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-- Moda: uma fi losofia

um polimorfismo cada vez maior do campo. Não h á um estilo J· As origens e a difusão da moda
absolutamente em moda que deva ser adotado pela maioria
de uma comunidade ou uma cultu ra. Ao contrário, há uma
difusão g rande demais da moda, a indicar que alguma coisa se
I deteriorou. Um estilo genuinamente em voga deveria ser, isto
\
- Diga-me, por favor, quantos t rajes ela gasta num ano?
sim, aquele adotado por uma minoria e em vias de sê-lo pela
- Oh, meu caro Senhor! As roupas de uma bela dama
maioria, ou pelo menos por um g rande número de pessoas.
não ficam velhas por serem usadas, mas por serem vistas.
Nesse sentido, a moda nunca é- está sempre num estado de
RJ C H ARD S T EELE'
vir a ser. O que temos hoje não é esse estado de vir a ser; talvez
seja até uma reserva constante de estilos recicláveis, nenhum Things must change
deles estando basicamente mais "na moda" que os outros. We must rearrange them
Não só muitos costureiros reciclara m velhas modas em O r we'll h ave to estrange them.
novas coleções, alguns deram um passo adiante reciclando Ali t hat J'm saying
suas próprias criações anteriores em novas coleções. Martin A game not worth playing
· Margiela talvez tenha sido o primeiro, mas Diane von Furs- Over and over again.*
2
tenberg deixou isso muito explícito em 200 1, quando fez uma DEPEC HE MoDE

reprodução exata de um vestido que h avia lançado em 19 72,


relançando-o com o mesmo anúncio que havia usado na sua
primeira aparição. Dolce & Gabbana e Prada abriram lojas que POR QUE A MODA SE TORNOU TÃO ATRAENTE? Que há nela que
vendem roupas de coleções anteriores. Vivienne Westwo od
atraiu tanta gente para a sua esfera? Neste capítulo vamos exa-
p roduz itens de vestuário a partir de produções antigas por
minar mais atentamente várias teorias sobre como e por que a
encomenda. Manolo Blahnik voltou a produzir coleções de
moda se desenvolve tal como descrevemos.3 Várias versões da
sapatos antigas, e Fendi fez o mesmo com bolsas. Se a moda
chamada "teoria do gotejamento" serão centrais, porque esse
tornou-se basicamente reciclagem, poderíamos igualmente
é o modelo básico real na maior parte d as explicações, mas
fazer nós mesmos a reciclagem. É difícil, entretanto, imaginar
uma ruptu ra mais flagrante com a ide ia básica da moda, já que veremos também que essa teoria tornou -se cada vez menos
no passado ela sempre foi uma questão de produzir algo novo. defensável à medida qu e a moda continuou a se desenvolver.
Benjamin perguntou se é por não conseguir manter veloci-
dade que a r:noda morre.39 Mas essa morte não se deveria antes * As coisas têm de mudar I Ou bem nós as modificamos I· Ou va.mos t~r
ao fato de ela ter alcançado uma velocidade crítica que mudou de excluí-las I O que estou dizendo é só I Que não vale a pena ficai sempl e
toda a sua lógica? 1 jogando o mesmo jogo. (N.T.)

39
--
40
Moda: umafilosofia . etiS e a difusão da moda 4I
Asong

O desenvolvimento da moda pode ser visto como um resul- . d t"dade , em si um pecado grave. Como não é de
. dícw e va
tado da tentativa de combatê-la. Na Europa medieval, a Igreja
surpreende r' as leis suntuárias eram violadas a todo .momento -
111
e o Estado cooperaram no combate ao luxo. O contato com
a prot·b·ça-o
1 parecia até tornar os artigos de luxo mats atraentes.
o Oriente, especialmente durante as Cruzadas, havia levado · ram precisamente para reforçar o papel das roupas
Elas ser Vl . , . 1 ·
tecidos primorosos e pedras preciosas para a Europa. Quando como um marca . d o r ~· mportante • ao criarem
, . cntenos
. re ativa-
as pessoas começaram a competir na ostentação de riqueza, a mente Claros para o status social ligado a vanos obJetos. Com . o
Igreja e o Estado viram essa tendência com algum ceticismo e
crescente enfraquecimento das divisões de classe e a maiOr mo- fi ·
desejaram controlá-la. Entre os mais importantes regulamen- bilidade social, no entanto, a batalha para manter es.sas regra~ 01
tos introduzidos nessa época estavam as leis suntuárias, que perdida. É verdade que algumas proibições foram mtroduzldas
resultaram de uma preocupação inclusive com as roupas. O mais tarde (vedando o uso de calças por mulheres, .p ~r exem-
termo "suntuário" deriva do latim sumptuarius ("referente a lo) porém estas se aplicavam não mais a classes sooats, mas a
despesas", "luxuoso"). Essas leis estiveram em vigor, em geral, ~od~s os seres humanos, ou a todos de um único gênero. Hou~e
desde o século XIII até o século XVII. Foram desenvolvidas es- também proibições políticas, como quando a força de ocu~~ç~o
.tipulações particulares que vinculavam o uso de determinados inglesa proibiu os escoceses de usar kilts, ou a recente prmbt~ao
artigos à posição social, reservando certos trajes e objetos a francesa do uso de símbolos religiosos nas escolas - que fm de
classes específicas; classes inferiores ficavam proibidas de ad- fato uma proibição do uso do hijab. , ,
quiri-los, mesmo que tivessem recursos para tanto. Leis desse As "pessoas comuns" (i.e., a classe trabalhador~) so ~oram ~trai­
tipo já haviam existido antes. No Egito antigo, por exemplo, das ara o domínio da moda no século XIX. Ate entao, havia~
só as classes mais altas tinham permissão para usar sandálias, sidoPexcluídas por razões economlcas,
, . ' ·d a, ex.pansao
mas a rapt .
da produção em massa, em que a introdução das ma:~mas de
e tanto os gregos quanto os romanos tinham regras que esti-
costura e de tricotar teve considerável papel, permitiU a pro-
pulavam quem estava autorizado a usar o quê. A toga estava
dução de g randes quantidades de roupas r~l~t,i v~mente com-
reservada aos cidadãos romanos: quem não o fosse não tinha o
plexas, que anteriormente tinham sido o pnvtlegto da costura
direito de usá-la, e quem fosse privado de sua cidadania tinha
feita à mão. Isso abriu possibilidades inteiramente novas para o
de abandoná-la. Na Idade Média, contudo, essas regras foram
consumo de massa. Até então, as roupas eram extremam~nte
consideravelmente mais específicas e abrangentes. O capita-
caras.s O item mais valioso que uma pessoa das classes ba~x~s
lismo mercantil havia criado uma sociedade mais fluida, com
esperaria herdar podia perfeitamente ser uma peça de vestuano.
certa mobilidade social, e leis passaram a ser introduzidas para
Em geral, as pessoas não possuíam mais que um conjunto ~e
manter difer~nças de classe.4 Igualmente importante, contudo,
roupas. Isso mudou enormemente com a expansão ?,a p.roduça~
era o desejo de preservar a moralidade, porque se pensava que
em massa, que tornou mais roupas facilmente ~ces.stvets a mats
os bens de luxo corrompiam. Vestuário suntuoso era um claro pessoas. Essa "democratização" da moda não stgmficou que to-
-- 42
Moda: 11m a filosofia .
As ongens e a dit;tsão
~.
da moda 43

das as distinções foram apagadas, mas que quase todo mundo . o que chamamos de moda. A roupa que vestem é a roupa
conduzir,
foi incorporado à interação social da moda. Enquanto o esforço
em mo da,. a 1·m guagem que usam em sua conversa é o estilo em
para parecer distinto havia sido reservado antes aos escalões
moda,. o por te e as maneiras que exibem são o comportamento
mais altos da sociedade, a produção em massa permitiu que as
em mod a. A té seus vícios e desatinos estão em moda, e a maior
classes mais baixas também participassem dele. Desde então
' parte dos ho m.ens orgulha-se de imitá-los e assemelhar-se a eles nas
essa tendência só se intensificou.
próprias qualidades que os desonram e desgraçam?
No século XIX, a produção e o consumo de massa se espa-
lharam rapidamente. De lá para cá, este último assumiu, cada Um pouco mais tarde encontramos uma teoria relacionada
vez mais, a forma de consumo de símbolos, isto é, ocorre de em Antropologia de um ponto de vista pragmático de Kant, obra
modo a produzir uma identificação com aquilo que 0 item de possivelmente influenciada pela de Smith, que foi traduzida
consumo representa. Itens produzidos em m assa constituem para o alemão em 1770:
igualmente um recurso que permite a membros das mas-
sas elevarem-se acima de seus pares. Como os outros têm 0 É uma inclinação natural do homem comparar seu comporta-
. mesmo interesse, observamos no consumo de m assa uma ten- mento com 0 de alguém mais importante (a criança se compara
dência cumulativa que no futuro se intensificará com crescente com os adultos, 0 humilde com o aristocrata) para imitar seus
velocidade (sujeita, naturalmente, às limitações que a situação modos. Uma lei de tal imitação, que praticamos para não parecer
econômica do momento pode impor). O desejo por itens de menos importantes que outros, especialmente quando não pre-
consumo simbolicamente poderosos torna-se então um meca- tendemos obter nenhum lucro com isso, é chamada moda. Ela é
nismo autoestimulador que é ao mesmo tempo causa e con- portanto da ordem da vaidade, porque não há em sua intenção
sequência de desigualdade social. Isso é em geral apresentado nenhum valor interno; ao mesmo tempo, é também da ordem
como o resultado de um efeito de "gotejamento", em que a da insensatez, porque por força da moda temos ainda uma com-
inovação ocorre num nível mais alto e depois se espalha pelas pulsão a nos submeter servilmente ao mero exemplo que muitos
camadas inferiores porque as classes mais baixas se esforçam na sociedade projetam sobre nós. 8
para se elevar, o que as leva a estar sempre um passo atrás.6
Os primeiros rudimentos para uma teoria desse tipo já po- Kant enfatiza o atraso, o fato de a moda ser usada "pelas ca-
dem ser encontrados em A teoria dos sentimentos morais (1 ) tegorias inferiores depois que os da corte a rejeitaram". Esse é
759
de Adam Smith:
o modelo básico efetivo que passou a dominar as teorias sobre
a moda até os nossos dias.
É em razão de nossa disposição para admirar, e consequentemente Provavelmente a maioria das teorias de "goteJamento" pos-
imitar, os ricos e os notáveis que lhes é possível estabelecer, ou teriores foi inspirada mais pelo filósofo Herbert Spencer que
44
Moda: uma filosofia . e a di"'tsão da moda 45
As ongens '1'

por Kant. Spencer encontra as origens da moda em emblemas • 13 Tentamos superar os demais membros da nossa
consptcuo. , .
e outras coisas que simbolizam status, e salienta que essas ca- · 1e tentamos alcançar o nível da que esta aoma da
racterísticas distintivas tendem a se espalhar, sendo adotadas classe socta . , . -
. · do-a ·14 Em outras palavras, dois pnnop10s estao
nossa, tmttan , .
por mais pessoas que aquelas que, estritamente falando, têm - . o de diFerenciação, dirigido às pessoas de nossa propna
9 em açao. ':1.' •
direito a elas. Essa difusão é causada pelo fato de as classes
classe, e o de imitação• voltado para aquelas da classe aoma _
inferiores possuírem uma tendência a tentar se elevar ao nível ~reblen afirma que um ator social normalmente nao
da nossa. v '
das classes mais altas assumindo suas características. Spencer, tem 0 princípio do consumo conspícuo como um motivo ex-
contudo, esperava que a moda desaparecesse a longo prazo plícito, e de modo geral s~ preocupa apenas em viver co~o
com a democratização da sociedade. Seria possível, no entanto, lhe parece apropriado para uma pessoa de seu status soc1al
contrariando Spencer, afirmar que o resultado desse "nivela- particular.ls Não é exagero dizer que Veblen é crítico desse
mento democrático" será precisamente o oposto, que a destrui- procedimento. Parece-lhe, entre outras coisas, que ele nos leva
ção da hierarquia social tornará ainda mais importante para a confundir valor econômico e estético, 16 e, além disso, que
o indivíduo ser capaz de se destacar com a ajuda da moda _ e
0 traje em moda é por natureza francamente feio, embora
. não foi exatamente isso que aconteceu?
as pessoas sejam induzidas a acreditar que é bonit0. 17 Veblen
Spencer tinha uma visão otimista do futuro, considerando emprega a simplicidade e a funcionalidade como uma norma,
a modernidade um movimento rumo a uma sociedade cada acreditando que tudo que se desvia disso é feio e irracional,
vez mais racional. O sociólogo Thorstein Veblen não partilha requerendo portanto uma explicação.
sua visão, considerando a modernidade em grande medida Como Veblen, Simmel não era otimista em relação ao fu-
uma orgia irracional de consumo. Por vezes a condenação do turo. Não há dúvida, porém, de que encontrou mais valor em
consumo moderno por Veblen é tão veemente que Jorge Luis sua própria época que Veblen, e sua teoria é consideravelmente
Borges diz ter pensado que o livro dele sobre "a classe ociosa" mais sofisticada que a dele. A seu ver, não se trata apenas de
era uma sátira quando o leu pela primeira vez. lo Diz Veblen: uma questão de assinalar status social, mas de equilibrar neces-
"Essa exigência de novidade é o princípio subjacente de todo sidades e inclinações humanas opostas, como individualidade
o difícil e interessante domínio da moda. A moda não exige e conformidade, liberdade e independência. 18 Vista dessa ma-
fluxo e mudança contínuos simplesmente porque isso é tolice; neira, a moda se torna um fenômeno singular em que "todas
fluxo, mudança e novidade são exigidos por força do princí- as principais tendências conflitantes da alma estão representa-
pio central da vestimenta - desperdício conspícuo."" Veblen das".' 9 Segundo Simmel, a moda não pode ser encontrada em
afirma que, para alcançar posição social, não basta ter dinheiro sociedades em que o impulso socializante é mai~ forte que o
e poder: isso tem de ser visível. 12 É uma questão de mostrar de diferenciação, e em que não se formaram classes sociais.
0
status social que se tem, por exemplo, mediante 0 consumo Essas sociedades, que chamou de "primitivas", caracterizam-se
-- Moda: uma filosofia 47
As origens e a drifilsão da moda
por estilos extremamente estáveis. 20 Se duram por um tempo
. fl "bilidade à imitação, de ta l modo que as
longo demais, os estilos não podem ser chamados de "moda", c mawr ext . . 24 N.
contere ais altas pod em também imitar as mfenores. Jsto
já que moda pressupõe mudança. Para Simmel, todas as mo- classes m . V blen e Simmel. Naquela altura, a
, ais persptcaz que e ., . .. d
das são por definição de classe, e são impelidas pelo fato de ele. e m- das classes b aJxas
. pelas superiores Ja vmha ocorr en o
imJtaçao .
as classes mais altas rejeitarem uma tendência (e abraçarem
h , algum tempo. l .
outra) assim que as classes inferiores a imitam.21 Segundo ele, a Um exemplo bastante e loquente desse desenvo vtmento. , .
quanto mais amplamente um artigo estiver sujeito a rápidas . ue talvez .
seJa o ·rem
1 de vestuário mais revolucwnano
6
mudanças de moda, mais haverá necessidade de versões ba- oi hJstona
o. q, . h u mana·. o terno masculino. Antes do século
na , . XIX,
d
ratas dele, porque também será desejado - ainda que numa . nen h um a diferença essencial entre o. vestuano
não havta . . e,
versão inferior- pelas massas, que inicialmente não têm meios homens e mu lheres da classe mais alta no que dtzJa _ respeito
, a
22
para comprá-lo. É precisamente a produção dessas versões ornamentaça-o·. esta era uma questão de classe, nao de genero. .
mais baratas que vai promover a formação de uma nova moda, . d.
As diferenças existentes m ICavam qu e os homens se
. . - vestiam
porque o item deixat;á de ser distintivo. Chegamos assim ao .
ma 1s suntuosam ente que as mulheres. A industnahzaçao e as
.
seguinte círculo: quanto mais depressa a moda se desenvolve, mudanças econômicas e sociais a seu reboque, n~ e~tanto, cna-
mais baratos os itens se tornarão, e quanto mais baratos os ram uma necessi"dade de roupas masculinas mais srmples para
itens se tornarem, mais depressa a moda se desenvolverá. No a nova burguesia. A brilhante solução foi o terno, que pode ser
ensaio "Moda" (1911), uma edição revista e abreviada de seu A considerado exemplar para o desenvolvimento subseque~te
filosofia da moda, Simmel disse que a moda sempre carrega sua d a mo d a. Como Anne Hollander salienta, a moda masculma d
própria morte dentro de si.2 3 Seu objetivo é sempre ser defi- deu um salto radical para a era moderna, enquanto a ~o- a
nitiva para absolutamente todos os indivíduos em um grupo, ctemmma
. . c . d eixa
101 . da par·a trás ·zs O terno assinalou a afihaçao .
mas se atingir essa meta ela morrerá, porque terá neutralizado a uma nova era, assim como se d IS . t an ciou de uma aristocracra
então a oposição real entre conformidade e individualidade que estava em vtas . de entrar num atoleiro histórico. Comc o
que é sua definição básica . A explicação clássica da difusão terno encontramos um Item . d e vestuário em moda que taz .
da moda é, portanto, que ela é criada no topo da sociedade e o exato oposto de "passar d e orna . para baixo"· Foi um .traJe

depois goteja sobre os estratos sociais inferiores. Outra obra da classe média que a classe alta passou a usar. Emergiram , . ,
modas urbanas que sup1amaram as modas aristocratlcas. Ha
importante neste contexto é As leis da imitação (189o), do so-
exemplos até anteriores d e ad oçao - de moda da rua por estratos
ciólogo Gabriel de Tarde, para quem o desejo é composto de
relações so~iais que seguem certas "leis da imitação". Isso fun-
°
sociais mais altos, como quand as r oupas rasgadas usadas por
soldados mercenanos , . no secu, l0 XVI começaram. a ser adota- .
ciona principalmente através da imitação das classes mais altas
das, em versões sem dúvida mais refinadas, por classes mais
pelas inferiores, mas Tarde enfatiza que a sociedade moderna
altas- mas isso foi uma exceção.
-- Moda: uma filosofia 49
As origens e a di""'!SáO
'J.
da moda

O terno mudou surpreendentemente pouco durante os dois da masculina no século XXP Talvez .se. possa
séculos em que esteve em uso. Esta é provavelmente uma razão 1. ·ramente a mo d
p tCl b" . o foi alcançado com o smoking femmmo e
. r ue o o ~env . . ~
importante para que a moda masculina tenha desempenhado dlze Saint-Laurent
q 965 Desde então a dJsHnçao entre moda
em I .
um papel tão modesto na história. 26 Ela deu um salto tão gigan- Yves . [I ·nina tornou-se cada vez menos clara, no sen-
asculma e eml . . 1
tesco com o terno que parece não ter se desenvolvido muito mido de que passou a haver uma interação maiS flmda entre , . as..
e
desde então, ao passo que a moda feminina mudou constan- t . continuam existindo certos itens de vestuano basl-
Ainda ass1m, .
temente, tornando-se assim mais interessante como objeto de
camente reserva dos para um gênero. Apesar. de repetidas . tenta-
.
pesquisa. Na realidade, a moda masculina também passou por , J
tivas, ate por ea n Paul Gaultier ' de introduzir a sala masculma,
.
um processo de mudanças constantes, mas estas foram muito . sendo uma peça de roupa extremamente margmal.
ela contmua d d ·d
mais sutis que as ocorridas na feminina no tocante a corte, cores Areton , ·ca que cercou a moda masculina foi em gran e me 1 a
e tecidos. O uso de gravatas e lenços variou muito. Os ciclos, um COnJUn . to de negativas·. que realmente não existe nada~ que
porém, foram mais duradouros que na moda feminina, embora possamos chamar de modas masculinas, que os homens nao se
desde 1960 a moda másculina também venha se desenvolvendo vestem com base no estilo (mas apenas na funciona
· lidade), que
mais rapidamente, sendo marcada por traços como o uso emer- os homens não são tão "vítimas" da moda quanto as mulheres.28
gente de suéter de gola rulê em vez de camisa e gravata e a ado- Mas é claro que a moda masculina tem uma história, tal como
ção de um corte mais justo. Nos anos 1970, a moda masculina a feminina e os trajes dos homens têm sido regidos por normas
começou a se tornar um campo atraente até para os maiores tão rigoros,as quanto os das mulheres. Talvez se possa até dizer

costureiros, como Yves Saint-Laurent. O terno estabeleceu uma que a moda masculina obedeceu a normas mais estritas dur~nte

norma, e grande parte do desenvolvimento da moda feminina os dois últimos séculos, porque os homens tiveram menos tlpos
de roupa entre os quais escolher.
desde então pode ser vista como uma aproximação gradual dela.
É possível encontrar um desenvolvimento semelhante
Foi só nos anos 1920 que a moda feminina começou a "alcançar"
quando se trata de calças em gera1. S abemos que existiam cal-~
a masculina, ficando mais próxima do estilo simples que era a
. .d d
ças compridas na Ant1gu1 a e, mas 101 s
c · o' a partir da Revoluçao
norma para os homens havia cem anos. Até o século XIX, era
Francesa que elas se tornaram moda. Os sans culottes (sem cal-
mais comum que a moda masculina adotasse características da
~
çoes) .
se distanciavam d a anstocraCJa
· · e mostravam isso ' entre
feminina do que o contrário, mas no caso do terno masculino
. . d o sua mane1·ra de vestir· O culotte era
outras coisas, reJeltan
a tendência se inverte. Como Hollander observa, a moda femi-
uma peça de roupa habitual para a aristocracia e a classe alta
nina não ti~ha basicamente nada de "moderno" - compreendido
no século XVIII. A princípio a expressão sans culot~es foi usada
aqui como uma norma estética muito claramente realizada na
pejorativamente, porem, ma1s · tard e ganhou um sentido posi-
arte e na arquitetura modernas - até que começou a imitar ex-
tivo. Antes da Revolução, era aplicada ironicamente aos que
-- 50
Moda: uma filosofia 51
. IS e a drifilsão da moda
Asonger

não podiam comprar meias de seda e calções e por isso usavarn rimeiro estilista a incluir a peça em sua coleção
calças (pantalons).z9 Com a Revolução, a moda das calças se es- velmente O P
em _ tenha mudado tudo isso: como os jeans tinham um
palhou, e na Inglaterra foi desenvolvida e refinada pelo dândi 1966
apelo evidente fosse qual fosse a idade e a classe das pessoas, foi
Beau Brummell, entre outros. A partir do momento em qu
·so acrescentar-lhes alguma coisa, em parte alterando seu
chegou à classe alta, essa peça de roupa da classe trabalhador: preCJ
designe em parte anexando-lhe uma marca. Há uma grande
passou a ser feita também de seda.
diferença simbólica entre jeans Matalan e jeans Versace. Assim,
. Esse desenvolvimento é similar ao processo que levou dos
os jeans se tornaram um exemplo de uso do "estilo pobre" de
Jeans comuns aos de grife.3o Os jeans apareceram como uma
uma maneira explicitamente cara. O "tubinho preto" da Cha-
peça de roupa da classe trabalhadora e depois subiram pela es-
nel foi outro exemplo da mesma coisa. Karl Lagerfeld criou
cada social. Vale a pena notar, contudo, que eles não passaram
roupas de vison raspado e misturou pele genuína com pele
diretamente da classe trabalhadora para a classe média, mas
sintética, numa variante extrema do que Veblen chamou de
fi zeram um itinerário mais complicado.3' Depois dos traba-
lhadores, foram os ~rtistas que usaram jeans, depois ativistas "desperdício conspícuo".
políticos de esquerda e gangues de motociclistas, algo que lhes Portanto, quando examinamos a história da moda com mais
deu um caráter de expressão de oposição ao status quo. Isso atenção, a "teoria do gotejamento" se revela só parcialmente
os tornou apreciados em culturas juvenis; como a juventude correta. Numa medida mais ampla, o movimento durante os
começara a se tornar uma norma estética, eles logo se espalha- últimos 40 anos se deu na direção oposta e talvez a expressão
ra~ _para a classe média. Depois de serem aceitos pela classe mais impressionante disso tenha ocorrido nos anos 1990, com
~edJa, os jeans perderam sua força "rebelde". Em vez disso, estilos como o "heroin chie", uma extensão do slogan de Yves
mcorporaram-se num sistema de diferenciação. De início, fo- Saint-Laurent: "Abaixo o Ritz- viva a rua!" É igualmente um
ram um item de vestuário "ig ualitário". Andy Warhollouvou fato que os que ocupam uma posição relativamente segura nos
a Coca-Cola por ser um produto igualitário: escalões superiores da sociedade têm se mostrado, em geral,
menos preocupados em seguir as últimas modas que aqueles
Uma Coca é uma Coca e nenhuma quantidade de dinheiro pode com uma posição menos bem-estabelecida nesses estratos. Os
conseguir pra você uma Coca melhor do que a que o vagabundo recém-chegados têm aparentemente mais necessidade de se
da esquina está tom ando. Todas as Cacas são iguais e todas as distinguir que os já estabelecidos. Desse ponto de v ista, o fator
Cacas são boas.
.
Liz Taylor sabe d isso, o presidente sabe d ISSO,
" O "gotejamento" não se aplica ao estrato realmente superior - não
vagabundo sabe disso, e você sabe disso.n é aqui que os maiores inovadores foram encontrados. Podemos
confirmar apenas que ocorreu considerável inovaç_ão também
Ele poderia ter dito a mesma coisa sobre os jeans, embora a nas classes mais baixas, inclusive na forma de alterações por
emergência dos jeans de grife- Yves Saint-Laurent foi prova- vezes importantes de modas das classes mais altas.
Moda: uma filosofia 53
52 . e a di!';!SáO da moda
As 0 ngens ~ '

A inovação em outros estratos sociais foi obscurecida, con- 36 Estamos falando de pessoas como artesãos, lojistas
urbana .
tudo, pelo fato de as histórias da moda em geral falarem muito . d _ que se vestiam "melhor" que a maioria dos outros
e cna os , .
sobre o que esteve em moda na classe alta no passado, mas do res _ mas só numa medida limitada de opera nos e
lh
trab a a '
consideravelmente menos sobre que tipos de roupas eram usa- eres Como muitos outros, Simmel generalizou para a
A

congen ·
dos pelas classes inferiores. Houve uma tendência a focalizar classe trabalhadora como um todo baseado numa seção limi-
a alta-costura (alta moda), que é depois considerada a norma tada com que realmente entrava em contato, mas essa generali-
para as modas. Nas últimas décadas, porém, tornou-se cada zação foi em parte enganosa. O que está certo na teoria de Sim-
vez mais usual incluir todo o espectro, desde a moda produ- mel é que a partir da segunda metade do século XIX houve, em
zida em massa até a alta-costura. 33 E não podemos descrever a certa medida, menos diferenças visíveis entre as roupas usadas
relação entre as várias partes da moda dizendo simplesmente pelas várias classes sociais que antes. Outra razão importante
que ela começa no alto e depois "goteja" sobre as camadas in- foi que, à medida que o século avançava, tornou-se cada vez
feriores. No século XIX, houve uma difusão bastante limitada mais comum que uniformes e roupas associadas a ocupações
para as classes sociais mais baixas das roupas que a classe alta específicas substituíssem trajes normais, de modo que o status
considerava em moda. 34 A classe trabalhadora pouco imitava social de uma pessoa era claramente indicado pelas roupas que
as roupas usadas pelas classes mais altas, e quando o fazia as pe- usava. Isso pode ser visto, sem dúvida, como uma estratégia
ças costumavam ser radicalmente alteradas para se tornarem usada pela classe alta para tornar visível a "posição" ocupada
mais funcionais. No conjunto, parecia que a funcionalidade era pelo indivíduo, neutralizando o incipiente apagamento das
mais importante que aquilo que as classes sociais mais altas diferenças entre as roupas das várias classes. A teoria de Sim-
poderiam definir como estando na moda. Isso não significa, é mel não é obviamente errônea, mas o quadro era muito mais
claro, que as questões de gosto não tivessem importância para complexo do que ele supôs.
a escolha de roupas nas categorias mais baixas da sociedade, Ainda que tenha tentado se distanciar da teoria de Veblen,
mas era um gosto diferente. Em geral, a classe trabalhadora entre outras, Bourdieu segue em grande medida o mesmo mo-
tinha o que o sociólogo Pierre Bourdieu chamou de "o gosto delo. Ele enfatiza que a força propulsora por trás do consumo
da necessidade", que se caracteriza pela funcionalidade. 35 simbólico não é principalmente a imitação das classes mais
Por que, então, Veblen e, de maneira ainda mais óbvia, Sim- altas pelas mais baixas, mas sim as estratégias de diferenciação
7
mel acreditaram que as classes mais baixas adotavam o estilo usadas pelas classes mais altas em relação às mais baixas.3 Des-
da classe alta, mesmo que com certo atraso? Provavelmente creve como a aquisição de um objeto estético, quer seja uma
porque os membros da classe trabalhadora realmente visíveis pintura ou roupas em moda, faz com que o objetq seja trans-
tinham um tipo de emprego que os punham em contato com formado "numa negação reificada de todos aqueles que não
as classes média e alta e podiam ser observados na paisagem são dignos de possuí-lo, por lhes faltarem os meios materiais
54 Moda: uma filosofia . e a d1ifi1são da moda 55
As ongens

ou simbólicos necessários para adquiri-lo". 38 Para Bourdieu, modas da classe alta para tentar se identificar com
adotando as . - , .
gosto é basicamente uma categoria negativa, uma determi- e média funciona como um elo de hgaça~: a medtda
ela. A cIass
n ação que opera através da negação e da exclusão. Segundo força por ascender puxa consigo a classe baixa da qual
que se es '
ele, o chamado "gosto requintado" tem a "aversão como prin- está tentando se distinguir.4s
cípio subjacente". 39 Quando é preciso justificá-lo, isso é feito Mas Bourdieu difere de Veblen num aspecto importante.
mediante a rejeição de um outro gosto. A determinação do Para este último, tudo depende em última análise do capital
"bom" gosto é conseguida através da rejeição do que é "mau". econômico. O capital "simb ólico" só é importante como evi-
Bourdieu descreve gosto como "um senso social de lugar".4o dência do capital econômico. Bourdieu inverte isto e trans-
Além de permitir orientarmo-nos no espaço social, esse senso forma 0 capital econômico num caso especial do capital sim-
nos atribui um lugar particular nele. bólico.46 Precisa fazê-lo, entre outras razões, para ser capaz de
Nesse aspecto, Bourdieu concorda amplamente com Veblen explicar o fato de que há artistas que não têm capital econô-
e Simmel, que consideram a moda uma invenção da classe mico e não fazem nenhuma tentativa de converter seu capital
alta, cujos membros visam com isso criar uma distinção en- cultural em capital econômico - aqueles que declaram que
tre si mesmos e as classes mais baixas.41 O próprio Bourdieu se distanciam de todo o campo econômico.47 O que poderia
afirma que suas análises do gosto nada têm a ver com a teoria explicar esse comportamento caso só o capital econômico pu-
de Veblen porque para este os atores buscavam distinções de- desse, em última análise, trazer a salvação? Bourdieu teria ou
liberadamente, ao passo que para ele, Bourdieu, isso ocorre de se deter aí sem nenhu ma explicação para esse tipo de gosto
basicamente num nível pré-consciente.42 Mas provavelmente e produção estética, ou de introduzir um tipo de gosto que
a diferença não é tão grande quanto Bourdieu sugere. Embora exige uma explicação separada. Isso seria equivalente a intro-
Veblen afirme que em geral um ator não é explicitamente moti- duzir um tipo de "gosto inerente", precisamente o que ele se
vado pelo princípio do consumo conspícuo, 43 é preciso admitir propôs a contestar. Mas admitindo que o capital econômico é
que muitas vezes ele se expressa de tal modo que o consumo apenas um exemplo do capital simbólico, ele pode incorporar
conspícuo parece ser precisamente uma intenção consciente.44 práticas que não dão nenhum retorno econôm ico, nem têm
Apesar de tudo, o modelo de difusão de Bourdieu parece ser qualquer ambição de fazê-lo. Em suma, diferentemente do que
basicamente igual ao de Veblen: à medida que é pouco a pouco Veblen acreditava, o "bom" gosto em Bourdieu dá um retorno
imitado pela classe baixa, o vestuário da classe alta perde sua ao ser expressão de u ma afluência que é não só um indicador
exclusividade e tem de ser substituído por novas modas que de prosperidade econômica, mas também mais cultu ral por
possam fu ncionar como marcadores de classe. Portanto, a natureza. Como Bourdieu salienta, todas as formas de capi-
classe alta torna-se a força propulsora no desenvolvimento da tal estão expostas à inflação. O valor distintivo dos objetos
moda, enquanto as classes mais baixas são copiadores passivos, declina constantemente à medida que um número cada vez
-
Moda: uma filosofia 57
dtifiuão da moda
As origetts e a
maior de pessoas se apossa deles. Todo capital é relaciona}.
, .
parte tmportan te do modo como uma pessoa com
mente determinado no sentido de que o valor de qualquer coisa E5cae uma ' b'
. 1ar e, p ercebida por outros ar ttros:
sto parttcu
depende do que os outros têm. Para que algo tenha um valor umgo ·
alto é imperativo que outros não o possuam. Uma coisa pode ter
.
osto class•fica, e c1ass•'fica a pessoa que classifica: os sujeitos
valor simplesmente por haver uma escassez. É por isso que é
Og
diferem uns dos outros. no modo como distinguem entre , o belo
importante fazer distinções. Poderíamos dizer que o objetivo
. tado e o comum ou vu lgar, e atraves dessas
e o feio, o requm .
da distinção é criar uma escassez, de modo que outros sejam
- .
distinçoes a pos•ç ão que os próprios sujeitos ocupam dentro de
excluídos, pois somente excluindo outros pode alguém se apos-
sar de valores simbólicos. classificações objetivas e, expressa ou r·evelada.5 1

Há padrões sociais de gosto e eles estão corporificados no


que Bourdieu chama de "habitus". Este é "um sistema de es- E, cruCla
. 1para a análise de Bourdieu que existam relações so-

quemas personificados, formados no curso da história coletiva, ciais objetivas (i.e., verdadeiras), mesmo que os atores no campo

que foram adquiridos no curso da história individual, e que - nao


da açao - ten ham se dado conta da sua existência.. Trata-se
. .
operam de uma forma prática e para uma finalidade prática".48 O de estruturas sociais que determinam as ações indtvtduats e
habitus faz a mediação entre o campo social e o corpo humano: as preferências das pessoas, mas sem que estas precisem tomar
consctencta delas . O que Bourdieu chama de habitus nos per-
• A •

Um tipo de habitus (ou um tipo de gosto) c01·responde a cada mire acreditar que escolhemos o que de fato nos foi imposto. A
classe de posições, causado pelo condicionamento social que está . 1tvremente
coisa parece ter stdo . escolhida ' mas na realidade
. . é
ligado às condições correspondentes. E às várias formas de ha- um reflexo bastante direto de uma afiliação de classe obJetiva.
bitus e sua capacidade de produzir características corresponde O gosto supostamente autonomo e P 0 r tanto ' para Bourdieu,
A '

uma unidade sistemática de bens e características ligados uns tudo menos autonomo. A seu ver, ele é acima de tudo um
A

aos outros por uma afin idade estilística.49


produto e um indicador de afiliação de classe:

Segundo Bourdieu, o habitus leva a "escolhas sistemáticas A


' hierarquia socialmente recon hect·d a de formas de arte - e su-
no campo da ação (uma de cujas dimensões é composta pelas cessivamente dentro de cad a uma des t a s. de gêneros • escolas e
escolhas normalmente consideradas estéticas)". 5° Isto se aplica
,
epocas '
- corresponde uma h terarqu
' ia de consumidores. É por
a divisões sociais como as de classe, gênero, cidade e subúrbio,
· la r mente bom .de "classe".
isso que gosto é um marcador parttcu
educação elementar e superior. Gosto é parte da construção
. . gosto cont'mu am a existir em maneiras
Várias formas de adqumr
que atores sociais realizam de si mesmos e do que os cerca.
de usar o que foi adquirido.sz
-- 58
Moda: uma filosofia
As orige11s e
a dlifiusão da moda 59

A partir dessa perspectiva mais sociológica, a ideia de au-


A diferença so· po de se tornar um sinal - e um sinal de
. distinção,
, .
tonomia do gosto será bastante ilusória. Aqui, gosto é muito I• ·a (ou vulgaridade) - com base num pnnopw par-
de exce encl . , . ,
simplesmente uma função de afiliação de classe (ou um de- ticular para a visão e a divisão das coisas. E. esse pnnop10 ea
sejo disso). Em estética filosófica, ele é muitas vezes declarado persom.ficação da estrutura de diferenças objetivas ... e daquelas
uma entidade autônoma. Isto talvez seja particularmente ób- que atribuem valor a um ou a outros. S3
vio em Kant, na medida em que o gosto autônomo, ou "livre",
se preferirmos, é considerado adequado. Bourdieu, por outro Gosto na- 0 deve ser compreendido aqui como algo "ine-
lado, afirma que o gosto não é de maneira a lguma escolhido rente ", mas como algo cultivado através do disciplinamento
.
· 1
socta . E' uma questão de estruturas sociais que determmam
livremente. É verdade que fazemos escolhas estéticas, mas,
as ações e preferências individuais das pessoas, mas sem que
na visão de Bourdieu, a escolha entre Matalan e Prada é uma
estas tomem necessariamente consciência delas. Normal-
escolha compulsória. Considerações econômicas obrigam a
mente, não tomam.
pessoa com pouc9s recursos econômicos a comprar uma Em muitos aspectos Bourdieu adota uma perspectiva em
roupa Matalan - e a pessoa em questão provavelmente terá que 0 gosto precisa ser explicado com base no princípio di-
uma genuína convicção de que Matalan tem roupas melhores ferenciador das classes, e em que a moda é impelida por essa
que Prada. Da mesma maneira, alguém com muitos recursos diferenciação: Um problema fundamental com relação a essas
econômicos será forçado a escolher Prada ou alguma outra análises, porém, é que elas são fortemente ancoradas num con-
grife "exclusiva". Quando o gosto é reduzido exclusivamente ceito de classe que basicamente não opera mais. A questão é,
a um produto de campos sociais, porém, surgem problemas. em particular, que Bourdieu pressupõe um tipo de espaço uni-
Experimentamos o gosto como algo extremamente pessoal. forme, distinto e objetivo, em que o capital cu ltural funciona
Como La Rochefoucauld observou já em meados do século como uma espécie de meio de troca universalmente aceito.
Mas esse espaço objetivo praticamente não existe. Bourdieu
XVII, a rejeição de nosso gosto fere mais o nosso orgulho que
admite que distinções culturais são expressas de diferentes
a de nossas opiniões. É pior ouvir que nossas roupas são feias
maneiras em diferentes campos, mas mesmo assim acredita
do que ter nossas ideias sobre política econômica nacional
que há um tipo de princípio organizacional objetivo que pode
tachadas de confusas.
explicá-las. "Classe" se torna uma categoria essencial que pode
Bourdieu acredita ter refutado a objeção de que o gosto é
absorver todas as outras diferenças como idade, gênero, raça e
algo "pe.ssoal" por meio de seu conceito de lwbitus. O condi- etnicidade. É duvidoso que o conceito de classe possa suportar
cionamento social está "inscrito no corpo", que por sua vez é tamanha carga. Ademais, torna-se incômodo lidar .c om distin-
um portador de va lores: ções pequenas, locais e internas como as subculturas a partir
6o 61
Moda: uma filosofia a dit-;tsão da moda
As origens e ~·

de uma pe rspecttva
· d essas, Ja
·, que o gosto nas classes mais altas . outros estratos sociais. A substituição no nível
veruca1para
muitas vezes não ajudará em nada a compreendê-las. Estamos . 1 ortanto se desenvolve de maneira relativamente
lidando aqu 1· com gosto como um tmportante
· honzonta 'p ' , . ., .
fator interno da d nte da imitação vertical. Alem dtsso, Ja sahentamos
indepen e ,; . ,
subcultura individual. · ·ração vertical não é apenas um goteJamento de
que a tml
A emergência do individualismo moderno, em que o gosto . baixo. Talvez se possa afirmar que ela antecipa a
ctma para
im1taça0
se torna cada vez mais uma preocupação individual e os con- . ~ e tenta impedi-la já tendo deixado de lado o que se
'
ceitos de classe esgotaram em grande medida seu papel, faz que será imitado Mas isto parece um argumento ad hoc.
preve A
·
com que a perspectiva de Bourdieu perca grande parte de sua Bourdieu enfatiza que seria ingênuo "não notar que as modas,
força explanatória. Quando o gosto não faz mais de mim um ue diz respeito a vestuário e cosméticos, são um elemento
00 q ,
membro de um grupo social, mas, ao contrário, serve para completamente essencial numa c10rma de supremacta . ".54 E t am-
~~strar quem sou eu como um indivíduo completamente bém possível objetar contra Bourdieu que, embora a luta por
U~tco, provavelmente será preciso usar outras teorias que tal posição social seja sem dúvida parte do campo da moda, é
nao a de Bourdieu. Continuará, é claro, havendo diferenças enganoso afirmar que isso poderia explicar a origem desta. Ela
de gosto, mas estas.serão mais individuais que orientadas pela surgiu primeiramente no seio de uma elite social que não pre-
classe. Na medida em que elas são expressas em grupos estes cisava se preocupar em excesso com seu status, precisamente
difi . '
ctlmente podem ser ordenados num espaço social mais ge- por já ocupar uma posição proeminente.
ral. O que encontramos, em vez disso, é uma pluralidade de O sociólogo Herbert Blumer foi um dos primeiros críticos
agrupamentos parcialmente sobrepostos sem qualquer ordem da teoria que busca explicar o desenvolvimento da moda com
hierárquica. E nessa pluralidade não há um grupo único capaz base na diferenciação de classe:
"de impor seu gosto como o mais leg ítimo, como o verdadeiro
, de gosto". Em suma, temos um espaço social em que é
padrão Os esforços de uma classe de elite para se diferenciar na aparência
Posstvel fazer distinções, e essas distinções podem certamente não são a causa do movimento da moda, mas ocorrem dentro
· 1cu1tura 1e soctal
resultar em captta · - mas esse capital não pode dele. O prestígio de grupos de elite, em vez de estabelecer a dire-
ser incorporado numa hierarquia social objetiva. ção do movimento da moda, só é eficaz na medida em que esses
Um problema presente em todos os modelos que pretendem grupos são reconhecidos como representando e retratando esse
explicar a moda com base na diferenciação de classe, segundo movimento. As pessoas de outras classes que seguem conscien-
os quais as mudanças são impelidas pelas classes sociais mais temente a moda o fazem porque ela é a moda e não por causa do
altas porque a moda é diluída por imitações nas classes mais prestígio distinto do grupo de elite. A moda morre não por ter
baixas
. • é'que o fl uxo h on.zonta 1de "novos" objetos que subs- sido rejeitada pelo grupo de elite, mas por ter dadó lugar a um
tttuem os " Ih " , . novo modelo mais de acordo com o gosto em desenvolvimento.
ve os e mmtas vezes mais rápido que a difusão
62
Moda: uma filosofia . e a dtifitsão da moda
As ongens

O mecanismo da moda aparece não em resposta a uma necessi- de prever as formas do futuro que prognosticado-
mais capazes . ., .
dade de diferenciação e emulação, mas em resposta a uma neces- ofissionais é u ma das questões mais obscuras da h1stona
sidade de estar na moda, de estar em dia com o que é bem-visto res pr d . · "ss o
historiador da cultura, uma as ma1s centra1s.
_ e para o , : . _
de expressar novos gostos que estão emergindo num mundo em' a é que é notoriamente diflcil defimr com preCisao o
mudança.ss problem -
, · da e'poca"• em especial quando as modas mudam
"esp1nto . tao
a quanto nas últimas décadas, e quando _um c1clo de
depress A

Para Blumer, portanto, a explicação reside não na diferencia- moda pode ser tão breve que mal dura uma estaçao. A referen-
ção de classes, mas numa espécie de gosto coletivo e cambiante da a um espírito da época teria soado mais plausível se os ci-
com que a pessoa consciente da moda deseja se manter em clos da moda durassem tanto quanto no passado. Talvez possa-
dia, ou que gostaria mesmo de antecipar. Enquanto Veblen, mos afirmar que o "espírito da época" de hoje é um pluralismo
Simmel e Bourdieu situam a diferenciação de classe antes do irrestrito com mudanças extremamente rápidas, e que isto se
processo da moda e consideram que esta simplesmente repro- reflete na moda atual. O problema é que isso não explicaria por
du z aquela, a perspectiva de Blumer sugere que uma elite é que, apesar de tudo, muitas vezes há certa coincidência entre
constituída pelo próprio processo efetivo da moda: a moda se os estilos de vários estilistas durante uma estação. Seria mais
desenvolve segundo sua própria lógica, e a "elite" consiste nos previsível que as modas se expand issem, portanto, em todas
que conseguem explorar esse desenvolvimento mais depressa as direções. Ademais, embora possamos certamente acredi-
que outros, e assim criar o próprio status mantendo-se em dia tar que os acontecimentos mais centrais dos últimos tempos
com seu tempo. A ideia de seleção coletiva tem a vantagem de -com o a queda do mu ro de Berlim, o genocídio na Bósnia ou
permitir uma visão equilibrada da difusão da moda. Como a luta contra o terrorismo após u de setembro de 2001- foram
salientei, a moda - em especial nos últimos 4 o a 50 anos _não uma parte importante do "espírito d a época", é difícil afirmar
seguiu um modelo de difusão de cima para baixo. O problema que tiveram qualquer impacto perceptível sobre a m oda, ainda
com a teoria de Blumer é que ela é tão vaga que não possui que tenha havido referências esporádicas a uniformes milita-
praticamente nenhuma força explanató ria.s6 res etc. Em resu m o, a referência a um espírito da época não é
A teoria de Blume r chega perto de se referir a uma espécie satisfatória com o explicação para o desenvolvimento da moda.
de espírito da época (Zeitgeist), e h á vários teóricos que atri- Uma explicação realmente banal de por q ue as modas mu-
buem explicitamente aos lançadores de tendências mais bem- dam seria que os ateliês estão, em grande medida, simples-
sucedidos uma capacidade especial de captar esse espírito- e mente seguindo o que os chamados "prognosticadores da
realmente de antecipá-lo. 5 7 Até o historiador Eric Hobsbawm moda" de Paris e Londres disseram sobre o que, a seu ver, seria
escreveu: "Como certos lançadores de tendências brilhantes "in" dentro de um ou dois anos, ajudando assim a assegurar que
'
um grupo que é notoria m ente difícil analisar, são por vezes essas profecias promovam a sua própria realização.5 9 Quando
Moda: uma filosofia a difusão da moda
As origens e

essas previsões são coincidentes, vemos uma convergências tendências, a alta-costura começou a ficar para
de lança d as . , l -
n as modas lançadas pelos diferentes ateliês, e quando elas s calças foram finalmente mclmdas em co eçoes
divergem , h á uma correspondente diversidade. Que base
trás. Quan a d ° - d "f d"d
a feminina elas já estavam tao 1 un 1 as que,
de alta-costur ' .
"científica" têm esses prognosticadores para suas profecias e,
· · dustrial, produziam-se mais calças do que satas
na rno d a m .
evidentemente, uma outra questão. Contanto que possam S É claro que grande parte da alta-costura fm
~~~ ~· lh ..
fornecer profecias que asseg uram o próprio cumprimento, , ·ada com a intenção de estar na dtantetra. A moda
tarnb ern cn
seu direito de existir fica garantido no que tange à indústria a criada dentro de amplas seções da alta-costura
de vanguard
da moda. ada vez mais espetacular, mas ao mesmo tempo
tornou-Se C
Podemos distinguir hoje três categorias principais na moda: a ter cada vez menos influência sobre o resto do campo.
passou . .
de luxo, industrial e de rua. 60 A de luxo pode ser encontrada Coleções de costureiros como Jean Paul Gaultter e Ret Ka-
na extremidade mais alta do espectro de preços e é feita sob wakubo contestaram ideais de beleza muito difundidos, mas
medida - sua seção mais dispendiosa é a alta-costura. A in- isso só influenciou em pequena medida as roupas que são re-
dustrial é produzida em massa, mas vai desde roupas caras de almente usadas. E quando esses costureiros fazem moda de
estilistas até as rou'pas baratas das cadeias de lojas. A de rua é massa- como as camisas de Kawakubo para Fred Perry em
criada a partir de várias subculturas. Há também transições 2oo4 - , os itens costumam ser extremamente convencionais.
muito gradativas entre essas três categorias. Muitas vezes, 0 Afirma-se que o glamour retornou agora à alta-costura, depois
que começa numa subcultura passa a ser produzido de ma- que ela se dedicou ao oposto durante toda a década de 1990 -
neira limitada dentro dela, mas pode se expandir depois como embora não haja nenhum sinal forte disso na moda de massa.
moda industrial e mais tarde ser adotado pela moda de luxo A alta-costura simplesmente não está mais em condições de
- ou vice-versa. Como a alta-costura está sa indo cada vez mais prescrever o que é "in" e o que é "out".
do mercado - hoje só restam cerca de 2 mil clientes no mundo Anteriormente havia muito mais consenso entre os estilistas
e cerca de 4.500 empregados - , parte das roupas prêt-à-porter e um modelo mais centralizado, em contraste com a produção
adquiriu um status (e um preço) reservado anteriormente à de moda mais descentralizada e diferenciada de hoje. Havia
alta-costura. Muitos dos costureiros mais famosos de hoje tra- muito menos costureiros "importantes", e havia muito mais
balham exclusivamente com prêt-à-porter e abandonaram a acordo entre eles no tocante a matérias como corte, cores e
alta-costura. Enquanto anteriormente a roupa produzida em comprimento das saias para uma dada estação. Naturalmente,
massa costumava consistir em versões aguadas e atrasadas como os costureiros disputavam entre si o poder de fixar pa-
da "verdadeira" moda (alta-costura), a partir dos anos 19 6o 0 drões, havia também variações, mas suas coleções e~am muito
prêt-à-porter começou a se impor como a moda "adequada", mais semelhantes do que se vê na alta-costura mais recente.
ainda que produzida em massa. Em vez de representar a ponta Era possível dizer que havia um centro (Paris) que definia uma
E
66 67
Moda: uma filosofia d!fusão da moda
AS origCJIS ea t

norma e que somente aqueles que vestiam roupas em con6or. Nos anos 1990, por exemplo, a "sexta-feira infor-
. frouxas. , .
midade com ela estavam "na moda". Esse consenso praf ICa. rnats . u com 0 terno sendo deixado no arman o e
}" se popu 1an zo , , .
mente desapareceu nas últimas décadas, e a noção de que há rna . d balhar com roupas descontratdas. O cunoso,
essoas tn o tra .
apenas uma norma para a moda sucumbiu. Em vez disso, há as P , regras para esse traje supostamente mformal
contudo, e que as
muitos centros de moda menores e muitas normas. Foi preci- ~ . s quanto as que regiam as roupas nos outros
rn tao n gorosa
samente essa dispersão que deu origem a uma demanda por era d do estava pronto para sair de folga da mesma
dias. To o mun . , -
agências preparadas para prever como as tendências se desen- . m mesmo tip o de calça, camtsa e paleta. Nao
rnanetra, co 0 .
volverão. A informação que elas fornecem para os ateliês de . ·do tolerável aparecer vestindo um leggtng ou um con-
tena st
moda pode ajudar a explicar por que as modas se conformam oletom desbotado embora sejam essas realmente as
junto dem '
muitas vezes à mesma tendência durante uma estação, ainda costumam ser usadas nos fins de semana. O que se
roupas que
que os estilistas estejam muito mais dispersos que antes. fez foi apenas substituir um código de vestuário por outro, um
O desafio para os consumidores está não em ter roupas pouco mais livre que o imposto nos demais dias de trab~lho.
"na mo da", mas e rv. decidir que estilo querem seguir. Não é Gilles Lipovetsky escreve: "Após o sistema monopolista e
verdade que "tudo é permitido". O que há de fato é uma plu- aristocrático da alta-costura, a moda chegou ao pluralismo
ralidade de normas existindo lado a lado. Tomadas separada- democrático das etiquetas."61 Não é absurdo afirmar que ela
mente, elas podem ser tão rigorosas quanto antes - ainda que se tornou mais democrática - mas não se tornou igualitária.
as referentes às roupas tenham se tornado um pouquinho mais Embora não seja possível ordenar as marcas numa h ierarquia
frouxas-, mas agora, numa medida muito maior que antes, o estrita, e o valor simbólico delas varie de ano para ano, algu-
indivíduo pode saltar de uma norma para outra e p or vezes mas gozam inegavelmente de uma reputação mais alta que
usar roupas que atravessam várias delas. Certos contextos, no outras no sistema da moda. Paul Smith, por exemplo, tem mais
entanto, ainda impõem restrições severas. Não comparecemos prestígio que Batistini no que se refere a ternos masculinos.
a uma audiência com o mo na rca vestindo camiseta e jeans Não é tampouco simples perceber a que grupo ocupacional ou
esburacado, e nos locais de trabalho muitas vezes imperam classe social u ma dada pessoa pertence. Um século atrás, era
regras de vestuário relativa mente rigorosas. A ma ioria das relativamente fácil distinguir diferentes grupos ocupacionais
pessoas costumava usar algum tipo de uniforme no trabalho, na rua. Era óbvio quem era trabalhador b raçal, criado, empre-
fosse um macacão ou roupa protetora "na oficina", ou terno e gado de escritório etc., e era ainda mais óbvio quem pertencia
gravata (ou 'traje for mal) no escritório (operários e colarinhos- à classe alta. Hoje essa é u ma tarefa d ifícil , mesmo que seja
bra ncos). À medida que cresceu o foco na "criatividade" e na bastante óbvio que uma pessoa com um cinturão d~ ferra men-
"individualidade"- duas palavras que parecem ser os mantras tas provavelmente é um operário e u ma que enverga um terno_
de nossa época -, essas normas tenderam a se tornar muito Paul Smith quase certamente não está à procura de emprego.
-- 68 ;FttSão da moda
Moda: uma filosofia . .... c e a d!i·
J,song~·-

mais uma questão de escolha individual


Hoje, no entanto, os padrões de difusão seguem m ats
· a . a moda se torna . .
diSS0 • .~ . , instruções de um centro partiCular. Por
idade que a renda e os bens: a moda começa com os consu. d obedlencla as
que e , perguntar em que medida essas escolhas
midores mais jovens e depois se espalha entre os mais velhos. lado é poss,ve1 .
outrO ' . d"viduais quando as grandes cadeias de lojas
Poderíamos dizer que essa tendência teve início já no período ~o realmente 111 '
sa , ·s por três quartos da renovação do estoque de
romântico, quando a ênfase no "natural" levou a um mOV!-. ão responsavel .
5 do e produzindo peças com base na mforma-
mento rumo a um vestuário mais simples, antes reservado roupas, comprao
unicamente às crianças (e às classes sociais mais baixas). Crian- ~ d s mesmos prognosticadores de moda.
çao o . , . " 1 . "
É provável que seja mutü tentar encontrar um a ,g~ntmo
ças cada vez mais novas usam modas "adultas", e os adultos
danças na moda quer em relação ao vestuano, quer
estão, cada vez mais, usando modas "jovens". Desde os anos para as mu ' , . .
~ a outros fenômenos ainda que vanas tentativas
1980, em particular, tornou-se difícil distinguir entre os vários em relaçao '
nesse sentido tenham sido feitas. Lipovetsky declara que a mu-
grupos etários. Se vivemos numa cultura instantânea, não é
dança na moda não pode ser derivada de um único princípio
muito surpreendente que nossos ideais sejam copiados de algo
de difusão. É mais provável que a novidade tenha uma força de
eminentemente em progresso e inacabado: a juventude. Ao
atração em si mesma e não precise ser explicada com base num
mesmo tempo, a "juventude" está sempre sendo esticada, de
mecanismo de distinção social.63 Como vimos no Capítulo 2,
modo que, cada vez mais, se torna um estado permanente em
temos razões para duvidar que a moda continue sendo capaz
vez de uma fase de transição. O termo "juventude" está dei-
de proporcionar algo de "novo". Terá ela então alguma outra
xando de designar um grupo de idade particular para designar
característica? Será capaz, por exemplo, de funcionar como
uma "atitude" diante da vida.
A difusão não obedece a nenhum princípio distinto e se dá um meio de comunicação?
mais no interior de vários segmentos que de um segmento
para outro por "gotejamento". Se examinamos as modas nas
categorias de preço mais baixo, encontramos agora itens de
vestuário que foram criados de maneira mais ou menos in-
dependente e não são cópias inferiores de modas mais caras.6 z
O mercado de massa tornou-se também individualizado. Ar-
tigos produzidos em massa são, cada vez mais, lançados em
muitas variantes, com diferentes acessórios que oferecem um
g rande potencial de combinações, de modo que cada consu-
midor pode criar sua expressão "individual". Isso neutraliza a
oposição entre produção em massa e individualidade. A partir

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