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PROGRAMA DE EXTENSÃO SABERES SENSÍVEIS

Seminário de Extensão: História da Moda e da Arte I

Trajes regionais e a moda ocidental do século XIX

Prof. Dr. Mara Rúbia Sant’Anna

Resumo:

Discussão a partir da coleção de trajes italianos de Victor Meirelles e suas relações


com a moda ocidental do século XIX. Trata-se de uma revisão historiográfica sobre o próprio
campo da história da moda e suas relações de distância e apagamento de outras formas de
vestir que perduraram e se mantém vivas a despeito do sistema de moda no século XIX na
Europa e, inclusive, fazendo a crítica dos livros de uso didático mais recorrente no ensino da
história da moda no Brasil.

Palavras-chaves:

História da moda, trajes regionais, tendências de moda, século XIX, Europa.

Introdução

A história da moda antes da década de 1980 foi um tema de estudo de


poucos, com bibliografia inexistente em português. Contudo, hoje se constitui
num tema comum em muitos sites voltados para a Moda e nas livrarias, tendo
em vista os inúmeros cursos superiores de moda existentes. Em setembro de
2018 estão contabilizados 224 cursos superiores em Moda, entre bacharelado
e tecnólogo, com diferentes denominações com ou sem o termo design de
moda, na base E-Mec (MACEDO, 2018). Nestes cursos, certamente, os
estudantes têm uma ou mais disciplinas de história da moda e, logo, acessam
livros e textos definidos pelos professores responsáveis das disciplinas. Porém,
nos inquieta pensar se a historiografia elencada nas referências desses cursos
é criticada, ou seja, se os livros são submetidos, por sua vez, a uma análise
criteriosa dos autores, contextos e discursos ali apresentados.

Esse texto se propõe a fazer um arrazoado de questões que pontuam a


criticidade necessária aos livros de história da moda mais recorrentes nos
planos de ensino de história da moda (conforme pesquisa realizada entre 2012
a 2015) e contrapor a um conjunto de produções de estudo de trajes realizado
por Victor Meirelles, nos idos 1853 a 1856, na Itália.

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Para tanto o texto se estrutura em 5 partes: a primeira em que se aponta


o papel do ensino de história na formação de um profissional, especialmente
quando diretamente voltado para a criação e produção para o mercado; a
seguir apresenta-se os livros de história da moda mais recorrentes e se
contextualiza seus autores e produções; a partir destas obras, então, se
descreve como a tendência de moda para a segunda metade do século XIX foi
descrita tanto para o gênero masculino como para o feminino; encaminhando-
se para o final, apresenta-se de maneira quantitativa e geral as pranchas do
estudo de trajes italianos de Victor Meirelles, discutindo sua produção e, enfim,
se conclui apontando diferenças e semelhanças entre estes trajes e os
apresentados como sendo a norma do vestir masculino e feminino do século
XIX europeu. Esse texto ainda se encontra em processo de amadurecimento e
as discussões do seminário de extensão onde ele será apresentado e discutido
implicará, certamente, em revisões e melhores delimitações da abordagem.

Todo o esforço argumentativo tem como intuito deixar “a pulga atrás da


orelha” diante das supostas “verdades” contidas nos livros de história e, assim,
estimular uma criticidade sobre o vestir, que não é apenas do passado, mas
especialmente, do nosso presente e do ato cotidiano de vestir o corpo que
portamos.

1. História para quê?


De acordo com Cerri (2011) a historicidade é condição de existência
humana, nos constitui como espécie, variando apenas as formas de apreensão
desse fenômeno cotidiano e social. A partir do pensar historicamente, atrelando
os acontecimentos a uma linha de tempo, adquirimos consciência do passado
e da possibilidade de construção do futuro, formando à compreensão do que
de fato é a história: a sucessão do inesperado, criação constante, indo além de
determinação e continuidade.

Inseridos no contexto de sociedades ocidentais os sujeitos sociais,


marcadas pelo cristianismo, de herança clássica, se importam com o registro e
a narração dos eventos. Se analisa as coisas pela sua antiguidade ou
novidade, familiaridade ou estranheza, entre outros quesitos. O tempo dos
acontecimentos determina o grau de importância e intimidade que se tem com

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os fatos. O novo ou velho é nomeado de acordo com sua idade, e isso


determina o que classificamos como novidade ou antiguidade.

Assim, passado e futuro são sujeitos ativos do presente de nossas


sociedades. Os fatos históricos são relativos, dependem do ponto de vista do
sujeito, e ao mesmo tempo, servem para firmar uma unidade, utilizando mitos
fundadores das instituições que patrocinam a constituição de uma memória
nacional ou coletiva.

A história, entendida como não cumprimento do divino (como na Idade


Média se defendeu), mas como obra do humano, ainda escapa do controle dos
homens, tanto no coletivo quanto no individual. E de maneira nada lisa, ao
contrário, cheio de dobras, o tempo histórico é constituído de decisões
pessoais e particulares, mediadas por forças sociais, culturais e econômicas
que fogem da ação individual e que dão, aos historiadores do futuro, sempre a
chance de resumir o vivido múltiplo, complexo e inenarrável em muitas
“histórias”, onde a coerência e o começo, meio e fim são garantidos pela lógica
da boa narrativa, porém nunca pelo alcance de um tal “verdade”.

Por outro lado, deve-se considerar que a consciência história é um


fenômeno inerente à existência humana. É uma forma de conhecer a existência
tomando consciência. A consciência histórica nos explica fenômenos gerais,
intencionais, sociais, etc. e também explica os fenômenos não intencionais,
nem subjetivos, que são naturais e sofridos, como a morte. Nesse contexto, o
pensar historicamente é não aceitar informações sem considerar o contexto de
sua produção no tempo.

O objetivo da educação histórica não é formar a consciência histórica,


presumindo que ela já existe no aluno, pois essa há desde o momento em que
o sujeito compreende a noção do “ontem”, do “antes”, do “depois” e do
“amanhã”. O objetivo da educação histórica é mediar às contribuições da
ciência histórica e, assim, adequar a consciência histórica implícita para uma
explícita conforme os sujeitos e comunidades em que se encaixam no
presente. A explicitação do tempo histórico e sua diferentes forças e
ambiguidades de produção possibilita a constituição do pensamento crítico
histórico, em que o contexto onde algo foi criado é ponderado e, por isso,

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torna-se possível que passado e presente se vinculem nas criações, de


quaisquer tipos, junto aos estudantes durante e após a vida acadêmica.

Cerri (2011) defende que passado e suas projeções do futuro são a


matéria prima para criação. Sempre nos socorremos no passado, mesmo no
momento de criar algo novo. E por “criar”, entende-se processo pelo qual os
seres humanos concebem, formam, geram, desenvolvem e materializam
ideias, transformam coisas. De acordo com Torrance (1975, apud BAHIA,
2008, p. 22) criatividade é uma capacidade da condição humana, onde um
problema é detectado e a geração de novas ideias é realizada. Segundo
Stenberg (1988, apud BAHIA, 2008, p. 22) criatividade é poder raciocinar de
forma original, independente ou eficaz. E ainda, de acordo com Guilford (1950,
apud BAHIA, 2008, p. 22) é capacidade de raciocinar com um problema ou
criar algo novo.

De modo geral, criatividade é a capacidade de trazer uma inovação,


para um problema novo ou antigo, implicando raciocínio independente, original
e eficaz a partir da mais pura percepção. É, de acordo com Bahia (2008, p. 53)
“multifacetada e abarca múltiplas dimensões humanas, sendo por isso, difícil
de definir”, pois é resultado da união da pessoa com seu eu biológico e suas
experiências, com o domínio de determinada área de conhecimento e campo
específico que atua.

Por isso uma educação criativa vai além da reprodução de


conhecimento, onde o aluno decora e reporta o conhecimento passado em
sala. Ela precisa de encorajamento do professor, para que o estudante aprenda
a questionar, expor, problematizar e utilizar os conhecimentos apreendidos,
incentivando um pensamento crítico e criativo, original.

Entrelaçar fatores, pensar além da narração do acontecimento histórico,


questionar os seus bastidores, isto é, pensar sobre os percursos
historiográficos de produção das narrativas do passado, requer pensamento
crítico e ativo, por parte do ouvinte e de quem está mediando o conhecimento
já constituído. A história da moda tem, como outros temas abordados
historicamente, uma complexidade grande e por isso é importante que a

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discussão sobre seus conteúdos não seja limitada à informação de criadores


de moda e descrições das tendências difundidas no passado.

Mediar as contribuições da ciência histórica e as várias adequações da


consciência histórica conforme os estudantes e comunidades em que se
encaixam, possibilitando o pensamento crítico histórico, considerando a
contextualização da produção tecnológica, cultural e discursiva, bem como as
tensas relações sociais e de poder estabelecidas na produção do sistema de
moda, é o papel do professor de história. Só assim seu trabalho garantirá que
passado e presente se vinculem nas criações produzidas pelo futuro designer
de moda e no posicionamento deste diante dos desafios sociais.

Como diz Luciana Dulci: “Para o ensino de História acontecer de forma


satisfatória, é necessário estimular o exercício de pensar crítico, envolvendo o
pensamento criativo, desafiador e jamais apresentado pronto” (DULCI, 2016).

2. O que se lê em história da moda


Barthes, em seu texto de 1959 “Linguagem e vestuário”1 alertou que o trabalho de
sintetização de muitos autores sobre as formas e meios das sociedades se vestirem têm
uma historicidade precisa e que deve ser analisada antes de acatar os produtos destes
trabalhos como verdade.

Nas palavras de Barthes:

A história dos trajes só começou realmente com o romantismo, e entre os


teatrólogos; como os atores quisessem representar seus papéis em trajes de
época, pintores e desenhistas iniciaram uma pesquisa sistemática sobre a
verdade histórica das aparências (vestuário, decoração, mobília e acessório),
em suma, daquilo que se chamava justamente costume. Portanto, o que se
começou a reconstituir foram essencialmente personagens, e a realidade
buscada era de ordem puramente teatral; reconstituíam-se francamente mitos
(reis, rainhas, senhores feudais); a primeira consequência dessa atitude foi que
o vestuário era apreendido senão num estado antológico: era o atributo de uma
raça precisa, selecionada em vista do drama romântico; era como se o povo
nunca tivesse se vestido; a segunda consequência – talvez mais importante do
ponto de vista do método – é que o pintor colocava toda a sua atenção sobre o
pitoresco e não sobre o ordinário, sobre os acessórios e não sobre a
sistemática. Talvez, paradoxalmente, as facilidades do desenho tenham
prejudicado muito a história dos trajes: a representação gráfica, espontânea,
afastava todo esforço especulativo, pois se atualizava imediatamente uma
generalidade mal estabelecida. É por isso, a meu ver, que as ilustrações mais

1
Edição em português em BARTHES, R. Inéditos, vol.3 – Imagem e moda. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. pp 282 – 299.

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corretas metodologicamente são os desenhos claramente esquematizados,


aqueles que pretendem entrever um estado ordinário, quase abstrato, do
sistema vestimentar de uma época, como por exemplo o de N. Truman em
)2
Historic Costuming (BARTHES, 2001, p. 40 e 50 .

Barthes apontou nessa análise que o romantismo como momento


histórico especial do Ocidente para que as histórias dos trajes se
multiplicassem e, bem contextualizadas, essas histórias serviram a um fim
cênico que explicaria suas preocupações com os detalhes, o exagero e a
estereotipagem de uma personagem e de uma época. Um bom exemplo seria
o trabalho de Albert Racinet (1995)3, que atuou na Comédie Française durante
o século XIX.

Ainda Barthes considere que, a partir de 1850, as pesquisas


arqueológicas substituíram os trabalhos de cunho romântico e cada traje
buscou ser descrito detalhadamente, enquadrando-os numa cronologia que
seguia os reinados dos povos europeus. O trabalho de James Laver e Carl
Köhler tem este perfil. Tal como no período anterior as pesquisas careciam de
rigor metodológico e se reduziam à descrição, a mais pormenorizada possível,
dos trajes encontrados em pinturas, desenhos e relatos. Nesta postura que
podemos chamar de historicista, nas palavras de Barthes, “a peça não passa
de acontecimento; o problema é datá-lo (...) recensearam-se fatos, não valores”
(BARTHES, 2001, p. 51).

Para o fim do século XIX, uma postura de maior sistematização, buscou


relacionar o vestuário com a sociedade que o produziu, criando um argumento
que se ouve frequentemente, qual seja, “a moda reflete a sociedade na qual foi
produzida”. Para esta postura teórica, Barthes indica a tentativa de “postular
uma transcendência dos trajes” (p. 52), como se houvesse uma impregnação
do tempo nas coisas e elas se assemelhassem por uma simples coincidência
2
O trecho foi traduzido da edição francesa. BARTHES, R. Le bleu est à la mode cette année.
3
Albert Racinet um grande ilustrador do seu tempo, nasceu em Paris em 20 de julho de 1825 e
faleceu em Montfort-l’Amaury em 29 de outubro de 1893. Este desenhista produziu entre 1875
e 1888, quinhentas pranchas, 300 coloridas, algumas em ouro e prata, e duzentas em preto e
branco, mas com a técnica francesa chamada “camaïeu”. No frontispício da obra vinha descrito
que esta trazia os “tipos principais do vestir e do traje, contemplando aqueles do interior das
moradias de todos os tempos e de todos os povos, com numerosos detalhes sobre o
imobiliário, as armas, os objetos cotidianos, os meios de transporte etc”.
Ver em: http://catalogue.bnf.fr/servlet/autorite;jsessionid=0000QrF7iHLLxBo4nxEcV1nr7ja:-
1?ID=12311305&idNoeud=1.1&host=catalogue.er

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temporal. Gilda de Mello e Souza em seu livro “O Espírito das Roupas” defende
esta teoria, descuidando da questão que a forma em si não produz o
significado, mas o uso, ou seja, a função a qual essa forma se aplica, se ocupa
de dar sentido e nexo àquele significante. Ou como James Laver faz, afirmando
categoricamente no início de seu capítulo 9 “De 1900 a1939”: “A moda, como
sempre, era um reflexo da época” (LAVER, 1998, p.213).

Logo, se contextualizamos a produção historiográfica sobre uma história


do vestir e dos sistemas de produção deste vestuário emulados pelo “novo”
não tomaremos as interpretações e considerações de uma forma de narrativa
sobre o passado como sendo o próprio passado. O engano ou simplificação
historiográfica se dá a posteriori, quando pessoas imbuídas da vontade de
ensinar ou aprender sobre a história dos trajes toma estes desenhos e
descrições como fiéis às roupas e trajes de um tempo passado. E aos
profissionais e historiadores da moda da atualidade convém o mesmo engano,
o mesmo descuido e as reproduções das mesmas amenidades? E mais, cabe-
nos discutir a história da moda estudando prioritariamente a história dos trajes,
são estas histórias as mesmas? Somos capazes de distinguir com clareza em
nossas aulas que a história dos trajes não é a mesma que a da Moda?

Por isso, nos propósitos deste artigo, selecionamos os três livros mais
presentes nas referências bibliográficas dos planos de ensino de história da
moda cotejados em pesquisa realizada entre 2012 a 2015 no Laboratório de
Moda, Artes, Ensino e Sociedade4.

A pesquisa citada permitiu que cada item do plano de ensino das


disciplinas de história da moda fosse analisado. O último item do plano de
ensino é, geralmente, a bibliografia adotada pelo professor, levado em conta a
bibliografia central e a complementar. Neste item são indicados os livros,
filmes, materiais audiovisuais e outras publicações que serão utilizadas durante
a disciplina. Segundo Thais Fonseca em sua obra “História e Ensino de
4
Projeto de pesquisa: Ensino de História da Moda em Santa Catarina e Rio Grande do Sul:
análise quantitativa e crítica do material bibliográfico utilizado, dos objetivos propostos e dos
recursos audiovisuais explorados. Teve como objetivo discutir o papel no ensino de história no
curso de Design de Moda e sua importância na formação do profissional neste campo do
conhecimento. Foram contatadas 31 instituições, públicas e privadas, incluindo os cursos de
bacharelado e de instituições tecnológicas dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina durante os anos de 2011 e 2012. Os dados são relativos a esse período.

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História” (2006), na qual discorre da origem e das condições do ensino escolar


de História no Brasil, é crucial ampliar o leque de fontes a serem utilizadas em
sala de aula, como propagandas, revistas, jornais etc. a fim de desenvolver
estudos mais complexos que extrapolem os muros das instituições e formulem
o saber histórico, de forma mais ampla e problemática. Logo, considerar o que
se encontra mais recorrentemente ali citado diz das prioridades que os
professores e cursos tem escolhido abordar nas aulas. A bibliografia central é
aquela de leitura obrigatória e será usada durante todo semestre da disciplina.
Já a bibliografia complementar servirá de apoio para o aluno durante o
semestre e pode se alterar conforme interesse do professor.

Dentre os livros mais presentes nos planos de ensino pesquisados


encontram-se livros de carácter mais descritivo, tanto de autores nacionais
como internacionais, e livros de discussão teórica. Os 10 títulos mais repetidos
são: Império do efêmero (Gilles Lipovetsky, 1987), A roupa e a moda (James
Laver, 1989), História do vestuário (Carl Köhler, 1993), História da moda: uma
narrativa (João Braga, 2004), História da arte (E.H. Gombrich, 1993), Moda do
século (François Baudot, 2000), Arte comentada (Carol Strickland, 2003), Uma
introdução à história do design (Rafael Cardoso, 2004), História da vida privada
(Philippe Ariès, 1990), O design brasileiro antes do design (Rafael Cardoso,
2005).

Tendo em vista que o livro, apresentando na ponta da lista dos 10 mais


recorrentes, é um trabalho de teoria da moda “O Império do Efêmero” (1989) e
não se encontra ilustrado e nem firmado na descrição de trajes utilizados,
porque realiza uma ampla discussão de caráter filosófico e sociológico da
moda ao longo da história do individualismo no Ocidente, esse primeiro título
foi descartado da análise que se segue. Como o propósito do artigo é fazer um
arrazoado de questões que pontuam a criticidade necessária aos livros de
história da moda mais recorrentes nos planos de ensino de história da moda e
contrapor a um conjunto de produções de estudo de trajes realizado por Victor
Meirelles, adentrar pelas discussões de Lipovetsky seria se perder na curva.

Portanto, veremos a seguir “A roupa e a Moda” e a “História do


vestuário”, respectivamente de James Laver e Carl Köhler.

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James Laver nasceu no final do século XIX, na cidade de Liverpool em


1899. Educado no Liverpool Institute e no New College Oxford, foi um homem
típico do século XIX e da sociedade inglesa que o cercava. Publicou seu
primeiro livro5 aos 23 anos de idade, demonstrando seu brilhantismo e a cultura
erudita que o envolveu em sua educação de filho da elite inglesa. Nesta
mesma fase da sua juventude, tornou-se curador do Departamento de Gravura,
Desenho e Pintura do Victoria and Albert Museum, permanecendo aí até 1959.
Veio a falecer em 1975, tendo mais de 7 livros publicados, entre outros
trabalhos. O seu cargo museu londrino facilitou enormemente suas
possibilidades de pesquisa iconográfica e são exemplares deste acervo que
podemos observar fartamente no seu livro traduzido para o português em 1989
pela Companhia das Letras: “A roupa e a moda – uma história concisa”,
publicado originalmente em 1969.

Nas referências bibliográficas encontram-se os próprios livros do autor, o


de Boucher e do casal Cunnington, além de muitos outros contemporâneos do
período.

Esse trabalho de Laver, inicialmente foi intitulado “Uma história concisa


do costume”, continha nove capítulos e se retinha no período entre as grandes
guerras do século XX. Em 1982, o editor inglês Thames and Hudson acresceu
o décimo capítulo “A Era do Individualismo” de autoria de Christina Probert, que
completava as décadas posteriores e as reviravoltas sofridas no mundo da
moda nos anos 1960. Sem haver uma introdução propriamente dita, os três
primeiros parágrafos do capítulo de abertura do livro fazem esse papel. Fica
demonstrada naquelas linhas a visão de Laver do processo histórico que
envolve o vestuário. Em busca de uma regularidade, indica uma bipolaridade
como elemento de unidade dos séculos ocorridos na produção de vestimentas.
Em seus termos: “A roupa, na maior parte da sua história, seguiu duas linhas
distintas de desenvolvimento, resultando em dois tipos contrastantes de
vestimenta” (LAVER, 1989, p.7). Cogitando a oposição entre traje feminino e
masculino ou entre ajustadas e drapeadas, o autor conclui que “a distinção
mais útil seja a estabelecida pelos antropólogos, entre traje ‘tropical’ e ‘ártico”

5
His Last Sebastian (1922). In: http://encyclopedia.jrank.org /Cambridge/entries/059/James-
Laver.html. Acesso em 25/02/2018.

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(Idem). A partir disso, o autor buscou localizar fatores sociais, culturais e


econômicos, principalmente, que justificassem a produção das vestimentas e
os hábitos atrelados ao seu uso. Essa busca é eminentemente europeia, pois
apenas dois capítulos visam uma história universal constituída pelos povos da
Antiguidade, como persas, egípcios, gregos e romanos. Os demais capítulos
são focados na “moda” produzida na Europa Central. Metodologicamente, há
uma preocupação em oferecer aos seus leitores informações que
contextualizam as possibilidades de acesso ao passado, indicando como a
informação sobre os trajes foram preservadas e quais os meios mais razoáveis
para elas serem coletadas. Por exemplo, “Saberíamos muito menos sobre as
roupas da época merovíngia na França (481 – 752) se não fosse o fato de os
invasores francos, (...), terem o hábito de enterrar seus mortos. (...)
Escavações em Lorena e Le Mans revelaram espécimes de roupas de linho
fino (...)” (LAVER, 1989, p. 51). Constata-se dessa maneira que as fontes
utilizadas são os objetos e pesquisas produzidas pelo campo museológico ao
qual ele se filiava.

Coerente aos pressupostos historiográficos de sua época há um


constante anacronismo, supondo valores e concepções do século XX como
aplicáveis para outras épocas, tal como é visível nesse trecho “As mulheres
não usavam peruca, mas aspiravam à mesma imponência em seu penteado
através da invenção da fontange” (LAVER, 1989, p. 122). Dentro do espírito
crítico que se impõe na atualidade ao fazer histórico, poder-se-ia perguntar,
como o autor deduziu que as mulheres tinham essa pretensão de imponência?
Teria sido ele inspirado a essa conclusão pelas lutas feministas de seu tempo,
dos anos 1960? Ainda mais curioso para o olhar crítico de hoje, é a recorrente
força atribuída ao tempo como autor histórico e a autonomia conferida à moda.
Inúmeras são as argumentações que começam assim “Então, em 1925, para
escândalo de muitos, veio a verdadeira revolução das saias curtas” (p. 230) ou
colocando a moda como sujeito das transformações históricas vividas nos
hábitos vestimentares: “A função da moda é mudar, e, no final da década de
20, era claro que um novo estilo estava para ser criado” (p. 235). Além de
propor uma característica do sistema de moda como função, a da mudança,
Laver ao usar o termo “claro” em sua argumentação, constituiu como natural e

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invariável a composição de novos estilos de tempos em tempos pela moda,


retirando dos sujeitos sociais, os consumidores desses produtos, a
possibilidade de diálogo com o sistema de moda, pois este, como uma
máquina independente da sociedade que a cerca, produziria estilos e
inovações num ritmo cadenciado e perpétuo alheio às classes, os gêneros e
outros fatores que se relacionam, como o próprio mercado de moda. Crítica
semelhante Braudel recebeu em relação a sua principal obra, ao construir uma
história do Mediterrâneo independente dos sujeitos sociais que o ocuparam
durante séculos. Parafraseando J.H. Elliott que disse “O Mediterrâneo de
Braudel é um mundo insensível ao controle humano” (Apud BURKE, 1991, p.
53), pode-se dizer que a moda de Laver é um universo insensível ao controle
humano.

Carl Köhler viveu no século XIX, em um período de fortes


transformações na Europa, exatamente entre 1825 e 1876. Nasceu em
Darmstadt e faleceu em Almoshof, perto de Nuremberg, atual Alemanha. Foi
ilustrador e produziu vasta obra sobre o vestuário: Die Trachten der Völker in
Bild und Schnitt, eine historische und technische Darstellung der menschlichen
Bekleidungsweise von den ältesten Zeiten bis in 's XIX Jahrhundert und
zugleich ein Supplement zu allen vorhandenen Kostümwerken..., isto é, “As
fantasias dos povos em retrato e seção, uma representação histórica e técnica
do estilo de roupa humana desde os tempos mais antigos até o século XIX,
com um complemento a todas as obras de figurino existentes”, publicado em
1871. Essa publicação foi realizada em Dresden por Müller, Klemm e Schmidt.
Continha três partes, distribuídas num volume e impressa em In-8º.

Posteriormente, se encontra, possivelmente o mesmo material, sob o


título Praktische Kostümkunde in 600 Bildern und Schnitten, isto é, “Práticas do
uso do traje em 600 fotos e modelagens”. Este só veio a lume em 1926, em
Munique, publicado por F. Bruckmann, em dois volumes, já sob a edição de
Emma von Sichart a partir dos escritos e desenhos de Carl Köhler. O 1º volume
tem como subtítulo: “da antiguidade até meados do século XVI”, com 267
páginas e quatro folhas especiais com imagens coloridas e em preto e branco.
O 2º volume: “De meados do século 16 ao ano de 1870”, possui 545 páginas e
mais 15 folhas especiais com pranchas em preto e branco e colorido.

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Foi esta publicação em dois volumes que o editor inglês G. G. Harrap


and Co, em 1928, fez traduzir para língua britânica e imprimir num único
volume. A tradução coube a Alexander K. Dallas e o nome de Emma von
Sichart aparece como coautora. Essa edição possui 16 pranchas em cores e
cerca de 600 ilustrações simples. Neste volume o livro contém 464 páginas.

A mesma edição, em 1963, foi publicada em Nova Iorque pela Dover e


foi a partir deste trabalho que os direitos de tradução para o português foram
adquiridos e o livro chegou para os leitores brasileiros. Em 1993, a primeira
edição foi traduzida por Jefferson Luís Camargo e publicada pela Martins
Fontes, com 564 páginas. Muitas edições se sucederam e, atualmente,
encontra-se na 3ª edição, datada de 2009.

Emma von Sichart no prefácio que desenvolveu confessa que “omiti


alguns trechos e reduzi outros” (p. 6), especialmente os trechos referentes à
história dos povos e países que compunham o volume 1 da obra original.
Segundo ela, porque Max von Boehn já o haveria feito com muito mais sucesso
do que Köhler. Dessa forma, ela se aplicou “ao lado técnico do tema”, o qual
teria sido “negligenciado por todos os livros sobre indumentária” (p. 6).
Segundo Adilson Almeida (1995), Emma remete brevemente “os estudos sobre
indumentária ao problema do ‘espírito do tempo" (p. 291), e que no caso se
resolveria com a descrição minuciosas dos trajes com todo o detalhamento das
técnicas de confecção das roupas e que teriam sido “estes aspectos práticos
do trabalho que despertaram o interesse em publicá-lo” (p. 291).
Especialmente, o trabalho realizado por Emma von Sichart foi de atualizar a
escrita e dar um cunho mais pragmático ao estudo de Köhler. Por isso, o livro
foi enriquecido com fotos de pessoas portando alguns trajes e com registros
que permitem a reprodução a partir de moldes reduzidos e demais informações
necessárias à confecção.

Como ainda Emma explica, os trajes apresentados e o fornecimento de


instruções sobre a confecção dos mesmos tem o objetivo principal de auxiliar
curadores, figurinistas e cenógrafos do que a historiadores da moda. Ela se
preocupa em explicar as medidas produzidas e a informar as escalas adotadas
e diz textualmente: “caso os moldes sejam utilizados, as medidas, obviamente,

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deverão ser ajustadas ao corpo de quem vai usar” (p. 6). Logo, é um ótimo livro
para que nas aulas de modelagens e ateliês se possa investigar técnicas
antigas, mas não necessariamente a moda em seu aspecto histórico. Ler a
contrapelo o material bibliográfico daria muitas questões para se pensar sobre
os acervos museológicos de trajes, como o do Teatro Nacional de Munique, o
do Museu Nacional da Baviera e ainda do Germanisches Museum de
Nuremberg, do Provinzial Museum de Hanover e dos museus de Berna e
Zurique.

FIG. 1: JAMES LAVER E SUA OBRA

FONTE: 1 GOOGLE.COM. EDIÇÃO DA AUTORA

FIG. 2: LIVROS KÖHLER E SICHART

FONTE: 2 GOOGLE.COM EDIÇÃO DA AUTORA

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3. O que seriam as tendências de moda feminina e


masculina segundo Laver e Köhler/Von Sichart entre 1850
a 1859
De maneira geral, é considerado que a partir de 1830, na Europa central,
surgiu o “paletot”, cuja primeira característica é de não marcar a cintura e
alterar o modelo do casaco sobretudo. O paletó foi inspirado nas pesadas
vestes dos pescadores do norte francês, cuja característica principal e de não
possuir a costura horizontal acima dos quadris que a cintura a veste e nem ter
pences embaixo do braço, nas mangas ou recortes e partes duplas no peito,
menos ainda abas ou faldas abaixo da cintura. Como um grande saco de tecido
pesado, em corte reto, o paletó se estabeleceu como um casaco simples e
apropriado para um inverno rigoroso. Essa peça versátil em seu uso e fácil em
sua produção tornou-se a roupa fundamental do guarda-roupa burguês que,
com o crescimento urbano, exigiu dos empregados dos escritórios e do
comércio uma aparência adequada aos gostos da época e também aos seus
bolsos não muito afortunados. Com variações ditadas pelos gostos cambiantes
dos tecidos em alta, o paletó se tornou o carro chefe dos ateliês dos mestres
alfaiates, segundo Chenoune (1993).

A simplificação da confecção da peça central do traje masculino fez com


que fosse possível a reprodução da mesma por profissionais menos hábeis que
os mestres alfaiates. Com a difusão da máquina de costura e a ampliação do
comércio por meio dos grandes magazines e o sistema ferroviário mais
eficiente, a roupa masculina foi o primeiro segmento a ser amplamente
atendido por uma indústria da confecção, permitindo assim que diferentes
grupos sociais tivessem fácil acesso aos produtos de moda. Ou seja, na
medida em que a produção de peças do guarda-roupa masculino foi facilitada e
barateada pela difusão da indústria da confecção, o traje regional e as roupas
definidas por cores e formas conforme as corporações de ofícios foram
descartadas em favor de um vestir mais econômico e prático. Em total
contraponto, a maioria dos livros de história da moda reforçam a narrativa do
vestir masculino do século XIX a partir da existência de Brummel e seu estilo
dândi.

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O dandismo, estilo predominante segundo os manuais de história da


moda, se caracteriza por um cuidado detalhado da aparência, composto com
sobriedade e eliminando os excessos de ornamentos, cores e volumes próprios
dos trajes de origem aristocrática. Foi um estilo difundido pela influência de
George Brummell, de Conde d’Orsay e do Príncipe Albert. Além de homens
públicos, eles desenvolveram maneiras próprias de se vestir que,
supostamente, influenciou os homens de diferentes grupos sociais e
sociedades.

Boucher 6 (1965) indica que a casaca foi simplificada, sendo que o


casaco a cinturado e com falda/abas, usado com cartola ficou reservado para
os jantares mais requintados. Também ressalta que a moda inglesa foi
influenciada a partir de 1850 pelo “paletot” francês, contudo, sendo um traje
mais informal e utilizado apenas em casa. No final da década o terno: casaco,
colete e calça feitos do mesmo material, apareceu, todavia, este conjunto
permaneceu, até os últimos anos do século XIX, um traje informal, usado
apenas pela manhã, no campo ou para viajar. Igualmente François Boucher
informa sobre os costumes vestimentares de exceção, praticados pelos
intelectuais excêntricos ou os convidados requintados dos bailes das Tuileries
que reviviam estilos mais aristocráticos em pleno século XIX. Enquanto o
dandismo grassava pelos clubes e círculos fechados após 1850, mudanças nas
cores e formas se fizeram sutilmente, como a opção pelo preto nos casacos
invés do colorido, usado com calças ajustadas às pernas. O uso de lenços
amarrados ao pescoço não ultrapassou 1855 e as calças largas foram
descartadas em 1860, especialmente por não combinar com o uso de casacos
nas cidades. Também os coletes em cores ou branco foi substituído por coletes
pretos, acompanhado de camisas engomadas e gravatas borboletas invés de
lenços, os plastrons, cujo uso se tornou muito raro. Ainda, lembra Boucher que
a bota sob medida foi substituída com facilidade pelas fabricadas de forma
industrial, especialmente em Blois (FR), a partir de 1850.

6
François Leon Louis Boucher nasceu em Paris em 1885 e faleceu em 1966, na cidade próxima da capital
francesa Neuilly-sur-Seine. Entre suas profissões é citado como arquivista e paleógrafo e historiador da
arte e diretor de jornal. Entre todos os seus trabalhos destaca-se o de conservador e curador do Museu
Carnavalet, de Paris e diretor do Centro de Documentação do Costume.

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Tais descrições divergem em muitos pontos com o que Carl Köhler


descreve e detalha, expondo padronagem de corte das peças e fotografias de
época. Da mesma maneira, James Laver não dá qualquer importância para o
paletó, e enfatiza a presença das casacas com sua variedade nos trajes
masculinos.

O capitulo 8 “De 1850 a 1900” do livro A roupa e a Moda traz as


informações produzidas por James Laver para o período analisado. Seguindo
uma linha cronológica linear, Laver descreveu, como Köhler, os usos dos trajes
e acessórios por homens e mulheres, incluindo considerações sobre o contexto
histórico político, social e econômico, além de breves citações de textos
literários ou algumas anedotas.

Fartamente ilustrado com imagens da época provindas de revistas e


telas, o texto mescla informações sobre os trajes feminino, masculino e,
algumas vezes, infantil. Para a década de 1850 pode-se observar oito
ilustrações, sendo que apenas em duas aparecem figuras masculinas, todas as
demais são femininas, o que também é uma marca “inglesa” do livro, que se
ocupa mais dos trajes femininos.

Inicia sua narração destacando o “avanço” que foi o surgimento da


crinolina que aliviou consideravelmente o peso das saias e, segundo Laver “a
crinolina deve ter parecido um instrumento de liberação para as mulheres” (p.
178). Desdobra do uso da crinolina a explicação do uso de “pantalonas”, calças
ornadas com rendas usadas por baixo das saias e cujas rendas levemente
apareciam com o caminhar ou sentar-se. Dentro de um tom leve e cronista,
James Laver salpica sua narração com considerações do tipo “um dos
princípios da moda parecer ser o de que, uma vez aceito um exagero, ele se
torna cada vez maior” (p. 179). Nesse mesmo estilo, explica a proposta da
senhora Bloomer que, em 1851, esteve na Inglaterra para apresentar seu “traje
sensato”, uma composição simples de traje feito de um corpete simples em
forma de casaco, acompanhado de saia ampla, que ia até abaixo dos joelhos, e
de calça bombacha. A partir do caso Bloomer, o autor contextualiza o fracasso
do “traje sensato” e desenvolve uma explicação, entre sociológica e
psicológica, sobre o traje feminino que, mesmo parecendo afastar os homens e

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indicar o valor da procriação na sociedade burguesa, efetivamente, segundo


ele, tratava-se de um elemento de sedução que deixava antever tornozelos e
transformou o caminhar feminino num apelo à curiosidade masculina. Acresce
na sua análise a discussão das relações de hipocrisia e moralidade francesa
sob o Segundo Império e o papel de difusora de moda que a Imperatriz
Eugenia alcançou, relacionando mesmo a extravagancia da crinolina a sua
projeção social.

Em meio às explicações de questões de ordem mais cultural, Laver


descreve alterações ocorridas nos trajes femininos, nos termos utilizados, nos
tipos de chapéus e sapatos e não se detém, pormenorizadamente, nas
alterações de uma década a outra. Logo, não se consegue identificar o que era
usado em 1850 especificadamente.

Igualmente o traje masculino é descrito a partir de 1870 de maneira


rápida e salta de um aspecto a outro sem que se possa identificar as mudanças
ocorridas.

Diferente de James Laver, o alemão Carl Köhler se dedicou a descrever


em minucias as alterações dos trajes de uma década a outra.

O último capítulo do História do Vestuário se intitula: “O período 1820 –


1870” e está dividido em 2 partes: “ a indumentária masculina”, indo da página
499 até a 519; e “a indumentária feminina”, que se estende até o final do livro,
página 562.

Sobre a década de 1850, antecedendo a imagem que ilustra um traje


dessa época, Köhler diz que a “parte de cima da casaca e do casaco
aumentaram de cumprimento”, deixando as costas mais largas e as mangas
mais folgadas. A gola, por sua vez, tornou-se também mais larga e chegava até
o pescoço, sendo as lapelas curtas e as abas pontudas. Segundo o autor
alemão, “alguns anos mais tarde, a cintura da casaca ficou mais larga, e o traje
todo agora assemelhava-se muito ao casaco, pois adotara várias das
modificações que o haviam afetado” (p. 505).

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Em relação às calças Köhler não descreve minuciosamente como fez


com outras peças e apenas diz que “por volta de 1850, todas as concepções
até então predominantes acerca do que era adequado e elegante foram
totalmente rejeitadas” (p. 507) e, conclui, afirmando que “as tiras que passavam
sob as botas foram abandonadas” (p. 508). Sobre os coletes considera que ‘os
coletes ornamentais deixaram de ser usados” porque passaram a ser feitos do
mesmo tecido das calças e casacos, compondo, em minha interpretação, o que
se chama de “terno”.

Ainda para a década de 1850, Köhler destaca a alteração da capa e sua


gradativa transformação no que se conhece como “sobretudo”. Também, no
quesito adornos de cabeça, descreveu as transformações dos gorros até
considerar que “para uso cotidiano, o chapéu alto teve que ceder lugar ao
pequeno, confortável e leve chapéu de feltro, que entrou em moda por volta de
1848” (p. 519).

Sobre o traje feminino é dito que houve uma linha de transformação a


partir de 1840, onde “mangas longas e justas, saias amplas e acolchoadas que
escondiam totalmente os pés, e corpetes pouco decotados e acolchoados em
várias partes” (p. 526), o que, segundo Köhler “constituía um estilo muito
prático de indumentária” (idem). Contudo, o anunciado estilo prático foi descrito
como cercado de inúmeros babados, fitas e adereços. Usava-se também o
espartilho, às vezes denominado de corpete, descrito como “uma peça
fundamental do traje das mulheres europeias” por mais de cem anos. Indica,
ainda que a partir de 1857, as inúmeras anáguas foram substituídas por
anquinhas, nessa época denominadas de crinolina.

Sobre as mangas é informado que, na década de 1850, “as mulheres


ainda usavam, com os corpetes de decote alto, mangas em forma de sino nos
punhos e profusamente bordadas” (p. 533). As golas eram largas e foram se
estreitando ao longo da década. Blusas de cambraia e rendas chamadas de
canezous, contendo uma fivela, surgiram em 1840 e foram usadas até 1870.
Por cima dessas blusas, era usado um corpete pequeno enrijecido com
barbatanas e pences que modelavam a cintura.

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No quesito adereços de pescoço e mangas, Köhler descreveu o


aparecimento e substituição de lenços, golas e volumes que abriram e
fecharam o colo, dando destaque ao fichu e epaulettes: tipos de lenço e tiras
que se disponha sobre o peito e costas dando acabamento aos decotes.
Todavia, mais adiante no texto, Köhler diz textualmente que: “por volta de
1850, os vestidos ficaram menos decotados e os adereços para o pescoço
tornaram-se desnecessários” (p. 546). Além dos vestidos, com suas camisas,
corpetes, anáguas e lenços, as capas também acompanharam os trajes do
século XIX. Para o momento estudado, Köhler informa que as capas como
pelerines ficaram mais curtas e usadas também no outono e primavera porque
“não eram mais tão espessamente acolchoadas e passaram a ser
confeccionadas com tecidos leves – sobretudo seda” (p. 548). Outra novidade
em torno de 1850 foi o acinturamento das capas e mesmo o acréscimo de
cavas e mangas.

É também tratado sobre chapéus e tocas. Antes de 1850 os chapéus


eram feitos de tecido ou palha e, a partir dali, de feltro adornados com uma
pena em pé. Eram redondos, de copa baixa e aba bastante larga, porém sem
que o chapéu justo deixasse de ser usado pelas mulheres mais velhas, diz
Köhler (p. 557). Tipos de penteado e calçados finalizam o livro e as narrações
sobre o vestir feminino. Nada é especificado para a década de 1850, apenas
que nos penteados predominou os coques e cachos, o uso de flores e fitas
para a decoração. Enquanto para os calçados houve o predomínio dos saltos
baixos e o acréscimo de alguns centímetros no cano das botas acima dos
tornozelos. As botas eram feitas de tecido com biqueiras de couro e os sapatos
tinham decorações diversas na ponta.

Como tais descrições e comentários de James Laver e Carl Köhler


pouco favorecem um diálogo com o “não escrito” de Victor Meirelles, se optou
por partir da descrição por palavras para a ilustração disponível nos dois livros.

Assim, diante dos dois livros se tem doze ilustrações datadas entre 1850
a 1859, sendo em Laver duas que contém figuras masculinas (figuras 210 e
211) e seis com figuras femininas (fg. 193, 195 ,197, 198, 199 e 209) e, no livro

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de Köhler, se encontra um traje masculino para se comparar (fig. 512) e três


femininos (fig. 536, 540 e 568).

Com a legenda “Vestidos para o dia. 1853” observa-se a reprodução de


uma fashion plate (LEVINSON, 1967), isto é, uma estampa de moda
reproduzida desde o século XVIII para fins de difusão de moda. Tais estampas
eram produzidas e distribuídas por meio de periódicos. No caso dessa
ilustração a origem é “Le follet”, uma revista de moda editada também em
inglês 7 . Indicações de data e impressão estão preservadas na reprodução.
Acompanha a legenda a explicação do autor: “a saia com muitos babados é
típica do início da década de 1850. Sua forma é sustentada por inúmeras
anáguas, uma vez que ainda não sugira a crinolina” (p. 176). O que se observa
é mencionado nas descrições que Köhler propõe para o traje feminino. A
seguinte, figura 195, apresenta “meninas com vestidos de crinolina e
pantalonas, 1853” (p. 179), ilustrando o que o autor escreve sobre o uso das
pantalonas e os enfeites comuns às crinolinas. A imagem provém, conforme
indicado no sumário de ilustração, de uma revista alemã “Die Tafel Birnen”.

FIG. 3: VESTIDOS PARA O DIA,1853

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

7
Ver a respeito em https://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb34443686c. Acesso 15/09/18.

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FIG. 4: MENINAS COM VESTIDOS DE CRIOLINA E PANTALONAS,1853

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

As ilustrações 197 e 198 são fashion plates, cujas legendas dizem:


“Moda de Paris para setembro de 1859” e “Em um camarote na ópera, in Follet,
1857” acrescida do comentário: “a mulher que não usa decote deve ser uma
criada ou funcionária do teatro”. A origem da fashion plate de 1859 é a revista
inglesa Illustrated London News, enquanto a outra é da Le Follet. Como
ilustrações destinadas à difusão de tendências de moda se observa o desenho
detalhado e ambientado dos trajes em que se observa saias armadas por
crinolinas e decoradas com muitos babados, acompanhadas de corpetes
ajustados em que mangas diferentes são propostas. Na ilustração 197 os trajes
indicam um ambiente externo e a não presença de decotes confirmam o recato
recomendado para locais públicos. A outra, 198, ambientada numa frisa teatral,
os pescoços e colos das figuras femininas principais estão a mostra e os três
vestidos representam tecidos brilhosos, rendas e aplicações de flores. Uma
figura feminina em preto e mais recatada é desenhada junto ao grupo e é para

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essa figura que Laver aponta a interpretação de se tratar de uma “criada do


teatro”.

FIG. 5: MODA DE PARIS PARA SETEMBRO DE 1859

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

Fig. 6: "Em Um Camarote Na Ópera" In Le Follet,1857

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

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A ilustração 199 traz “Mrs. Amelia Bloomer, c. 1850” e a 209 trata-se da


reprodução colorida em papel couchê da obra de J.A.D. Ingres, “Madame
Moitessier” datada entre 1844-45-56. O traje da ilustre mulher da elite francesa
se assemelha aos modelos da fashion plate anterior, em que um decote oval
deixa ombros, colo e pescoço a mostra. Cintura marcada, ampla saia e
acabamento com franjas, laços e fitas na altura dos ombros e recorte do peito.
Ainda estão os detalhes de acessórios e joias, assim como o cabelo em
conformidade com o que Köhler descreve em detalhes para o período.

FIG. 7: “MRS. AMELIA BLOOMER”, 1850

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

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FIG.8: “MADAME MOITESSIER”, DE J.A.D. INGRES, 1844-1845-56

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

As duas ilustrações que contém figuras masculinas no livro de James


Laver são dois trabalhos artísticos, um de William Powel Frith, de 1856-58 e
outro de Willian Egley de 1859. A tela Dia de Derby (figura 210) proporcionou
acurados estudos8 sobre a sociedade vitoriana, indicando a variedade dos tipos
sociais e suas relações conflituosas sob a áurea de uma alegre e costumeira
festividade nacional inglesa. A tela de Frith é utilizada para ilustrar
didaticamente os estilos masculinos e femininos de vestir na Europa do
começo da segunda metade do século XIX. Nesta tela se observa a
predominância dos manteaux, redingotes e alguns fraques e, também das
cartolas, acompanhadas de coletes de cor única, calças com braguilhas que
são estreitas nas pernas, assim como, calções e botas de montaria. Nos

8
Como o texto bastante conhecido de Mary COWLING, Victorian figurative painting: domestic life and
the contemporary social scene. Papadakis Publisher, 2000.

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pescoços colarinhos engomados e altos, com laços menos robustos que


plastrons, completam os detalhes dos trajes masculinos das figuras centrais.

Fig. 9: "Dia De Derby", De William Powel Frith, 1856-58 E "Vida No Ônibus", De William
Egley, 1859

FONTE: LAVER, JAMES. A ROUPA E A MODA

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Na “Omnibus life in London”9, de Egley, se pode observar cinco cartolas,


altas, pretas entre seis cabeças femininas adultas e mais duas infantis. Além
de fazer menção a obra de Egley à situação que Chenoune menciona como
fator que difundiu o paletó, traje mais adequado aos transportes públicos. A
imagem produzida pelo artista foi popular em sua própria época, tendo sido
exposta Na British Institution no ano de sua criação e vendida, após, para
William Jennings por um preço módico. No mesmo ano, ainda, a versão
gravada foi adquirida pela Illustrated London News e publicada em suas
páginas para aludir a questão problemática do uso da crinolina nos transportes
da época (ao fundo dois homens auxiliam uma senhora de saia azul a entrar no
veículo, empurrando sua crinolina). E exatamente por essa “representação”
que James Laver a inclui na ilustração de seu livro. Acrescente ele na legenda
da referida imagem: “Na metade do século a crinolina ainda era moda, apesar
do incomodo de apertá-la no interior estreito do ônibus” (p. 196).

Em relação ao traje masculino representado, além das cartolas em preto


e cinza, pode-se observar a gola dura acompanhada do laço mais estreito e da
cor do colete e do casaco, cuja gola faz lembrar num redingote, numa única
figura. Nas demais partes do rosto, da gola e da cabeça é o que foi
representado, configurando bem a situação de desconforto que a imagem tinha
a pretensão de criticar.

Passando das ilustrações de Laver a Köhler ve-se que o pesquisador


alemão usa das imagens com um propósito diretamente de exemplificação do
que esclarece aos seus leitores a respeito de detalhes e composições dos
trajes.

Seguindo a aparição das ilustrações em seu texto, Köhler legenda a


figura 512, com “cavalheiro usando casaco, colarinho duro e gravata alta,
1855”, para exemplificar um traje formal composto de 3 peças escuras: calça,
casaco e paletó, acompanhado de camisa branca onde um peitoral simples e
pontas de gola e punho branco aparecem discretamente abaixo do preto do
casaco e da gravata. A imagem atesta ao indumentarista alemão como a

9
Veja a respeito em https://www.tate.org.uk/art/artworks/egley-omnibus-life-in-london-n05779 . Acesso
15/09/18.

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gravata tinha produzido uma grande renovação da própria camisa, sem


maiores exigências de babados e bons tecidos, pois agora encoberta pela
gravata. Assim, “os lenços foram abandonados, e em vez deles passou-se a
usar gravatas encorpadas” (p. 512).

O tom da narração de algo vivido, incluindo-se, não deve ser


desconsiderada na crítica ao texto em análise. Afinal, Köhler viveu o período
mencionado entre sua juventude e vida adulta. Assim, possa se considerar que
seja muito mais sua própria experiência, marcada por suas condições sociais e
aquisitivas, o que pautou as mudanças vestimentares apontadas no seu texto.
Algo que em Laver não fica tão evidente.

FIG. 9: CAVALHEIRO USANDO CASACO, COLARINHO DURO E GRAVATA ALTA, 1855

FONTE: KÖHLER, CARL. HISTÓRIA DO VESTUÁRIO

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No quesito moda feminina, a primeira imagem dos anos 1850 é a figura 536,
que serve para exemplificar a forma como o decote, no caso, baixo, exigia o
acompanhamento de “pequenas golas de cambraia bordada ou renda, presas
por um broche” (p. 535). Vinte páginas mais adiante, a mesma imagem serve
para lembrar que “o xale de tecido oriental decorado ainda era usado com o
vestido de passeio” (p. 553). Na legenda diz: “vestido de tafetá rosa-
acastanhado, 1853” e consiste numa fotografia de modelo cedido pela “firma A.
Diringer” de Munique, conforme sumário de Ilustrações informa. Na página 50
do sumário de ilustração consta a descrição de execução do traje
pormenorizada.

FIG. 11: VESTIDO DE TAFETÁ ROSA-ACASTANHADO, 1853

FONTE: KÖHLER, CARL. HISTÓRIA DO VESTUÁRIO

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A imagem 540 se associa à explicação que das mangas em forma de


sino fizeram surgir outras internas de “mais ou menos 30 cm de comprimento e
70 cm de largura, feitas com a mais fina cambraia e cobertas de bordados” (p.
534). Na legenda desta imagem está “vestido com corpete decotado e mangas
curtas, 1855-60” (p. 538). No sumário de ilustração nada é acrescentado,
porém se trata de uma fotografia, talvez produzida por Emma von Sichart como
explicado no prefácio.

FIG. 10: VESTIDO COM CORPETE DECOTADO E MANGAS CURTAS, 1855-60

FONTE: 3: KÖHLER, CARL. HISTÓRIA DO VESTUÁRIO

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Por último, tem-se a imagem 568. Essa é uma fotografia da atriz Sophie
Schröder, datada de 1855, sem outras informações, nem mesmo no sumário. A
imagem é citada ao ser informado que “para combinar com a delicada risca dos
cabelos, a renda e as fitas usadas como ornamentos eram mais estreitas do
que antes” (p.558). Ao se observar a imagem não se observa nenhuma fita
estreita, apenas uma toca amarrada ao pescoço por meio de um laço bastante
farto. Todavia, considerando a seriedade da informação, a fita anterior de
acabamento da toca deveria ser bem mais larga.

FIG.11: SOPHIE SCHÖDER,1855

FONTE: KÖHLER, CARL. HISTÓRIA DO VESTUÁRIO

Portanto, considerando a parte escrita pelos dois livros selecionados,


acrescido de algumas outras informações obtidas para o traje masculino do
período e, especialmente, tendo em vista as ilustrações e suas legendas
ofertadas aos leitores para incrementar e mesmo acrescentar informações e
discussões a respeito do período estudado, preliminarmente, já se pode
apontar para três considerações:

a) A região em que as ilustrações ou mesmo as informações foram


coletadas não é evidenciada, ou seja, não se delimita as descrições

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apresentadas à Alemanha ou à Inglaterra e nem mesmo à França,


apesar da referência à capital da moda europeia do século XIX ser
mencionada, em alguns momentos, nos dois livros;
b) A condição social destes trajes, quem os usava, quais os poderes
aquisitivos e bens simbólicos estavam atrelados ao uso dessas
inovações e mudanças nos trajes femininos e masculinos não são
sublinhados e nenhum momento das descrições ou mesmo da
crônica de Laver. Isto é, mesmo que o poder de influência da
Imperatriz Eugenia seja colocado em discussão não é cogito que sua
influência de importância na determinação de estilo não se espraiava
a todos os grupos sociais;
c) Por mais que tenha sido comum a difusão de pranchas com os trajes
italianos do século XIX em nenhum dos autores esse material foi
considerado como válido para historicizar as práticas vestimentares
utilizadas na Europa no século XIX ou, ao menos, na Itália.

Passa-se, então, ao derradeiro item para concluir a proposição deste


artigo.

4. O masculino e feminino de Victor Meirelles em Estudo de


Trajes italianos

O Estudo de Trajes Italianos trata-se de um conjunto de obras realizadas


por Victor Meirelles entre os anos de 1853 a 1856, conforme datação oficial,
enquanto estava estudando na Itália, graças à bolsa de estudos que ganhou
como prêmio do concurso anual da Academia Imperial de Belas Artes, em
1852. As obras consistem de desenhos de figuras humanas vestidas com
trajes que se pode facilmente denominar como folclórico pela nomenclatura
usual. A maioria das figuras tem objetos desenhados em suas mãos ou
determinadas peças de vestuário, como aventais, batinas, calças de couro etc,
indicando trabalhos ou atividades peculiares. Apenas duas aquarelas coloridas
possuem duas figuras juntas.

Relatando um pouco mais sobre as características das pranchas,


acrescenta-se que as obras dessa série não foram produzidas com os mesmos

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materiais, sendo a maioria pinturas feitas em aquarela sobre papel, contudo há


feitas com grafite, a óleo, entre outros. O formato que predomina nas pranchas
é retangular, com tamanho em torno de 35 cm por 20 cm, tendo alguns
centímetros de variações. Todavia, há três com formatos especiais: uma
redonda e duas ovaladas. Essas não ultrapassam os 15 cm de altura ou
diâmetro.

Não há um número exato de quantas produções compõe a coleção de


Estudo de Trajes Italianos, já que algumas se perderam ao longo dos anos e
muitas fazem parte de coleções particulares, mas conforme levantamento
realizado pelo Museu Victor Meirelles, por meio de projeto específico , há no
Brasil um pouco mais de uma centena, estando uma parte no Museu Victor
Meirelles (21 pranchas) e outra no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro (72
pranchas), dez num colecionador particular catarinense e mais uma num outro
colecionador paulista. Se for considerado as pranchas não coloridas ou
desenhos em papel ordinário, mas que contenham a denominação “trajes” ou
“costume” a soma chega a 159 artefatos.

Quadro 1: A produção por gênero em números e acervos

GÊNERO DA QTIDADE QTIDADE QTIDADE


FIGURA MNBA MVM COLEÇÃO TOTAL
PARTICULAR

FEMININO 46 19 05 70

MASCULINO 28 02 06 36

TOTAL DE 104 TOTAL DE 106


PRANCHAS FIGURAS

Fonte: Compilação da autora, 2017.

Se forem somados os números apresentados vai se observar que o total


ultrapassa a indicação de 104 pranchas, mas isto se deve porque em duas
delas há uma dupla de figuras, sendo a MNBA 1579 composta por duas figuras
femininas e a MNBA 1578 por um casal.

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Começando pela análise das figuras masculinas, das trinta e seis


pranchas, oito foram descartadas nesta análise por conterem ícones que as
associam facilmente à noção de traje de cena, seja pelo gestual ou datação e
tipo de traje presente. São elas as MNBA 1592, 1627, 1617, 10358, 10362,
10634 e duas de colecionador particular.

Fig. 14: Pranchas descartadas

FONTE: REPRODUÇÃO E EDIÇÃO DA AUTORA, 2017.

Ainda do grupo inicial, três pranchas, evidentemente, tratam da mesma


figura com posições e níveis de complexidade diferenciados e, para esse trio,
então, foi considerado apenas uma ocorrência quanto aos aspectos
observados. Essas pranchas se encontram em três acervos distintos, sendo
uma de colecionador particular e as outras dos acervos dos museus citados,
sendo as MNBA 1620 e MVM 036.

FIG. 15: TRIO DE CAVALHEIROS

FONTE: REPRODUÇÃO E EDIÇÃO DA AUTORA, 2017.

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Inicialmente, foram observados os ícones relativos aos trajes em seis


pontos de análise: cobertura de cabeça, cobertura de tronco; cobertura de
pernas; cobertura de pés; acessórios e cores utilizados. Além disto, foi
observado em relação à aparência corporal no rosto os quesitos de barba,
bigode e cabelo, bem como a feição corporal. A partir destas observações e
quantificações, pode-se considerar o que mais se repetiu e centrar as
comparações propostas neste trabalho.

No quesito cobertura de cabeça constatou-se a presença majoritária de


um chapéu de copa cônica – 12 ocorrências, seguida da presença de três
barretes, duas espécies de boinas, uma cartola e um turbante, além das cinco
figuras que trazem uma capa com capuz.
FIG. 126: COBERTURA DE CABEÇA

FONTE: REPRODUÇÕES MNBA 10351; COLECIONADOR PARTICULAR; MVM 066. EDIÇÃO AUTORA,
Figura x: Cobertura de cabeça 2017

No quesito cobertura do tronco a diversidade de peças e


sobreposições permitiu que se observassem cinco variações: camisa; batina ou
túnica; colete; casaco e capa. Assim, a camisa branca sem marca de um
decote em especial apareceu sete vezes e a com gola em V seis vezes; a
camisa de cor apenas uma vez e tendo só os punhos ou gola se observa
quatro repetições. As batinas e túnicas aparecem devido à própria
caracterização da figura que representa um traje religioso e nesse caso, são
seis batinas e duas túnicas que se apresentam. Os coletes por sua vez,
aparecem em dez figuras e apenas um está sobreposto a um tipo de paletó. Os
casacos, tipo paletó se sobrepõem com dez ocorrências e num formato de

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fraque são apenas dois e, ainda se tem um de couro com pelos. E por fim,
neste grupo, se tem as capas, como pala se vê cinco, e outras quatro com
capuz; como pelerine, mais curta, são três, sendo que há uma com capuz e,
por último, se observa duas longas e volumosas capas, que chama-se de toga.

FIG.17: TIPOS DE COBERTURA DE TRONCO

FONTE: REPRODUÇÕES CP; MNBA 1577 E MNBA1618. EDIÇÃO DA AUTORA, 2017

No quesito cobertura de pernas, apenas as figuras com batinas não


apresentam calças, sendo que se evidenciam as calças com braguilhas, num
total de seis. Sobre uma dessas há uma calça mais curta ou avental com pelos.
Observa-se seis figuras com calções abaixo do joelho e com braguilhas e outra
com um calção curto e meias colantes; três calças largas sem braguilhas, três
com pelos.

FIG. 18: COBERTURA DE PERNAS

Fonte: Reproduções MNBA 10359; MNBA 1614 e MNBA 1629. Edição da autora, 2017.

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No quesito cobertura de pés se ressalta uma espécie de solado com


meia e tiras, num total de nove, seguido de sandálias, somando seis; quatro
espécies de bota; sapatos com fivela e meias são apenas dois. Há ainda três
descalços e dois pés que não aparecem.

FIG. 19: COBERTURA DE PÉS

FONTE: REPRODUÇÕES MNBA 1580; MNBA 1593 E MNBA 1619. EDIÇÕES DA AUTORA, 2017.

Por fim, no quesito acessórios, pode-se constatar a presença de duas


polainas, um lenço, sete faixas de cintura, sete tiras de couro transpassadas no
peito, sendo que três delas estão com bolsas e quatro sem e, outros dois
cintos, acompanhados de bolsa.

FIG. 20: TIPOS DE ACESSÓRIOS

FONTE: REPRODUÇÃO DAS MNBA 1576; MNBA 1589 E MNBA 10357. EDIÇÃO DA AUTORA, 2017.

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Quanto às cores há uma presença constante dos tons terrosos,


sobressaltando-se o marrom em treze casos, acompanhado do laranja (2); ocre
(2) e amarelo (3); ainda o vermelho aparece sete vezes, o azul e o verde quatro
vezes cada um. O preto se apresenta oito vezes, havendo apenas dois
casacos nesta cor e as demais peças são capas. Em branco se encontram
doze peças.

Sob outro ângulo, observam-se as figuras considerando a representação


da masculinidade na face e constata-se, então a presença majoritária da barba
acompanhada de bigode em 14 figuras, sendo que numa figura ainda se
observa uma longa barba branca representada, contra doze que não tem nem
um nem outro. Em relação aos cabelos, em dez figuras o mesmo não foi
representado, uma o traz curto, e outras duas em cima dos ombros, enquanto
em quatorze figuras o cabelo foi desenhado abaixo das orelhas.

Em relação à feição corporal, todas as figuras masculinas são


representadas de maneira proporcional tanto em relação à altura como à
largura, isto é, nenhuma figura expressa um corpo baixo ou gordo. Nas
pranchas MNBA 1630 e 1589 constata-se a representação de uma estatura
menor numa feição mais jovial da figura, reforçando a ideia, portanto, de se
tratar de adolescentes. Na prancha MNBA 1628, cuja composição indica um
pescador, pode-se considerar um corpo mais magro que os demais.

FIGURA 21: TIPOS DE BARBAS E CABELOS

FONTE: REPRODUÇÕES MNBA 10360; MNBA 1630 E MNBA 1628. EDIÇÃO DA AUTORA, 2017

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Por todos estes elementos pode-se afirmar que as representações do


masculino reforçam as noções dos trajes e aparência corporal próprios para
este gênero, sendo a cobertura das pernas e do tronco, majoritariamente, feito
de calças compridas acompanhadas de camisas, colete e espécie de paletó,
nas faces a barba e o bigode completam a noção de seriedade e
respeitabilidade concebidas como próprias do homem.

Sobre a pesquisa dos trajes femininos representados as conclusões


ainda não poderão ser muito detalhadas, tendo em vista, a quantidade muito
maior de ocorrências e a não finalização da revisão das quantidades de peças
observadas.

Contudo, em relação à cobertura de cabeça, pode-se afirmar que não há


cabelos soltos, todos estão arranjados sob véus ou laços e aplicações em
flores.

Cobertura de tronco há a constante presença da camisa branca, com ou


sem gola, com casacos e ou corpetes, sempre em cores diferentes e com a
presença de fitas que produzem as amarrações necessárias entre a parte
frontal e a anterior. Algo que se destaca é a presença de maniches, mangas
postiças, de diferentes tamanhos, colocados sobre as mangas brancas das
camisas. Essas mangas como suas golas aparecem decoradas com aplicações
que sugerem crivo ou algum tipo de renda artesanal.

Cobertura de pernas, o que predomina sem exceção são amplas saias


que seguem até os pés. Em nenhuma representação há a presença da
crinolina, mas um farto volume produzido por anáguas. Em algumas figuras se
observa a presença da pantalona e suas rendas.

Contudo, algo que drasticamente se difere de todas as imagens e


descrições encontradas em Laver e Köhler é a presença dos aventais,
presentes em 58 das 70 imagens femininas representadas.

Por fim na cobertura de pés, algumas figuras estão representadas com


sapatos de solado baixo, com fivelas ou não na frente; outras com um tipo de
sandália com solado e tiras que se combinavam com meias e cujo bico é muito

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comum mesmo nas figuras masculinas. Poucas sugerem alguma forma de


botinha preta. Nenhuma figura está com os pés descalços e boa parte está
com os pés não representados, ou seja, figurativamente com eles cobertos
pelas saias ou apenas esboçados junto às sombras do chão.

Para completar, se escolheu uma imagem do acervo do Museu


Nacional de Belas Artes para se realizar a comparação com os modelos
difundidos por Laver e Köhler.

FIG. 22: ESTUDO DE TRAJES ITALIANOS, VICTOR MEIRELLES, AQUARELA SOBRE PAPEL, 30,8 X 21,5
CM.

FONTE: MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES. MNBA 1586

Figura em posição lateral à direita, com cobertura de cabeça composta


por lenço extenso finalizado por franjas e que na parte superior contém uma
dobradura que dá rigidez e sustentação ao lenço. Na cobertura de tronco se

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observa os traços brancos junto ao peito representando uma camisa branca,


cuja a gola é “careca” e com pequenas pregas. A manga branca dessa camisa
se observa ao final do braço esquerdo representado, que também termina em
franjas e um leve babado. Na altura dos ombros há tiras representadas em
bege escuro que vem da parte frontal e que se fixa por trás do lenço com um
laço. Essas tiras fariam, tecnicamente, do corpete que se encontra a frente e
atrás do peito, abaixo dos seios.

Na continuidade do braço se observa a estrutura do grande maniche


vermelho que cobre quase todo o braço, tendo ao alto um laço grande que
poderia ter a função de sustentar a peça em seu local e, embaixo, apresenta
detalhes que decoram com bege escuro ou dourado os punhos.

Na cobertura das pernas, se observa primeiramente uma falda vermelha


longa, vinculada à parte do corpete que se observa diante do volume dos seios
representados, como descrito acima. Todavia, pela observação de trajes reais
conservados no Museu de Tradições e Cultura Popular de Roma, sabe-se que
praticamente se tratava de outro tecido, mais encorpado, feito de feltro ou
semelhante que as mulheres enrolavam na cintura, sem ter fechamento lateral
ou outra forma de fixação à cintura. A falda, observada, ultrapassa a altura das
nádegas e se estende em V até acima dos joelhos. Por baixo disso, se observa
uma saia verde acima dos tornozelos e com volume médio devido ao franzido
que apresenta e, também, às anáguas que se mostram abaixo na tonalidade
branca. Ainda no conjunto da extremidade da saia verde pode-se observar a
presença da representação de ceroulas ou pantalonas como disse Laver.

Na cobertura de pés não se pode reconhecer facilmente a representação


de um calçado, mas haveria como um sapato branco, fechado no peito e sem
fivela ou outros adereços e de solado muito baixo.

Se Laver aponta que o uso de pantalonas foi comum: “era costume usar
pantalonas compridas de linho com renda na barra e ás vezes chegando até o
tornozelo” (p. 178), nada diz do uso de faldas ou maniches e nem descreveu
como o fez Köhler sobre as camisas e mangas nos volumes representados nas
aquarelas de Meirelles.

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Köhler e Sichart por utilizar material de origem alemã, que ao final do


século XIX estava se industrializando e unificando-se politicamente como a
Itália, apresenta moldes, como os de blusa conhecida como canezou e molde
de corpete decotado que, evidenciam recortes e volumes necessários para a
composição de um traje tal como os representados por Victor Meirelles.

Todavia, essa contextualização temporal e geográfica não é observada


pelos autores alemães.

Considerações finais

Com as breves biografias dos autores trabalhados, assim como essa viagem
panorâmica sobre a composição de um capítulo de cada obra selecionada, se tinha a
intenção de insinuar como os escritos, que os estudantes e pesquisadores têm em mãos
para o estudo da história da moda, possuem sua própria história e exigem uma
contextualização mais densa e problematizada dos trabalhos, conforme as propostas
educacionais e as pesquisas encetadas.

Entre as narrativas estabelecidas nos livros com suas escritas e ilustrações e as


pranchas, mesmo em texto como o de Chenoune mais atento às diversidades de
costumes vestimentares, não é possível estabelecer facilmente continuidades, apesar da
datação e a delimitação geográfica próxima e, ainda que se tenha tido o cuidado de
desconsiderar as pranchas de trajes de cena no estudo do traje masculino.

Pode-se dizer que neste texto são arroladas três formas narrativas sobre o vestir
na segunda metade do século XIX europeu com aproximações e esquecimentos. Nesse
confronto entre representações e descrições das tendências de moda para os anos de
1850 pouco se completa no trânsito entre: olhar as pranchas, refletir sobre as descrições
apresentadas e analisar as ilustrações recorrentes nos livros. Por outro lado, essas
mesmas pranchas nos fazem pensar o quanto é restrito e mesmo autoritárias as
descrições que se encontram registradas nos livros mais acessados de história da moda,
por estabeleceram como geral algo que foi circunscrito a um país e, dentro deste mesmo,
a um grupo social, ao meio urbano e aos desejos de representação destas épocas por
aqueles que tinham poder para tal: pintores que posteriormente se consagraram e fashion
plates que foram preservadas. Por essa perspectiva, poderia se perguntar: Onde estão os
tipos rurais, regionais da Inglaterra na narrativa de Laver? Onde está o homem simples da
Alemanha de Köhler?

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Então, se pensar a partir destas desconfianças sobre o que os livros consagrados


apontam como a “norma”, logo, pode-se considerar como viáveis a ponderação dos trajes
representados nas pranchas do jovem Victor como algo que compunha a possibilidade da
aparência corporal dos sujeitos sociais na Itália do século XIX.

Neste confronto não são as verdadeiras formas de vestir que estão sendo
buscadas, mas a desconstrução de uma maneira única e fechada de pensar que o
passado encerra em si apenas um jeito de vestir de homens e de mulheres, idosos e
jovens, crianças e adultos e, principalmente, se busca não deslocar a representação
artística do seu lugar de concepção e circulação, para numa apropriação arbitrária alisar
todas as dobras destes distintos tempos. Eles se cruzam e se interpõem, mas nunca por
uma simplificação de suas percepções e sim, porque o passado interfere na maneira e
possibilidades de ver no presente, nesse agora10.

Enfim, cabe aos educadores e pesquisadores constituir uma reflexão crítica sobre
o passado junto aos estudantes e profissionais da moda, fazendo dessa experiência
intelectual também uma oportunidade de sensibilização diante das sociedades, além de
fazer pensar o passado como uma imagem, que se constitui sempre a partir do presente, a
fim de servir aos nossos propósitos, também contemporâneos, como W.Benjamin (1994)
nos faz compreender.

Referencias

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de la Mode. 2001.

BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Idem. Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª ed. São Paulo:
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BOUCHER, François; DESLANDRES, Yvonne. A history of costume in the west.


London: Thames and Hudson, 1987.

CERRI, Luis Fernando. Ensino de História e consciência histórica: Implicações


didáticas de uma discussão contemporânea. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2011.

CHENOUNE, Farid. Des Modes et des Hommes. Paris: Flammarion, 1993.

10
Agora no sentido de Walter Benjamim, tese 14 de “Sobre o conceito de história”. “A história é objeto
de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras”. In:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª
ed. São Paulo: Brasiliense. 1994, p. 229.

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DULCI, Luciana Crivellari. O conhecimento nos cursos superiores brasileiros: a


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ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE SOCIOLOGIA, 29., 2013, Chile. Acta
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FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & ensino de História. 2ª. Ed., 1ª.
Reimpressão. – Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

KÖHLER, Carl; SICHART, Emma von. História do vestuário. 2. ed. São Paulo:
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SANT’ANNA, Mara Rúbia. Era uma vez a moda...: algumas histórias para se lembrar.
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Sites e fontes para imagens

MEIRELLES, Victor. Estudo de Trajes Italianos. [Diversos]. Museu Victor Meirelles.


Florianópolis, SC. http://museuvictormeirelles.museus.gov.br/acervos/colecao-victor-meirelles/.

Acesso 18/03/2018.

MEIRELLES, Victor. [Diversas obras, porém nenhum Estudo de Trajes digitalizado]


http://www.mnba.gov.br/portal/colecoes/pintura-brasileira

FRITH, Willian P. The Derby Day: the 'first study' for the celebrated painting. 1858.
Óleo sobre tela. 39.4 x 91.1 cm. Tate Britain Museum, London. UK.
http://www.tate.org.uk/art/artworks/frith-the-derby-day-n00615. Acesso: 28/09/2017.

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TISSOT, James. Le Cercle de la Rue Royale, 1868. Óleo sobre tela, 174,5 x 280 cm.
Musée d'Orsay.
http://www.musee-orsay.fr/fr/collections/oeuvres-commentees/recherche/commentaire_id/le-cercle-de-la-
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Acesso 29/09/2017.

KÖHLER, C. BNF referências: https://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb403578049. Acesso


15/09/2018.

Agradecimentos à bacharelanda em Moda Natália Reis que colaborou na captação


das imagens dos livros e sua integração ao texto.

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