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SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE

COORDENADORIA DA ATENÇÃO BÁSICA


ÁREA TÉCNICA DA SAÚDE INTEGRATIVA - PICS

A CONCEPÇÃO DA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA


SEGUNDO TRÊS TEORIAS DO TAOISMO

1. A TEORIA DO YIN E DO YANG (a primeira teoria)

Texto organizado por Emílio Telesi Júnior a partir de três referências: Giovanni
Maciocia, Os Fundamentos da Medicina Chinesa, Ed. Roca, São Paulo, 1996; B.
Auteroche / P. Navailh, O Diagnóstico na Medicina Chinesa, Ed. Andrei, São
Paulo, 1992; Ross, Jeremy, Zang Fu – Sistemas de Órgãos e Vísceras da
Medicina Tradicional Chinesa, Ed. Roca, São Paulo; e outras notas de rodapé.

No princípio o Tao, o Uno


O Taoismo é uma das mais sólidas filosofias que influenciaram a Medicina Tradicional Chinesa. Ainda
hoje não se sabe exatamente quando e onde surgiu o Taoismo. Segundo historiadores, o sábio chinês Lao-
tsé, que viveu no “Período dos Estados Guerreiros,” por volta de 400 a.C., teria sido arquivista da corte do
imperador. Na época a China estava dividida entre várias cidades-estados, e reinava a guerra entre os povos,
levando ao sofrimento entre todos. Lao-tsé, profundamente aborrecido com a situação, retirou-se da corte
e da vida social, e nunca mais foi visto. Conta-se que Lao-tsé seria uma pessoa centenária quando escreveu
um dos mais profundos livros sobre filosofia oriental até hoje escrito, o Tao te King1.
É aceito que o livro escrito por Lao-tsé tenha dado origem ao Taoismo, filosofia que trata da essência
e natureza da condição humana, uma vez que partes do livro abordam questões sobre saúde, meio ambiente,
política e sociedade. Ao se referir ao Tao, Lao-tsé descreve-o como um princípio de não-ser, que dá origem a
todas as coisas. O Tao é o Vazio, prossegue, mas ao mesmo tempo, é uma Substância que está presente em
tudo o que é. Essa filosofia desenvolveu-se a partir da observação da natureza. O Taoismo vê a natureza como
um equilíbrio harmonioso2. E vê o ser humano como parte da natureza, portanto, o que ocorre na natureza,
no meio ambiente, também pode ocorrer com o ser humano. Conhecendo a natureza, o homem aprende a
conviver em equilíbrio consigo e com o meio. Equilíbrio que significa vida e morte, fraqueza e força, saúde e
doença, pois o Tao é responsável por todos os lados do equilíbrio. Veja que o próprio conceito de equilíbrio
para o taoísmo não é exatamente o mesmo conceito que temos de equilíbrio na atualidade.
Para o taoismo a origem de tudo é o Vazio, o não-ser, portanto, estado ao que, tudo que é, retorna.
Pois, aquilo que existe morre, aquilo que é formado decompõe-se. Do Vazio surge a Forma e da Forma o
Vazio... Esse fenômeno não implica um julgamento de valor, mas envolve uma relação de harmonia e
equilíbrio entre todas as coisas.
Desse modo, o Tao (o Uno), teria dado origem aos princípios opostos do equilíbrio harmônico e gerado
duas polaridades, o Yin e o Yang. Trata-se de dois conceitos contraditórios, representando uma dupla onde
um é sempre o oposto do outro. Exemplos: o masculino e o feminino, o alto e o baixo, o claro e o escuro, o
frio e o calor, e assim por diante. A teoria do Yin e do Yang esclarece, portanto, os polos da contradição. Pois

1 Lao Tse, Tao te King, O Livro do Tao e sua Virtude, Versão Integral e Comentários. Attar Editorial, São Paulo, 1988.
2 A ciência moderna de hoje pensa ao contrário. Não haveria na natureza um equilíbrio harmonioso. Veja-se a teoria do Caos.
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é da contradição que nascem as condições para a ocorrência do Movimento, conceito básico de toda a
Medicina Tradicional Chinesa.

Movimento
"Entender o Universo como um grande e constante fluxo de energia abre um portal para a
compreensão de nós mesmos. Essa filosofia é conhecida por Taoísmo, e desenvolveu as noções de Yin e Yang
para explicar o princípio da polaridade. As energias Yin e Yang sempre se alteram e, de maneira alguma são
catalogadas como boas ou ruins. Simplesmente coexistem. (...) Entender a ação dessas polaridades é, em
última análise, viver sendo igual ao Universo e, ao mesmo tempo, sendo uma parte inseparável dele. Ao invés
de tentar destruir, passa-se a compartilhar dos ventos, das marés, das estações e dos princípios de
crescimento e declínio"3. Este seria o conceito de equilíbrio que os taoístas procuravam adotar na China
antiga.
Segundo os antigos chineses, as combinações e as transformações do Yin e do Yang dão origem a tudo
o que existe no Universo. Isto se faz obedecendo ao conjunto das Leis Naturais chamadas Li.
O Yin e o Yang representam a primeira manifestação do Tao, isto é, do Vazio. O Li, atuando sobre o
Yin e o Yang, dá início à segunda manifestação do Tao, que é a formação dos Cinco Movimentos. E "as dez mil
coisas" (da linguagem poética chinesa) que representam todo o resto, são a terceira manifestação do Tao.

Uma grande quantidade de textos cosmológicos legados ao taoísmo informa-nos sobre um Sopro primordial,
denominado Qi (ou Ch´i), preexistente à formação do Céu e da Terra. Em seu capítulo 42 diz o Tao Te King:

O Tao gera o Um
O Um gera o Dois
O Dois gera o Três
O Três gera todas as coisas
Todas as coisas dão as costas ao escuro,
Dirigindo-se para a luz.
A energia que entre eles flui lhes fornece a harmonia.

Séculos depois de consolidada a teoria do Yin e do Yang, e a partir da definição de cinco elementos
como os mais frequentes na natureza, ou seja, a madeira, o fogo, a terra, o elemento metal, e a água, é
construída a Teoria dos Cinco Movimentos que, em sua essência, afirma que o elemento madeira gera o
elemento fogo, o fogo produz a terra, a terra gera o metal, que por sua vez, gera a água. E a água fecha o
ciclo de geração, produzindo a madeira. São esses os cinco elementos fundamentais da natureza. Elementos
que se interagem e dão origem ao movimento ininterrupto, onde um elemento nutre o outro, fato que recebe
o nome de Ciclo de Geração. No entanto, a interação entre os cinco elementos alberga também outros ciclos
de movimentos, denominados por ciclos de controle, de excesso e de contra-dominância. Essa inter-relação
entre os cinco elementos permite aos taoístas explicar tudo, desde o funcionamento das coisas mais simples
da natureza até a complexidade do ser humano.
"A simbologia dos cinco movimentos reflete na essência da prática da MTC: através dos símbolos
expressam-se verdades profundas de fenômenos psíquicos e energéticos, a estrutura e o funcionamento da
psique e da mente humana, a interação do físico com a natureza e, sobretudo, o processo do mundo externo
na influência de adoecimento do ser humano" 4. A Teoria dos Cinco Movimentos é a segunda teoria que dá
vida à medicina clássica chinesa.

3Jia, J.E. Chan Tao, Essência da Meditação. Plexus Editora, São Paulo, 1998.
4Jia, J.E. opus cit.
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Incorporando a visão taoísta de mundo, assim como a de outras correntes filosóficas orientais, a
Medicina Tradicional Chinesa trabalha com três conceitos básicos, que passaram a ser conhecidos com o
nome de Os Três Tesouros: o de matéria, substrato essencial ou Jing, o de energia ou Ch’i, substância
imanente e subjacente à matéria, que lhe dá vida, movimenta-a e a transforma, e finalmente o conceito de
mente, ou Shen que, segundo os chineses, é a fração pensante da matéria. À natureza não restaria então
nenhuma alternativa a não ser a manutenção de sua própria existência, ou seja, da vida.
Diante do exposto, podemos questionar se haveria de alguma forma uma relação entre natureza e
mente pensante, e se podemos falar em “pensamento da matéria”? Ou melhor, seria a natureza, isto é, o
universo, uma entidade consciente? Os seres humanos poderiam ser considerados a “parte consciente” mais
visível da natureza? E, continuando esse raciocínio, seus desarranjos ou disfunções se manifestariam através
daquilo que convencionamos chamar por doenças?

Do Tao à complexidade
As diferenças que percebemos entre os fenômenos naturais são decorrentes da proporção e da
frequência vibratória do Yin e do Yang presente nos movimentos de interação entre os cinco elementos.
O equilíbrio do ser humano e de toda a vida fica ameaçado quando o Cosmo e/ou a Terra se
desequilibram. Segundo a filosofia oriental nada é permanente, portanto, o desequilíbrio é parte inerente
aos processos vitais. De acordo com essa lógica, iremos entender, ao estudar a Terceira Teoria que deu
origem à Medicina Tradicional Chinesa, a Teoria dos Meridianos onde cada novo ser humano, ao ser
concebido, traz dentro de si um determinado conjunto, específico e único, de energias, que se manifestam
por meio dos canais por onde fluem as energias - os Meridianos - e os respectivos Pontos de Acupuntura
representam - as "memórias energéticas" de cada ser – pois são passíveis de manipulação quando
estimulados. Entretanto, esses "pontos" ou "memórias" não necessariamente estão e/ou continuarão sua
evolução em um processo de equilíbrio e harmonia, estando sempre passíveis de contínuos desarranjos. É
por isso que com o decorrer do tempo, o que era Yang dá formação ao Yin, enquanto este dá origem ao Yang.
Tudo é dinâmico, tudo é mutável, nada permanece como está.

Do vazio à forma: reflexões sobre o nada


Os conceitos de Yin e Yang são centrais na embriogênese da MTC. Todo o universo encontra-se em
movimento, em estado de “equilíbrio dinâmico”, e seus componentes oscilam entre esses dois polos. Como
um microcosmo dentro do macrocosmo, ao organismo humano e às suas distintas partes, também é
atribuído qualidades Yin e Yang. Essa visão dinâmica é básica para a estruturação teórica e prática da medicina
clássica chinesa. O indivíduo saudável e a sociedade saudável são partes integrantes de uma grande ordem
universal, e a doença representa a desarmonia no nível individual ou social.
O Yin e o Yang brotam do Vazio, (cuja essência em chinês dá-se o nome de Ch'an), que é a fonte de
todas as manifestações da natureza humana, do pensamento da existência à criação do progresso da
civilização. O Ch’an, feixe de luz, é conhecido como Iluminação, a experiência do conhecimento de si mesmo
e de todas as manifestações do Universo. Segundo a tradição da filosofia chinesa, se a prática do Ch'an (a
prática da meditação) for seguida com firmeza, o homem desenvolve a capacidade de cuidar de sua essência,
prolongar sua longevidade e pode atingir elevada percepção e sensibilidade, o que acaba determinando um
estado mais evoluído, conhecido como o mundo da Não-Forma. Seriam os assim denominados sábios ou
seres iluminados, na antiga tradição chinesa.
Existe um propósito na natureza que modela todos os processos de transformação, a partir das etapas
de nascimento, crescimento, desenvolvimento, amadurecimento e envelhecimento, que é a ordem natural
do universo. A essa força única, onde se localiza a energia da vida, os antigos chineses chamam de Qi ou de
Ch’ i. É a essa poderosa força, decorrente das relações estabelecidas entre o Yin e o Yang, e que pode se

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modificar, evoluir e transformar todos os processos da natureza, também chamamos de Consciência ou Ch'
an.
Assim, à semelhança do universo como um todo, o organismo humano é concebido pela Medicina
Clássica Chinesa como parte de um processo de contínuas, múltiplas e interdependentes flutuações, e seus
padrões de saúde ou doença são descritos em termos de harmonia e/ou desarmonia de Qi (Ch' i ou
Consciência).
Os antigos textos de MTC não estabelecem uma nítida separação entre o normal e o patológico, como
ocorre na moderna medicina ocidental. Para os chineses, tanto a saúde quanto a doença são consideradas
naturais e fazem parte de um processo contínuo. "São aspectos de um mesmo processo, em que o organismo
individual muda continuadamente em relação ao meio ambiente inconstante. Como a doença será, em dados
momentos, inevitável no decurso da vida, o combate à doença não é o objetivo essencial do paciente ou do
médico. A finalidade da medicina chinesa é, antes, realizar a melhor adaptação possível do indivíduo ao meio
ambiente como um todo. Para se alcançar essa meta, o paciente desempenha um papel importante e ativo
no reequilíbrio de suas energias e harmonia interior. Na concepção chinesa, o indivíduo é responsável pelo
autocuidado, pela manutenção de sua própria saúde e até, em grande parte, pela recuperação da saúde
quando o organismo está desequilibrado. O médico participa desse processo, mas o paciente é o principal
responsável"5.
Segundo as bases filosóficas da MTC, a saúde e a doença formam um dualismo, expresso sob múltiplas
aparências, como superior e inferior, frio e quente, mente e corpo, claro e escuro, superficial e profundo,
vazio e plenitude, e assim por diante. Na medicina ocidental os opostos primários são consciente e
inconsciente, respectivamente o Shen e o Hun6 para a medicina chinesa. Partindo da Substância original, o
Uno, o Tao, o indivisível, nossa tarefa (digo a dos terapeutas) seria conduzir os dois opostos, o consciente e o
inconsciente, à unidade. Mas talvez não se consiga a união desses opostos pela dualidade, isto é, vendo o
consciente ou o inconsciente como entidades separadas.
Em seu livro O Tao da Física, Capra7 volta-se exatamente para este ponto e aduz que há um estreito
paralelismo entre os conceitos básicos da física moderna e os ensinamentos místicos orientais. Segundo o
autor, também as descobertas da física teórica revelam um universo que é um processo harmonioso,
unificado, um entrelaçamento dinâmico de elementos interrelacionados. Ora, este é precisamente o
pensamento fundamental da filosofia taoísta, que indica uma harmonia profunda entre todas as formas de
existência. Quando essa harmonia é experimentada, o indivíduo experimentaria uma sensação que
transcende o tempo e o espaço.
Em analogia dos dias atuais entre a física quântica e a MTC, o físico Gleiser8 ao discorrer sobre as
partículas elementares, sugere que os tijolos fundamentais da matéria podem ser divididos em dois grupos:
as partículas que compõem a matéria e as que transmitem as forças entre elas. Relacionando esses conceitos
com a filosofia chinesa, talvez possamos pensar que o Jing, a energia essencial que herdamos de nossos
antepassados, são as partículas que compõem a matéria propriamente dita, assim como o Ch'i pode ser
comparado às forças subjacentes a essa essência ancestral.
Embora a verdade da física quântica seja hoje amplamente aceita no mundo da ciência como absoluta,
nós não conseguimos ver o que acontece quando observamos esse mundo de “bilionésimos de milímetro",
ou seja, o mundo das partículas elementares. Na verdade, não vemos as partículas interagindo entre si, como
observamos as células e os micro-organismos através dos potentes microscópios. As interações de energia
são estudadas pela física quântica por meio de instrumentos especiais, denominados aceleradores de

5Capra, F. O Ponto de Mutação. Cultrix, São Paulo, 1982.


6 Shen e Hun são respectivamente as almas do Coração e do Fígado. Estudaremos detalhadamente essas e outras almas no capítulo sobre a
MTC e as doenças mentais.
7 Capra, F. O Tao da Física. Cultrix, São Paulo, 1983.
8Gleiser, M. Folha de São Paulo, 17, outubro, 1999.

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partículas. Pensando nas descobertas recentes da física, que usa experimentos de ponta como bengala para
nossa cegueira, não podemos deixar de observar que os chineses nos falam há milênios deste "vazio", de
onde emergem as duas energias básicas dos fenômenos vitais, o Yin e o Yang.
Chopra9 também estabelece relações semelhantes com a física moderna. Para ele não há corpo físico.
O mundo físico está em constante transformação e, do mesmo modo, o corpo humano. Nossas células são
compostas por milhões e milhões de átomos e, segundo a física quântica, mais de 99,9% deles são formados
por espaços vazios. Isto é, nosso corpo físico tem uma imensa porcentagem de vazio. É um monte de nada.
Para Chopra, o vazio cria a energia, a matéria e o corpo físico que percebemos através dos nossos órgãos
sensoriais. Esse corpo físico é repleto de partículas subatômicas e estas só podem ser entendidas através de
suas interconexões, das relações e dos movimentos que estabelecem entre si.
A sabedoria dos antigos chineses dizia que o Ch'i condensado em matéria palpável não estava
particularizado em qualquer sentido importante, mas (...) "os objetos individuais agiam e reagiam com todos
os demais objetos do mundo (...) de maneira vibratória ou semelhante a ondas, dependente, em última
instância, da alternância rítmica em todos os níveis das duas forças fundamentais, o Yin e o Yang. Dessa
forma, os objetos individuais possuíam seus ritmos intrínsecos. E estes estavam integrados (...) no padrão
geral da harmonia do mundo"10.
Nós vemos o mundo com os olhos e não através dos olhos. É a nossa forma de ver a realidade. Mas,
vendo apenas com os olhos, não vemos o que existe, mas a interpretação do que existe. Os órgãos dos
sentidos apenas apreendem uma parte da realidade e nos levam a uma interpretação superficial da realidade
ao impregnar em nossa memória as imagens captadas do meio. Se nós conseguíssemos ver através dos olhos,
teríamos outra consciência dessa realidade, não apenas através das imagens corporais, isto é, não só com
aquilo que se impregna em nossa matéria como a luz, os sons, os odores, os sabores, etc. Para a medicina
clássica chinesa todas as nossas células internas vêm, ouvem e participam da apreensão do mundo em que
vivemos. Assim, a mente não estaria apenas no cérebro, mas em todas as células do corpo, que transformam
as energias vindas do meio externo em informação. Segundo Chopra 11, quem pensa, quem interpreta a
informação, quem cria, é a alma. E a alma não é matéria e nem está nos pensamentos, mas no espaço entre
os pensamentos, isto é, no intervalo entre um pensamento e outro. Portanto, segundo o autor, o que
denominamos alma existiria num domínio não localizado no tempo e no espaço. O que se chama de alma
está intimamente relacionado à energia cósmica e se comunica com um domínio universal da consciência
humana12. Da mesma forma, nossos saltos de criatividade e de sabedoria poderiam ser considerados saltos
quânticos, sob o prisma da física moderna. Assim, um padrão de pensamento pula para outro sem ter que
passar por uma etapa transitória, do mesmo modo que os elétrons saltam de uma órbita a outra, sem
intermediários. Nossa alma seria apenas um pedaço da consciência universal, responsável pela interpretação
da realidade, que pensa e que cria a partir das informações processadas e armazenadas pelas células do corpo
e da mente, ou seja, intermediadas pelo Jing e Shen. Dessa forma, as nossas memórias e desejos são
realidades virtuais, que existem na alma como possíveis desejos e memórias, até que sejam realmente
experimentados por nós como memórias e desejos.
A correspondência direta entre os fenômenos físicos e os psíquicos, representando esses
acontecimentos a origem comum de uma única substância também está presente na filosofia ocidental.
Muitos dos filósofos ocidentais dizem que é da essência da mente, ou da alma, ser atividade consciente de
seu objeto de consciência, isto é, o corpo humano 13. Entre nós, Chauí14, analisando o pensamento de
Espinosa, diz que ”afetando outros corpos e sendo por eles afetado de diversas maneiras, o corpo cria
9 Chopra, Depak, Ser Médico, Conselho Regional de Medicina de SP, abr/mai/jun/00-ano III-no.11.
10J.Needham, Science and Civisation in China, Volume IV.
11 Chopra, op. cit.
12 Estudaremos mais profundamente este tópico no capítulo da Mente na visão da MTC.
13 Espinosa, B. “Tratado da Reforma da Inteligência”. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2004.
14 Chauí, Marilena, Espinosa – Uma Filosofia da Liberdade, Ed. Moderna, São Paulo.

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imagens de si a partir do modo como é afetado pelos demais corpos. Imaginar exprime a primeira forma da
intercorporeidade, aquela na qual a imagem do corpo e de sua vida é formada pela imagem que os demais
corpos oferecem do nosso e pelas imagens que ele produz deles. A imagem, por nascer do sistema das
afecções corporais, é instantânea e momentânea, volátil, fugaz e dispersa, não oferecendo a duração
contínua da vida do próprio corpo, mas instantes fragmentados dela. Nascida de encontros corporais, a
imagem institui o campo da experiência vivida como relação imediata e abstrata com o mundo. Imediata,
porque contato direto de nosso corpo com outros corpos. Abstrata, porque fragmentada, parcial, mutilada,
separada do conhecimento verdadeiro das causas do imaginar e das imagens. Consciente do corpo por meio
dessas imagens mentais, a mente produz ideias imaginativas com que representa seu corpo e outros corpos,
tendo por isso dele e deles um conhecimento inadequado ou imaginativo, isto é, não o conhece tal como é
em si mesmo, nem tal como é sua vida própria, mas o pensa segundo as imagens externas que ele recebe ou
forma na relação Inter corporal. Portanto, segundo Chauí, a alma pensa o seu corpo e a si mesma segundo a
ação causal externa exercida sobre nosso corpo pelos outros corpos e sobre eles pelo nosso. Por esse motivo,
na experiência imediata a alma não possui uma ideia verdadeira dos corpos exteriores, já que os conhece
segundo as imagens que seu corpo deles forma a partir das imagens que eles formaram dele. De sorte que
“há espelhamento dele neles e deles nele, e é isso o objeto atual que constitui o ser da alma. (...) Sendo a
alma ideia de seu corpo e ideia de si a partir da ideia de seu corpo, sendo ela desejo como expressão
consciente do apetite, será passiva juntamente com seu corpo, e ativa, juntamente com ele. Pela primeira
vez, em toda história da filosofia, corpo e alma são ativos ou passivos juntos e por inteiro, em igualdade de
condições e sem relação hierárquica entre eles. Nem o corpo comanda a alma nem a alma comanda o corpo.
A alma vale e pode o que vale e pode seu corpo. O corpo vale e pode o que vale e pode sua alma”.15

Origem comum
Texto de Marcelo Gleiser

A visão moderna do cosmo


aproxima as pessoas

Lendo os jornais, assistindo aos noticiários na TV, ou simplesmente prestando atenção ao que se passa
à nossa volta, não há nada mais óbvio do que as diferenças da sociedade; conflitos políticos, raciais,
domésticos, disparidades financeiras, preconceitos arraigados, enfim: um quadro que mostra o quanto
somos diferentes uns dos outros e o quanto ainda temos que lutar para que essas diferenças sejam
diminuídas.
Nessas horas, imagino que ninguém pense muito no que as ciências físicas e biológicas têm a dizer.
Ninguém imagina que a visão moderna do cosmo nos aproxima uns dos outros de modo profundo,
essencial. Talvez essa visão não ofereça consolo ao vermos uma criança pedindo esmola na rua, ou baleada
no tráfico de drogas. Mas, se interpretada de forma correta, deveria oferecer um novo modo de pensar sobre
o mundo e sobre nosso lugar nele. Seria ao menos um começo.
A pressão pela sobrevivência é e sempre foi a mola que propulsiona a vida, com todas as coisas boas
e ruins que ela traz. A diferença humana é que adicionamos ao que é necessário quantitativamente -comida,

15 Marilena Chauí, op. cit. interpretando o pensamento de Espinosa.


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abrigo, reprodução- aquilo que é qualitativamente aprazível. Não queremos apenas comer, queremos comer
bem; não queremos apenas procriar, queremos bem, você me entende. Mas me pergunto se não está na
hora de repensarmos nossa dependência das leis que regem a evolução, se não podemos, tal como tentamos
fazer com as doenças, repensar a doente condição humana, combatê-la com nossa arma mais poderosa,
nossa capacidade de reflexão.
Talvez precisemos começar do começo para que as coisas mudem, do começo não só da civilização,
mas do começo de tudo. Somos todos, ricos e pobres, reis e camponeses, grilos, baleias e samambaias,
produtos do cosmo, das mesmas leis que regem a natureza, compostos dos mesmos elementos químicos,
forjados há bilhões de anos nas mesmas estrelas.
Nossa história, a minha, a sua, a de todo mundo nesse planeta, começou ao mesmo tempo, cerca de
14 bilhões de anos atrás, quando nosso universo começou sua expansão. Foi então que essa massa de energia
começou a moldar as partículas que formam tudo o que existe, os primeiros elétrons, os prótons e nêutrons,
os primeiros núcleos atômicos. Passados 400 mil anos, com o Universo ainda na sua infância, surgiram os
primeiros átomos, os tijolos fundamentais da matéria.
Conglomerados de átomos, atraídos pela gravidade, formaram nuvens de matéria que, girando de
forma instável, contraíram-se para formar as primeiras estrelas. Essas viveram pouco, vítimas de sua enorme
massa. Ao morrer, entraram em colapso, forjando em suas entranhas os elementos químicos mais pesados -
carbono, oxigênio, ferro-lançados ao espaço em seus últimos estertores. Esses átomos espalharam as
sementes da vida pelo espaço. Outras estrelas nasceram e outras morreram cosmo afora.
Passados quase 10 bilhões de anos, nasceram o Sol, os planetas, a Terra e a Lua, todos com infâncias
violentas: cometas e asteroides bombardeando suas superfícies, radiação solar letal e poucas chances de a
vida surgir. Mas em um deles, por não estar nem muito longe nem muito perto do Sol, a água pôde manter-
se líquida; por ter a massa certa, criou uma camada protetora à sua volta, a atmosfera. Aos poucos, os
elementos químicos foram se combinando, formando moléculas complexas. Delas, surgiu a vida. E dela,
surgimos nós. Nossa história, se contada assim, do começo, é a mesma.
Precisamos de 10 mil anos de civilização para aprendermos isso. Espero que não sejam necessários
outros 10 mil para usarmos esse conhecimento com sabedoria.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia
do Mundo". Caderno Mais – domingo 24/02/2008.

A CONCEPÇÃO DA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA


SEGUNDO AS TRÊS TEORIAS DO TAOISMO

2. A TEORIA OS CINCO MOVIMENTO (a segunda teoria)

Texto organizado por Emílio Telesi Júnior a partir de três referências: Giovanni
Maciocia, Os Fundamentos da Medicina Chinesa, Ed. Roca, São Paulo, 1996; B.
Auteroche / P. Navailh, O Diagnóstico na Medicina Chinesa, Ed. Andrei, São
Paulo, 1992; Ross, Jeremy, Zang Fu – Sistemas de Órgãos e Vísceras da
Medicina Tradicional Chinesa, Ed. Roca, São Paulo; e outras notas de rodapé.

TEORIA DOS CINCO MOVIMENTOS


Juntamente com a Teoria do Yin e do Yang, a Teoria dos Cinco Movimentos representa um dos pilares
da Medicina Tradicional Chinesa. Caracteriza-se por cinco processos básicos, decorrentes das qualidades de
cinco elementos mais comuns encontrados na natureza, e que simbolizam para os antigos pensadores
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chineses todos os movimentos de transformação, todas as dinâmicas dos fenômenos naturais observados. A
teoria dos Cinco Movimentos foi concebida alguns séculos mais tarde pela mesma escola filosófica que
desenvolveu anteriormente a teoria do Yin e do Yang. A menção aos cinco elementos encontra-se no Shang
Shu, escrito durante a Dinastia Zhou: “... Os cinco elementos são a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água”.
A primeira referência registrada dos Cinco Movimentos enquanto dinâmica dos processos de transformação
da natureza é do período de guerra entre os Estados (476 - 221 a C.). Acredita-se, então, que a origem mais
elaborada dos Cinco Movimentos seja originária desse período.
Segundo essa teoria tudo o que acontece com a natureza, acontece com o ser humano, pois o homem
é visto como parte da natureza. A mesma energia presente na natureza está, portanto, presente no ser
humano. Na antiga visão oriental, a interação harmônica entre o homem e a natureza, e entre ele e os demais
seres, depende do fato de todos, sem exceção, serem descendentes de uma mesma totalidade – o Tao, o
Uno -, formando um padrão cósmico e obedecendo às mesmas leis naturais, de preservação da vida, de
manutenção e de cuidado entre si. A matéria e a energia que conhecemos, são apenas expressões
diferenciadas de uma mesma natureza, e é possível, sob certas condições, converter uma na outra. Haveria
então no Universo uma única substância, a quintessência – feito o éter dos gregos.

Energeia – dos gregos


Ch´i – dos chineses
Conatus – Freud
Energia – dos físicos

Tabela 1 - Os Cinco Elementos representados no ser humano e na natureza


5 elementos MADEIRA FOGO TERRA METAL ÁGUA
Órgãos FÍGADO CORAÇÃO BAÇO PULMÃO RIM
Vísceras Vesícula B. Int. Delgado Estômago Int. Grosso Bexiga
Direções Leste Sul Centro Oeste Norte
Estações Primavera Verão Verão Prolongado Outono Inverno
Frio Patogênico Vento Calor Umidade Secura Frio
Cores Verde / azul Vermelho Amarelo Branco Preto
Sabores Ácido/azedo Amargo Doce Picante Salgado
Abertura Olho Língua Boca Nariz Orelha

Essa visão da natureza é muito próxima da teoria “boostrap” de Chew 16, segundo a qual o universo é
concebido como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados. Segundo o cientista, nenhuma das
propriedades de qualquer segmento da teia é independente, pois todas são entrelaçadas, umas
condicionando as outras.
Também na concepção da medicina clássica chinesa o cuidado com a saúde pressupõe uma atitude
de preocupação, de responsabilidade e de entrelaçamento ou envolvimento afetivo do um como o outro.
Inegavelmente, a medicina chinesa entende que o “médico” e o paciente participam em pé de igualdade do
processo saúde-doença, premissa sustentada pela condição humana comum, pois ambos têm idênticos
desejos de serem felizes, procurando entender as causas do sofrimento e buscando a felicidade. É dessa
relação igualitária, de afetos, que se estabelece entre o paciente e o terapeuta, que nasce a possibilidade de
privilegiar a ética do ser humano, com vistas à manutenção de um processo de conhecimento, de
desenvolvimento e de transformação contínuos. O ser humano, portanto, nunca está pronto, acabado, mas
sempre inserido no processo de um vir a ser, tal como a natureza, tal como o universo.

16 Chew, G. F. Boostrap: A Scientific Idea? In: Science, Vol 161 (23 Maio, 1968), pp. 762-65.
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"Na visão da Medicina Chinesa, o organismo representa um cenário amplo dos relacionamentos
funcionais que proporcionam uma total integração das funções do organismo, emoções, atividades mentais,
tecidos, órgãos dos sentidos e influência ambiental (...) Enquanto a medicina ocidental vê cada órgão
somente sob o aspecto anatômico-material, a Medicina Chinesa os analisa como um sistema complexo"
(Maciocia, 1997). Essa afirmação associa a MTC à moderna visão psicossomática da medicina ocidental, pois,
cada dupla de órgão-víscera está relacionada determinada emoção, responsável pelo temperamento e
reações subjetivas de cada indivíduo, originando uma postura e um comportamento específicos. Assim, cada
conjunto de órgão-víscera associado produz um determinado padrão energético, que se manifesta tanto no
plano material quanto no espiritual.
No pensamento clássico chinês os órgãos e vísceras representam um conjunto energético-fisiológico
de estrutura celular e, principalmente, consubstanciam princípios não materiais, puramente pulsionais,
elementos constituintes do corpo humano.
Desse modo, cada um dos cinco grandes órgãos que compõem o corpo humano está relacionado a
um determinado aspecto mental, assim denominado:

- A Mente (Shen) com o Coração (Xin)


- A Alma Etérea (Hun) com Fígado (Gan)
- A Alma Corpórea (Po) com o Pulmão (Fei)
- A Força de Vontade (Zhi) com o Rim (Shen)
- O Pensamento (Yi ou Tyh) com o Baço (Pi)"
(Maciocia, 1997).

Segundo essa concepção, cada sistema fisiológico possui sua respectiva “alma”, que teria uma função
bem determinada. No entanto, seja qual for a função individual do órgão em questão, ela faz parte de um
conjunto de missões complementadas por outros órgãos. Se quisermos estudar a função e as propriedades
de um determinado órgão, não podemos tratá-lo individualmente, mas sim como parte de um todo. Um
coração isolado não vive e não desempenha as suas funções. Em certo sentido, o coração isolado não é um
coração. Sua função só se concretiza quando integrada ao conjunto dos demais órgãos do corpo humano.
Não há no pensamento chinês clássico a ideia de “alma”, assim como não há a ideia de “corpo” com
existência absoluta e acabada. A vida do homem é uma concentração de sopro-energia. O corpo é uma
forma de atualização de um processo vital contínuo. No pensamento chinês o interesse é por processo,
harmonia e funcionalidade17.
A seguir, um pequeno quadro dessa correspondência, com seus correspondentes significados
conceituais:

Tab. 2 – Os Cinco Elementos e as emoções


ÓRGÃO EMOÇÃO TECIDO ALMA AÇÃO
Pulmão / metal Tristeza Pele, pelos, olfato Po Interiorização – captação
Fígado / madeira Cólera Tendões e Hun Adaptação – autossuficiência
terminações
nervosas
Coração / fogo Alecridade Sangue-artérias Shen Alegria - afetividade-integração
Baço / terra Preocupação Carne-músculos Yi Pensamento / sabedoria
Rim / água Medo Ossos-medula Zhi Força de vontade -sobrevivência

17
Jullien, F., Ed. Seuil, Paris, França, 2.005.
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PO
O Po caracteriza-se como Alma Corpórea e sua morada é o Pulmão. Encontra-se ativo desde o
momento da fecundação do ovo (zigoto) e representa um dos lados do inconsciente, sendo a esfera mais
primitiva da consciência, pois está relacionado às reações instintivas. Capta o que está fora, e absorve as
qualidades do outro para si. Daí o instinto canibalesco do Po. Corresponde à vida mental das espécies
inferiores da cadeia filogenética.

HUN
O Hun representa a Alma Etérea e habita o Fígado.
É no Hun que se armazenam as vivências e as experiências do passado. O Hun não tem noção de
espaço e de tempo. Corresponde à tradição, ao passado, aquilo que sobrevive no subconsciente de cada um.
Está fora de nosso controle emocional. É o nosso arquivo das emoções.
O Fígado, juntamente com a Vesícula Biliar, rege o olhar, a visão, as imagens que entram e saem do
olho. Ambos correspondem à afirmação física e psíquica do Ego sobre o meio, pois identificam os
comportamentos de luta e competição, empenho e determinismo na consecução das ações, regendo os
tendões e as terminações nervosas.

ZHI
A residência do Zhi é o Rim, e ele está relacionado à força de vontade ou determinação (potência)
para as realizações pessoais. Nesse sentido, um claro elo mediado pelo Coração, fica estabelecido entre o
Zhi e o Shen (Mente). É neste sentido que Zhi qualifica o Shen (Mente), atribuindo-lhe ou não uma dose extra
de força.

YI ou Tyh
A morada do Yi ou Tyh é o Baço. Costuma-se traduzir Yi ou Tyh por pensamento ou qualidade do
pensamento, designando mais a atividade de raciocínio e de memória. A tendência de Yi parece mesmo ser
a de qualificar o Shen (Mente), fornecendo-lhe o substrato de um sangue novo, carregado dos indispensáveis
nutrientes que levam ao Mar das Medulas (Cérebro) o combustível energético necessário para operar com
desenvoltura. As obsessões ou pensamentos repetitivos estão sempre ligados a Terra, ao Tyh. A obsessão é
uma ideia decorrente de um sentimento que invade a consciência de modo incoercível, martelando
insistentemente, de forma recorrente. Seus temas quase sempre dizem respeito à ordem, à simetria, à moral,
à precisão, à pureza, aos conteúdos místicos, religiosos ou metafísicos. Quando surgem no adulto, indicam
uma fragilidade psicoafetiva, como as observáveis nos períodos de gravidez ou menopausa, ou nas patologias
crônicas, nos pesadelos e nos estados de fadiga constante.

SHEN
A residência do Shen é o Coração, constituindo-se num princípio vital, no Centro-Fonte da vida, palácio
onde habita o Eu. O Shen corresponde à Mente, e representa a somatória de todas as demais energias
psíquicas, isto é, do Po, do Hun, do Yi, do Zhi, e do próprio Shen. Compõe o sistema percepção-consciência
do Eu sobre o mundo. Suas alterações ou deficiências criam os desvios de comportamento. O Shen tem a ver
com o pensamento, consciência, memória, afeto, integração, cognição, criatividade, sabedoria e vivência.
Nem a cultura chinesa, nem o taoísmo em particular, apresentam qualquer noção que faça lembrar a
presença de uma entidade inteiramente espiritual ligada ao corpo humano. O ideograma Shen, traduzido
geralmente por "alma" refere-se a uma noção puramente energética, ligada aos domínios da mente. São as
traduções que procuram introduzir um significado ocidentalizado de alma inexistente na cultura tradicional

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chinesa18. Na China Clássica não se fazia distinção entre matéria e espírito. A noção de alma, a ideia de uma
essência completamente espiritual que se oporia ao corpo ou ao conjunto dos corpos materiais, não existe
no antigo pensamento chinês. Matéria e espírito não formam entidades separadas, pois pelo contrário, são
partes e modos de se manifestar de uma mesma entidade, informa Marcel Granet19, ao fazer um comentário
sobre as equivocadas traduções de Shen, vertido para as línguas ocidentais como espírito, alma, alma
inteligente, inteligência, humor, em função das opções ideológicas do tradutor.
"Os antigos chineses não acreditam", esclarece ainda uma vez Granet, "que esta alma dê vida ao
corpo, mas creem que ela surge através de um enriquecimento da vida corporal, por assim dizer" 20.

Quantum, a energia do vazio, e os cinco movimentos.


Poucos conceitos na ciência, ou talvez nenhum, são tão importantes e tão pouco compreendidos
como o conceito de energia. Talvez o conceito mais adequado de energia seja o de movimento de
transformação, que pode ser aplicado a qualquer processo que envolva mudança ou probabilidade de
mudança.
A correlação que se procura estabelecer aqui entre a teoria dos Cinco Movimentos e a Física Quântica
é a de que para esta, à semelhança do que ocorre entre o vazio e a forma na antiga tradição chinesa, o que
interessa é a manifestação da energia, que se dá sob a forma de saltos quânticos na visão da física moderna.
Essas alternâncias energéticas levam, na concepção quântica, à criação e à destruição de partículas e
antipartículas, representando as flutuações do espaço quântico ou, literalmente, da energia do espaço vazio,
isto é, do nada, na visão clássica chinesa.

Ter ou ser Consciência


Na tentativa de entender o que a física moderna vem fazendo hoje, é possível afirmar que, cada vez
mais, a física moderna busca desviar nosso olhar do que é "visível" - da Forma, segundo os antigos chineses
- para a entidade subjacente, ou seja, o campo de interação das forças, que a ciência não conseguiu ver até
hoje, e que a melhor tradição da antiga China chama de Vazio, ou o "vácuo físico", do ponto de vista da
moderna física quântica. De acordo com os físicos, até hoje não existe conhecimento científico capaz de
descrever as forças que existem entre as partículas elementares. Isso ainda é um mistério, e cujo
conhecimento está para ser buscado no campo subjacente a essas partículas, onde se espera encontrar
explicações científicas para a ordem e a simetria dos fenômenos naturais. Talvez nos próximos anos os físicos
encontrem explicações científicas para a "energia que emerge do vazio" como diziam os pensadores da
medicina clássica chinesa.
A teoria da relatividade criou dois conceitos opostos, o de matéria e o de energia, que se transformam
incessantemente um no outro, e têm analogia com o antigo misticismo oriental, que aponta a existência de
uma unidade dinâmica que une o Vazio e a Forma que daí se originam. Assim, segundo o pensamento antigo
Vazio e Forma são aspectos de um mesmo processo. Coexistem e se encontram em cooperação contínua,
18Mostaço, E. Acupuntura e Medicina Tradicional Chinesa no Tratamento das Disfunções Sexuais Masculinas. Monografia de conclusão do curso
de formação em medicina tradicional chinesa. 1998. Segundo o autor, mais ou menos na mesma época em que viveram os taoistas, por volta do
século V a.C. antigos pensadores gregos como Demócrito e Leucipo, começaram a pensar a natureza através da redução de sua estrutura,
decodificando sua complexidade em componentes básicos. Da mesma forma que os pensadores orientais, também entre os gregos, o sonho mais
presente era o estabelecimento de um conjunto de regras fundamentais, capazes de explicar todos os fenômenos, da essência da natureza ao
surgimento da consciência humana. A antiga cultura grega desenvolveu conceitos próximos aos dos orientais, através das interações entre o
soma (corpo), o kardia (coração e cérebro) e o pneuma (sopro, ar, hálito), como utilizadas por Heráclito, Demócrito e os pitagóricos. Aristóteles,
no De Anima, fez a mais extensa incursão pelos domínios da psyche (alma), passando em revista todas as concepções anteriores, notadamente a
platônica, que havia colocado a psyche como uma entidade separada do soma. Na concepção aristotélica a psyche possui três partes constitutivas:
a vegetativa (derivada das funções corporais); a sensitiva (resultante da atuação dos órgãos dos sentidos, da percepção e da parte mais baixa do
cérebro); e a noética (fruto das atividades cerebrais racionalizantes, ligada à capacidade de memória, reflexão e raciocínio). Após o advento da
cultura cristã esta última psyche será denominada espírito, ficando associada ao batismo e à sua inoculação divina.
19 Granet,M.: La Pensée Chinoise, Albin Michel Editeur, Paris, 1988.
20 Granet, M.: opus cit.

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como o Yin e o Yang. A fusão desses conceitos distintos compõe uma única realidade, que assim foi definida
num Sutra21:

Forma é Vazio, vazio é na verdade forma.


Vazio não difere da forma, a forma não difere do vazio.
O que é forma é vazio; o que é vazio é forma.22

Talvez seja essa uma das maiores aproximações entre o Vazio do misticismo oriental e a moderna
física quântica. Como no Vazio do oriente, o "vácuo físico" preconizado pela física moderna na teoria de
campo subjacente não é o estado de um simples nada, de um "buraco". Pelo contrário, contém a essência de
todas as formas do mundo das partículas elementares. Essas formas, por sua vez, não são entidades físicas
independentes, mas simplesmente manifestações transitórias do Vazio. Como dizia o velho sábio chinês: O
Vazio está pleno de Ch'i. Ou ainda, como observa o contemporâneo filósofo Jean-François Lyotard23 , é viável
“distinguir no universo chinês vários níveis de efetivação do real: o concreto ou consumado da Terra, o
contorno ou o discreto do Céu, o curso infinito que leva as coisas do latente ao manifesto - é a isso que se
chama de Via. E perfeita é a Via que contém em si a fonte e a foz, o aberto e o fechado, o discreto e o concreto,
o Yin e o Yang: ela merece então ser chamada de natural”. O Caminho do Meio para o pensamento clássico
chinês.
Assim, a Física Quântica oferece a perspectiva de um novo contexto, que nos leva à releitura da Teoria
dos Cinco Movimentos, pois a física moderna faz uma reinterpretação de três conceitos trabalhados
tradicionalmente pela mecânica linear, ainda influentes entre muitos de nós. Os três conceitos são os
seguintes:
1. O conceito de objetividade: no mundo quântico não podemos separar o sujeito do objeto, pois
um necessariamente interfere no outro. A física quântica defende a ideia de que o homem é
parte imanente da natureza e tem, além disso, a peculiaridade de não ser apenas parte, pois
é capaz de tomar parte e interferir na atividade da própria natureza.
2. O conceito de determinismo: a física quântica rompe com a ideia de determinismo. Uma vez
que o comportamento de objetivos quânticos é probabilístico, torna-se impossível uma
descrição rigorosa de causa de um lado e efeito de outro.
3. O conceito de localidade: na perspectiva da física quântica, as ondas energéticas espalham-se
difusamente e atingem múltiplos lugares no mesmo instante. Os locais não são separados e
nem independentes uns dos outros. A localidade, portanto, é excluída. Também por isso, no
mundo quântico não podemos separar o observador do observado.
Goswami24 nos ilustra as diferenças entre a física clássica e a quântica fazendo a seguinte analogia, ao
comparar os casos de uma bola numa rampa e de uma bola em uma escada. A bola na rampa pode assumir
qualquer posição e a posição pode mudar em qualquer valor. “Ela é, por conseguinte, um modelo de
continuidade e representa a maneira como pensamos na física clássica” 25. Em contraste observamos a bola
na escada, que só pode estar num ou em outro degrau. Sua posição é “quantizada”.
É esse o caso do elétron, que não gira continuadamente em torno do núcleo atômico: suas órbitas são
“quantizadas”, separadas umas das outras como as camadas de uma cebola. O elétron só pode estar em uma
dessas camadas e não entre elas, do mesmo modo que a bola não pode estar entre dois degraus. “A bola
quântica” – pacotes de ondas ou pacotes de probabilidades - jamais ocupará um lugar intermediário. E mais,

21 Sutra, substantivo masculino. Lit na literatura da Índia, coletânea de breves aforismos que contêm as regras do rito, da moral, da vida
cotidiana e da gramática.
22Prajna-paramita-hridaya Sutra, in F.M. Muller (org.), Sacred Books of the East, vol. XLIX, "Buddhist Mahayana Sutras".
23 Lyotard
24 Goswami, ª O Universo Autoconsciente, Ed. Rosa dos Tempos, Rio de Janeiro, 2002.
25
Goswami, op. cit., p.
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não há como saber quando o pacote de ondas vai se manifestar e nem para onde ele vai saltar. Só podemos
falar em probabilidades. E a probabilidade gera incertezas. Novamente recorremos ao exemplo de Goswami26
para mostrar que os fenômenos quânticos são calculados como ondas e interpretados probabilisticamente.
A probabilidade de ocorrer um fenômeno neste ou em algum outro lugar forma uma distribuição de
possibilidades representada por uma curva campanular. A probabilidade será máxima para algum valor da
posição, e este será o local com maior probabilidade de encontrarmos o elétron. Mas haverá uma região
inteira de locais onde será grande a probabilidade de acontecer o fenômeno. Baseando-se nessas
considerações, Heisemberg provou matematicamente que o produto das incertezas da posição e do
momentum é maior do que ou igual a um pequeno número denominado constante de Planck.
Analogamente à física quântica, na antiga tradição da medicina chinesa, somos a unidade de um
complexo corporal (os milhares de corpos que constituem nosso corpo) e de um complexo psíquico (as
inumeráveis ideias que constituem nossa mente ou nossa alma). A ruptura da consciência seria a
possibilidade de um outro “padrão energético”, consequente ao processo de flutuações e interações
energéticas entre os cinco elementos fundamentais. O interesse do corpo e da alma, isto é, da consciência,
seria a existência, e tudo quanto contribua para mantê-la. Para proteger o corpo, a alma representaria a
consciência das afecções corporais. Poder-se-ia dizer então que não temos consciência. Para a MTC somos
consciência, pois, temos alma.

Os Cinco Movimentos e a Física Quântica


Os cinco movimentos simbolizados pelos chineses por Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água
representam tudo o que existe no Universo. Os movimentos implicam em interações de energia nos ciclos de
geração, controle, excesso e contra dominância entre os elementos mencionados. Esta simbologia reflete a
essência da MTC: a interação entre o micro e o macro, entre o ser humano e a influência do meio no processo
de adoecimento. Dessa forma, as alterações fisiopatológicas que detectamos nos seres humanos refletem a
proporção e frequência dos saltos e câmbios de ondas energéticas entre o Yin e o Yang. A partir dessas
observações, os Cinco Movimentos podem ser considerados movimentos quânticos, pois representam a
natureza quântica e a força e a transformação da consciência (do Ch’i) por meio de saltos de energia, segundo
distintas probabilidades de manifestação das ondas energéticas.
Os Cinco Movimentos estão relacionados aos temperamentos do ser humano. Assim, o Fígado
(Madeira) representa a adaptação ao meio, o Coração (Fogo) é a espiritualidade, consciência, o Baço (Terra)
representa as regras, a racionalidade, o Pulmão (Metal) representa a intuição, contato, e os Rins (Água)
representam os sentidos, ação e reação.

Ciclos de Energia
No ciclo de Geração, ao acumular energia o órgão torna-se instável e, para readquirir a estabilidade,
terá que liberar o excesso de energia para algum lugar. O Coração, por exemplo, ao liberar a energia em
direção à Terra, (Baço), torna-se novamente estável, pois a Terra representa a sabedoria, as regras, a
racionalidade Com a estabilidade, o coração recomeça o ciclo, de modo a acumular energia novamente e a
liberá-la sob a forma de outros pacotes quânticos, atingindo novas localidades de modo concomitante, uma
vez que, além do ciclo de geração existem os outros três ciclos: de controle, de hiperdominância e de contra
dominância. No órgão em que houver maior expansão e acúmulo de energia, ocorre oscilação do equilíbrio
energético, rompe-se a instabilidade e, portanto, criam-se as possibilidades do fenômeno de liberação de
“pacotes de energia” sob a forma de saltos quânticos. Este é um exemplo prático de aplicação do conceito
de salto quântico à teoria dos Cinco Movimentos.
No Ciclo de Controle ou Dominância os órgãos emitem pacotes de ondas energéticas entre si, para
frear a expansão em excesso e atingir o equilíbrio entre os órgãos. Este ciclo é um ciclo fisiológico. O Pulmão,

26
Goswami, opus cit.
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por exemplo, libera pacotes de energia para atingir o Fígado, a fim de impedir que o excesso de Yang do
Fígado provoque sintomas de mal-estar, como os de má digestão, por exemplo, ou alterações na parte alta
do corpo, gerando cefaleia, vertigens ou tonturas. Os saltos de energia no Ciclo de Controle visam a conter a
expansão em excesso do órgão para onde houve a liberação do pacote de energia.
No ciclo de Hiperdominância, ao liberar maior carga de energia, a onda energética do órgão irá dar
um salto ainda maior. O Fígado (madeira) em sobrecarga, por exemplo, liberando sua energia Yang em
excesso em direção ao Coração e ao Baço, poderá provocar o aumento da pressão arterial e/ou alterações
digestivas, pela interferência nas funções do Coração, e de transporte e transformação do Baço. A Terra
(Baço), recebendo o excesso de energia proveniente do Fígado, sofre oscilações em seu equilíbrio, fenômeno
que cria novas possibilidades de saltos. Uma vez instável, a Terra gera alterações no processo de transporte
e transformação dos Líquidos Orgânicos, com desarmonias nos hormônios e peptídeos, representando um
processo denominado por alteração da Via das Águas, podendo comprometer a função energética do Rim e
dos demais órgãos.
Mantendo a analogia com o princípio de incerteza de Heisenberg, é possível pensar que a persistência
do movimento de hiperdominância pode fazer com que a Terra (BP) libere sua energia em excesso em direção
aos Rins (água) e que estes, ao receberem os pacotes de ondas do BP, sofram oscilações. O Rim absorvendo
o excesso de energia terá que liberá-la e, dessa forma, criam-se novas possibilidades de saltos no Ciclo de
Hiperdominância. Se estas possibilidades vierem a se persistir, podemos observar desarmonias no Coração
(fogo) provocadas pelo Rim, levando à síndrome dissociativa, ou seja, o quadro de Calor-Vazio da energia Yin,
com presença de Falso Yang. Do mesmo modo o Coração (Fogo), absorvendo a onda energética excessiva,
proveniente dos Rins, sofre oscilações e torna-se instável, liberando seu fluxo energético em direção ao
Pulmão (Metal), o que provoca um déficit dos fluídos Yin do Pulmão, com consequente alteração do Zhong
Qi, levando à alteração da difusão e da imunidade, uma vez que a energia de defesa, o Wei Qi, é decorrente
do Zhong Qi. O Pulmão, por sua vez, também sofrendo oscilações, apresenta-se instável, o que propicia o
surgimento de sintomas respiratórios, eczemas e alterações na imunidade, por déficit da energia de defesa,
do Wei Qi. Com a manutenção do Ciclo de hiperdominância, o Pulmão libera sua sobrecarga energética em
direção ao Fígado (Madeira), provocando a expansão do Yang do Fígado que, por sua vez, oscilante e instável,
promove a geração do Vento Interno.
Observação: todas essas últimas considerações referem-se às Síndromes da Medicina Chinesa, estão
detalhadas nas três referências básicas acima mencionadas.
No ciclo de contra dominância, o salto de energia inverte-se e se dá em direção contrária, isto é,
oposta ao do ciclo de controle. Digamos que o Baço (Terra) sofra da Síndrome de Umidade, em função de
dieta vegetariana, da ingestão de alimentos frios e crus, ou pelo fato da pessoa viver em ambiente frio e
úmido. A Terra recebe o excesso de Umidade e a absorve. Plena de Umidade, com estagnação na função de
ascendência (função de Transporte e Transformação), a Terra libera energia em direção oposta, no sentido
da Madeira (Fígado), promovendo a estagnação e a obstrução do fluxo do Qi do Fígado. Com a obstrução, vai
ocorrer a deficiência da expansão da madeira, gerando também um contrafluxo na direção do Pulmão,
processo que leva a alteração na Via das Águas (comprometimento da relação Rim-Pulmão).
Consequentemente pode-se observar alteração do Zhong Qi, deficiência do Wei Qi e queda da imunidade
geral do organismo.
A Madeira, ao receber a carga oposta de energia proveniente do Baço, a absorve, torna-se instável, e
deverá liberá-la. Se o pacote de ondas continuar seguindo em direção contrária, ou seja, no sentido do metal
(Pulmão), ocorre alteração na função de difusão do Pulmão. Reforça-se a alteração na Via das Águas, pela
obstrução do Zhong Qi, e a presença de síndromes respiratórias e a queda da imunidade podem ser
observadas.
Também o Pulmão poderá, por sua vez, liberar energia em sentido contrário, provocando oscilações
e instabilidades no Coração, gerando as síndromes cardiocirculatórias. Ao absorver o salto energético vindo
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do metal em sentido oposto, o Coração (fogo) altera a descida do Qi ao Triplo Aquecedor Inferior, pois acaba
liberando energia em sentido contrário, em direção aos Rins. Isso faz com que haja consumo da água pelo
fogo e, portanto, deficiência da energia Yin do Rim, que pode manifestar-se pela presença de osteoartrose,
osteoporose, infecção urinária, e outros problemas relacionados à função energética do Rim. O Rim, instável
pela absorção da energia oposta proveniente do Coração, libera o excesso de carga no sentido do Baço,
contra dominando-o e reforçando a Síndrome de Umidade, Turvacidade e, consequentemente, também
provocando alteração da Via das Águas.
Enfim, a teoria dos Cinco Movimentos ocupa um lugar central e de destaque na medicina tradicional
chinesa uma vez que todos os fenômenos fisiopatológicos são classificados e interpretados pela inter-relação
desses elementos encontrados na natureza e relacionados para representar a fisiologia ou fisiopatologia do
corpo humano.

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