómenos, exceto pela interpretação.
Primeiramente, essa recomendação ficou encoberta pelo termo "abstinência" —
como em Observações sobre o amor transferencial (1915) e depois, alguns anos mais
tarde, no trabalho para o Congresso de Budapeste (1918), com o termo mais forte
"privação".
Abstinência e privação, a serem impostas pelo analista ao paciente, soam
mais como medidas rígidas, mas não pode haver dúvida de que são u m a boa
explicação para o que, na opinião de Freud, era necessário, quando se lidava
com u m a forma regressiva de transferência.
Todavia, o desenvolvimento das ideias de Freud não parou nesse ponto.
O próximo passo foi reconhecer a forma regressiva de transferência como u m
dos sintomas de u m a poderosa compulsão à repetição, estender essa ideia à
biologia e postular, sobre essa base, a existência de u m a pulsão de morte, o
sempre presente alvo da regressão, isto é, reverter do estado atual a u m estado
existente antes dele; em última análise, da vida para a morte (Além do princípio
do prazer, 1920).
Nessa conexão, é importante observar que os dois fenómenos utilizados
como ilustrações do poder da "compulsão à repetição" são a conduta das
crianças no brinquedo e a dos pacientes na transferência, em especial na
regressiva.
Encontramos aqui u m dilema: se a regressão na transferência for u m
sintoma da compulsão à repetição, isto é, induzida pela força da pulsão de
morte, nossas tentativas de impor abstinência e privação a nossos pacientes
teriam alguma chance de sucesso? Por outro lado, poderíamos inferir, a partir
do fato de que, em certo número de casos com pacientes regressivos, o
tratamento analítico pode ser terminado com sucesso, que afinal a força da
pulsão de morte talvez não seja tão arrasadora? Essas questões nunca foram
respondidas, n e m mesmo por Freud.
Existe ainda u m a outra função da regressão, a de aliado na terapia
analítica. Até onde sabemos, Freud lidou com ela apenas u m a vez, mas, naquela
ocasião, da maneira mais enfaticamente positiva possível. Isso ocorreu em uma
passagem de A história do movimento psicanalítico (1914). C o m o foi mencionado,
o termo "regressão" não foi encontrado na análise de Dora, mas o foi 10 anos
mais tarde, no ensaio histórico que destacou, com admirável precisão, o fracasso
de qualquer tentativa para resolver os efeitos patológicos de u m trauma recente
pela análise direta, e que Dora teve de fazer " u m a longa volta, retornando à
primeira infância", antes de que fosse possível encontrar u m a solução do
conflito atual. Conclui sua discussão de caso destacando o quão falacioso seria
A F A L H A BÁSICA 115

recomendar "o desprezo da regressão na técnica analítica". Apesar dessa


afirmativa, não conhecemos uma passagem dos escritos de F r e u d que lide, e m
alguma extensão, com problemas de terapêutica, n e m com a regressão defen-
siva o u patogénica. A i n d a mais, Freud afirma explicitamente, pouco antes da
passagem acima citada, que já tinha observado regressão, durante o tratamento
e m que ele e Breuer utilizavam o método catártico: "Descobrimos o processo
mental, característico da neurose, que depois chamei de 'regressão'." — e
continua, n u m só fôlego, poder-se-ia dizer, com o exemplo da análise de Dora.
Portanto, não pode haver dúvida de que a observação de que a regressão é u m
importante fator terapêutico é tão antiga como a própria análise, se não o for
ainda mais.
A situação torna-se ainda mais intrigante. A regressão durante o tratamen-
to foi reconhecida como u m importante fator da terapia, nos primeiros casos
catárticos, observação confirmada pela análise de Dora e, certamente, também
por outras. D o mesmo modo, temos evidências impressas de que a ideia teórica
de regressão foi u m a das mais antigas; e ainda foi preciso esperar até 1900 para
ser publicada, e ainda mais outros 10 anos para que fosse completamente
reconhecido o seu significado como u m fator da patogênese. A partir de então,
teve u m a carreira espetacular, mas somente em seus aspectos prejudiciais,
como u m a temível forma de resistência e, depois, como u m sintoma de
compulsão à repetição e, finalmente, como o exemplo clínico mais importante
da pulsão de morte. Por outro lado, seu papel como aliado terapêutico só foi
mencionado u m a vez, muito de passagem, e depois aparentemente esquecido
o u eclipsado por seus aspectos ameaçadores. Devemos voltar a esta aparente
inconsistência nos capítulos 22 e 23 .
Consequentemente, a recomendação de Freud de como tratar a regressão,
durante o tratamento analítico, é absolutamente consistente — talvez c o m
apenas u m a exceção, que talvez não justificasse chamá-la de exceção. Sua
recomendação foi a de que, não importando quão regressivo estivesse o
paciente, o analista deveria manter sua objetividade simpática passiva normal,
não podendo responder aos desejos e anseios do paciente, a não ser através da
interpretação. Freud chega a afirmar, e m Observações sobre o amor transferencial
(1915), que não seria recomendável ir além disso, pois os casos nos quais essa
atitude fracassa, em geral, provocam ser inadequados para análise. Tal atitude
de não responder é descrita pela assertiva "o tratamento deve ser realizado e m
estado de obstínência o u privação".
Agora a atitude discutível. Quase no fim da primeira guerra m u n d i a l , logo
depois de sua análise com Freud, Ferenczi começou seus experimentos técnicos,
chamados, e m sua primeira fase, de "técnica ativa", com o completo apoio de
Freud. O princípio que orientava essa fase era de que, no momento exato, o
analista proporia que o paciente se expusesse ou mesmo produzisse, intencio-
nalmente, situações que pudessem levá-lo a u m considerável de tensão.
116 M I C H A E L BALINT

Esperava-se que isso produzisse dois resultados: u m a ruptura para a consciên-


cia de u m até então recalcado desejo o u pulsão que transformasse u m sintoma
desagradável em satisfação agradável, fazendo com que as associações do
paciente, que tinham sido interrompidas, fluíssem novamente. Freud, no
trabalho para o Congresso de Budapeste (1918), já mencionado, afirmava
justificadamente que fora dele a ideia original, que estimulara essas inovações
técnicas, citando seus dois experimentos: (a) que pacientes gravemente
agorafóbicos poderiam, no momento adequado do tratamento, ser induzidos
a se expor à situação temida e (b) que, em certos casos, como no do H o m e m dos
Lobos, o analista deveria determinar o dia para o término do tratamento. Ele
confirmou os achados de Ferenczi de que, se a intervenção ocorresse no
momento e forma correios, o resultado seria u m grande avanço no tratamento.
Esperamos que agora tenha sido esclarecido por que chamamos esse
procedimento técnico de u m a discutível exceção à regra geral. Por u m lado,
pode-se considerá-la como uma extensão lógica da regra de abstinência o u
privação; os anseios e súplicas do paciente não são satisfeitos, e, em vez disso,
é-lhe imposta u m a tensão ainda maior. Por outro, de fato, significa fazer mais
do que meramente interpretar a transferência regressiva o u não do paciente;
significa abandonar a objetividade simpática passiva, respondendo de u m a
maneira específica a alguma coisa no paciente. Ademais, à l u z do que aprende-
mos dos experimentos de Ferenczi, e a partir deles, parece u m tanto questionável
se, de fato, a elevação da tensão no paciente atinge as finalidades pretendidas
de privação o u alguma coisa muito diferente.
Não obstante, em alguns casos, a ruptura obtida desse m o d o forneceu
u m a força suficiente para durar até o término do tratamento analítico; e m
outros, infelizmente a maioria, a força esgotou-se e o paciente recidivou. F r e u d
previu essa possibilidade e, quando suas experiências o convenceram de que o
sucesso era ilusório e imprevisível, abandonou a ideia, não mais a mencionando
em seus trabalhos posteriores a 1918.
Ferenczi fez o mesmo tipo de experiências, mas ficou tão impressionado
com a natureza muito primitiva das reações do paciente às suas intervenções,
que decidiu ampliar o estudo, variando suas intervenções, enquanto continu-
ava o trabalho analítico. Assim, descobriu que os traumas patogênicos infantis,
quando reativados pelo tratamento analítico, pareciam t e r — p a r a utilizar u m a
frase moderna — u m a estrutura bifásica.
N a primeira fase, o bebé o u criança parece ter sido submetido pelo entorno
a u m a super o u subestimulação pelo entorno, isto é, pelo objeto o u objetos
adultos mais importantes; porém quando, na segunda fase, procurou obter
reparação, conforto o u mesmo uma mera compreensão desses mesmos adultos,
estes — sob a influência de seus próprios sentimentos de culpa conscientes o u
inconscientes — negaram qualquer participação na fase anterior, demonstran-
do, por meio das palavras e da conduta, que realmente não sabiam do que se
A F A L H A BÁSICA 117

t r a t a v a — o u , para utilizar nossa terminologia: embora fossem muito simpáticos


e objetivos, demonstravam claramente que não estavam interessados. Ferenczi
precisou admitir que produzir nos pacientes uma repetição da situação traumá-
tica, por meio da intervenção ativa, e depois observar tais eventos com o
habitual distanciamento simpático assemelhava-se muito, quanto à estrutura,
ao trauma original, concluindo que a técnica analítica clássica, quando i n d u z o
paciente a recordar o u a repetir o trauma original, enquanto o analista mantém
sua passividade objetiva simpática, poderia, em alguns casos, criar condições
similares às produzidas pela intervenção ativa ("Notes and Fragments" 4.11.1932,
e m Final contributions, 1955).
Chegando a esse ponto, pareceu a ele evidente o próximo passo. Se o
trauma original consistira de uma super o u subestimulação pelo entorno, com
a subsequente falta de compreensão e indiferença das mesmas pessoas, o alvo
da terapia deveria ser: (a) ajudar o paciente a regredir até a situação traumática,
(b) observar cuidadosamente qual o grau de tensão que o paciente é capaz de
suportar neste estado e (c) fazer com que a tensão permaneça mais o u menos
no mesmo nível, atendendo positivamente aos anseios, súplicas o u necessida-
des do paciente regressivo. U m produto colateral dessa pesquisa foi o primeiro
estudo intensivo da relação médico-paciente e a descoberta daquilo que é
chamado, atualmente, de técnica de interpretações de contratransferência
(Ferenczi, 1930,1931 e 1932).
Foi nesse ponto que a divergência entre Freud e Ferenczi tornou-se crítica.
Freud previu que seria impossível satisfazer incondicionalmente todas as
necessidades de u m paciente regressivo, que qualquer tentativa desse tipo só
melhoraria o estado do paciente, enquanto o analista fosse capaz e quisesse
atender aos seus pedidos e, finalmente, que a maioria dos pacientes deste tipo,
mesmo melhorados, nunca iria ser realmente independente.
A controvérsia entre Freud e Ferenczi não foi esclarecida. Ferenczi morreu
antes de terminar seus últimos experimentos. A morte do analista é sempre u m
evento altamente traumático para qualquer paciente, em especial para os
profundamente regressivos. Por isso, não dizemos que todos os resultados
teriam sido favoráveis se tivesse vivido o tempo suficiente, mas dizemos que,
certamente, naquelas condições, qualquer pergunta a respeito do valor de seus
experimentos não poderia ser respondida com u m simples sim o u não, com base
nas observações clínicas relacionadas ao último grupo de pacientes. Voltaremos
a esse tópico no capítulo 23.
CAPÍTULO 20

Sintomatologia e Diagnóstico

l ^ E S U M I N D O , aprendemos com Freud que, clinicamente, a regressão pode


ter quatro funções: (a) como mecanismo de defesa, (b) como fator da patogênese,
(c) como urna potente forma de resistência e (d) como u m fator essencial da
terapia analítica.
Nesta Parte, discutiremos apenas u m pequeno setor do complexo campo
da regressão, abrangendo os fenómenos observáveis durante o tratamento
analítico. Essa limitação praticamente exclui a regressão como mecanismo de
defesa, pois os casos de alucinações graves são bastante raros em nossa prática
ambulatória, o que tornaria u m tanto limitado e parcial o estudo da regressão
como fator patogénico. Isso acontece porque, durante a análise, a regressão é
tratada apenas como uma medida temporária, pois, embora a regressão seja
tolerada, não se leva o paciente à regressão, mas ela é considerada como u m a
solução aceitável. Estudada desse modo, a regressão, em sua função patogénica,
dificilmente aparece como u m evento do passado, mas mais como u m processo
dinâmico atual; observa-se sua chegada, quando se apossa da situação,
comandando-a durante algum tempo e, depois, entregando o controle a
outros poderes, por exemplo, à realidade, e desaparecendo. Evidentemente, as
duas funções que o analista observa com mais frequência, durante o tratamen-
to, são a regressão como u m a forma de resistência e como u m aliado
terapêutico.

118
A F A L H A BÁSICA 119

Nossa intenção é discutir esse campo sob três títulos. E m primeiro lugar,
a sintomatologia e o diagnóstico da regressão. As questões relevantes serão: o
que constitui u m a regressão durante a análise, isto é, quais são os critérios
diagnósticos diferenciais? Ocorre apenas sob u m a forma o u , se sob várias, quais
são elas? O segundo grupo de indagações está relacionado a seu dinamismo.
Quais os eventos essenciais durante u m a fase de regressão e qual o significado
específico de cada u m deles? E, finalmente, o terceiro grupo de indagações se
refere à técnica e à terapia. Este último grupo será apenas mencionado nesta
Parte, pois pretendemos discuti-lo, em pormenores, na Parte V . O problema é
decidir o que irá determinar se uma regressão terá u m efeito patogénico o u
terapêutico. Se isso é determinado o u mesmo influenciado por eventos exter-
nos, o que garante ao analista que a regressão do paciente é terapêutica,
evitando qualquer perigo de uma regressão patológica?
Sugerimos iniciar com nossas primeiras experiências clínicas nesse cam-
po. Seus aspectos recorrentes são os seguintes: em determinado ponto do
tratamento analítico, depois de uma interpretação aparentemente correta,
ocorre u m a súbita mudança e o paciente parece apresentar, na situação
analítica, u m a forma de satisfação primitiva o u u m a forma de relação objetal
simples, que, até então, era-lhe impossível, desagradável o u repulsiva. Sé isso
for interpretado da maneira habitual de objetividade simpática, não se identi-
ficará u m maior desenvolvimento. N o entanto, se o analista aceitá-la e respon-
der a ela, há uma ruptura imediata, com sinais de desenvolvimentos terapêuticos.
Essa diferença significa que tanto o paciente como o analista fazem u m
pouco mais, além de — mas não em vez de — o que acontece no tratamento
analítico "clássico".
Agora u m caso concreto: na segunda metade da década de 1920, começa-
mos o tratamento analítico de uma moça atraente, vivaz e coquete, de vinte e
tantos anos. Sua principal queixa era a incapacidade de concluir alguma coisa.
Tinha terminado, alguns anos antes, com sucesso, o curso universitário, mas
não conseguira fazer os exames finais. Era muito popular entre os homens, e
muitos deles a tinham desejado, para casamento o u para u m caso, mas ela
simplesmente não pudera corresponder. Gradualmente, surgiu que sua inca-
pacidade de corresponder estava ligada a u m temor da incerteza, sempre que
tivesse de correr algum risco ou tomar uma decisão. Tivera u m a ligação muito
forte com o pai poderoso, u m tanto obsessivo, mas muito confiável; eles se
compreendiam e apreciavam; enquanto que a relação com a mãe, u m tanto
intimidada, a quem julgava pouco confiável, era claramente ambivalente.
Passaram-se mais o u menos dois anos, antes de que tais conexões
adquirissem sentido para ela. Mais o u menos pela mesma época, havíamos lhe
feito a interpretação de que, aparentemente, para ela, a coisa mais importante
era manter a cabeça seguramente erguida, com os pés firmemente plantados no
chão. C o m o resposta, mencionou que, desde sua primeira infância, nunca
120 M I C H A E L BALINT

conseguira fazer u m a cambalhota, embora em diversos períodos tivesse tenta-


do desesperadamente fazê-lo. Então lhe dissemos: " E agora? " — ao que, ela se
levantou do divã e, para sua grande surpresa, deu, sem nenhuma dificuldade,
uma cambalhota.
Isso provou ser uma verdadeira ruptura. Seguiram-se várias mudanças em
sua vida emocional, social e profissional, todas no sentido de uma maior liberdade
e elasticidade. Ademais, obteve permissão para realizar, tendo sido aprovada, u m
exame de pós-graduação profissional bastante difícil, noivou e casou.
C o m o casamento, como era costume naquela época na prática analítica,
o tratamento foi interrompido, mas, dois anos mais tarde, retornou para outro
tratamento de cerca de 14 meses. O acompanhamento, que já dura quase 30
anos, indica que foi capaz de levar uma vida normal, apesar dos muitos levantes
e dificuldades externas com os quais teve de l i d a r — a ocupação alemã, a guerra,
o cerco pelos russos, a ocupação russa, a mudança para u m regime comunista,
a revolução, etc. Essa ruptura levou a resultados aceitáveis que suportaram o
teste do tempo.
Q u a l é o termo diagnóstico correto para descrever a cambalhota, o evento
crucial, nesse historial clínico? Primeiramente, propusemos u m a descrição
inequívoca que esperamos seja aceita sem maiores discussões. Para u m a mulher
jovem de mais o u menos 30 anos, dar uma cambalhota certamente significa a
emergência de u m a forma infantil primitiva de conduta, depois de terem sido
estabelecidas firmemente formas mais maduras, adultas. Essa é u m a frase
correta, mas com rodeios, em lugar dos quatro termos, que se sobrepõem,
utilizados na teoria analítica: transferência, "atuação", repetição e regressão. E m
nosso caso, todos os quatro estão em parte corretos e em parte errados.
Não há dúvida de que a cambalhota foi u m a atuação, mas o que não está
claro é o que realmente foi atuado. D o mesmo modo, ocorreu na transferência,
se considerarmos transferência a situação analítica em seu todo. Se, no entanto,
quisermos utilizar o termo em sentido estrito, daquilo que é transferido de u m
objeto original para o analista, não se tem certeza se isso seria aplicável ao nosso
caso. Temos problemas semelhantes com os termos repetição e regressão.
A l g u m a coisa só pode ser repetida se esta tiver sido feita pelo menos u m a vez
antes; e, talvez, também só se pode regredir a alguma coisa que já tenha existido
pelo menos u m a vez antes. Mas, como é demonstrado na história clínica, nossa
paciente nunca tinha sido capaz de dar uma cambalhota. Portanto, seria u m a
contradição lógica chamar a primeira cambalhota de sua vida de repetição o u
regressão. Apesar da contradição, utilizamos o termo regressão para demons-
trar, de u m a forma u m tanto livre, a emergência, em resposta ao tratamento
analítico, de formas primitivas de conduta e atitudes, depois de se terem
instalado firmemente formas mais maduras.
A propósito, essa falta de u m diagnóstico diferencial adequado, isto é, o
costume de chamar livremente de "primitivo" tudo o que é produzido pelo
A F A L H A BÁSICA 121

paciente na situação analítica, ípso facto, a transferência e/ou a regressão, leva a


vários juízos falsos e confusões no avanço da pesquisa nesse campo. Tentare-
mos esclarecer alguns pormenores aqui e ali, mas não acreditamos muito no
futuro de nossas hipóteses. E muito mais fácil estabelecer u m novo m a u hábito
do que corrigir u m antigo.
Além do mais, há vários estados clínicos que se parecem, em muitos
aspectos, c o m a regressão, e, em consequência, são com frequência confundidos
com ela, embora suas estruturas dinâmicas sejam fundamentalmente diferen-
tes. Talvez o mais c o m u m deles seja o retraimento, interrompendo o contato com
o analista o u com o entorno. U m a forma específica desse estado foi descrita por
Winnicott (1958), como a capacidade de ficar só, em presença de alguém mais.
Se u m a pessoa estiver quase completamente absorvida em sua área de criação, pode
dar a impressão de retraimento. Todos estes estados p o d e m ter pouca duração
o u durar algum tempo; p o d e m ser patológicos o u completamente normais e,
finalmente, p o d e m conter u m a pequena o u até mesmo considerável quantida-
de de regressão. Mesmo assim, pensamos que devem ser diferenciados adequa-
damente da regressão.
O mesmo é verdade para u m estado clínico muito semelhante, que
poderia ser chamado de desintegração, no qual é posta em ação u m a estrutura
mais complexa, devido à qual aparecem, o u talvez mesmo reaparecem formas
mais primitivas de funcionar e sentir. U m a forma patológica é a esquizofrenia
progressiva; u m a quase normal é a diminuição da genitalidade na velhice.
Ambos os estados apresentam vários aspectos verdadeiramente regressivos,
podendo, talvez, ser citados como instâncias de "regressão como u m fator na
patogênese". Mas mesmo que seja aceita a natureza regressiva desses estados
de desintegração, essas formas devem ser diferenciadas da regressão observada
durante o tratamento analítico.
Voltando ao nosso caso, o episódio ocorreu ao redor de 1930. Utilizando
a teoria das pulsões e a psicologia do ego, as duas teorias então prevalentes em
psicanálise, poderia afirmar que o que tinha obtido em nosso caso era: (a)
tínhamos elevado a tensão na paciente, oferecendo-lhe a possibilidade de fazer
u m a cambalhota aqui e agora, isto é, expor-se a uma situação temida; por meio
disso, (b) a auxiliamos a obter a ruptura de u m a pulsão, levando-a a u m a
gratificação agradável de u m desejo ou pulsão, que até então tinha sido inibida
por recalcamentos e (c) paralelamente isso fez com que seu ego se fortalecesse.
Naquele momento, sobretudo em Budapeste, nossas concepções teóricas
estavam gradualmente mudando de u m a preocupação quase exclusiva c o m a
teoria mais antiga das pulsões e da libido e a nova psicologia do ego, para o
reconhecimento da importância das relações objetais. E difícil fornecer a data
exata dessa mudança. Ela foi primeiramente anunciada por Ferenczi, no
capítulo III de Thalassa (1924), "Estágios no Desenvolvimento do Sentido Erótico
de Realidade", recebendo u m maior i m p u l s o a partir dos resultados
122 M I C H A E L BALINT

desapontadores de sua técnica ativa e de seu estudo intensivo da relação


paciente-analista, mas só atingiu sua força após 1928, com a publicação de seus
dois trabalhos " O Problema do Término da Análise" e " A Elasticidade da Técnica
Psicanalítica".
Influenciados por essa nova orientação, também anotamos as mudanças
das relações objetos da paciente. N a verdade, o resultado da ruptura levou à
remoção do recalcamento; uma função do ego que, devido ao seu significado
simbólico, tinha se tornado inibida, egodistônica, tinha sido agora liberada e,
depois de se desligar de seu investimento erótico secundário, fora integrada ao
ego como alguma coisa satisfatória. Porém, também era verdade que a ruptura
ocorrera na situação psicanalítica, isto é, em uma relação objetal, abrindo, para
a paciente, novas maneiras de amar e odiar, o que levou a u m a nova descoberta,
e, a partir de então, a relação da paciente com seus objetos de amor e ódio
tornou-se mais livre e realista.
Foi sobre essa base mais ampla que desenvolvemos o conceito de novo
começo, para a descrição de u m bom número de experiências clínicas do tipo aqui
citado. Relacionamos os seguintes pontos que julguamos serem característicos
de u m novo começo (Balint, M . , 1932 e 1934). Tal relação foi u m a primeira
tentativa, com base na sintomatologia clínica, de regressão benéfica durante o
tratamento analítico. Pretendemos debater, nos próximos capítulos, como essa
lista foi se modificando à luz de nosssas experiências clínicas, durante os últimos
30 anos.

1. Durante o aumento de tensão, isto é, antes da gratificação d o desejo,


surgiram sintomas impressionantes e ruidosos; depois, instalou-se u m a súbita
mudança, resultando em uma sensação de bem-estar tranquilo e calmo que, se
não examinado cuidadosamente, pode escapar à observação.
2. A intensidade da gratificação das atividades recém-recomeçadas nunca
atinge níveis de satisfação completa.
3. Todos os novos começos acontecem na transferência, isto é, e m u m a
relação objetal, levando a uma relação modificada com os objetos de amor e ódio
do paciente e, em consequência, a uma considerável diminuição da angústia.
4. O s novos começos também levam a mudanças de caráter. Atualmente, a
mesma observação clínica seria descrita como u m a mudança n o ego. E ,
finalmente, o mais importante:
5. N o v o começo significa: (a) voltar a algo "primitivo", a u m ponto anterior
ao início do desenvolvimento defeituoso, o que poderia ser descrito como u m a
regressão e, (b) ao mesmo tempo, a descoberta de u m novo meio, mais
adequado, que leva a uma progressão. E m nosso livro Thrills and Regressions
(1959), chamamos a soma total desses dois fenómenos básicos de regressão em
favor da progressão.
A F A L H A BÁSICA 123

Voltemos ao nosso caso. Aceitando que a ruptura tenha sido u m impor-


tante fator no b o m resultado terapêutico, surge a questão de como entender sua
dinâmica. O b o m resultado pode ser devido a: (a) ter forçado a consciência —
o u o ego — a levantar parte do recalque e aceitar o desejo pulsional como
egossintônico e satisfatório, (b) reforçar o ego, pela extensão de seus limites às
expensas do i d e (c) ajudar a paciente a ter u m novo começo o u , se preferirem,
u m a regressão.
Naturalmente, pode-se questionar se o fator decisivo para chegar a u m
b o m resultado terapêutico foi o trabalho analítico que precedeu o incidente
descrito, e a adequada elaboração que o sucedeu. O próprio incidente, mesmo
impressionante, foi insignificante, exceto, talvez, por ter permitido algum alívio
de pouca importância no intenso trabalho, tanto da paciente como do analista.
É difícil responder a esse argumento, com base em u m caso bem-sucedido. O
sucesso pode ser atribuído a qualquer fator o u a uma combinação de fatores;
portanto, é quase impossível utilizar o sucesso como prova da validade de
qualquer proposição técnica. Assim, sugerimos que, de momento, suspenda-
mos o julgamento e continuemos nossa averiguação.
CAPÍTULO 21

Gratificações e Relações
Objetáis

I IAVÍAMOS chegado a esse ponto, quando Ferenczi faleceu, e m maio de


1933. Naquela época, era opinião geral que seus experimentos haviam demons-
trado ser u m erro atender aos anseios de u m paciente regressivo, pois causava
perturbações intermináveis e inúteis, tanto para o paciente como para o analista,
tendo sido também condenados por Freud. Durante algum tempo tentamos
reabrir o caso, afirmando que tal condenação geral era tanto injusta como pouco
proveitosa (Balint, M,. 1934,1935,1937,1949,1951, etc), pedindo apenas u m a
reavaliação crítica—não u m a aceitação acrítica—daquilo que pudesse ter valor
nas ideias desenvolvidas em Budapeste, sob a liderança de Ferenczi. Não
obtivemos resposta. Tendo fracassado, a única atitude que nos restou foi
continuar nosso trabalho clínico e testar a validade dessas ideias, com novas
experiências. N o s últimos anos, julgamos já ter alguns sinais de mudança na
atitude geral, embora possa estar enganado. Portanto, estamos tentando
novamente.
Pensamos que, entre os eventos da fase do novo começo, descritos em
nossa relação do final do capítulo 20, há três que parecem promissores, isto é,
que merecem u m maior estudo e pesquisa. O mais conspícuo é a própria
gratificação primitiva; o segundo, as súbitas mudanças de intensidade da
atmosfera analítica, uma demanda mais apaixonada de gratificação enquanto
não for satisfeito o desejo e o quase completo desaparecimento de qualquer

124
A F A L H A BÁSICA 125

paixão, logo após sua satisfação; o terceiro, a condição absoluta de que tudo
aconteça na condição analítica, isto é, em u m a relação objetal.
Comecemos pelo aspecto de gratificação. Não há dúvida de que alguma
coisa precisa ser satisfeita, mas é muito difícil identificá-la como derivada de u m
determinado componente pulsional. E m alguns casos, isso pode ser feito
cedendo-se u m pouco, como por exemplo no caso de nossa paciente que d e u
u m a cambalhota. Outra paciente—também u m tratamento bem-sucedido c o m
acompanhamento de cerca de 25 anos—desejou e segurou u m de meus dedos,
por algum tempo, em determinado período da análise. C o m pouco esforço,
poderíamos encontrar — ou criar — u m a pulsão de agarrar, que pudesse
explicar a satisfação observada neste caso. Outro paciente, desta vez u m
h o m e m , teve de entrar em licença de saúde por várias semanas, durante o
período do novo começo. Seria difícil dizer se estava o u não doente naquele
momento; não conseguia trabalhar, passando a maior parte do tempo acamado,
precisando de cuidados, mas comparecia regularmente às sessões — não
perdendo nenhuma. Mais o u menos na mesma época, solicitou sessões extras,
especialmente nos fins-de-semana o u que nós telefonássemos para ele. Seria
difícil considerar essas satisfações como u m a espécie de componente pulsional,
mas é evidente que todos os três pacientes precisavam de u m certo tipo de
relação simples, complacente {gewährend) com o entorno, isto é, com seu objeto,
naquele momento, mais importante: o analista.
Voltando à questão do diagnóstico diferencial, em cada u m dos casos
mencionados, as formas primitivas de se conduzir e de sentir surgiram depois
de já estabelecidas formas mais maduras, sendo a isso que propusemos chamar
de regressão, a qual regressão resultou em cobiça e anseio e, em todos os três,
o analista as atendeu positivamente, o u seja, as satisfez. Queremos enfatizar que
a satisfação não substituiu a interpretação, mas foi acrescentada a ela. D e acordo
com a situação, em alguns casos a interpretação precedeu, e, em outros, sucedeu
a satisfação.
N a década de 30, começamos a compreender que a satisfação exigida e
recebida pelo paciente, no período de novo começo, embora evidente, não era
o mais importante; talvez fosse apenas u m meio para u m fim. O que realmente
importava era que o paciente fosse auxiliado a se libertar das formas complexas,
rígidas e opressivas de relação com seus objetos de amor e ódio — chamadas,
naquele tempo, de "traços de caráter" —, para iniciar formas mais simples e
menos opressivas. Por exemplo, em nosso primeiro caso, no momento crucial,
o analista não foi sentido como u m objeto adulto excitante o u proibido, em cuja
presença nenhuma jovem poderia pensar em dar cambalhotas, mas como u m
objeto seguro, em cuja presença u m a paciente poderia e deveria se atrever a
prazeres infantis. De passagem, não interessa muito se a mesma diferença fosse
expressada na linguagem do conflito edípico triangular o u em qualquer u m a
das linguagens pré-edípicas — oral, anal, fálica, etc. Além disso, temos quase
126 MICHAEL BALINT

certeza de que qualquer u m a dessas expressões seria correra para descrever


uma das muitas sobredeterminações.
Para caracterizar a atmosfera especial do período de novo começo,
utilizamos o adjetivo alemão arglos que, como Lust o u Besetzung, não possui
equivalente e m inglês. O dicionário o traduz por guileless, innocent, simple,
harmless, inoffensive, unsophisticated, unsuspecting [em português: ingénuo, ino-
cente, simples, inofensivo, não sofisticado, insuspeito], n e n h u m deles com u m
significado adequado. Para tanto, precisaríamos de uma palavra para descrever
u m a constelação na qual o indivíduo sentisse que, no entorno, nada de nocivo
seria dirigido a ele e, ao mesmo tempo, nada de nocivo nele seria dirigido ao
entorno. Poderíamos obter algum auxílio de nossa terminologia analítica, que
nos oferece adjetivos como pré-ambivalente, pré-persecutório o u pré-paranóide.
O problema desses termos é que são muito sofisticados para descrever a
atmosfera simples, confiante e insuspeita deste período. O que o paciente
experimentou na transferência foi que, durante algum tempo, podia se despir
de todos os tipos de caráter e armaduras defensivas e sentir que a vida tinha se
tornado mais simples e mais verdadeira — u m a verdadeira nova descoberta.
T u d o isso distingue o novo começo daquilo que Freud chamou de
regressão, que era u m processo completamente interno da mente do indivíduo,
enquanto que o que observamos, durante o tratamento analítico — o novo
começo — pertencia, para utilizar u m termo moderno, ao campo da psicologia
bipessoal. C o m o o desenvolvimento das relações objetais não era u m tópico da
m o d a naquele tempo, nossos resultados dificilmente foram considerados,
embora os tenha referido repetidamente (Balint, M . , de 1932 em diante).
Primeiramente, aceitamos a ideia teórica de Ferenczi sobre o "amor objetal
passivo" (1924), para descrever essa relação primitiva. Ele achava que a
finalidade real da vida erótica era ser amado e qualquer outra atividade que
fosse observada seria somente u m desvio, u m a forma indireta de atingir essa
finalidade. A ideia nos pareceu promissora e, de fato, podia explicar u m certo
número de atitudes primitivas em relação aos objetos de amor de alguém, não
apenas das crianças pequenas, mas também de adultos. Todavia, a longo prazo,
p r o v o u ser insustentável. U m a observação mais cuidadosa dos pacientes,
durante o período de novo começo, apontou a imensa importância dos períodos
de contentamento tranquilo e calmo, como também a expectativa de ser amado
e satisfeito pelo entorno, mas com uma busca ativa de contato com ele. E m vista
dessa inegável atividade, foi preciso abandonar a expressão "amor objetal
passivo", passando-se, desde então, a utilizar os termos "amor objetal primitivo
o u primário" o u "relação objetal primária" (Balint, M . , 1937).
Todavia, devemos admitir que esses termos também nos parecem inade-
quados. C o m a evolução da capacidade de observação e o aguçamento da
capacidade de escutar, aprendemos, com nossos pacientes — como resumimos
no capítulo 12 —, que existe u m a outra fase, antes do aparecimento dos objetos
A F A L H A BÁSICA 127

primários (Balint, M . , 1957,1959), que poderia ser denominada fase do entorno


indiferenciado, fase das substâncias primárias, o u — u m a expressão u m tanto
desajeitada — fase da mistura interpénétrante harmoniosa (Balint, M . , 1959).
Repetindo o que foi discutido em mais pormenores no capítulo 12, a melhor
ilustração desse estado são as relações que mantemos com o ar que nos cerca.
E difícil dizer se o ar em nossos pulmões ou em nossas entranhas pertence-nos
o u não; de fato, n e m nos interessa. Inalamos o ar, dele retiramos o que
necessitamos, devolvemos o que não precisamos e o exalamos, sem nos
importarmos se o ar gosta ou não. Necessitamos de uma certa quantidade e
qualidade de ar e, enquanto isso ocorrer, quase não nos damos conta da relação
entre nós e ele. Todavia, se algo interferir em nosso suprimento de ar, irão surgir
sintomas impressionantes e ruidosos, como acontece com a criança pequena que
não foi satisfeita, ou com o paciente, durante a primeira fase do novo começo.
O ar não é u m objeto, é uma substância como a água e o leite. C o m o já
dissemos, há outras — não muitas — substâncias desse tipo, entre elas os
elementos dos filósofos pré-socráticos: a água, a terra e o fogo; e ainda outros,
como os utilizados nas clínicas de orientação infantil da atualidade, a areia, a
água o u a plastilina. Sua principal característica é a indestrutibilidade. Podemos
construir u m castelo com areia úmida e, depois de destruí-lo, resta ainda a areia;
podemos tapar o jato de água que sai de uma mangueira, mas, logo que
retiramos o dedo, eis que reaparece o jato de água, e assim por diante.
I E m determinados períodos do novo começo, o papel do analista é
semelhante, em muitos aspectos, ao das substâncias o u objetos primários. Deve
estar presente; deve ser altamente flexível; não deve oferecer muita resistência;
e, evidentemente, deve ser indestrutível, permitindo que o paciente viva, com
ele, em u m a espécie de mistura interpénétrante harmoniosa. Sabemos que isso
parece u m pouco cómico, mas estamos preparados para muitas brincadeiras
b e m intencionadas a respeito da nova técnica, e confessamos que estamos
tentando traduzir, em palavras, experiências pertencentes a u m período b e m
anterior — o u além — da descoberta das palavras e até mesmo muito anterior
ao aparecimento dos objetos, a partir da harmonia não perturbada com
substâncias amistosas.
E m nossa experiência, a regressão, durante o tratamento analítico — a
primeira fase do novo começo — tem por finalidade estabelecer u m a relação
objetal de estrutura semelhante à da relação primária. Evidentemente, isso só
pode ser feito se o analista compreender o que está ocorrendo, reconhecendo
o que é necessário naquele momento, aceitando esse desejo como parte do
processo terapêutico e não tentando inibir seu desenvolvimento pela conduta
o u interpretações.
Esse é o lado positivo da situação. Infelizmente, também há os lados
f negativos, que serão abordados no próximo capítulo.
CAPÍTULO 22

As Diversas Formas de
Regressão Terapêutica

A
i l T E o momento, citamos apenas pacientes que apresentaram u m a regressão
terapêutica bem-sucedida, o que pode ter dado a impressão de que fosse isso
o que nos interessava em u m tratamento analítico difícil, e, ademais, que as
repetidas recomendações de Freud, para ter cuidado ao lidar com u m a forma
regressiva de transferência, não tinham n e n h u m fundamento clínico, enquanto
que as ideias técnicas de Ferenczi estavam todas na direção correta e somente
morte prematura o tinha impedido de comprovar sua veracidade. Para desfazer
falsas impressões, voltemos às observações clínicas.
Há alguns anos (Balint, M , 1952), lidamos com alguma profundidade com
o problema dos pacientes que, embora capazes de regredir, não conseguem
atingir o estado arglos de confiança, que é uma pré-condição absolutamente
necessária para o novo começo, e nos quais o tratamento teve de ser terminado
com u m resultado parcial. Embora esses resultados tenham sido bastante
aceitáveis, foram menores do que os obtidos depois de u m adequado recomeço.
Para pormenores, remetemos o leitor à publicação original.
D e acordo com nossa experiência — exceto os sucessos parciais devidos
à incapacidade da unidade paciente-analista alcançar a área do novo começo —
os pacientes se dividem em dois grupos: em alguns tratamentos, ocorre apenas
u m , o u pelo menos poucos períodos de regressão o u de novo começo, depois
dos quais o paciente emerge espontaneamente de seu m u n d o primitivo e se

128
A F A L H A BÁSICA 129

sente melhor, o u mesmo curado — como foi previsto por Ferenczi; enquanto
que, em alguns outros, parece que nunca são suficientes; logo que u m dos
desejos o u necessidades primitivas foi satisfeito, é logo substituído por u m novo
desejo o u anseio, igualmente exigente e urgente. Isso, em alguns casos, levou
ao desenvolvimento de estados semelhantes à toxicomania, que foram difíceis
de lidar, e alguns deles foram — como Freud previu — até mesmo intratáveis.
Encontramos alguma explicação para essa grande diferença, no terceiro
grupo de eventos da sintomatologia do período de novo começo — sendo os
dois primeiros as formas primitivas de gratificação e as mudanças na relação
objetal. O s eventos aos quais agora voltamos são as súbitas mudanças de
intensidade da atmosfera analítica o u da transferência. Enquanto não se
aprofunda, a sintomatologia clínica parece bastante simples. Enquanto a tensão
do paciente se eleva, o u seja, enquanto ainda não obteve a satisfação esperada,
desenvolvem-se e se conservam sintomas impressionantes e ruidosos; logo que
é obtida a satisfação esperada, desaparecem os sintomas ruidosos e apenas u m a
observação muito cuidadosa poderá detectar, no paciente, os sinais de u m bem-
estar tranquilo e calmo. Foi até esse ponto que chegamos, em meados da década
de 30 e, evidentemente, estabelecemos u m paralelo óbvio entre essas observa-
ções e a transformação de u m bebé esfomeado em u m bebé satisfeito.
Todavia, logo compreendemos que esse paralelo, embora plausível, só
tinha validade nos limites da psicologia unipessoal. Para ilustrar o que temos em
mente, voltaremos ao precursor de toda a terapia analítica — o tratamento de
A n n a O . por Breuer.
Já haviam surgido em sua história alguns dos aspectos sempre presentes
de regressão, embora n e m Breuer, n e m Freud parecessem ter reconhecido sua
natureza fundamental; de todo modo, não há evidências publicadas a esse
respeito. A n n a O., em estado normal, não tinha acesso às lembranças recalcadas,
mas apenas em transe hipnótico, que é u m estado mais primitivo (isto é,
regressivo). Temos, então, a famosa cena final, u m pouco antes do término do
tratamento, na qual ela arrumou seu quarto como costumava fazer com o quarto
de doente de seu pai; atualmente, isso seria chamado de acting-out.
A relação entre a paciente e seu terapeuta, durante esse período, tinha se
tornado mais primitiva do que entre dois adultos normais. U m a característica
notável dessa mudança da relação foi que, embora o terapeuta tenha se tornado
muito importante para a paciente, ela não podia sentir o u demonstrar muita
preocupação por ele — ele simplesmente devia satisfazer as expectativas da
paciente —, exatamente como ocorre em uma relação com os objetos primários.
Por exemplo, Breuer, u m médico muito ocupado, era obrigado a fazer duas
visitas diárias de duração considerável, e isso continuou por algum tempo.
Outros aspectos da situação foram as grandes recompensas recebidas pelo
terapeuta. Desde que fosse capaz de atender às demandas de sua paciente, ser-
lhe-ia permitido observar e compreender os segredos íntimos e altamente
130 M I C H A E L BALINT

reveladores da alma humana, sentindo que sua ajuda era muito importante.
Além e acima disso, não devemos esquecer de que A n n a O . forneceu a Breuer,
de presente, o método da talkingcure, e também, quase certamente, a descoberta
da transferência; e não foi culpa de A n n a O . o fato de ele não ter compreendido
todo o valor do que lhe estava sendo oferecido.
Este é u m quadro bastante c o m u m com esse tipo de paciente. Enquanto
as expectativas e demandas do paciente forem atendidos, o terapeuta pode
observar os mais interessantes e reveladores eventos e, pari passu, seu paciente
se sentirá melhor, mais apreciador e grato. Este é u m dos lados da moeda, mas
há também seu lado adverso. Se as expectativas não forem atendidas, o que
segue é u m interminável sofrimento o u uma interminável vituperação o u
ambos. Depois de estabelecida essa situação, o analista encontrará muita
dificuldade para resistir ao seu poder, a libertar seu paciente e a ele mesmo,
sendo ainda mais difícil terminar a relação. Frequentemente, seu término é o de
u m trágico o u heróico finale.
Essa trágica situação possui diversos determinantes. U m é a natureza da
regressão, a qual, por sua vez, é determinada pelo caráter do paciente, sua
estrutura egóica e sua doença; outro, é a resposta do analista ao paciente, em
regressão o u regressivo, preparado por sua técnica, o u seja, por sua
contratransferência. Se, como discutimos no capítulo 16, o analista obedecer
conscienciosamente às instruções clássicas de Freud, é pouco provável que seja
exposto a essas perigosas situações, mas o provável preço a ser pago por isso será
u m certo número de análises interrompidas por pacientes que talvez precisas-
sem ter sido auxiliados por uma técnica mais flexível. C o m o nem toda regressão
acaba de forma trágica, quanto mais restringirmos o tipo de nossas respostas,
mais restringiremos nossa potencialidade de aprender pela comparação entre
os casos que terminam em fracasso e os bem-sucedidos.
U m a outra consequência dessa técnica é uma limitação de nossa teoria.
E m u m capítulo anterior, destacamos que Freud e, de acordo com ele, quase
toda a literatura analítica, trata a regressão como u m evento intrapsíquico, u m
fenómeno pertencente ao campo da psicologia unipessoal. Essa simplificação
só é válida enquanto o analista restringir seu estudo a casos de regressão nos
quais a resposta do entorno for negligenciável ou comandada pelas instruções
de Freud. Se essas restrições não forem consideradas como absolutamente
obrigatórias, a regressão surgirá como u m fenómeno pertencente ao campo da
psicologia bipessoal, determinada pela interação entre sujeito e objeto, isto é,
paciente e analista.
Voltando às observações clínicas, pensamos que, com alguns pacientes, a
regressão leva a tais situações precárias o u trágicas; com outros, toda a
atmosfera é completamente diferente. C o m eles — como mencionamos no
começo deste capítulo — ocorre apenas u m período de regressão, que se
transforma em u m verdadeiro novo começo; com alguns outros, alguns poucos
A F A L H A BÁSICA 131

desses períodos. C o m outros ainda, como no caso de A n n a O . , esse tipo de


experiência parece ser mterminável. Desenvolve-se u m a espécie de círculo
vicioso, pois logo que alguns dos "anseios" do paciente foram satisfeitos,
surgem novos anseios ou "necessidades", que exigem ser satisfeitos, levando,
eventualmente, ao desenvolvimento de estados semelhantes aos de toxicoma-
nia (Balint, M . , 1934, 1937, 1952). Para distinguir esses dois tipos clínicos,
poderíamos chamar u m deles de "benigno" e o outro de "maligno".
Evidentemente, nossa primeira ideia foi a de que os pacientes c o m a forma
maligna de regressão seriam aqueles nos quais haveria u m a grande despropor-
ção entre a força de suas pulsões e a de seu ego; o u as pulsões eram fortes demais,
mesmo para u m ego normal, o u o ego era fraco demais, o u seja, incapaz de lidar
com u m equipamento normal de pulsões. Se nossa teoria estivesse correta —
pensávamos — a natureza maligna da regressão se manifestaria, provocando
sintomas excessivamente ruidosos, como os que seria de se esperar em u m a
criança mimada o u em u m adulto muito psicopata. N o entanto, isso só permitiu
ser considerado correto de uma forma limitada, fazendo com que procurásse-
mos outros critérios diagnósticos.
A i n d a existe outra diferença fundamental. E m alguns tipos de regressão
— o u de novo começo — a finalidade do paciente aparentemente é obter
gratificação. O desejo por ela é tão intenso que eclipsa tudo o mais, dentro da
situação analítica. Pensamos que foi essa forma que sugeriu a Freud o termo
"anseio". Embora a forma de gratificação exigida pelo paciente fosse, geralmen-
te, pré-genital, a grande intensidade da demanda não poderia deixar de
levantar suspeita; em alguns casos, mas não em todos, u m a maior análise
comprovará que essas suspeitas são mais o u menos correras; a grande intensi-
dade é u m sinal da natureza gênito-orgástica desses desejos. Isso é u m ponto
importante ao qual voltaremos no fim deste capítulo.
Além disso, como já mencionamos, tais regressões sempre ocorrem dentro
da situação analítica, isto é, dentro de uma relação objetal. Consequentemente,
a gratificação esperada ou exigida pelo paciente nunca é auto-erótica, devendo
vir do entorno, o que significa que deve ter sido iniciada por u m evento do
m u n d o externo, u m evento no qual o analista está, quer queira o u não,
profundamente envolvido. De fato, depende de seu consentimento passivo o u
participação ativa — isto é, de sua decisão — a ocorrência o u não do evento
externo, se as expectativas ou "necessidades" do paciente serão gratificadas o u
frustradas. Porém, há u m outro tipo de regressão, o verdadeiro novo começo,
que depende igualmente de u m profundo envolvimento do analista; mas, nesse
tipo, o destaque não é tanto o da mudança esperada no m u n d o externo; embora
seja essencial a participação do m u n d o externo, do analista, o evento que
interessa é aquele que ocorre no próprio paciente.
Para ilustrar este último tipo, citaremos outro de nossos casos, que já foi
utilizado alhures (Balint, M . , 1960). " O paciente, que até aquele momento tinha
132 M I C H A E L BALINT

estado em análise por cerca de dois anos, permaneceu silencioso, desde o início
da sessão, durante mais de 30 minutos; o analista aceitou isso e, compreendendo
o que provavelmente estava acontecendo, esperou, sem nenhuma tentativa de
interferir, nem, de fato, sentindo-se desconfortável o u pressionado a fazer
alguma coisa. Devemos acrescentar que, nesse tratamento, já tinham ocorrido
silêncios em diversas ocasiões, e paciente e analista já tinham alguma prática e m
tolerá-los. Eventualmente, o silêncio foi quebrado pelo paciente, que começou
a soluçar aliviado, conseguindo logo depois falar. C o n t o u ao analista que fora
capaz, durante algum tempo, de alcançar a si mesmo; mesmo na infância nunca
tinha sido deixado sozinho, sempre houvera alguém dizendo-lhe o que fazer.
Algumas sessões mais tarde, relatou que, durante o silêncio, tinha tido todos os
tipos de associações, mas as rejeitara por irrelevantes, nada mais do que u m
importuno transtorno superficial.
Para evitar mal-entendidos, repetiremos o que penso a respeito da
necessidade de esclarecer a terminologia relacionada com este complexo
campo. Espero que todos estejam de acordo que o evento agora citado,
pertencente ao que chamo de transferência, constitui uma espécie de acting-out.
Igualmente, não há dúvida de que o que ocorrera referia-se ao aparecimento de
u m a forma primitiva de conduta, depois de já estabelecidas formas mais
maduras. Pensamos, com alguma relutância, que talvez se pudesse admitir que
a técnica adotada tenha ajudado o paciente no sentido de u m a melhor
integração, removendo algumas de suas inibições ou mesmo recalcamentos. Mas
esse episódio pode ser chamado de regressão ou repetição? Nossa resposta é a
mesma do caso anterior, o da cambalhota, ou seja, que do ponto de vista lógico não
pode ser. Só se pode repetir algo, se isso já tiver ocorrido antes, pelo menos uma
vez; e, afinal, o mesmo é verdade para a regressão. E m vez desses dois termos
enganadores, sugerimos chamar esse episódio de u m "novo começo" o u de uma
"nova descoberta", que leva a uma relação diferente, mais satisfatória, com u m
objeto importante. A esse respeito, o episódio se parece muito com o da cambalho-
ta. A diferença é a evidente falta de qualquer ação e, portanto, de qualquer
gratificação pulsional óbvia, como a observada no caso anterior.
Expressando essa importante diferença de outra forma: nada aconteceu
no m u n d o externo, exceto pelo fato de que ele permaneceu quieto, deixando o
paciente em paz. Por sua vez, isso permitiu que o paciente alcançasse sua vida
interna, reconhecesse que algumas maneiras habituais e automáticas de sentir
e de se relacionar com o m u n d o externo eram — pelo menos nesta situação
particular — desnecessárias, infundadas e obtusas. Tal descoberta levou a u m
novo começo. E m lugar das antigas formas automáticas de relação, é possível
começar agora algo novo e diferente, que poderá levar ao estabelecimento de
u m a relação mais satisfatória com seus objetos importantes.
Por outro lado, devido à falta de ação, que poderia ser entendida e,
portanto, interpretada, as demandas sobre a técnica do analista foram u m
A F A L H A BÁSICA 133

pouco maiores neste caso do que no da cambalhota. Ele precisou compreender,


sem palavras, o que o paciente esperava dele e vivenciar tais expectativas, isto
é, aceitar o paciente sem reservas, sem utilizar palavras, o u seja, o tipo de relação
de que ele precisava. Devemos acrescentar que esse caso também é, a outro
respeito, na verdade, típico. Q u a n d o compreendido e satisfeito, o paciente foi
muito grato, melhorou, fornecendo ao analista o material mais interessante;
quando não compreendido e gratificado, isso teria causado nele u m sofrimento
mais "obtuso" e possivelmente desespero. Ademais, tivesse o analista interpre-
tado o silêncio do paciente como u m sintoma de resistência o u u m tipo de acting-
out (diga-se de passagem, interpretações correras), poderia ter sido tentado a
dizer ao paciente o que fazer, tornando-se assim conivente com o paciente no
acting-out, sem n e m mesmo perceber que o estava sendo.
Embora de muitas formas sejam semelhantes nossos dois casos de
regressão benigna o u de novo começo e o caso maligno de A n n a O . , há u m a
importante diferença, que esperamos ter sido bem ilustrada pelo material. E m
u m a forma de regressão, o alvo é uma gratificação dos anseios pulsionais; o que
o paciente procura é u m evento externo, uma ação por seu objeto. N a outra, o
que o paciente espera não é tanto uma gratificação por u m a ação externa, mas
u m consentimento tácito de utilizar o m u n d o externo de u m a forma que lhe
permitisse lidar com seus problemas internos — descrito por nosso paciente
como "tornando-se capaz de alcançar a si mesmo". Embora seja essencial a
participação do m u n d o externo, do objeto, esta participação é de natureza
completamente diferente; exceto por não interferir, não provocando u m a
perturbação desnecessária, na vida interna do paciente (dois importantes
aspectos), a forma principal dessa esperada participação é o reconhecimento da
existência da vida interna do paciente e de sua própria e única individualidade.
Para distinguir os dois tipos, propomos chamar ao primeiro de "regressão com
finalidade de gratificação" e ao segundo, de "regressão com finalidade de
reconhecimento". Temos certeza de que ambas as expressões são pouco exatas,
mas não encontramos algo melhor.
Tais observações mostram u m interessante paralelo com as outras séries
de observações o u , talvez de forma mais correta, de inferências a respeito das
substâncias o u objetos primários (ver capítulo 12). A gratificação pelos eventos
o u ações do m u n d o externo pressupõe u m m u n d o de objetos já totais o u
parciais b e m desenvolvidos, o que significa que a regressão do paciente não
teria ido muito além do nível narcisista, fálico o u pré-edípico. Nossa literatura
contém muitos relatos excelentes a respeito da natureza apaixonada dos
desejos, fantasias e condutas pulsionais, de crianças pertencentes a esses
períodos precoces, em particular de crianças que foram submetidas anterior-
mente a experiências traumáticas que — de imediato ou mais tarde — levaram
a graves distúrbios neuróticos, como a imensa dificuldade de satisfazer os
anseios, em crianças que estão sofrendo desses desejos o u "necessidades"
134 M I C H A E L BALINT

apaixonadas, sua tendência a produzir estados semelhantes aos de toxicoma-


nia, como a masturbação compulsiva, sua grande tendência à sedução sexual
e, por último, mas não menos importante, sua disposição para desenvolver
acting-out típica de estados histéricos. Mencionamos acima que, e m alguns
pacientes, havia dúvidas a respeito da genuinidade de seu novo começo, devido
à natureza excessivamente apaixonada de suas demandas. Queremos acrescentar
que todos esses pacientes pertenciam à categoria que acabamos de descrever.
O outro tipo de regressão, em favor do reconhecimento, pressupõe u m
entorno que aceite e consinta em sustentar e carregar o paciente, como a terra
o u a água sustenta e carrega u m homem que apoia seu peso nelas. Contrastando
com os objetos comuns, especialmente os humanos comuns, não se espera
n e n h u m a ação desses objetos o u substâncias primárias; mesmo assim, eles
devem estar ali e devem—tácita o u explicitamente — consentir em ser usados,
de outra forma o paciente não sofreria nenhuma mudança: sem água, é
impossível nadar; sem terra, é impossível caminhar. A substância, o analista,
não deve resistir, deve consentir, não deve dar origem a muito atrito, deve
aceitar e transportar o paciente durante u m certo tempo, deve provar ser mais
o u menos indestrutível, não deve insistir em manter limites nítidos, permitindo
o desenvolvimento de u m a espécie de mistura entre o paciente e ele próprio.
T u d o isso significa consentimento, participação e envolvimento, mas não
necessariamente ação, apenas compreensão e tolerância; o que realmente
interessa é a criação e a manutenção de condições, nas quais os eventos possam
ocorrer internamente, na mente do paciente.
A expressão simbólica dessa relação arglos primitiva, na situação analítica,
muitas vezes é uma espécie de contato físico com o analista, cuja forma mais
frequente é segurar a mão o u u m de seus dedos o u tocar em sua cadeira, etc.
Esse contato definitivamente é libidinoso, algumas vezes podendo estar até
mesmo altamente carregado, mas sempre é vitalmente importante para o
progresso do tratamento; com ele, o paciente pode prosseguir, sem se sentir
abandonado, perdido, despojado de suas possíveis mudanças, incapaz de se
mover. Apesar de tudo, a experiência atual, nos casos de "regressão para
reconhecimento", nunca apresenta as qualidades de desespero e paixão que
caracterizam a experiência do paciente na outra forma de regressão: aquela com
finalidade de gratificação o u a encontrada na histeria grave. Somos levados a
pensar que as formas desesperadas de adesividade, tão frequentemente encon-
tradas no tratamento destas últimas condições, demonstram u m a regressão
apenas até a fase dos objetos parciais, enquanto que u m a angústia intensa
parece bloquear o caminho para o desenvolvimento de uma atmosfera arglos,
mutuamente confiante, que é essencial para u m verdadeiro novo começo.
Aparentemente, a relação com objetos parciais tem u m a origem semelhante e,
possivelmente, da mesma natureza das angústias persecutórias; a crispação
desesperada e apaixonada é uma expressão dessa relação e, ao mesmo tempo,
A F A L H A BÁSICA 135

u m a defesa contra as angústias concomitantes. Isso está em nítido contraste c o m


a necessidade relaxada de contato físico, observada no período de u m verdadei-
ro novo começo.
Evidentemente, na vida nada é simples o u claramente definido. N a
maioria dos casos de regressão terapêutica, o que o analista consegue observar
é u m a mistura de todos esses aspectos, da qual se destaca u m a o u algumas
características. A i n d a de acordo com nossa experiência, parece haver u m a
tendência definitiva para que certos aspectos ocorram juntos, dando a impres-
são de duas áreas de associações não claramente definidas, duas síndromes
clínicas de u m tipo que propomos chamar de Feixes A e B .
A maioria dos casos pertence ao Feixe A , à forma benigna de regressão,
com os seguintes aspectos clínicos:

1. sem grande dificuldade para estabelecer u m a relação de confiança e


insuspeita arglos, que lembra a relação primitiva com as substâncias primárias;
2. u m a regressão, que leva a u m verdadeiro novo começo, terminando e m
u m a verdadeira nova descoberta;
3. a regressão busca o reconhecimento, e m particular, dos problemas
internos d o paciente;
4. as demandas, expectativas o u "necessidades" são de u m a intensidade
moderadamente elevada;
5. ausência de sinais de histeria grave na sintomatologia clínica e nos
elementos gênito-orgásticos da transferência regressiva.

A o contrário, a maioria dos pertencentes ao Feixe B , à forma maligna de


regressão, apresenta o seguinte quadro:

1. como a relação de confiança mútua está precariamente equilibrada, o


arglos, a atmosfera insuspeita é frequentemente interrompida, surgindo várias
vezes sintomas de desesperada crispação, como salvaguarda e defesa contra
outra possível ruptura;
2. na forma maligna de regressão, ocorrem diversas tentativas malsucedidas
de atingir u m novo começo, com a constante ameaça de u m a espiral intermi-
nável de demandas o u necessidades e o desenvolvimento de estados semelhan-
tes ao da toxicomania;
3. a regressão tem por finalidade a gratificação, por ação externa;
4. alta intensidade suspeitosa nas demandas, expectativas o u "necessida-
des";
5. presença de sinais de histeria grave no quadro clínico e de elementos
gênito-orgásticos, tanto na forma de transferência normal como n a regressiva.
136 M I C H A E L BALINT

Tais abstrações baseiam-se em experiências clínicas m u i t o b e m


substanciadas, exceto uma, que ainda não está tão firmemente fundamentada
como as restantes, embora pareça que será comprovada com mais experiências.
Somos de opinião que a regressão maligna e a regressão com finalidade de
gratificação pela ação externa são geralmente encontradas em pacientes que
sofrem de u m a forma bastante grave de histeria ou de u m distúrbio histérico de
caráter, que os obriga a desviar uma boa quantidade do ganho secundário da
doença, assim como também do tratamento. Para nós, ainda não está b e m claro
por que isso ocorre, embora se deva notar que essa associação foi várias vezes
encontrada em nosso material clínico. Retornaremos a esse problema na Parte V .
Todavia, antes de ir adiante, queremos resumir o que teoricamente
sabemos sobre a regressão. Segundo Freud, concebemos a regressão como u m
processo que consiste em uma reversão da direção "progressiva" normal dos
acontecimentos no aparelho mental. Sua causa pode ser alguma coisa que
impeça o sentido normal; em geral, no nível edípico, isto é u m conflito. O efeito
ou resultado da regressão é a emergência de algo "primitivo" o u "simples"; em
alguns casos, mas certamente não em todos, esse algo pertence à área da falha
básica. Clinicamente, pode-se parecer com: (a) u m a forma especial de gratifica-
ção pulsional, uma alucinação ou sonho, (b) uma forma específica de conduta,
como a transferência regressiva a serviço da resistência e (c) u m a repetição,
sendo seu maior exemplo, em geral, a transferência.
C o m o aprendemos com Freud, a regressão pode ter quatro funções o u
papéis: (a) de mecanismo de defesa, (b) de fator na patogênese, (c) de u m a forma
específica de resistência e, finalmente, (d) de u m grande aliado da terapia. E de
se notar que foi deixado de lado, por Freud, u m dos aspectos da regressão, e,
com ele, quase todos os teóricos em psicanálise, que é o da regressão na relação
objetal. O motivo dessa omissão é que a regressão foi estudada apenas dentro
dos limites da psicologia unipessoal. A s duas notáveis exceções a essa regra
foram: (a) a regressão como aliado terapêutico, que só foi mencionada por Freud
uma vez e muito rapidamente e (b) a regressão como u m a forma específica de
transferência a serviço da resistência, que foi descrita apenas em seus aspectos
ameaçadores, como u m grave obstáculo e u m sério aviso.
O que procuramos mostrar nas partes III e IV é que a regressão não é
apenas u m fenómeno intrapsíquico, mas também interpessoal; para sua utili-
dade terapêutica, são decisivos seus aspectos interpessoais. Para compreender
todo o significado da regressão e para lidar com ela na situação analítica, é
importante ter em mente que a forma pela qual a regressão se expressa depende
apenas em parte do paciente, de sua personalidade e de sua doença, pois
também depende, em parte, do objeto; consequentemente, ela deve ser
considerada como um sintoma da interação entre o paciente e o analista. Essa
interação possui pelo menos três aspectos: (a) o modo pelo qual o objeto
reconhece a regressão, (b) como é aceita pelo objeto e (c) como é atendida pelo
A F A L H A BÁSICA 137

objeto. C o m o vimos nos capítulos 20-22, o que é esperado do objeto, o analista,


é que responda de uma forma que lembre as substâncias primárias, isto é, que
permita ao paciente entrar com ele em u m tipo de relação o u de amor objetal
primário. Nossa tarefa, na Parte V , será a de examinar o que isso significa, em
termos de técnica psicanalítica.
CAPÍTULO 23

O Desacordo entre Freud e


Ferenczi e sua Repercussão

^ / ^ O L T E M O S agora à diferença histórica entre Freud e Ferenczi, onde a


deixamos no f i m do capítulo 19. O problema técnico de como responder a u m
paciente regressivo que tenha desenvolvido u m a transferência muito intensa
talvez tenha sido a principal causa desse trágico desacordó. O impacto desse
evento mostrou-se tão doloroso que a primeira reação do movimento analítico
foi a recusa e o silêncio, só recentemente rompido, quando surgiu, na
imprensa, todo tipo de afirmativas ficticias sobre Freud e Ferenczi: F r e u d foi
descrito como u m autócrata impiedoso, u m ditador (Fromm, 1963), enquanto
Ferenczi como u m sórdido e covarde intrigante (Jones, 1957). Naturalmente,
todas as teratologías alegadas são completamente inverídicas; demonstrando
a diferença entre a grandeza das vítimas e a insignificância de seus caluniadores.
As experiências clínicas, nesta parte discutidas, fornecem-nos algumas
pistas para compreender o provável motivo do desacordó. Parece que F r e u d
encontrou, em seus primeiros tempos de psicoterapia, quase que exclusiva-
mente casos de regressão maligna, o que lhe causou u m a profunda impressão.
Ferenczi, ao contrário, obteve alguns notáveis sucessos com alguns casos
benignos de regressão, bem como fracassos com malignos, mas tinha ficado tão
i m p r e s s i o n a d o que seu b e m c o n h e c i d o e n t u s i a s m o o afastou de u m a
g e n e r a l i z a ç ã o m a l f u n d a m e n t a d a . P o d e m essas bastante corajosas h i p ó -
teses ser c o n s u b s t a n c i a d a s p e l a literatura? P e n s a m o s que há m u i t a s

138
A F A L H A BÁSICA 139

p a s s a g e n s , tanto nos escritos de F r e u d c o m nos de F e r e n c z i , q u e


a p o n t a m nesta direção.
A primeira experiência de Freud com u m a regressão maligna foi a do
tratamento de A n n a O . por Breuer, quando este e Freud ainda eram amigos;
sabemos, pelas cartas de Freud à noiva, citadas por Jones (1953), que Breuer
discutia suas preocupações, causadas pela séria regressão de sua paciente, com
seu jovem amigo Freud — este com 27 anos — e mais, que Freud era bastante
crítico a respeito da abordagem de Breuer. Também sabemos de suas desagra-
dáveis experiências posteriores com manifestações flagrantemente sexuais de
pacientes que recém emergiam de u m transe hipnótico—mencionadas e m Um
estudo autobiográfico (1925) e, finalmente, a mais importante, a de ter sido
enganado, por seus pacientes histéricos, aceitando como fato, terem eles, na
infância, sido vítimas de sedução sexual, isto é, de terem sofrido u m "trauma
sexual passivo". Talvez valha a pena recordar que, nos Estudos sobre a histeria
(1896), Freud afirmava com todas as letras que aquela teoria se baseava e m 18
casos completamente analisados, evidentemente todos de histéricos. Também é de
nosso conhecimento que esse encanto só seria quebrado por sua auto-análise
(1). Assim, é possível compreender por que chamava as expectativas desses
pacientes de "anseios", sugerindo semelhantemente que, naquele momento, já
tinha reconhecido o perigo dos estados semelhantes aos da toxicomania.
N o capítulo 19, discutimos em alguma profundidade o lento desenvolvi-
mento da ideia de regressão e como, com o passar dos anos, seus aspectos
ameaçadores foram se tornando mais prevalentes nos escritos de Freud,
resultando em sua atitude extremamente cautelosa. Paripassu com essa atitude,
a função terapêutica da regressão passou a u m segundo plano, o u , poderíamos
dizer, foi esquecida.
Não é de admirar que, quando v i u Ferenczi, pelo qual tinha tanta afeição
e estima, afundando-se no mesmo pântano do qual só conseguira escapar com
u m esforço supremo, não tenha podido deixar de se alarmar, tornando-se crítico
e — o que na verdade é muito raro em Freud — u m tanto insensível. V i u , clara
e corretamente, os riscos que Ferenczi estava correndo, mas sem reconhecer,
n e m avaliar as possibilidades de u m novo e importante desenvolvimento, tanto
da técnica como da teoria psicanalítica.
Ferenczi, cujo impetuoso otimismo e facilidade de se entusiasmar por
qualquer ideia nova já referimos em diversas ocasiões (Balint, M , 1933,1948),
cometeu seu habitual engano ao não perceber todos os sinais de aviso de seus
fracassos, supervalorizando os sucessos. Estava tão impressionado com os
resultados da nova técnica que chegou à conclusão de que se u m paciente
comparecesse regularmente à análise, o analista deveria encontrar técnicas para
ajudá-lo. E m sua sincera crença nesse princípio, chegou a distâncias realmente
incríveis para satisfazer as expectativas de seus pacientes (ver capítulo 18).
Ferenczi resumiu a essência de suas novas experiências, chamando-a de "o
140 MICHAEL BALINT

princípio de relaxação" (1930). Esse nome foi uma associação natural, pois a
nova ideia técnica, ao contrário da técnica ativa, tinha por finalidade evitar
qualquer aumento desnecessário da tensão. Ferenczi pensava que, responden-
do positivamente às expectativas, demandas o u necessidades dos pacientes,
agora que já tinha aprendido a compreendê-las em seu verdadeiro significado,
poderia modificar a situação desanimada de u m a análise muito prolongada,
fazendo surgir u m trabalho fecundo que a levasse a u m rápido término. N o
entanto, isso significava abandonar o princípio de abstinência.
O s resultados imediatos dessa técnica de abordagem eram encorajadores.
Seus pacientes — em sua maioria com mais de uma década de tratamento com
outros analistas — voltavam novamente à vida, seu estado melhorava, dando
a Ferenczi suas duas maiores descobertas. U m a foi a respeito do imenso efeito
dasatitudes "costumeiras", "habituais" o u "clássicas" na prática do analista para
desenvolver a relação transferencial e durante todo o tratamento analítico, e a
o u t r a , a respeito das p o s s i b i l i d a d e s técnicas de u m a i n t e r p r e t a ç ã o
contratransferencial (Ferenczi, 1932, e suas notas póstumas).
T u d o isso não quer dizer que Ferenczi não tivesse observado os problemas
provocados por suas inovações técnicas; que o tinha está bastante evidente em
seus trabalhos e notas publicados postumamente; mas acreditava piamente que
seus achados iriam levar a u m grande progresso da técnica analítica. O que, para
ele, continuava sendo o problema mais doloroso, ao qual voltava seguidamente,
era porque Freud não conseguia enxergar a importância dessas novas ideias.
Estamos certos de que o sentimento de não ser compreendido por Freud o
i m p e d i u , durante muito t e m p o — a f i n a l de contas, Freud tinha sido seu analista
de treinamento — de perceber que a inquestionável melhora de alguns de seus
pacientes só iria durar enquanto ele pudesse satisfazer seus anseios; essa
compreensão só veio gradualmente mais ou menos em fins de 1932 e início de
1933, quando, devido à sua crescente debilidade, precisou suspender sua
prática, analítica. Muitos de seus pacientes reagiram a isso com u m desespero
confuso o u u m amargo ressentimento e deterioração de seu estado. Embora
tivesse sido u m golpe muito grande em seu orgulho científico, aceitou-o
plenamente, falando por certo tempo a respeito de seus possíveis enganos no
passado recente, dizendo que, se melhorasse de sua enfermidade, recomeçaria
exatamente do mesmo modo; porém, tinha a esperança de que seus experimen-
tos e enganos seriam utilizados pelas futuras gerações como importantes
marcos e sinais de alerta.
Apesar de tudo, temos, particularmente, muitas dúvidas de que ele tenha
chegado ao ponto de distinguir entre os vários tipos de regressão descritos no
capítulo 22. Nós também chegamos a esse diagnóstico diferencial apenas nos
últimos 15 anos mais o u menos, mas gostaríamos de dizer que recebemos o
primeiro estímulo para isso por ter permanecido em contato com alguns
pacientes do último grupo de Ferenczi, acompanhando sua evolução e,
A F A L H A BÁSICA 141

sobretudo, a forma como falavam sobre suas experiências, durante seu trata-
mento com ele e inclusive depois.
Esperamos que tenha ficado mais claro o trágico desacordo entre F r e u d
e Ferenczi, que tanta dor causou a ambos, atrasando consideravelmente o
desenvolvimento da técnica analítica. Ferenczi, devido às suas próprias dúvi-
das, não poderia utilizar as críticas bem intencionadas e fundamentadas de
Freud; via nelas apenas falta de compreensão. Por seu lado, Freud ainda estava
influenciado por suas experiências frustrantes do fim do século passado, só
encontrando nos experimentos de Ferenczi a confirmação de sua cautela. O
caráter dos dois homens, embora muito diferentes em seus aspectos superfici-
ais, tinha muitas raízes comuns. C o m o tem acontecido com muitas trágicas
amizades históricas, essas raízes comuns primeiramente agiram como u m a
poderosa atração, que serviu, por muitos anos, de base para u m a amizade
íntima e feliz, mas que irresistivelmente levou a u m trágico final; e, no fim, todos
saíram perdendo, inclusive nós, os psicanalistas.
O evento histórico do desacordo entre Freud e Ferenczi agiu como u m
trauma no m u n d o psicanalítico. Foi u m choque altamente perturbador e
extremamente doloroso, admitir que u m mestre consumado na técnica psica-
nalítica, como Ferenczi, autor de u m grande número de trabalhos clássicos e m
psicanálise, tenha ficado tão cego que sequer os reiterados avisos de Freud o
fizeram reconhecer seus enganos e que ambos, dois psicanalistas dos mais
proeminentes, não tenham sido capazes de compreender e avaliar adequada-
mente os achados, observações clínicas e ideias teóricas u m do outro. A primeira
reação foi de u m assustado recuo. C o m consentimento tácito, declarou-se a
regressão, durante o tratamento analítico, u m sintoma perigoso, recalcando-se
quase completamente seu valor como aliado terapêutico. Isso é verdade,
particularmente no que diz respeito à atitude daquilo que se poderia chamar de
centro maciço de psicanálise "clássica".
Para a maior parte dos analistas desse grupo, a regressão passou a ser
considerada apenas em seus aspectos ameaçadores e prejudiciais, já discutidos
no capítulo 19, o u seja, u m mecanismo de defesa difícil de manejar, u m
importante fator da patogênese e uma formidável forma de resistência. Sua
função, como aliado da terapia, praticamente não foi incluída em suas conside-
rações. E m consequência, quando surgiam fenómenos de natureza regressiva,
durante o tratamento, eles passaram a ser considerados como sintomas indese-
jáveis, provocados por u m a técnica questionável ou indicativos de u m distúrbio
tão profundo no paciente, que colocava em dúvida o prognóstico. Parece que,
em tais casos, a medida adotada com mais frequência foi a de retirar o paciente,
o mais rápido possível, da regressão, terminando o tratamento com resultados
apenas aceitáveis. De todo modo, é este o quadro que surge do Painel de
Discussão sobre "Aspectos Técnicos da Regressão, durante a Psicanálise", do
encontro de inverno da American Psychoanaiytical Association, em 1957.
142 M I C H A E L BALINT

Incidentalmente, paralelo ao Painel sobre Regressão, realizou-se outro sobre


"Aspectos Técnicos da Transferência". Comparando a relação dos palestrantes
nos dois painéis, é fácil identificar quais os analistas pertencentes ao centro
"clássico" maciço e quais os pertencentes à zona limítrofe.
A única ideia nova e muito fecunda originada desse grupo foi a de Ernst
Kris que, durante sua investigação sobre a criatividade artística, distinguiu duas
formas de regressão. E m u m a , "o ego é esmagado pela regressão"; na outra, "a
regressão está a serviço do ego". Esta última forma, de acordo com Kris, é apenas
u m caso especial da capacidade mais geral de u m ego bem integrado de regular
e controlar alguns dos processos primários. Essa ideia foi formulada pela
primeira vez em 1935, mas Kris voltou a ela em vários de seus últimos trabalhos.
Indubitavelmente, tal diferenciação tem muito em c o m u m com nossos dois
feixes; a regressão maligna e a em favor da gratificação estão muito próximas
da regressão que esmaga o ego; igualmente, com algum esforço, poderíamos
encontrar alguma similaridade entre a regressão a serviço do ego e a regressão
em favor de reconhecimento. O principal motivo dessa dificuldade estaria n o
que chamamos (Balint, M . , 1949) de nossos diferentes pontos de vista. Kris
estava interessado na criatividade artística, ou seja, na sublimação, que pertence
ao campo da psicologia unipessoal. Essa diferença foi expressa de forma
admirável por Peter K n a p p , no painel sobre "Critérios de Analisabilidade".
Depois de destacar que "a regressão a serviço do ego" é capaz de explicar o que
acontece em u m indivíduo durante a criação artística, mas é incapaz de
descrever e explicar o que acontece durante o tratamento analítico, continua:
"Para ser possível uma psicanálise, é preciso uma outra capacidade para
suplementar a «regressão a serviço do ego», especificamente, «a regressão sob
comando de u m objeto»" (Knapp, 1959).
Esta deve ter sido uma observação revolucionária, que foi recalcada. D e
todo m o d o , até onde pude descobrir, não encontrou n e n h u m eco na literatura.
M e s m o u m pensador tão original como Bertram L e w i n não conseguiu libertar-
se completamente das limitações das ideias de Kris, em sua conferência
freudiana sobre "Dreams and the Uses of Regression" (1958). Tampouco o foram
dois terapeutas tão pouco ortodoxos como G i l l e Brenman (Gill e Brenman,
1959).
O s demais protagonistas desse grupo não se aventuraram a tanto; em vez
disso, preferiram repetir fiel e monotonamente as eternas conexões entre
fixação e regressão, já descritas por Freud em Conferências introdutórias sobre
psicanálise. Para comprová-lo, citaremos, entre outros, Phyllis Greenacre,
Regression and Fixation (1960); Jacob A r l o w , Conflict, Regression and Symptom
Formation (1963) e Jeanne Lampl-de Groot, Symptom Formation and Character
Formation (1963).
Assim, a impressão geral é de desânimo e estagnação. A i n d a assim, nos
últimos anos têm surgido alguns analistas, devemos admitir que muito poucos,
A F A L H A BÁSICA 143

que se interessaram pelo problema da regressão terapêutica. U m deles foi


Alexander (1956), que propôs diferenciar dois tipos de regressão: até o trauma
e até a situação satisfatória pré-traumática. É muito provável que existam
muitos paralelos entre esses dois tipos e os meus. Depois, há a interessante
pesquisa, realizada em Chestnut Lodge, com pacientes gravemente regressi-
vos, cujos resultados mais importantes foram publicados por Searles (e.g. 1961,
1963). Finalmente, em Londres, temos Winnicott, que estudou, por muitos
anos, a regressão na situação analítica; seus artigos originais muito dispersos
foram reunidos em dois volumes (1958 e 1965). Sob sua influência, diversos
analistas, entre eles Little (1957) e K h a n (1960,1962), passaram a interessar-se
pelo mesmo campo.
Isso é quase tudo. Todos esses analistas, inclusive nós, pertencem — não
ao centro "clássico" maciço, mas aos seus limites. Somos conhecidos, tolerados
e talvez até mesmo lidos, mas certamente não citados. U m b o m exemplo dessa
afirmação é o livro de G i l l e Brenman (1959). Embora u m dos principais tópicos
do livro seja o uso terapêutico da regressão, havendo nele u m a extensa
bibliografia, n e n h u m de nós é mencionado. Porém, há sinais de que tal período
está terminando. O trágico evento ocorreu no início da década de 30. Isso
significa que, desde então, surgiu uma nova geração de analistas, esperándo-
se que se tornem capazes — o u já o sejam — de reexaminar certas doutrinas e
crenças, que durante muitos anos foram tabu para u m analista adequado. U m
dos sinais promissores é o recente trabalho de W . L o c h (1963-64), intitulado
"Regression".
N a mesma época, A n n a Freud publicou u m artigo: " A Regressão como
Princípio do Desenvolvimento Mental" (1963), no qual destaca — em lugar dos
habituais aspectos ameaçadores da regressão — também seus aspectos benig-
nos. Isso foi logo seguido por u m outro Painel da American Psychoanalytic
Association, em seu encontro de outono, de dezembro de 1965, sobre "Estados
Regressivos Severos durante a Análise". A situação tinha se modificado consi-
deravelmente, desde o último painel de 1957. Embora o número de palestrantes
fosse o mesmo de 1957, desta vez houve u m maior equilíbrio de membros do
centro "clássico". A i n d a surgiram sinais inconfundíveis da antiga apreensão,
mas a atmosfera foi totalmente diferente. Foram relatados sem pormenores
diversos casos, demonstrando não só que os estados severamente regressivos
p o d i a m ser tolerados na situação analítica, como também que alguns deles
p o d i a m ser utilizados para favorecer o processo de tratamento analítico.
Ocorreram poucos sinais de preconceito o u de ideias preconcebidas na excelen-
te discussão; cada palestrante estava sinceramente interessado, desejando
contribuir com sua parcela para o esclarecimento de u m intrigante problema.
Todavia, deve ser feito u m comentário. Embora alguns palestrantes, entre
eles o presidente, John Frosch, e Martin C a n g — tentassem, em diversas
ocasiões, dirigir o debate para a contribuição do analista, tanto na promoção o u
144 M I C H A E L BALINT

mesmo provocação da regressão, como em suas respostas técnicas a ela, não o


conseguiram. A discussão continuou confinada dentro dos limites da psicologia
unipessoal: o ego esmagado pela regressão, a natureza do ego do paciente e m
cujo tratamento isso poderia acontecer, as forças mentais que levam à regressão,
as mudanças que p o d e m retirá-lo dela, etc.
Foi evitado quase totalmente considerar a regressão — em sua estrutura,
causas e significado para o tratamento — como u m a interação entre u m
determinado paciente e u m determinado analista, isto é, u m fenómeno perten-
cente ao campo da psicologia bipessoal, particularmente à área da mente que
descrevemos como a da falha básica.

NOTA

(1) Evidentemente não sabemos se existem quaisquer conexões causais entre os dois eventos, mas
existem as cronológicas. Antes de sua auto-análise, Freud acreditava piamente na realidade das
cenas de sedução; depois dela, igualmente acreditava piamente que a sedução tinha ocorrido
apenas na fantasia infantil. Ademais, sabemos que ele iniciou, ou talvez estivesse evoluindo em
sua auto-análise no verão de 1897, e, em setembro do mesmo ano, em uma carta a Fliess,
apresenta seus motivos para abandonar a ideia a respeito da realidade dos traumas sexuais
infantis — um dos mais comoventes e bem redigidos argumentos entre os escritos de Freud.
PARTE V

O PACIENTE REGRESSIVO
E SUA ANÁLISE
CAPITULO 24

Regressão Terapêutica, Amor


Primário e Falha Básica

JL A Parte anterior vimos que a regressão, como a observada na situação


analítica, pode ter pelo menos duas finalidades: gratificação de u m a pulsão e
reconhecimento por u m objeto; em outras palavras, é u m fenómeno intrapsíquico
e u m fenómeno interpessoal. Também encontramos fortes indicações de que,
para a terapia analítica dos estados regressivos, os mais importantes são seus
aspectos interpessoais.
O problema a que estamos chegando poderia ser denominado "o poder
cicatrizante da relação". E m geral, embora isso não seja dito de forma tão
explícita, somos levados a reconhecer que os dois fatores mais importantes na
terapia psicanalítica são as interpretações e a relação objetal. Todavia,devemos
ter em mente que na última estamos em u m terreno comparativamente
inseguro, pois a teoria psicanalítica sabe muito pouco a seu respeito.
Possuímos algum conhecimento sistemático a respeito das pulsões e seus
destinos, a respeito da estrutura da mente e dos vários mecanismos defensivos
que nela operam, e também a respeito do papel do conflito em psicopatologia.
Foi sobre estes três pilares — as teorias das pulsões, a estrutura da mente e os
efeitos patogênicos dos conflitos — que Freud baseou suas recomendações
técnicas. A finalidade de sua técnica foi tornar consciente o inconsciente — o u ,
n u m a versão posterior: onde estava o i d , deve estar o ego — e o instrumento
para essa finalidade era quase que exclusivamente a interpretação. Embora já

147
148 MICHAEL BALINT

afirmasse, em 1912 e 1915, em seus dois trabalhos sobre a transferência, c o m


todas as letras, que a transferência, isto é, a relação objetal, pode ter considerá-
veis poderes cicatrizantes, evidentemente não confiava neles, nunca os tendo
considerado merecedores de u m estudo adequado. Consequentemente, a
interpretação foi aceita como sendo a mais importante medida técnica.
C o m o procuramos demonstrar na Parte IV, colocar toda a ênfase no
trabalho interpretativo do analista poderia ser u m excesso de simplificação. Ele
funciona enquanto pudermos selecionar entre as pessoas que procuram u m
auxílio analítico, aquelas que, sem muita dificuldade, p o d e m se adaptar à
situação analítica por nós criada, de acordo com os primeiros trabalhos de F r e u d
sobre a técnica (1911-15). Enquanto essa situação for aceita como obrigatória por
todos nós, o trabalho analítico pode ser considerado como consistindo quase só
de interpretações.
Todavia, se reconhecermos que a situação recomendada por Freud
representa apenas uma das muitas situações possíveis — isto é, u m a espécie de
yrimus inter vares — surge uma nova tarefa, na qual devem ser encontradas
outras situações nas quais o trabalho analítico com pacientes selecionados
menos estritamente possa ser realizado de uma forma útil. Essa tarefa tem u m a
especial importância para os pacientes em regressão.
Talvez seja u m trabalho terapêutico mais importante do que fazer
interpretações corretas, repetir o que encontramos, nos capítulos anteriores, em
determinados períodos do tratamento, criando e conservando u m a relação
trabalhável, em particular com u m paciente em regressão. Provavelmente,
Freud tivesse algo semelhante em mente, quando escreveu a respeito dos efeitos
terapêuticos da transferência. N o entanto, como foi mencionado, seu interesse
estava centrado sobretudo nos processos intrapsíquicos que p o d e m ter efeitos
terapêuticos, não tendo dado muita atenção aos fenómenos interpessoais e a
seus possíveis efeitos sobre a terapia.
M a s , seja como for, as interpretações são, necessariamente, sempre
verbais. Embora u m a de suas principais finalidades seja a de ajudar o paciente
a ter sentimentos, emoções e experiências que não podia ter, as interpretações
exigem compreensão intelectual, raciocínio o u u m novo insight. Todas essas
descrições estão intimamente relacionadas com "o ver" o u "o suportar", isto é,
com as atividades filobáticas, que podem ser realizadas a sós. A o contrário, as
relações objetais sempre são u m a interação entre pelo menos duas pessoas e,
geralmente, são criadas e conservadas também por meios não-verbais. E difícil
encontrar palavras para descrever o que é criado. Falamos sobre conduta, clima,
atmosfera, etc, todas termos vagos e nebulosos, referindo-se a algo sem limites
nítidos e, portanto, lembrando os termos que descrevem as substâncias primá-
rias. Apesar do fato de que as diversas formas de relação objetal não p o d e m ser
descritas com palavras concisas e inequívocas, isto é, a tradução das diferentes
relações objetais em palavras deve sempre ser subjetiva, arbitrária e inexata, está
A F A L H A BÁSICA 149

presente a "atmosfera", o "clima", sente-se que está ali, em geral n e m precisando


ser expresso e m palavras — embora estas possam ser u m importante fator
contribuinte, tanto para sua criação como manutenção. A o contrário do insight,
que é resultado de uma interpretação correra, a criação de u m a relação
adequada é decorrente de u m a "sensação"; enquanto que o insight está
relacionado com "o ver", a "sensação" está relacionada com o tato, isto é, c o m
a relação primária o u ocnofilia.
Voltando ao nosso tópico principal, a regressão, foram seus aspectos
intrapsíquicos que continuaram a ser o foco do interesse de Freud durante toda
a vida. Talvez u m motivo dessa relativa negligência tenha sido que, no
momento em que descrevia as formas regressivas de transferência, sua teoria
das pulsões estava praticamente terminada; a terceira edição de Três ensaios
sobre a sexualidade foi publicada em 1915, no mesmo ano em que publicou
Observações sobre o amor transferencial. Por outro lado, naquele momento estava
apenas iniciando u m a teoria desenvolvimental da relação objetal.
Foi na teoria das pulsões que Freud baseou suas tão citadas recomenda-
ções terapêuticas de que o analista não deve responder positivamente aos
"anseios" de u m paciente regressivo, em particular, não deve satisfazê-los. A
terapia analítica deve ser realizada em estado de "abstinência", "frustração" o u
"privação". De muitas formas essa recomendação é correta. Se o analista não
fizer algo mais a não ser gratificar os "anseios" de seu paciente regressivo, sua
ação só produzirá resultados temporários. C o m o a fonte desses anseios ainda
não foi tocada, depois de u m certo tempo surgirão novos anseios, exigindo,
também intensamente, novas gratificações. Se então o analista, influenciado
pela paz bem-aventurada que se segue a sua ação, for induzido a oferecer mais
gratificações, poderá se desenvolver u m círculo vicioso interminável, que não
é raro nos estados regressivos.
Portanto, responder de forma positiva às súplicas e anseios de u m
paciente regressivo, gratificando-os, é, provavelmente, u m erro técnico. Por
outro lado, atender às necessidades de u m paciente por uma forma particular
de relação objetal, mais primitiva do que a obtida entre adultos, pode ser u m a
medida técnica legítima que provavelmente não tem nada a ver com a regra de
"frustração" o u "privação".
Porém, se aceitarmos tais ideias, abandonaremos os limites da teoria das
pulsões, que pertence à esfera da psicologia unipessoal, entrando-se no reino da
psicologia bipessoal. Baseados na primeira, podemos afirmar que, tanto a forma
como a profundidade da regressão são determinadas apenas pelo paciente, sua
infância, caráter, gravidade da doença, era, e, na última, precisamos considerá-las
como resultado de uma interação entre u m determinado paciente e seu analista.
Concentrando-se, por u m momento, nas contribuições do analista, isto é, em sua
técnica, podemos dizer que o aspecto clínico de uma regressão irá também
depender de como a regressão é reconhecida, aceita e respondida pelo analista.
150 M I C H A E L BALINT

Talvez a forma mais importante de resposta do analista seja a interpreta-


ção; ela pode ter u m a influência crucial sobre o tratamento, se o analista
interpretar qualquer fenómeno particular como uma demanda de gratificação
o u como necessidade de u m certo tipo de relação objetal.
Supondo que o analista esteja preparado para considerar a regressão
como u m pedido, demanda o u necessidade de u m determinado tipo de relação
objetal, a próxima pergunta será até onde ele pode ir o u , em outras palavras, que
tipo de relação objetal deve oferecer ou aceitar de seu paciente regressivo. Este
é u m importante problema técnico, que possui, como quase todos os problemas
em técnica psicanalítica, vários aspectos.
O primeiro pertence aos limites entre a psicologia unipessoal e a bipessoal,
podendo ser descrito como u m problema de diagnóstico diferencial. O analista
deve ser capaz de reconhecer quais as formas de relação objetal que serão
adequadas o u mesmo terapêuticas naquele momento para o paciente regressi-
vo. Para tanto, deve não só aceitar que essas relações existam e que possam ter
efeitos terapêuticos, mas também conhecê-las suficientemente para poder
escolher aquela com maiores possibilidades terapêuticas.
C o m isso, entramos em uma área controversa. Alguns analistas acreditam
firmemente que as únicas formas de relação objetal compatíveis com u m a
adequada evolução da terapia analítica são as que permitem ao analista
conservar seu papel de objetividade passiva e simpática, descrita por Freud.
Temos a impressão de que eles ainda as consideram como parâmetros absolutos
e, se o analista, por qualquer motivo, as abandona, o tratamento não mais
poderá ser chamado de psicanálise. Se essa impressão for correta, esses analistas
provavelmente afirmarão que não é mais necessário o diagnóstico diferencial,
o u mesmo que ele contribui para uma técnica falha e danosa. N a Parte III, em
particular nos capítulos 14 e 16, discutimos algumas das consequências dessa
atitude generalizada.
Para evitar possíveis mal-entendidos, é importante compreender que
interpretar para o paciente que ele sempre tentou estabelecer uma determinada
relação genital o u mesmo pré-genital, é algo completamente diferente de
aceitar e trabalhar com o fato de que o paciente, nesse estágio em particular,
necessita de uma certa forma de relação objetal, permitindo a ele criá-la e mantê-
la na situação analítica. Todavia, nos casos das bem conhecidas relações objetáis
posteriores, as interpretações, via de regra, possuem força suficiente para iniciar
e conservar u m reajustamento terapêutico à realidade; em alguns casos, pode
surgir alguma atuação, mas também se pode lidar com eles por meio das
interpretações. A maior parte dessa categoria pertence ao que chamamos de
área edípica; portanto, os eventos que nela ocorrem p o d e m ser expressos de
uma maneira bastante adequada em linguagem adulta convencional. A mais
importante delas é — em ordem cronológica inversa: a forma fálico-narcisista,
com suas muitas variantes, tais como egoístico-auto-assertiva, agressivo-
A F A L H A BÁSICA 151

castradora, submissa, masoquista, etc.; as várias formas sádico-anais, com todas as


supercompensações e formações reativas a elas pertencentes, e assim por diante.
Para completar, devemos mencionar as diversas formas orais de relação
objetal, resumidas atualmente em "dependência oral", que muitos analistas
incluem como uma matéria de curso. Como, em nossa opinião, a "dependência
oral" é u m conceito enganoso, resumo a seguir nossos argumentos contra ela.
A relação que a "dependência oral" procura descrever não é u m a depen-
dência unilateral, mas u m a "interdependência"; libidinalmente, a mãe é quase
tão dependente de seu bebé como o bebé é dela; n e n h u m deles pode ter essa
forma particular de relação e de satisfação independentemente do outro.
Embora os aspectos orais constituam u m a parte importante de todo o fenóme-
no, há vários outros fatores, sendo difícil dizer com certeza qual o mais
importante. Ademais, com frequência quase têm sido excluídos, pela m o d a
atual de cuidados, tanto o seio da mãe como sua contrapartida, a boca da
criança, na maioria das vezes, sem interferir muito na interdependência mútua,
a qual, em nossa opinião, é u m fator decisivo nessa relação.
A interdependência deve recordar-nos que qualquer tentativa de descre-
ver essa relação, utilizando termos da psicologia unipessoal, será necessaria-
mente enganosa. Embora isso seja verdade, até certo ponto, em todas as
relações, o efeito de interdependência é reduzido no mesmo ritmo da impor-
tância da cooperação do parceiro. U m exemplo instrutivo é a dominação anal,
cuja teoria talvez seja a mais desenvolvida em psicanálise. N e l a , a cooperação
do parceiro é mínima, e por isso a relação pode ser adequadamente descrita com
termos pertencentes à psicologia unipessoal. Por outro lado, no amor genital,
é fundamental que u m objeto indiferente, ao qual amamos, possa ser por nós
transformado em parceiro cooperativo. A relação entre o indivíduo e seu objeto
indiferente pode ser muito bem descrita com nossa terminologia, enquanto que
a relação entre parceiros cooperativos precisa de u m a nova terminologia,
pertencente à psicologia bipessoal.
O u t r a grande dificuldade é que todas as relações primitivas em geral
pertencem ao período pré-verbal do desenvolvimento. C o m o vimos na Parte I,
os fenómenos pertencentes a essa área não são facilmente descritos verbalmen-
te. Portanto, devemos ter constantemente em mente essas duas dificuldades:
u m a , causada pela intensa interdependência de dois indivíduos, a outra, pela
natureza primitiva da relação em desenvolvimento, que é difícil de expressar
em palavras convencionais adultas (1).
Depois de removido esse obstáculo e a confusão por ele criada, voltemos
ao nosso problema principal: que tipo de relação objetal primitiva, possivelmen-
te pré-verbal, deve o analista levar em consideração, aceitar o u mesmo oferecer
a seu paciente regressivo?
N o s capítulos anteriores, particularmente 4,12,15 e 22, descrevemos em
detelhes as características das três principais formas observadas em nossa
152 M I C H A E L BALENT

prática analítica. São elas: (a) a mais primitiva, que chamamos de amor primário
o u relação primária, u m a espécie de mistura interpenetrante harmoniosa entre
o indivíduo em desenvolvimento e suas substâncias primárias o u objetos
primários; (b) e (c), a ocnofilia e ofilobatismo, que constituem entre si u m a espécie
de contrapartida, pressupondo já a descoberta de objetos parciais e/ou totais
bastante estáveis. Para o indivíduo predominantemente ocnofílico, a vida só é
segura em íntima proximidade com os objetos, enquanto que os períodos o u
espaços entre os objetos são sentidos como horrendos e perigosos. Tais
fenómenos já são conhecidos há bastante tempo; mas, recentemente, por
influência da etologia, passaram a ser conhecidos como "conduta de apego" (e.
g., Bowlby, 1958). A o contrário, os indivíduos predominantemente filobáticos
sentem os objetos como inseguros e perigosos, estando inclinados a dispensá-
los, buscando as expansões amistosas, que separam os objetos traiçoeiros no
tempo e no espaço.
Obviamente, a próxima pergunta será: o que irá ganhar o paciente com
a regressão? Por que ela é tão importante para ele? C o m o já dissemos várias
vezes, n e m todos os pacientes atravessam u m período de regressão. Isso
significa que alguns pacientes podem dispensá-lo o u talvez sequer precisem
dele. Todavia, é difícil obter alguma indicação a respeito da distribuição
daqueles que precisam e daqueles que não precisam de u m período de
regressão. Isso ocorre porque os pacientes submetidos ao tratamento analítico
não constituem u m a amostra representativa, por terem sido selecionados de
acordo com as ideias do analista a respeito da analisabilidade. Não obstante,
talvez haja alguma verdade na impressão de que, em nosso atual material de
pacientes, o número daqueles que precisam de regressão é maior do que antes
e talvez ainda vá aumentar.
A resposta à nossa pergunta repousa na ideia da falha básica e nas
observações que nos levaram à descoberta do "novo começo". Nossa linha de
pensamento é a seguinte: todos temos determinados traços de caráter o u , dito
na terminologia moderna, padrões compulsivos de relação objetal. Alguns são
produtos de u m conflito o u complexo; se o analista, com suas interpretações,
puder ajudar seu paciente a resolver esses conflitos e complexos, a natureza
compulsiva desses padrões será reduzida a u m nível suficientemente flexível
para permitir a adaptação à realidade. E m certo número de casos no qual, de
acordo com minhas ideias, os padrões tiveram origem em u m a reação à falha
básica, as interpretações terão u m poder incomparavelmente menor, pois não
existe, no sentido estrito, u m conflito ou complexo para resolver, e na área da
falha básica as palavras são instrumentos não muito confiáveis.
E m certos casos, nos quais as palavras, isto é as associações seguidas pelas
interpretações, não parecem capazes de induzir o u conservar as mudanças
necessárias, devem ser considerados outros agentes terapêuticos. E m nossa
opinião, o mais importante deles é o que ajuda o paciente a desenvolver u m a
A F A L H A BÁSICA 153

relação primitiva na situação analítica, que corresponda ao seu padrão c o m p u l -


sivo, conservando-a em u m a paz não perturbada até que descubra novas
possibilidades de relações objetáis, sinta-as e seja por elas sentido. C o m o a falha
básica, enquanto estiver ativa, determina as formas de relação objetal disponí-
veis em cada indivíduo, u m a das tarefas necessárias no tratamento é inativar a
falha básica, criando condições nas quais ela possa cicatrizar. Para obtê-lo, o
paciente deve poder regredir até a situação, isto é, até a forma particular de
relação objetal que provocou o estado de deficiência original, o u mesmo a u m
estágio anterior. Esta é u m a pré-condição que deve ser preenchida antes que o
paciente possa desistir, inicialmente de maneira u m tanto experimental, de seu
padrão compulsivo. Somente depois é que o paciente "irá recomeçar", isto é,
desenvolver novos padrões de relação objetal, em substituição aos anteriores.
Esses novos padrões serão menos defensivos e, portanto, mais flexíveis,
oferecendo a ele maiores possibilidades de adaptação à realidade, com menos
tensão e fricção do que anteriormente.
A próxima e última pergunta deste capítulo será: o que pode o analista
fazer para favorecer esse processo? A maior parte da resposta será encontrada
no próximo capítulo; neste, gostaríamos de acentuar apenas três aspectos
negativos muito importantes, a saber, o que o analista deve procurar evitar. O
que está na moda atualmente em técnica — a qual recomenda que, sempre que
possível, tudo deve ser primeiramente interpretado como transferência—léva-
nos a nos transformar em objetos poderosos e inteligentes para nossos pacien-
tes, desta maneira ajudando-os — o u forçando-os — a regredir a u m m u n d o
ocnofuico. Nesse m u n d o , há grandes oportunidades para a dependência, mas
muito poucas para fazer descobertas independentes. Esperamos que todos
estejam de acordo de que, afinal, a última é tão importante terapéuticamente
como a primeira. Inversamente, isso significa que o analista não se deve apegar
rigidamente a uma forma de relação objetal que considerou útil em outros casos
ou até mesmo em fases anteriores deste tratamento, mas que deve estar sempre
preparado para alternar com seu paciente entre os mundos primitivos ocnofílico
e filobático, indo mesmo além deles no sentido de uma relação primária. Isso só
pode ser feito se o analista puder fazer o diagnóstico diferencial acima descrito.
O outro aspecto negativo importante é que, em certos momentos, o
analista deve fazer tudo o que puder para não se tornar o u proceder como u m
objeto independente, bem delimitado. E m outras palavras, deve permitir que
seus pacientes se relacionem o u existam com ele, como se fosse u m a das
substâncias primárias. Isso quer dizer que o analista deve sustentar o paciente,
não ativamente, mas como a água suporta o nadador, o u a terra, o caminhante,
isto é, estar presente para que o paciente o utilize sem muita resistência a ser
usado. N a verdade, alguma resistência não é apenas permitida mas essencial.
Entretanto, o analista deve ter cuidado para que sua resistência crie apenas o
atrito suficiente para o avanço, mas definitivamente não muito mais, senão o
154 M I C H A E L BALINT

progresso pode se tornar muito difícil, devido à resistência do meio. Além e


acima de tudo isso, deve estar presente, deve sempre estar presente e deve ser
indestrutível — como o são a água e a terra. Discutimos alguns desses aspectos
no capítulo 22 e continuaremos a fazê-Io nos seguintes.
U m corolário do aspecto negativo anterior é o último, também negativo,
que afirma que o analista deve evitar se tornar o u mesmo parecer "onipotente"
aos olhos do paciente. Esta é uma das tarefas mais difíceis desse período do
tratamento. O paciente regressivo espera que seu analista saiba mais e seja mais
poderoso; porém, não apenas isso, também espera que o analista prometa,
explicitamente o u por sua conduta, a ajudá-lo a sair da regressão o u observá-
lo enquanto a atravessa. Qualquer u m a dessas promessas, mesmo a com a mais
discreta aparência de u m a concordância tácita nesse sentido, irá criar dificulda-
des muito grandes, obstáculos quase insuperáveis para o trabalho analítico.
A q u i , também, a única coisa que o analista pode fazer é aceitar o papel de u m a
verdadeira substância primária, que está presente, que não pode ser destruída,
que eo ivso está presente para sustentar o paciente, que percebe a importância
e o peso do paciente, mas, mesmo assim, o suporta, que não está preocupado
em manter os limites adequados entre o paciente e ele mesmo, etc., mas que não
é u m objeto no verdadeiro sentido e não está preocupado a respeito de sua
existência independente.
Diversos outros autores tentaram descrever esse tipo de relação objetal ou,
mais corretamente, a relação paciente-entorno, utilizando outros termos. A n n a
Freud (nos anos de guerra) utilizou "objetos que satisfazem as necessidades";
H a r t m a n n (1929), "o entorno médio esperável"; Bion, em u m trabalho para a
British Psycho-Analytical Society (1966), comparou "continente" c o m "conteú-
do". O mais versátil inventor de tais termos parece ter sido Winnicott, que
utilizou (1941) o "ambiente suficientemente b o m " , depois, falou a respeito do
médium, no qual o paciente gira como uma máquina no óleo, mais tarde (1949),
surgiu sua "mãe devotada comum", em 1956, a "preocupação materna primá-
ria" e, em 1960, a "função de sustentação" da mãe, enquanto que, em 1963, tirou
da literatura americana o termo "ambiente facilitador", utilizando-o como parte
do título de seu último livro (1967). Margaret Little chamou-o de " u n i d a d e
básica" (1961), enquanto M . K h a n propôs (1963) "concha protetora" e R. Spitz,
"mediador do entorno" (1965), enquanto M . Mahler preferiu (1952) "matriz
extra-uterina". Qualquer u m destes termos está correto. Cada u m deles descre-
ve u m o u outro aspecto da relação não onipotente que temos em mente.
Evidentemente, preferimos o nosso, em lugar dos demais, pelo motivo de que
o nosso é mais geral, podendo incluir todos os outros em seus aspectos
particulares.
Se aceitarmos tais ideias, o problema de gratificar o u não os "anseios" de
u m paciente regressivo surge sob u m a luz diferente, tão diferente que ficamos
em dúvida se não estaríamos lutando com u m falso problema, que não pode ser
A F A L H A BÁSICA 155

resolvido, pois foi malformulado. O problema real não é o de gratificar o u


frustrar o paciente regressivo, mas de como a resposta do analista à regressão
irá influenciar a relação paciente-analista e, com ela, a evolução do tratamento.
Se a resposta do analista for, por exemplo, a de satisfazer as expectativas do
paciente, este terá a impressão de que seu analista é inteligente e capaz, a ponto
de se tornar onisciente e onipotente, podendo ser essa resposta considerada
arriscada e não recomendável; é provável que o aumento da desigualdade entre
o paciente e o analista leve à criação de estados semelhantes aos da toxicomania,
por exacerbar a falha básica do paciente.
Por outro lado, se a satisfação puder ser feita de u m a maneira que não
aumente a desigualdade, mas crie uma relação objetal de acordo com o padrão
daquilo que chamamos de "amor primário", esta poderia ser seriamente
considerada como u m método de escolha.
Neste ponto, propomos u m a breve digressão, para discutir o que chama-
mos de a tendência ocnofãica de nossa técnica moderna, e suas consequências. A
técnica psicanalítica — e a teoria — ficaram tão impressionadas com a intensi-
dade dos fenómenos ocnofflicos encontrados na situação analítica, que concen-
traram neles seu interesse, negligenciando quase completamente as também
relevantes relações primárias e filobáticas. Assim, desenvolveu-se a teoria da
busca objetal, adesividade, "conduta de apego" e dependência ambivalente.
C o m o destacamos em Thrills and Regressions (1959), em especial no capítulo 12,
nosso procedimento técnico moderno recomenda que tudo o que acontecer o u
for produzido pelo paciente na situação analítica deve ser primeira e principal-
mente compreendido e interpretado como u m fenómeno transferencial. Reci-
procamente, isso significa que a principal estrutura de referência utilizada para
formular praticamente toda a interpretação é u m a relação entre u m objeto
muito importante, onipotente, o analista, e u m sujeito diferente, que, naquele
momento, aparentemente não pode sentir, pensar ou experimentar qualquer
coisa que não esteja relacionada com o analista.
Vê-se facilmente que essa técnica moderna de interpretar primeiramente
a transferência leva a u m a representação de u m m u n d o que consiste de u m
sujeito quase insignificante confrontado com objetos poderosos, inteligentes e
onipresentes, com o poder de expressar em palavras qualquer coisa, cujo
exemplo notável é o analista. Q u a n d o aceitamos esse quadro como u m exemplo
verdadeiro e representativo dos primeiros estágios do desenvolvimento h u m a -
no, facilmente chegamos à teoria da "dependência oral". A dependência é óbvia
e o adjetivo "oral" é logo acrescentado a ela, por influência da teoria das pulsões,
que possui apenas essa palavra para descrever algo primitivo o u precoce. O fato
de que, durante o tratamento assim conduzido, quase todas as transações entre
o paciente e o analista ocorrem através de palavras, reforça os aspectos "orais",
e analista, pacientes e nossa teoria associam a ele que as interpretações — isto
é, as palavras — significam "leite", enquanto o analista, "o seio".
156 M I C H A E L BALINT

Dessa maneira, é desenvolvido u m argumento circular; tudo o que


acontece na situação analítica é compreendido e interpretado dessa forma, o
que, por sua vez, "ensina" o paciente — como foi descrito no capítulo 15 — a
se expressar, e mesmo em alguma extensão a sentir todas as suas experiências
pré-verbais de acordo com essa linguagem, desse modo convencendo o analista
de que tanto sua teoria como suas interpretações foram absolutamente correras.
Essa é outra instância de u m evento que tem ocorrido em muitas ocasiões, em
praticamente todas as ciências, especialmente em nossa psicanálise, na qual
partes da verdade foram utilizadas para encobrir a verdade toda. E m nosso caso,
as partes são que os fenómenos "orais" e "dependentes" ocorrem em qualquer
relação primitiva humana. O que se encobre é que eles estão longe de explicar
o quadro todo; a única coisa que ocorreu foi que, com nossa técnica atual, sua
importância foi aumentada de forma desproporcional.
U m a prova muito boa desse ponto de vista é o exemplo de Freud. C o m o
o estudo de suas histórias clínicas comprova, ele deu a devida atenção à
transferência, mas não a interpretou antes de qualquer outra coisa. Consequen-
temente, embora fosse o objeto mais importante para seus pacientes, sua técnica
não os forçou a construir u m a representação do m u n d o de acordo com a
desigualdade opressiva entre o sujeito ocnofílico e seu importante objeto já
descrito. C o m o acabamos de mencionar, nos índices dos 23 volumes da
Standard Edition, o verbete "dependência" ocorre muito raramente, não sendo
encontrado o verbete "dependência oral".
Para ilustrar alguns problemas levantados neste capítulo, citaremos u m
episódio de u m tratamento longo. Depois de u m a sessão insatisfatória de u m a
sexta-feita, na qual o paciente aceitou, com alguma relutância, que não se tinha
p o d i d o estabelecer u m contato real entre ele e o analista, porque durante toda
a sessão tornara seu analista inútil, teve grande dificuldade em deixar a sala. U m
pouco antes de abrir a porta, disse que se sentia péssimo e pediu u m a sessão
extra, e m qualquer momento durante o fim-de-semana, para ajudá-lo a se
recuperar.
Evidentemente, o problema é como responder a esse pedido que,
indubitavelmente, é u m pedido de gratificação. Acrescentaríamos que, ocasio-
nalmente, esse paciente obtivera sessões extras em fins-de-semana; estas
sempre lhe deram u m a satisfação muito grande e, caracteristicamente, a cada
vez, reduziram de modo considerável sua tensão; porém, era muito raro que,
nessas sessões extras, tivesse sido possível u m verdadeiro trabalho analítico.
Suponhamos que o pedido seja interpretado como outro "anseio" dele, e,
por isso, recusado; mesmo que o paciente aceite essa interpretação, ele ainda irá
se sentir mais infeliz por ter importunado desnecessariamente o bondoso e
paciente analista, e seu mal-estar ficará pior. Se o paciente não concordar com
a interpretação, considerará o analista como malvado e cruel, aumentando,
assim, a tensão na terapia; é pouco provável que a situação torne-se mais
A F A L H A BÁSICA 157

tolerável se o analista interpretá-la como uma resistência o u u m a transferência


de alguma agressividade e ódio da infância.
Por outro lado, se satisfizer o pedido por u m a sessão extra, não importan-
do se a interpretar como uma repetição de alguma frustração precoce causada
ou levando à avidez o u inveja, o analista se transformará em u m objeto
onipotente, forçando seu paciente a uma relação ocnofílica.
O que procuramos fazer neste caso foi primeiramente reconhecer e aceitar
sua aflição, fazendo-o sentir que estávamos com ele e, depois, admitir que não
julgávamos que u m a sessão extra fosse suficientemente poderosa para dar-lhe
o que esperava e talvez até mesmo precisava naquele momento; ademais, isso
iria torná-lo pequeno e fraco enquanto seu analista iria se tornar grande e
poderoso, o que não era desejável. Por todos esses motivos, o pedido foi negado.
O paciente foi então embora sem ser satisfeito.
Q u a n d o escolhemos nossa resposta tínhamos duas finalidades em mente.
Por u m lado, tentamos evitar o desenvolvimento de relações indesejáveis, como
as que se estabelecem entre alguém derrubado o u frustrado e u m a pessoa
superior e rude com autoridade para saber melhor o que é correto, o u entre
alguém fraco que precisa de u m apoio bondoso e de u m a autoridade benigna
e generosa — tudo levando a u m reforço da desigualdade entre o sujeito e seu
poderoso objeto. Por outro, procuramos estabelecer u m a relação na qual
n e n h u m de nós fosse todo-poderoso, na qual ambos admitíssemos nossas
limitações, na esperança de que assim pudesse ser estabelecida u m a colabora-
ção produtiva entre duas pessoas que não eram fundamentalmente diferentes
em importância, peso e poder.
Devemos acrescentar que era u m evento verdadeiramente raro que nosso
paciente nos telefonasse, talvez não mais de u m a vez por ano, em alguma
emergência. Desta vez, ele telefonou na mesma noite, depois das 8 horas. Ele
quase não conseguia falar ao telefone, pois estava muito perturbado, mas
finalmente conseguiu dizer que precisara telefonar... para contar-nos que ele
estava quase chorando... nada mais... ele não queria nada de nós, n e n h u m a
sessão extra... mas tivera de nos telefonar para que soubéssemos o que ele estava
sentindo.
Este episódio mostra como a resposta do analista tinha transformado u m
processo que tinha começado na direção de u m "anseio" de satisfação — isto é,
uma forma provavelmente m a l i g n a — e m u m a benigna—isto é, u m a regressão
para reconhecimento. Isso foi feito porque o analista evitou até mesmo parecer
ser onisciente e todo-poderoso; por outro lado, ele demonstrou sua vontade de
aceitar o papel de u m objeto primário, cuja principal função é reconhecer e estar
com seu paciente.
O efeito imediato desse incidente foi u m considerável alívio da tensão,
tendo o paciente passado u m fim-de-semana relativamente bom e durante
algum tempo pôde manter contato e cooperação. Diríamos até que tenha
158 MICHAEL BALINT

iniciado — o u reforçado — u m a mudança para u m a atmosfera melhor d a


situação analítica, na qual foi possível fazer alguns progressos consideráveis.

NOTA

(1) A "dependência oral" é um conceito relativamente novo. Não descobrimos nenhuma referência
a ele nos escritos de Freud, parecendo,pois, ser pós-freudiano, muito provavelmente uma
criação americana. Julgamos que seria um estudo interessante conhecer a história exata de seu
desenvolvimento. Existem alguns dados a respeito. O termo "dependência", sem o adjetivo
"oral", surge algumas vezes no livro de Fenichel (1945). A primeira utilização da expressão
"dependência oral" foi a de F. Alexander, em 1950. Para nossa surpresa, não pudemos encontrá-
lo nos escritos de Melanie Klein, tendo ocorrido a primeira referência a ela, em sua escola, em
News Directions in Psycho-Analysis (1955), uma compilação de trabalhos escritos por Melanie
Klein, por ocasião de seu septuagésimo aniversário, em 1952. Também nela faltava o adjetivo
"oral", mas o termo "dependência" se referia ao que atualmente poderia ser chamado de
"dependência oral", a dependência da criança pela mãe; os dois autores que a utilizaram foram
Paula Heimann e Joan Rivière. Mais ou menos a partir de 1952, o termo dependência, e mesmo
dependência oral, passam a ocorrer com uma frequência crescente nos trabalhos de Winnicott,
mas aparentemente não antes disso..
CAPÍTULO 25

O Analista Nao-Importuno

CV ^ O N C L U I M O S o capítulo 22 com as duas formas de regressão, mas


deixamos de debater problemas técnicos como o que pode fazer o analista para
evitar, humanamente o mais possível, qualquer risco de u m a regressão maligna,
assegurando o desenvolvimento de uma benigna. A discussão do capítulo
anterior nos fornece algumas diretivas gerais de como isso pode ser feito.
Quanto mais sugestivas de onisciência e onipotência forem a técnica e a conduta
do analista, maior será o perigo de u m a forma maligna de regressão. Por outro
lado, quando mais o analista puder reduzir a desigualdade entre seu paciente
e ele e quanto menos importuno e comum puder permanecer aos olhos de seu
paciente, maiores as oportunidades de uma forma benigna de regressão.
Assim, chegamos a u m dos mais importantes problemas da técnica
analítica moderna, que é o quanto de seus dois agentes terapêuticos —
interpretação e relação objetal — deve ser utilizado em cada caso; quando, em
que proporção e em que sucessão devem ser utilizados? Esse problema é
importante em todos os casos, mas é especialmente premente no tratamento de
pacientes regressivos, quando o trabalho atingiu a área da falha básica. Se, como
vimos, a palavra possui apenas uma utilidade limitada e incerta nessas áreas,
parece que a relação objetal é o fator terapêutico mais importante e confiável
durante tais períodos, enquanto que, nos estados posteriores à emergência do
paciente de sua regressão, as interpretações recuperam sua importância.

159
160 M I C H A E L BALINT

A pergunta que surge é sobre o tipo de técnica que o analista pode utilizar
para criar u m a relação objetal que, em sua opinião, seja a mais adequada àquele
determinado paciente; o u , em outras palavras, aquela que irá, provavelmente,
produzir u m melhor efeito terapêutico. O primeiro analista que experimentou
esses efeitos de forma bastante sistemática foi Ferenczi. Vista desse ângulo, sua
"técnica ativa" e seu "princípio de relaxação" foram tentativas deliberadas de
criar, em sua opinião, relações objetais mais adequadas às necessidades de
alguns pacientes do que a atmosfera de u m a situação analítica criada de acordo
com as recomendações clássicas de Freud. Ferenczi bem cedo reconheceu que,
fosse o que tentasse fazer, o resultado era que seus pacientes tornavam-se mais
dependentes dele, isto é, ele se tornava cada vez mais importante para eles; por
outro lado, não pôde identificar os motivos pelos quais isso acontecia. Hoje em
dia, podemos acrescentar que sua técnica, em lugar de reduzir, aumentava a
desigualdade entre os pacientes e ele, a quem os pacientes consideravam como
sendo verdadeiramente onisciente e onipotente.
Bem cedo, em nossa carreira, compreendemos que conservar os parâmetros
da técnica clássica significava aceitar a estrita seleção de pacientes. E m nosso
entusiasmo de iniciante, isso era inaceitável, e sob a influência de Ferenczi,
experimentamos as comunicações não-verbais; iniciando com 1932, relatamos
sobre nossos experimentos e resultados em diversos artigos; em sua maioria
repetidos em Primary Love (Balint, M . , 1952). Evidentemente, nossas técnicas e
formas de pensar sofreram uma mudança considerável com o passar dos anos,
e mesmo que esteja plenamente consciente de que nossas ideias atuais nada têm
de conclusivas, elas novamente atingiram u m estágio no qual possamos
"organizá-las", isto é, expressá-las de uma forma suficientemente concreta para
que possam ser debatidas e, acima de tudo, criticadas.
E m nosso esforço para superar as dificuldades que acabamos de mencio-
nar, durante alguns anos experimentamos uma técnica que permite ao paciente
vivenciar u m a relação bipessoal que não pode, não precisa e talvez não deva ser
expressa em palavras, mas algumas vezes pelo que é habitualmente chamado
de acting-out na situação analítica. Apressamo-nos em acrescentar que todas
essas comunicações não-verbais, acting-out, evidentemente seriam perlaboradas
depois que o paciente emergisse daquele nível, atingindo novamente o nível
edípico — mas nunca antes disso.
Recapitularemos as várias linhas de pensamento que nos levaram a essas
experiências. E m muitas ocasiões, julgamos, para nossa tristeza e desespero, que
as palavras deixam de ser meios confiáveis de comunicação, quando o trabalho
analítico atinge áreas além do nível edípico. O analista pode tentar, o mais
arduamente possível, tornar claras e inequívocas suas interpretações, mas o
paciente, de alguma forma, sempre consegue entendê-las como algo comple-
tamente diferente do que o analista pretendeu que fossem. Neste nível, as
explicações, os argumentos, as versões melhoradas o u corrigidas, quando
A F A L H A BÁSICA 161

tentadas, provam não ter valia; ao analista só resta aceitar o amargo fato de que
suas palavras, nessas áreas, em vez de esclarecer a situação, são com frequência
mal-entendidas, mal-interpretadas, tendendo a aumentar a confusão de lín-
guas entre seu paciente e ele próprio. De fato, as palavras se tornam pouco
confiáveis e imprevisíveis.
Esta observação clínica é tão importante para nossa linha de pensamento
que a mostraremos ainda de u m outro ângulo. A s palavras — nesses períodos
— d e i x a m de ser veículos para a associação livre; tornam-se sem vida, repetitivas
e estereotipadas; parecem-se com as de u m antigo disco de gramofone estraga-
do, com a agulha rodando interminavelmente no mesmo sulco. A propósito,
isso muitas vezes também é verdadeiro a respeito das interpretações do analista.
Durante esses períodos elas também parecem estar rodando interminavelmen-
te em u m mesmo sulco. O analista descobre, então, para seu desespero e
desolação, que, nesses períodos, não adianta nada interpretar as comunicações
verbais do paciente. N o nível edípico — e mesmo em alguns dos chamados
"pré-edípicos" — u m a interpretação adequada, que torne consciente u m
conflito recalcado, resolvendo assim uma resistência ou corrigindo uma clivagem,
faz com que as associações livres do paciente novamente continuem; no nível
da falha básica, nem sempre isso ocorre. A interpretação é experimentada como
interferência, crueldade, uma demanda injustificável o u u m a influência injusta,
como u m ato hostil o u u m sinal de afeto, o u então é sentida muito desanimada,
na verdade morta, isto é, sem nenhum efeito.
C o m a descoberta da tendência ocnof flica de nossa técnica, já discutida e m
capítulos anteriores (e, em 1959, capítulo XII), começou outra linha de pensa-
mento. Atualmente, os analistas gostam de interpretar tudo o que acontece na
situação analítica, também ou mesmo principalmente em termos de transferên-
cia, isto é, de relação objetal. Essa técnica, de outro modo sensível e eficiente,
significa que nos oferecemos incessantemente a nossos pacientes como objetos
onde se agarrar, interpretando qualquer coisa que contrarie a adesividade como
resistência, agressividade, narcisismo, irritabilidade, angústia paranóide, medo
de castração e assim por diante. Assim, cria-se uma atmosfera altamente
ambivalente e tensa, com o paciente lutando, levado por seu desejo de
independência, mas encontrando o caminho barrado em cada ponto pelas
interpretações "transferenciais" ocnofílicas.
A terceira linha de pensamento se originou de nosso estudo do "paciente
silencioso". O silêncio, como tem sido cada vez mais reconhecido, pode ter
muitos significados, cada u m deles exigindo u m diferente manejo técnico. O
silêncio pode ser u m vazio árido e assustador, inimigo da vida e do crescimento,
no qual o paciente deve ser retirado dele o mais cedo possível; pode ser u m a
excitante e amigável expansão, convidando o paciente a empreender jornadas
de aventuras em terras desconhecidas de sua vida de fantasia, na qual qualquer
interpretação transferencial ocnofílica estará completamente deslocada, sendo,
162 M I C H A E L BALINT

na verdade, perturbadora; o silêncio também pode significar uma tentativa de


restabelecer a mistura harmoniosa do amor primário que existira entre o indivíduo
e seu entorno, antes da emergência dos objetos, quando qualquer interferência,
seja pela interpretação seja de qualquer outro modo é estritamente contra-
indicada, pois poderá destruir a harmonia, fazendo exigências ao paciente.
A última linha de pensamento está relacionada com nossas ideias a
respeito da área de criação, u m a área da mente na qual inexiste objeto externo
organizado e qualquer intrusão desse tipo de objeto pelas interpretações, que
chamam a atenção, inevitavelmente destruirão a possibilidade do paciente de
criar algo por si mesmo.
Foi discutido no capítulo 5 que os objetos dessa área ainda são inorgani-
zados, e o processo de criação, que leva à sua organização, precisa, antes de mais
nada, de tempo. Esse tempo pode ser curto o u muito longo; mas, seja qual for
seu tamanho, não deve ser influenciado de fora. Quase a mesma coisa seria
verdade a respeito das criações de nossos pacientes em seu inconsciente. Pode
ser esta u m a das razões pelas quais as habituais interpretações do analista são
sentidas, pelos pacientes regressivos até essa área como inadmissíveis; as
interpretações são, de fato, pensamentos ou objetos completos, "organizados",
cujas interações com os conteúdos nebulosos, como os devaneios ainda
"inorganizados" da área de criação, podem provocar u m a devastação o u u m a
organização pouco natural e prematura.
A aparência externa de todos esses estados bastante diferentes é u m
paciente silencioso, aparentemente afastado do trabalho analítico normal, e m
acting-out, ao invés de estar associando, ou mesmo possivelmente repetindo
alguma coisa em vez de recordá-la; e, finalmente, mas não a menos importante,
também pode ser descrito como regredindo para alguma conduta primitiva em
vez de progredindo para cumprir nossa regra fundamental. Todas essas
descrições — retirada, acting-out, repetição em vez de recordação, regressão —
estão corretas mas incompletas e, assim, podem levar a medidas técnicas
erradas.
Dessa forma, a técnica que consideramos habitualmente proveitosa, com
pacientes que tinham regredido ao nível da falha básica, o u da criação, foi
suportar sua regressão pelo tempo necessário, sem qualquer tentativa forçada
de intervir através de uma interpretação. Esse tempo podia ser apenas de alguns
minutos, mas também podia durar o tempo de u m número mais o u menos
longo de sessões. C o m o mencionamos por várias vezes, as palavras, nesses
períodos, de algum modo deixaram de ser meios confiáveis de comunicação; as
palavras do paciente não mais são veículos para associações livres, tornam-se
sem v i d a , repetitivas e estereotipadas, não significando o que elas parecem
dizer. A recomendação técnica padrão também é nesse caso correta; a tarefa do
analista é compreender o que jaz por trás das palavras do paciente; o problema
é apenas como comunicar essa compreensão a u m paciente regressivo. Nossa
A F A L H A BÁSICA 163

resposta é aceitar sem reservas o fato de que as palavras se tornaram pouco


confiáveis, suspendendo sinceramente, pelo tempo necessário, qualquer tenta-
tiva para forçar o paciente a voltar ao nível verbal. Isso significa abandonar
qualquer tentativa de "organizar" o material produzido pelo paciente — de
qualquer forma ainda não é o material "correto" — e tolerá-lo para que possa
permanecer incoerente, absurdo, inorganizado, até que o paciente — depois de
voltar ao nível edípico da linguagem convencional — torne-se capaz de
fornecer ao analista a chave para entendê-lo.
E m outras palavras, o analista deve aceitar a regressão. Isso significa que
deve criar u m ambiente, u m clima, no qual ele e seu paciente possam tolerar a
regressão em u m a experiência mútua. Isso é essencial, pois nesses estados
qualquer pressão externa reforça a já forte tendência do paciente a desenvolver
relações de desigualdade entre ele e seus objetos, perpetuando, assim, sua
tendência à regressão.
Queremos ilustrar o que acabamos de dizer, repetindo u m episódio do
capítulo 21, de u m a análise que, naquele tempo, já durava cerca de dois anos.
O paciente permaneceu silencioso desde o início da sessão, por mais de 30
minutos; o analista aceitou-o e, compreendendo o que provavelmente estava
ocorrendo, esperou sem nenhuma tentativa de interferir; de fato, n e m mesmo
se sentiu desconfortável o u pressionado a fazer algo. Devemos acrescentar que,
nesse tratamento, já haviam ocorrido silêncios em diversas ocasiões, e o
paciente e o analista já tinham, desse modo, alguma prática em tolerá-los. O
silêncio foi eventualmente rompido pelos soluços do paciente, aliviado, que
logo depois conseguiu falar. Contou ao analista que durante aquele momento
fora capaz alcançar a si mesmo; desde a infância, nunca tinha sido deixado
sozinho, sempre havendo alguém dizendo a ele o que fazer. Algumas sessões
mais tarde, relatou que, durante o silêncio, tinha feito todos os tipos de
associações, mas as rejeitara como irrelevantes, como nada mais sendo do que
u m incómodo superficial.
Evidentemente, o silêncio poderia ter sido facilmente interpretado como
resistência, retirada, u m sinal de medo persecutório, incapacidade de lidar com
angústias depressivas, u m sintoma de compulsão à repetição, etc.; principal-
mente, como o analista conhecia bastante bem seu paciente, poderia até mesmo
ter interpretado o u sugerido u m o u outro tópico que surgisse nas associações
e também algumas das razões pelas quais o paciente julgara aquela determina-
da ideia irrelevante e a rejeitara. Todas elas poderiam ter sido interpretações
correias em todos os aspectos, exceto u m : elas teriam destruído o silêncio e o
paciente não teria sido capaz de "se alcançar", pelo menos naquela ocasião.
Existe ainda mais u m efeito colateral não intencional de toda, mesmo correta,
interpretação: inevitavelmente iria reforçar a forte compulsão à repetição do
paciente, de que novamente havia alguém dizendo a ele o que sentir, pensar,
e, de fato, o que fazer.
164 MICHAEL BAHNT

Além do que, tudo isso aconteceu em uma relação exclusivamente


bipessoal; o problema dinâmico com o qual é preciso lidar não possui a estrutura
de u m conflito, para o qual teria de ser encontrada u m a "solução". A situação
exigia algo mais hábil do analista do que, digamos, a compreensão da associação
verbal; encontrando u m a resposta correta para o silêncio, o analista estaria
correndo o risco de elevar as expectativas de seu paciente de que isso possivel-
mente iria ocorrer novamente e disparar, assim, o desenvolvimento de estados
semelhantes aos da toxicomania; outro perigo seria dar ao paciente a impressão
de que ele tinha u m analista tão inteligente e poderoso que podia ler os
pensamentos não falados de seu paciente, respondendo a eles corretamente, o
risco de se tornar "onipotente"; e, finalmente, as palavras não tinham sido
confiáveis nessa situação e com maior probabilidade forçariam prematuramen-
te o paciente para a área edípica, criando mais obstáculos ao trabalho terapêu-
tico, em lugar de removê-los. Evidentemente, tudo isso são sinais característicos
de que o trabalho analítico alcançou a área da falha básica.
A técnica correta, enquanto o paciente estiver regressivo a esse nível, é
aceitar o acting-out na situação analítica como u m meio válido de comunicação,
sem qualquer tentativa de acelerar sua "organização" por meio de interpreta-
ções. Enfaticamente, isso não quer dizer que, nesses períodos, o papel do
analista se torne negligenciável ou limitado à passividade simpática; pelo
contrário, sua presença é muito importante, não apenas pelo fato de que deve
ser sentido como presente, mas devendo estar todo o tempo à distância correta
— n e m muito longe, a ponto do paciente poder sentir-se perdido o u abando-
nado, n e m tão perto, a ponto de que o paciente possa se sentir impedido o u sem
liberdade — de fato, a u m a distância que corresponda às reais necessidades do
paciente; em geral, o analista deve saber quais são as necessidades do paciente,
por que são o que são e por que flutuam e m u d a m .
De outro ângulo, o problema técnico é saber como oferecer "algo" ao
paciente, que possa funcionar como u m objeto primário, o u pelo menos como
u m substituto adequado, ou, ainda, em outras palavras, u m objeto sobre o qual
possa projetar seu amor primário.
Deverá esse "algo" ser (a) o próprio analista (o analista que resolve tratar
uma regressão) o u (b) a situação terapêutica? A pergunta é qual desses dois é
mais adequado para obter a harmonia suficiente com o paciente, de forma que
haja apenas u m mínimo choque de interesses entre o paciente e u m objeto
disponível no momento. N o todo, seria mais seguro se o paciente pudesse
utilizar a situação terapêutica como u m substituto, senão por n e n h u m a outra
razão, porque isso d i m i n u i o risco de o analista tornar-se u m objeto mais
importante, onisciente e onipotente.
Evidentemente, essa oferta ao paciente, de u m "objeto primário", não
equivale a oferecer o amor primário; em todo caso, as mães também não o
oferecem. O que fazem é se conduzir verdadeiramente como objetos primários,
A F A L H A BÁSICA 165

isto é, oferecem-se com objetos primários a serem investidos pelo amor


primário. Essa diferença entre "oferecer o amor primário" e "oferecer a si mesmo
para ser investido pelo amor primário" pode ser de fundamental importância
para nossa técnica, não apenas com pacientes regressivos, mas também c o m
muitas situações difíceis do tratamento.
Descrevendo o mesmo papel de u m ângulo diferente, isto é, utilizando
"palavras" diferentes, o analista deve funcionar, durante tais períodos, como
u m provedor de tempo e de meio. Isso não significa que tenha a obrigação de
compensar as privações precoces do paciente, fornecendo-lhe mais cuidado,
amor e afeto do que os pais do paciente o fizeram originalmente (e, mesmo se
tentasse, quase com certeza iria fracassar). O que o analista deve fornecer — e,
se possível, durante apenas as sessões regulares — é suficiente tempo livre de
tentações extrínsecas, estímulos e exigências, inclusive as originadas do próprio
analista. A finalidade é que o paciente possa se tornar capaz de encontrar-se,
aceitar-se e continuar por si mesmo, sabendo todo o tempo que existe u m a
cicatriz e m si, sua falha básica, que não pode ser "analisada" para fora da
existência; além disso, deve poder descobrir seu caminho para o m u n d o dos
objetos — e não que lhe mostrem o caminho "correto", por meio de alguma
profunda o u correra interpretação. Se se puder fazer isso, o paciente não sentirá
que os objetos lhe são impingidos e o oprimem. Isso se dá enquanto o analista
puder fornecer u m entorno melhor, mais "compreensivo", mas nunca de outro
modo, particularmente não sob a forma de mais cuidado, amor, atenção,
gratificação o u proteção. Talvez se devesse acentuar que considerações desse
tipo p o d e m servir como critérios para decidir se determinado "anseio" o u
"necessidade" deve ser satisfeito o u reconhecido mas deixado insatisfeito.
O princípio orientador, durante esses períodos, é evitar qualquer interfe-
rência não absolutamente necessária; particularmente, as interpretações devem
ser escrutinadas meticulosamente, pois, com muita frequência, são sentidas
mais como u m a exigência injustificável, ataque, crítica, sedução o u estimulação;
devem ser fornecidas apenas quando o analista tiver certeza de que o paciente
precisa delas, pois, em tais momentos, não fornecê-las poderia ser considerado
como u m a exigência injustificável ou estimulação. Deste ângulo, o que temos
chamado de perigos das interpretações ocnofílicas pode ser mais b e m compre-
endido; mesmo que o paciente necessite de u m entorno, de u m m u n d o de
objetos, tais objetos — sobretudo o analista — não devem ser sentidos de
alguma maneira como exigentes, interferindo, o u intrusivos, como que refor-
çando a antiga desigualdade opressiva entre o sujeito e o objeto.
Esperamos que tal descrição clínica ajude o leitor a compreender por que
tantos analistas possuem muitos termos bastante diferentes para descrevê-la.
Alguns desses termos foram enumerados no f i m do capítulo 24. Todos eles
possuem em c o m u m os seguintes aspectos: havia a sugestão de que não deveria
existir n e n h u m objeto opressivo e exigente; que o entorno deveria ser calmo,
166 M I C H A E L BALINT

pacífico, seguro e não importuno; que deveria estar presente e que deveria ser
favorável ao sujeito, mas que o sujeito não precisaria de n e n h u m m o d o notar,
agradecer o u preocupar-se com ele. Mais u m a vez, esses aspectos e m c o m u m
são as características exatas do que chamamos de objetos primários o u substân-
cia primária.
Fornecer esse tipo de objeto ou entorno com certeza é u m a importante
parte d a tarefa terapêutica. Evidentemente, é apenas u m a parte, não toda a
tarefa. Exceto por ser u m a "necessidade de reconhecimento" e talvez mesmo
u m objeto "de necessidade de satisfação", o analista também precisa ser u m
objeto " d e necessidade de compreensão" que possa, além disso, ser capaz de
comunicar ao paciente sua compreensão.
CAPÍTULO 26

A Travessia do Abismo

^^ío capítulo 14, falamos sobre o profundo abismo que separa a "criança
dentro do paciente" do analista adulto, afirmando que u m paciente que tenha
regredido até o nível da falha básica geralmente é incapaz de atravessá-lo por
si mesmo. Dissemos que o problema era saber qual a parte dessa tarefa que
deveria ser realizada pelo analista e qual a que deveria ser deixada para o
paciente. A primeira resposta, ao problema de como transpor a lacuna, é a
padrão: pela compreensão do que o paciente necessita do analista. Essa
compreensão não precisa — e em certos momentos definitivamente não deve
— ser transferida a u m paciente regressivo pelas interpretações, mas, sim, pela
criação da atmosfera que precisa. Isso inclui tolerar e respeitar a atuação
analítico do paciente e, em particular,não exigir que ele m u d e , sem qualquer
demora, seus meios não-verbais de expressão para a forma edípica verbal. N o
capítulo anterior, procuramos resumir o que pensamos que deve ser feito pelo
analista. Se nossas ideias estiverem correras, poderão explicar as inúmeras
dificuldades que inevitavelmente surgem se u m analista, seduzido pelos
sofrimentos de seu paciente, tentar fazer mais.
Particularmente, ao lidar com esses estados, acreditamos que o analista
deve ter sempre e m mente que deve procurar evitar penetrar nas defesas e
desfazer as rupturas por meio de interpretações incisivas e correras, pois estas
p o d e m ser sentidas, pelos pacientes regressivos, como descrença quanto à

167
168 M I C H A E L BALDMT

justificativa o u validade de suas queixas, recriminações e ressentimentos. De fato,


o analista deve aceitar sinceramente todas as queixas, recriminações e ressentimen-
tos como reais e válidos, dando bastante tempo ao seu paciente para mudar seu
violento ressentimento em remorso. Esse processo não deve ser apressado por
interpretações, mesmo correias, pois elas podem ser consideradas como uma
interferência indevida, como uma tentativa de desvalorizar a justificativa de sua
queixa e, assim, em vez de acelerar, retardarão os processos terapêuticos.
N a verdade, alguns pacientes sentem que a vida não vale a pena ser vivida
sem suas queixas e seu ódio o u , ao contrário, sem receber u m a completa
compensação para todas as suas queixas — e o ódio a elas associado. Qualquer
interpretação que procure esclarecer alguma coisa a respeito das queixas é
considerada, por tais pacientes, como se o analista estivesse tentando desvalo-
rizar a queixa. Toda tentativa desse tipo é considerada como u m a ameaça de
afastar sua justificativa de existir; realmente, sentem que não têm n e n h u m outro
motivo para viver.
A grosso m o d o , o mesmo é verdadeiro a respeito das assim chamadas
angústias persecutórias, que não vale a pena analisar a não ser que o paciente
possa perceber que o analista está com ele, aceitando sem reservas a justificativa
para suas queixas, assegurando ao seu paciente u m período suficientemente
longo, e m alguns casos bastante longo, de agressividade violenta, seguido pelo
luto e remorso pela falta o u fracasso original e por todas as perdas por ele
causadas.
Desde que o analista sejacapaz de preencher sinceramente e sem reservas
a maioria dessas exigências, irá se desenvolver uma nova relação, que permitirá
ao paciente experimentar uma espécie de tristeza ou luto a respeito do defeito
e perda originais, que levaram ao estabelecimento da falha o u cicatriz em sua
estrutura mental. Esse luto difere fundamentalmente do provocado pela perda
real de u m a pessoa amada o u pelo dano o u destruição de u m objeto interno,
característico da melancolia. A tristeza ou luto que temos em mente é a respeito
do fato inalterável de u m defeito ou falha em si mesma que, de fato, lançou sua
sombra e m toda a sua vida, cujos desafortunados efeitos nunca poderão ser
corrigidos completamente. Embora essa falha possa cicatrizar, sua cicatriz
permanecerá para sempre; isto é, alguns de seus efeitos sempre serão
demonstráveis (1).
Deve ser permitido que o período de luto siga seu curso, o que, em alguns
pacientes, pode ser exasperantemente longo. Embora esse processo não possa
ser acelerado, é muito importante que seja testemunhado; como ele pertence à
área da falha básica, aparentemente seria impossível alguém poder acompa-
nhar esse luto; isso só pode ser feito dentro da estrutura de u m a relação
bipessoal, como é a situação analítica. Se o analista favorecer u m período
suficientemente longo, sem pressa para esse luto, mantendo a necessária
atmosfera primitiva por sua tolerância e sem interpretações que interfiram, o
A F A L H A BÁSICA 169

paciente começa a cooperar de uma forma u m tanto diferente da anterior, como


se tivesse vontade e fosse capaz de reassumir sua posição vis-à-vis com seus
objetos e reexaminar a possibilidade de aceitar o muitas vezes pouco atraente
e indiferente m u n d o a seu redor.
N e n h u m dos pormenores da atitude terapêutica esboçada aqui difere
essencialmente do que o analista adota quando lida com pacientes no nível
edípico, e mesmo os tópicos elaborados geralmente são os mesmos; mas existe
u m a diferença, que é mais uma diferença de atmosfera, de humor. Essa
diferença afeta tanto o paciente como o analista, o qual não é tão perspicaz para
"compreender" tudo de imediato e, particularmente, em "organizar" e modifi-
car tudo o que for indesejável, por meio de suas correias interpretações. D e fato,
é mais tolerante com os sofrimentos do paciente e capaz de lidar com eles—isto
é, de admitir sua relativa impotência — em vez de esforçar-se por "analisá-los",
para demonstrar sua onipotência terapêutica. O analista também não deve
sucumbir à outra tentação de influenciar a vida do paciente regressivo, c o m seu
simpático "manejo", para que o entorno não lhe faça mais exigências insupor-
táveis — outro ripo de resposta onipotente. N e m pretenderá abastecer seu
paciente com "experiências emocionais corretivas", no sentido de que u m
médico deve tratar u m estado de deficiência — uma terceira forma de resposta
onipotente. D e fato, se o analista sentir a mais leve inclinação de responder ao
seu paciente regressivo, por qualquer tipo de conduta onipotente, isso seria
reconhecido de imediato como u m sinal diagnóstico seguro de que o trabalho
alcançou a área da falha básica. Queremos enfaticamente acentuar que u m a
inclinação desse tipo do analista deve ser considerada como u m sintoma da
doença do paciente, mas em nenhuma hipótese deve influenciá-lo—uma coisa
mais fácil de dizer do que de fazer.
Agora, algumas observações a respeito de "gratificar as necessidades o u
anseios do paciente". N a forma clássica da técnica, essa demanda não é aceita
como u m a possível necessidade válida a ser atendida, mas apenas como u m
desejo de ser compreendido. Algumas técnicas modernas recomendam que o
analista deveria pensar em satisfazer algumas das necessidades do paciente na
situação analítica, além e acima de compreendê-las, como, por exemplo,
permitindo alguma atuação.
Confrontamo-nos aqui com vários problemas. Devemos indagar quando
deve ocorrer essa satisfação, que tipo de satisfação deve ser permitida e como
a satisfação deve ocorrer.
Comecemos com u m exemplo clínico. U m a paciente contou-nos que, em
sua infância, ela costumava ter acessos de raiva. Eram eventos muito dolorosos,
tanto para ela como para toda a família. Entretanto, a mãe logo encontrou u m a
maneira de lidar com essas crises. Pegava sua filha e a mantinha abraçada, firme
mas não violentamente; a paciente recorda-se de que ela considerava esse
abraço simpático como tranquilizador e seguro, bastando apenas alguns
170 MICHAEL BALINT

minutos para que ela se acalmasse. Nesse caso, os acessos poderiam ser
considerados como uma espécie de demanda e a maneira como a mãe lidava
com eles u m a espécie de resposta.
Suponhamos que algo desse tipo possa ocorrer na análise. Deve o analista
fazer como essa mãe fez e, em caso afirmativo, de que forma? Deve ele tentar
conter seu paciente por meio de interpretações, por alguma ação simbólica o u
mesmo, realmente, utilizando suas mãos? E m quais casos deve a "criança dentro
do paciente" ser tratada como u m a criança e em quais como u m adulto? Antes
de que alguém fique indignado com a possível insinuação, lembramos que, e m
qualquer caso, o quadro da situação analítica é u m a espécie de "segurar o
paciente apertado". Além do mais, o paciente é solicitado a deitar-se em u m divã
e não levantar dele, o que só pode ser considerado como u m a restrição.
Voltando ao nosso problema, poderia chamar o quadro analítico clássico de
uma restrição, pela ação simbólica por parte do analista e gostaríamos de
acrescentar que, por intermédio dessa ação simbólica, desenvolve-se u m a
espécie de relação entre o analista e o paciente, que é, até certo ponto,
mutuamente satisfatória.
Ademais, o procedimento clássico é u m exemplo convincente de u m a ação
simbólica pelo analista, anterior a quaisquer interpretações: ao pedir que nossos
pacientes se deitem, simbolicamente os restringimos, antes da qualquer neces-
sidade de interpretações o u do surgimento de ação. Esse exemplo também
mostra outro importante aspecto da satisfação de u m a necessidade pelo analista
na situação analítica. C o m o sabemos, em geral há dois tipos de satisfações. U m
grupo, embora satisfatório em si mesmo, também age como mais u m estímulo,
aumentando a excitação total. U m exemplo familiar desse tipo são os diversos
tipos de carícias prévias utilizados no ato amoroso. O outro grupo de satisfações
possui u m efeito tranquilizante e calmante. Agem afastando da consciência do
paciente os estímulos irritantes ou excitantes, ajudando-o assim a chegar ao
estado que descrevemos como u m bem-estar calmo e tranquilo, o qual é a
melhor base para u m b o m entendimento entre o indivíduo e seu entorno,
Se se generalizar a partir desse exemplo, chega-se então a u m a outra
resposta a uma de nossas perguntas. O tipo de satisfação compatível c o m a
situação analítica é aquele que não excitar o paciente; ao contrário, aquele que
reduzir a tensão total, levando, assim, ao estabelecimento de u m melhor
entendimento entre ele o analista. Q u a n d o examinamos o quadro analítico
clássico em detalhes, constatamos a existência de u m certo número de satisfa-
ções deste tipo, inerentes a ele. Para mencionar alguns: o quarto calmo e de boa
temperatura, u m divã confortável, ambiente não excitante, o analista que não
interrompe o paciente desnecessariamente, o paciente tendo toda a oportuni-
dade de dizer o que lhe vem à mente, etc. N o todo, esse tipo de satisfação poderia
ser também descrita como de cuidado ou mesmo uma espécie de assistência
psicológica.
A F A L H A BÁSICA 171

Obviamente, tudo isso começa com o início de u m a análise. Alguns


analistas estão firmemente convencidos de que os limites estabelecidos pelas
recomendações técnicas de Freud devem continuar sendo absolutos para
sempre e qualquer técnica que vá além delas não deve ser chamada de analítica.
E m nossa opinião, são rígidos demais. Repetiremos mais u m a vez que u m
analista, em determinados casos, particularmente com u m paciente regressivo,
deve ir além, satisfazendo algumas demandas para assegurar a existência de
u m a relação terapêutica.
Porém, deve respeitar certas condições. A primeira é que, por sua ação,
não deve correr o risco de se tornar u m "objeto onisciente e onipotente". A
segunda, é que deve estar certo de que o resultado da gratificação não irá causar
u m aumento maior da excitação do paciente, mas levar ao estabelecimento de
u m "bem-estar tranquilo e calmo" e a u m entendimento mais seguro entre o
paciente e ele. U m a outra condição é que o analista considere ser esse o caminho
para evitar o desenvolvimento de u m a forma maligna de regressão.
Quanto mais tivermos a impressão de que a regressão tem por finalidade
principalmente a gratificação por u m objeto externo, mais o analista deve ficar
e m guarda. Particularmente, quando as possibilidades do paciente no m u n d o
dos objetos forem apenas limitadas, maior será o perigo de desenvolver estados
semelhantes aos de toxicomania.
Consideramos isso como u m dos critérios mais importantes. Aparente-
mente, isso trabalha em dois sentidos: influenciando o futuro do paciente, mas
também esclarecendo u m pouco da sua psicopatologia anterior. Se não existi-
r e m muitos objetos bons confiáveis no m u n d o externo, é muito grande o risco
de se desenvolver u m a transferência muito intensa e ilusória (Margaret Little,
1938, 1961) e a perspectiva de equilibrá-la com algo de igual importância e
intensidade no m u n d o externo é bastante pequena. Por outro lado, a ausência
de objetos bons também significa que o paciente, devido à sua neurose, possui
u m a capacidade apenas limitada para realizar o "trabalho de conquista" (Balint,
M . , 1947) necessário para transformar u m objeto indiferente em u m parceiro
participativo; isso indica uma falha básica bastante grave, em sua estrutura
mental e de caráter.
N o entanto, se existirem bons objetos externos o u , mesmo, parceiros, o
analista poderá correr alguns riscos, como aconteceu em nosso caso da
cambalhota. Por outro lado, se o m u n d o externo for escasso em parceiros
aceitáveis, é melhor conservar em mente a recomendação de Freud e evitar os
anseios do paciente.
Todavia, se prevalecerem sintomas de outro tipo de regressão no quadro
clínico, isto é, os de uma regressão com finalidade de reconhecimento, em nossa
opinião as perspectivas são bastante boas. N a verdade, o analista deve estar
preparado para alguns momentos de teste, especialmente em relação à sua
sinceridade. Esses pacientes não conseguem tolerar não receber a verdade, toda
172 M I C H A E L BALINT

a verdade, e nada mais do que a verdade de seu analista. E m geral, sempre são
hipersensíveis; reagindo com dor e retração a qualquer demonstração de
insinceridade, mesmo alguma que esteja incluída no título geral de formas
convencionais de boas maneiras.
Se o analista conseguir evitar todas essas armadilhas atraentes, o paciente,
em parte em resposta à maior tolerância do analista, exibe u m a calma determi-
nação, de outro modo escondida, de ver através as coisas, de tomar as coisas —
poderíamos dizer condicionalmente —, para poder entendê-las o u meramente
para dar-lhes u m a olhadela.
C o m isso, paciente sai gradualmente de sua regressão. Esse pode não ser
o último passo, podendo ser seguido de recidivas, mas sempre é u m passo à
frente, e m u m a longa estrada. Assim, o que descrevemos nesta Parte não é o fim
nem toda a história. Todavia, sempre significa o estabelecimento de u m a nova
relação entre o paciente e u m a parte de seu mundo, na qual tinha sido, até então,
barrado pelo abismo criado por sua falha básica e, portanto, u m passo no
sentido da melhor integração de seu ego.
C o m o acabamos de dizer, o que condensamos nesta Parte não é ainda a
história toda. Podemos mesmo indicar alguns dos capítulos que faltam. Primei-
ramente, não disse nada a respeito da função da repetição, da atuação na terapia
analítica o u , em outros termos, não definimos quando, até onde e e m que
condições a repetição pode se tornar u m agente terapêutico. O u t r o capítulo
poderia lidar com os caminhos potencialmente abertos a u m paciente, para
mudar seu m u n d o interno, o que determina amplamente sua relação com os
objetos externos. U m capítulo paralelo discutiria os meios técnicos disponíveis
a nós, analistas, para ajudar nossos pacientes a obter essa mudança. E, por
último, u m capítulo na verdade muito importante, que lidaria com as funções
das interpretações. Falamos das interpretações clássicas, nos períodos entre
regressões bem-sucedidas. O problema técnico que temos em mente é como
integrar as duas importantes tarefas que temos de realizar, por meio das
mesmas interpretações. U m a é a criação e conservação de u m a atmosfera na
qual possam ter lugar determinados eventos importantes terapéuticamente,
enquanto a outra é fazer com que o paciente compreenda qual foi a sua
contribuição e qual a do analista para a criação dessa atmosfera; como essas duas
determinam, por u m lado, u m a à outra e, por outro, o resultado final.
Esperamos ter deixado claro que seja qual for a atmosfera criada, ela conduz a
determinadas interpretações e exclui outras; e, por outro lado, certas interpre-
tações criam u m a atmosfera particular, enquanto que, evitando essas interpre-
tações, criar-se-á u m a outra atmosfera, totalmente diferente.
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BIBLIOGRAFIA ESPECIALIZADA SOBRE
DEPENDÊNCIA ORAL E ESTADOS AFINS

Dependência oral
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Ambiente esperado médio


HARTMANN, H . (1939) EgoPsychology and theProblemofAdaptation. International Universities
Press, Nova Iorque, 1958.

Objeto para satisfazer a necessidade


FREUD, A.(Anos de guerra e 1963) "Concept of Developmental Lines". Psychoanal. Study
Child, Vol. 18.

Matriz extra-uterina
MAHLER, M . (1952) " O n Childhood Psychosis and Schizophrenia". Psychoanal. Study
Child, Vol. 7.

178
A F A L H A BÁSICA 179

Ambiente suficientemente bom


WDMNICOTT, D. W . (1941) "The Observation of Infants in a Set Situation". In Collected
Papers. Tavistock Publications, Londres; Basic Books, Nova Iorque, 1958.

Mãe devotada comum


WiNNicoTT, D. W . (1949) "The Ordinary Devoted Mother and her Baby". In Collected
Papers.

Preocupação materna primária

WINNICOTT, D. W . (1956) "Primary Maternai Preoccupation". In Collected Papers.

Função de sustentação
WiNNicoTT, D. W . (1960) "The Parent-Infant Relationship". In The Maturational Processes
and the Facilitating Environment. Hogarth Press, Londres, 1965.
Unidade básica

LITTLE, MARGARET (1960) " O n Basic Unity". Int. J. Psycho-Anal. Vol. 41.

Ambien te facilitador
WiNNicoTT, D. W . (1963) "Casework and Mental Illness A N D Theory of Psychiatric
Disorder. In The Maturational Processes and the Facilitating Environment. Hogarth
Press, Londres, 1965.
Concha protetora

KHAN, M . (1963) "The Concept of Cumulative Trauma". Psychoanal. Study Child, Vol. 18.

Mediador do ambiente
Sprrz, R. (1965) The First Year of Life. International Universities Press, Nova Iorque.
ÍNDICE REMISSIVO

Abismo, travessia a, 167-72 ASSOCIATION


Abstinência, v. Técnica, abstinência encontros sobre regressão, 141-42,143
Acting-out v. também Regressão, revisão de métodos analíticos, 6
Repetição, Paciente silencioso, Amor
Transferência, 73-4,104-05,114,119- adulto, 66-69
122 primário, v. Primário, amor
"Adaptar-se" ("ligar-se", sintonizar com), Anaclítico ou de apoio, tipo de escolha
15,17, 20,48, 51-2 objetal 36-7, 40-1,43
falta de adaptação, 101 Análise, 25-6
Adesividade como defesa contra a v. também Resposta do analista,
angústia, Situação analítica, técnica,
v. também Tipo de escolha fracassos terapêuticos,
objetal procedimentos terapêuticos
de apoio ou adesiva, Ocnofilia, 62, Analista, v. também Contratransferência,
134 técnica de,
Afanise, 81 e oferta de amor primário, 15, 75,
Agua, v. Substâncias primárias 103,125,136-7,154-55
Alcoolismo, v. Toxicomania como "informante", 88-9
ALEXANDER, F., 142,151 como intérprete, v. Interpretações e
Alimento como objeto, 14 a necessidade de "organi zar" os
AMERICAN PSYCHOANALYTIC sintomas do paciente, 98-100

180
A F A L H A BÁSICA 181

"onipotente", 77, 98-9, 153-55,164-5, v. Também Complexo de Édipo


168-9 ARLOW,}., 142
como objeto ou substância primária, Arte (criatividade artística), 141-42
103,125-27,157-8 v. também Criativo, processo
como fornecedor de tempo e meio, Ativa, técnica, v. Técnica ativa
156-57 Atmosfera
como professor, 88-9 do consultório do analista, 74,169-71
não-importuno, 159-66 da situação analítica 16, 97, 105-6,
como espelho bem polido, 134,148,168-9,172
v. Atmosfera de espelho bem do período de novo começo, 125,
polido 129-30
Analista, resposta do, v. também Novo começo
ao paciente regredido, 18-19,48, 74- do espelho bem polido, 8, 74, 90-1
9, 115-16,117,124-25,130,149, Auto-erotismo, 31, 32, 33, 34, 37
151,154-5,156-57 primário, 58, 68
Analítica, situação
comunicação em, 74-5,160-61
v. também Linguagem (ns) BACH, J. S., 23
como arcabouço para o processo de BALINT, E. viii, 17, 20, 81
luto, 168-69 BALZAC, H . DE, 23
contato físico na, 134-35,169-70 Básica, falha, 14-20, 24, 25, 27, 78-9, 96,
regressão na, v. Regressão 102-103,144,147-58
uso de comunicação e angústia, 17,51-52
verbal/não-verbal na, 74-75 sinal diagnóstico de, 17-18, 80-1
Angústia (as), 51-52 e sensação de vazio, 17
adesividade como defesa contra a, origens da, 20, 76
62,134 como falha do paciente, 98
padrão de, estabelecida pelo nasci- e perseguição, 17
mento, 55 motivos dos termos, 19-20
persecutória, 17 Bebés
Anna O., observação direta de, 95
v. Histórias clínicas e relação com o entorno, 31
Antecipação, 53, 58, 69 BEETHOVEN, L. V A N , 23
Ar, v. Substâncias primárias Bem polido, espelho, v. Atmosfera de
Áreas da mente, 24-27 espelho bem polido
da falha básica, 14-20, 24,25, 27, 78- Bem-estar, estado ideal de, 52, 63-4,129
79,144 v. também Harmonia, Mistura
v. também Básica, falha harmoniosa, Novo começo
da criação, 21-23,25,61-62, 79-80, BIBRING, E., 91,113
121,162-63 BION, W. R., 22
do complexo de Édipo, 10-13, 24, 27, Bipersonal (corporal) psicologia, 144
78-79 BOWLBY, J., 152
182 M I C H A E L BALINT

B R E N M A N , M . , 142,143 Conflito (s), 178


BREUER, J., 111-12, 114-15,129-30,138- internalizado/externalizado, 7-8
39 "Confusão de línguas", 14,102,160-61
BRÜCKE, E., 111 v. também Linguagem (ns)
Budapeste, grupo de analistas Confusão, 8
modificações dos conceitos Conquista, trabalho de, 67-68
teóricos do, 122,124 Contratransferência, 105,106
v. também Gratificação, Técnica
interpretação da, 117,139-40
Cambalhota, como incidente de ruptura Criança, a, dentro do paciente, 81-82, 95,
em um 167,169-70
caso, 119-22 Criativo, processo, 22-23, 68
C A N G , M . 153 Criação, área de, 21-23,25,61, 79,121,
Capacitando o paciente a aceitar 162-63
a ajuda analítica, 80-82 Critérios de seleção de pacientes, 91-92,
Casos, histórias de, 142-44,160
homem, e silêncio terapêutico, 131- Curiosidade, 32
33
homem, e a exigência de uma
sessão extra, 156-58 Defesa, mecanismos de, 7,147
v. também Ego
mulher, no "grande experimento" Regressão como, v. Regressão
(Ferenczi), 103-107 Dependência, 150-51,155-56
mulher, e o incidente da cambalhota, Desespero, como aspecto do nível
119-22,124 edípico, 17
mulher, com crises de zanga como Desfusão, 6
uma criança, 169-71 Desigualdade entre paciente e analista,
de Freud 154,157-60
Anna O., 129-31,133-4 138-39 Desintegração, 121
Dora, 112,114-15 Despersonalização, 8
Homem dos ratos, 112 v. também Esquizofrenia
Homem dos lobos, 115-16 DEUTSCH, H . , 50
Pequeno Hans, 10,112 Transtorno de caráter, 20
Schreber, 33,112 transtorno físicos, v. doença orgânica
CHESTNUT LODGE, 142 Doença orgânica (transtorno físicos,
"Clássica", técnica v. Técnica clássica doenças psicossomáticas,) 20,42
Clínicos gerais (grupos de Balint), 98 Doença, necessidade do médico de
Clivagem, clivagem do ego 79, 80,81, "organizar" a doença, 98
101 DOI, T., 62
Coito, análogo ao sono, 45 Dora, v. Histórias de casos
Conduta profissional do analista,
como comunicação não-verbal, 75
A F A L H A BÁSICA 183

"Grande experimento"
Fetal, vida, v. Pré-natal, vida
Édipo, complexo de (conflito, nível, Filobatismo, 61, 63,67,148,152
período), 10-12,14, 24, 61, 78,81 Físicos, distúrbios, v. Doença orgânica
Ego e o id, O, 7, 37 FLAUBERT, G., 23
Ego, 5,26, 33, 34-5, 36, 38, 65,144 Fogo, v. Substâncias primárias
falso, 101 FREUD e FERENCZI, desacordo entre,
reforço do, v. Novo começo 117,124,138-44
Ego, necessidade de uma boa estrutura FREUD, A., 76-77,111,143-44
do, 8-9 FREUD, S., 5, 7-8,10,13,25,26, 67, 68,
Ego, psicologia do, 7,25,37 73-74,128,138, 138-39
EISSLER, K., 91-2,105 e contradições teóricas, 36-41,58
Elementos (água, terra, ar e fogo) e linguagem psicanalítica, 87
v. Primárias, substâncias e regressão, ideias de, 111-18,126-
Enfaixamento, 56-57 135,149
Entorno sobre o narcisismo, 36-54, 66
diferentes termos para, 154 técnica de, 93-4,147-48,156,160
emergência de objetos do F R O M M , E., 138
(diferenciação), 61-65 FROSCH, J., 143
"suporte", 45-46,56, 57,154 Frustração, 25-26
indiferenciado (sem objetos), 66 v. também abstinência
Erotismo oral, 14, 31-32 na situação analítica.
v. também Toxicomania como dando origem ao ódio,
Erotismo, v. Auto-erotismo, Pulsões agressividade, etc, 59
Esboço de psicanálise, 34-5 Fusão e Desfusão, 6
Escolas psicanalíticas, motivos das, 6
Escopofilia, 32
Esquizofrenia, 62 GILL, M . , 142,143,144
e regressão, 81 GIORGIONE, 23
progressiva, 121 GOETHE, J. W. V O N , 22
e a teoria do narcisismo, 47-50, 68 Gratificação, v. também Regressão em
Expansões, v. Filobatismo busca de,
e abstinência v. Técnica, abstinência
dos anseios e súplicas do pacien-
FAIRBAIRN, W. R. D., 7, 25 te, 124-25
Falha básica, v. Básica, falha e relaxação, 139-40
Feixe de associações, 15,84,86 GRECO, R. S., 20
v. também Linguagem (ns) GREENACRE, P., 50-51,142
FERENCZI, S., 14,45, 98,103-07,115-17, e o estado pré-natal, 53-55
122,123 Grupo, análise de, 93
v. também Freud e Ferenczi,
desacordo entre, Ativa, técnica,
184 MICHAEL BAHNT

v. também Processo terapêutico


o ego, 5-6
Harmonia com o entorno, 63 o id, 5-6
v. Mistura harmoniosa o superego, 4-5
como finalidade dos pacientes Inibições, sintomas e angústia, 7
toxicómanos, 50-51 Interpessoais, fenómenos, v. Relação
como finalidade de todos os seres objetal
humanos, 59 Interpretação dos sonhos, A, 31,111-12
como finalidade dos esquizofrénicos, Interpretação, 7-9,116,147-153,155-56
47-48 v. também Contratransferência,
e sono, 45-6 Linguagem, Técnica
H A R T M A N N , H . , 7,20, 38-39,40,58, 68, do acting-out, 150-51
154-155 finalidades da, 172
H A Y D N , F. }., 23 consistente, 98-100
H E I M A N N , P., 151 como os pacientes regressivos a
HILL, L. B., 49 sentem, 9,16,160-61
Hipocondria, uma abordagem ao estudo nível de, 11-13, 95-100
do dos fenómenos transferenciais, 148-56
narcisismo, 42 necessidade de formular, 99-100
Histéricos, pacientes, experiência inútil em pacientes regressivos, 159-68
de Freud com os, 138-39 Intra-uterina, vida, v. Pré-natal, vida
Histéricos, demandas e anseios, Introjeção, 37
comparados com os da regressão do analista, 4,97-99
benigna, 134-36 desfazendo a, 4
HOFFER, W., 56-57 "Intropressão superegóica", 98
Homossexualidade, estudo da,
na teoria do narcisismo, 42,43
JOFFE, W. G., 52
JONES, E., 33, 81,138
Id, 5-6, 39,122-123
como reservatório da libido, 37-38,
40,58 KANZER, M . , 45-46
Identificação, 4, 37, 97 K H A N , M . M . R., 143-144,154-155
v. também Supervalorização KLEIN, M . , 81,95,151
desfazendo a, 4 Kleiniana, técnica, 95-8
primária, 55-56 KNAPP, P., 142
Infância, precocíssima, 55-57 KRIS, E., 39, 40, 58,68,141-42
v. também Amor primário, objetos
primários, Auto-erotismo
investimento libidinal na, 61-62 LAMPL-DE GROOT, J., 142
relações bipessoais na, 62-64 LASK, A., 20
Influenciando (terapéuticamente), LEONARDO DA VINCI, 23, 33-34,112
A F A L H A BÁSICA 185

LEWIN, B., 45-46,142 v. também Relações objetais


Libidinal, investimento, na MAHLER, M . , 154-155
primeira infância, 61-62 M A I N , T., 104
Libido, 33-35, 36-41, 66-67 Mamar, 31
ao nascimento, 61 Manejo da regressão, 101-07
na vida intra-uterina, 54 Melancolia, como base para
reservatório da, 37-38 uma teoria psicanalítica 7
Linguagem (ns), 84-89,151 Mente, áreas da, v. Areas da mente
v. também Confusão de línguas Mistura, harmoniosa e interpénétrante,
no nível da falha básica, 14-15, 79-80, entre o indivíduo e o entorno 51, 60-
153,159-61,162-64 61, 61-62, 65, 67-68,127,152,162
confusão entre a da criança e a v. também Entorno, amor, objetos e
do adulto, 14 substâncias primárias
freudiana versus kleiniana, 95-6 MOZART, W. A., 23
na interpretação e manejo das Muscular, energia, 73
técnicas, 106-107 Musical, composição, v. Processo
"louca", 96-7 criativo
edípica, convencional, adulta, 10-13,
14, 26, 79-80, 88-89, 150-151
psicanalítica, 81-82, 95, 99-100,155- Narcisista, tipo, de escolha objetal 36-37,
156 40-41,43, 66-67
intraduzibilidade de palavras em Narcisismo
algumas, 62, 84, 86-87 nos estados de toxicomania, 50-51,52
variedades de associação nas, 84-85 em determinados pacientes
verbal, 8,11,12-13 profundamente perturbados, 51-52
Literária, criação, v. Criativo, processo fatos clínicos a respeito do, 42-46
LITTLE, M . , 143-144,154-155,171-172 esquizofrénico, 47-50,52
L O C H , W. 143-144 fetal, 53-55
LOEWENSTEIN, R. M . , 39,40, 58, 68, 90- primário ou secundário, 27, 32, 33-35,
91,93 Luto (remorso) por abando- 36-41, 56-60, 65-69
nar um falso e regressão, 112
ideal do "self", 168-69 Nível (eis)
do trabalho analítico, 10-15, 26
da falha básica, 14-20
Mãe v. também Básica, falha
insolúvel ressentimento contra a 80- da criação, 21-23,26
81 cronologia dos, 26
como objeto primário, 61-62 de interpretação, 11-13
como fornecedora de alimento, 14, edípico, genital, verbal, 11-14,17, 26
31, 32,150-151 pré-edípico, pré-genital, pré-verbal,
esquizofrenizante, 49 14
Mãe-filho, relação, 31,150-151 Novo começo, 122-37, 152
186 MICHAEL BALINT

v. também Atmosfera, Regressão Oral, dependência, v. Dependência


e processo analítico, 64 Oral, erotismo, v. Toxicomania
e caráter, 122-23 Orgânica, doença (distúrbios físicos,
gratificação durante o, 122-25 doença psicossomática), 20, 42
e relações objetais, 122 Orgasmo, 67, 97
e demandas apaixonadas, 122-26,133
e reforço do ego, 122-23
e transferência, 122 Paciente (s)
angustiados, 51-52
e "compreensão" pelo analista, 17,
Objetal (ais), relação (ões) 48, 77-78
"atmosfera" ,168 e mudança da expressão verbal
bipessoal, 8-9,14-15, 20, 26,62-64,68, para a não-verbal, 75
78,144, 150-51 fase não cooperativa do, 79-81
desigualdade como uma forma de, histérico, 104-105, 138-139
154-155,157-60 queixas do, 98-99, 167-168
interpretações verbais silêncio, v. Silencioso, paciente
compreensíveis, 155-56 voracidade do, 18-19, 78-79, 105-106,
no nível da falha básica, 14-15, 20, 157
78-79 Palavra (s), v. Feixe de associações,
v. também Básica, falha Comunicação, Linguagem
primário (arcaico, passivo, primitivo), "Parâmetros", v. Técnica, "parâmetros"
6,14-15, 33-34,45-46,122,126 da,
v. também Ocnofilia, Filobatismo, Parapsicologia (telepatia, clarividência), 17
Amor primário Paz, v. Harmonia
triangular ou edípica, 14, 78-79 Pênis, inveja do, 81, 90
Objeto Pequeno Hans, v. Histórias de casos
encontro do, 31-33 Perlaboração, 7-9,13,122-123
necessidade de compreensão, 166 PITTENGER, R. A., 20
necessidade de reconhecimento, 166 Ponto de vista topológico, v. Processos
necessidade de satisfação, 166-67, terapêuticos, localizaçãodos
168-69 Pré-natal, vida, 53-55, 60
Objetos transicionais, 45-46 Pré-objeto, 22
Obsessiva, neurose, como base da teoria Primárias, substâncias (água, terra,
analítica, 7 ar e fogo), 60-62, 63-64,127, 133-134,
Oceânico, sentimento, 67 136-137,148,153-154
Ocnofilia, v. Adesividade, 61-62, 67,149, Primário (indiferenciado) entorno, 60
152,153 Primários, objetos, 61-62, 134, 136-137
Ódio, 64,167-68 Primário, amor, 15, 26, 52, 58-65, 67, 69,
"Onipotência" 103, 126, 136-137, 152,154-155,
do analista, v. Analista, "onipotente" "Princípio de relaxação" (Ferenczi), 139-
do paciente, 44, 63-64 140
A F A L H A BÁSICA 187

Privação v. Frustração, Técnica, absti- Resistência, v. também Transferência


nência como forma de regressão, 113,136
Projeção, 8 silêncio, como sintoma de, 23
Psicanálise/psicanalista/psicanalítico, v. RICKMAN, J., 24
Análise, etc. RIVIÈRE, ]., 151
Psicoses, 20
Psicossomática, doença, 20
Pulsão de morte, 114-115 Sadismo
Pulsões como consequência da frustração, 59
gratificação das, 5 primário, 5, 32
submissão das, 5 SANDLER, J., 52
SCHREBER, v. Histórias de casos
SCHWARTZ, M . S., 49
RANK, O., 50 SEARLES, H . F., 142-144
Recusa (da realidade), 6, 8 Seio
Regressão inveja do, 81
"American Psychoanalytical da mãe, 31, 32,150-151
Association", encontros sobre a, "Self", 38-39, 40-41
141-142 Silencioso, paciente, 23, 78-79, 131-133,
a serviço do ego, 141-142 161-164
como um aliado terapêutico, 141-142, SIMENON, G., 23
147-158 Sonhos
como um evento interpessoal, 147 de um paciente na área
como um evento intrapsíquico, 147 da falha básica, 81
como uma solicitação de caráter regressivo dos, 111-12
uma determinada forma Sono
de relação objetal, 150-151 analogia com o coito, 45-46
correspondendo a uma das como abordagem ao estudo
formas de amor primário, 68 do narcisismo, 42, 4446, 68
diagnóstico da, 118-123 SPITZ, R., 49
em busca de gratificação, 133-137, STANTON, A. H , 49
147, 170-172 STRACHEY,}., 38, 40, 58,113
em busca de reconhecimento, 133- Sublimação, 141-142
137,142,147,171-172 Superego, 4, 25, 39-40
modificações da atitude do analista Supervalorização (idealização)
à, 141-144 do analista, 97-98
resposta do analista à como consequência da
v. Resposta do analista relação bipersona, 162
REICH, A.,66-67 observação da, para a
Remorso, v.também Luto, 168-169 teoria do narcisismo, 41
Repetição, v. também acting-out, Sustentação, ambiente de, v. Entorno
Regressão, 105-106,120,136
188 MICHAEL BALINT

73
Totem e Tabu, 33-34
Técnica, v. também Resposta do analista, Toxicrjmahia
Contratransferência, Gratificação, e narrisismõr50=51,69
Interpretação, Regressão, Tensão Toxicomania, estados semelhantes à,
(ões), em crianças, 133-134
Fracassos terapêuticos, em pacientes histéricas de Freud, 139
Processos terapêuticos, Perlaboração em pacientes regressivos, 78-79,102,
"ativa" (Ferenczi), 115-117,122, 128,131,163-164,171-172
139-140,159-60 "Trabalho de conquista", 67-68
"clássica", 8, 79-80,90-100,141-42 Transferência, v. também Acting-out,
de abstinência ou privação, 114,115- Atmosfera, relação objetal,
116,149-50 Regressão, Repetição,
v. também Frustração Compulsão, 6,113-14,120,147,155-
de relaxação (Ferenczi), 139-40 56
"grande experimento", 103-05 anseios e súplicas do paciente na, 77-
"manejo", 101-07 78
"parâmetros" da, 91-4,105-106, 150- forma regressiva da, 77-78, 80-81
151 Trauma
tendência ocnofflica da, 153-54,155- como determinante da falha básica,
56,161 76,103
Tensão, 8-9,11, 129, 156-57 do nascimento, 45, 54-56, 61
provocada intencionalmente, como sub superestímulação, 116-17
terapéuticamente, 115-116,117, Três ensaios sobre a teoria
121-22 da sexualidade, 31, 34-35, 43,149
terceira pessoa sentida como
intolerável, 15
Terapêutica, regressão, v. também Unio mystica, 67
Regressão, Novo começo Unipessoal, psicologia, 142,150-51
Terapêuticos, fracassos, 78-79, 98
causas de, 3-6,12-13, 48-49
Terapêuticos, processos, v. também V A N G O G H , V. 23
Interpretação, Transferência, Verbalização, v. Linguagem
Perlaboração, 4-6 Voracidade, 18-19, 78-79, 105-106, 157
localização do,s 4-6,10-15
três conjuntos de, correspondentes
às três áreas da mente 79-80 WEISS, E., 23,40-41
Terra, v. Substâncias primárias WINNICOTT, D. W., 7, 25,45-46,101,
Thalassa, 122 106-107,121,143-144,154-155
Thrills and Regressions, 60,122-123,155-
156
Tolerânciaa ao acting-out pelo analista,

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