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De graça, versão digital do Especial Lixo da NG Brasil

Marina Maciel - 03/04/2014 às 14:20

Lançado em dezembro passado, com o apoio do Planeta Sustentável, o Especial


Lixo, da revista National Geographic Brasil, agora está disponível também em
versão digital para iPad, tablet Android, PC, Mac OS, iPhone e smartphone Android. E o
melhor de tudo: de graça!
Leitores da versão digital também têm mimos exclusivos: dois vídeos foram produzidos
especialmente para complementar reportagens desta edição. Um deles mostra o
caminho que os resíduos percorrem na cidade, sob a ótica de um coletor de lixo, que
tem uma câmera GoPro no capacete; e o outro conta a história de um carismático
catador de materiais recicláveis.
A edição especial está repleta de reportagens esclarecedoras a respeito da gestão do
lixo nas cidades e de como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que
entra em vigor em meados deste ano, tem a ver com você. Entre elas, vale destacar:
– O triste destino dos carros, que revela o perigo dos milhares de automóveis
abandonados que apodrecem em “cemitérios” em todo o Brasil;
– A riqueza do lixo, em entrevista, o sociólogo Ricardo Abramovay – autor do livro
Muito Além da Economia Verde, e coordenador do estudo Lixo Zero, ambos
lançados pelo Planeta Sustentável – fala sobre reciclagem e logística reversa;
– Uma montanha que só cresce, que mostra o drama das cidades por conta do
excesso de consumo e da lotação dos aterros. Abaixo, assista ao vídeo produzido para
este texto:
– Profissão: catador, que fala a respeito do ofício que já é exercido por cerca de 600
mil brasileiros, que representam o futuro da reciclagem. Em vídeo produzido para esta
reportagem, o catador Bispo fala um pouco do seu dia a dia:

Quer ler? Baixe agora a edição, gratuitamente, no IBA, na App Store ou no Google Play.

Leia também:

Inspiração no lixo
Tecnologia que vira sucata
“Deus recicla, o diabo incinera”
O lixo e as mudanças climáticas
Mapa do lixo (infográfico)
Hora da limpeza
NG produz especial de lixo para o Planeta Sustentável
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POLUIÇÃO

Mar plastificado
No ano passado, viajei com cientistas, a bordo do veleiro Sea
Dragon, para acompanhar suas pesquisas sobre o lixo
plástico acumulado no Oceano Atlântico. Acompanhe a
experiência e entenda, também, a influência das correntes
oceânicas e da temperatura sobre a trajetória desses resíduos
Liana John
National Geographic Brasil - 04/2011*

*Esta reportagem é da edição de abril da revista National Geographic,


mas foi publicada aqui, no site do Planeta Sustentável, no dia 21/03/2011

Uma semana a bordo. Nenhum continente ou ilha fica a menos de mil


quilômetros do ponto em que estamos agora. No meio do Atlântico Sul, a
tripulação do veleiro Sea Dragon[box-leia] avalia que o oceano parece
limpo. Mas a miragem se desmancha nas mãos do cientista americano
Marcus Eriksen, do projeto 5 Gyres: após deslizar um coletor por uma hora
na superfície da água, ele exibe uma coleção de fragmentos de plástico.

A VIAGEM DO LIXO
Plásticos, náilon, isopor: todo o lixo capaz de flutuar é um potencial viajante
e colecionador de poluentes. Ao ser levado pelas águas - da chuva, dos
rios ou do mar -, logo desaparece de vista. Porém, permanece no ambiente
por longo tempo. Caixas e vasilhames se quebram, cordas emaranham,
sacolinhas se rompem - e todos os pedacinhos flutuantes prosseguem sua
jornada. Por onde passam, deterioram a paisagem, contaminam as águas,
causam impactos sobre a fauna e afetam a qualidade de vida.

VEJA O INFOGRÁFICO "A VIAGEM DO LIXO" E ENTENDA MELHOR O


QUE ACONTECE COM OS RESÍDUOS DESCARTADOS SEM CUIDADO

Os mares do mundo foram invadidos por uma praga quase invisível, o lixo
plástico, em boa parte arrastado das cidades pelo curso dos rios Os
resíduos não chegam a formar ilhas flutuantes, mas uma fina camada de
fragmentos está presente em todo o percurso da expedição - 3,5 mil
quilômetros entre o Rio de Janeiro e a ilha de Ascensão, uma possessão
britânica.

Nem uma vez recolhemos o coletor sem plástico. Em viagens pelos


maiores giros oceânicos do mundo, o 5 Gyres obteve os mesmos

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resultados. O que varia é a densidade de fragmentos. O lixo é mais nocivo


do que aparenta. Enquanto viaja, o plástico entra em contato com os
poluentes orgânicos persistentes (POPs), uma categoria de contaminantes
de longa duração no ambiente - caso do pesticida DDT e das dioxinas. "Um
fragmento de plástico circulando há alguns anos no mar chega a ter uma
concentração de POPs 1 milhão de vezes maior que a água a seu redor",
diz Eriksen.

LF. Martins

Os giros oceânicos: a rotação da Terra e as diferenças de temperatura nos oceanos geram um


movimento circular contínuo das correntes marinhas. Assim, como se estivesse em um ralo, o
lixo plástico flutua em círculos cada vez menores em torno do centro do giro. Campeão em
volume, o lixo dos Estados Unidos divide o Atlântico Norte com os resíduos da Europa e o
Pacífico Norte com os da Ásia

Isso acontece porque esse lixo e os poluentes têm a mesma origem - o


petróleo - e possuem afinidade química. Assim, os organoclorados
dispersos na água aderem ao plástico "viajante". Pobre do animal que
engolir a mistura indigesta: não conseguirá metabolizar o plástico e sofrerá
os efeitos da contaminação. Vazamentos e naufrágios são fontes de lixo e
POPs, mas apenas de uma ínfima parte. "A grande maioria dos resíduos
sai de cidades e lixões em terra. São despejados diretamente nos rios ou
carregados pelas enxurradas até terminar no mar", conta Eriksen.

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A viagem do lixo - Planeta Sustentável http://planetasustentavel.abril.com.br/pops/ambiente-mar-lixo.shtml

Mais informações

Mar plastificado • A viagem do lixo

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NOVOS TEMPOS

Ricardo Abramovay e a riqueza do lixo


Em 2014, a Política Nacional de Resíduos Sólidos entrará em
vigência e, com ela, uma nova era para o destino do lixo e a
forma como o descartamos. O sociólogo Ricardo Abramovay,
que lançou publicação sobre o tema este ano, comenta como
isso deve acontecer, destacando a urgência de frear o
consumo de recursos naturais e estimular a reciclagem
Afonso Capelas Jr. e Matthew Shirts
Especial Lixo National Geographic - 12/2013

Alexandre Severo

[box-leia]
Responsabilidade compartilhada, poluidor-pagador,
logística reversa. Daqui em diante vamos conviver com
esses e outros termos até agora estranhos. Eles passam
a fazer parte do cotidiano dos brasileiros e revelam uma
nova era na destinação do lixo, com o início da vigência,
a partir de meados de 2014, da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS). Ela prevê o fim dos
malcheirosos lixões a céu aberto e a certeza de que a
sociedade terá papel decisivo na destinação adequada do lixo. Inclusive
o cidadão comum.

Quem revela o significado dessas expressões e como será a vida quando


vigorar a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é Ricardo
Abramovay, professor de economia da Universidade de São Paulo
especializado em desenvolvimento sustentável.

Sobre o tema, ele e colegas lançaram o estudo Lixo Zero – Gestão de


Resíduos Sólidos para uma Sociedade Mais Próspera, disponível em
formato digital pelo Planeta Sustentável (que lançou Muito Além da

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Economia Verde, de sua autoria, em 2012), do qual é conselheiro. O


economista alerta que se deve frear a exploração dos recursos naturais e
estimular a reciclagem: “Lixo é riqueza, não pode ser desperdiçado”.

Qual é o ponto crucial da Política Nacional de Resíduos Sólidos?


É a chamada responsabilidade compartilhada. Ela sinaliza que estamos
todos incumbidos de dar destinação correta ao lixo produzido: as
prefeituras, os governos estaduais e federal, as empresas e o próprio
consumidor. É importante delimitar em que consiste o compromisso de
cada um; sobretudo, saber quem paga a conta. Para o consumidor, a
responsabilidade compartilhada exige que ele separe seu lixo,
preparando-o para a reciclagem, sob pena de multa. A lei prevê também o
conceito da responsabilidade estendida. Com ela, o produtor ou o
importador (denominados poluidores-pagadores) terão de responder pelo
envio apropriado dos rejeitos do que venderem ao consumidor final,
incluindo a estruturação da logística reversa – o recolhimento e a devida
reciclagem desses produtos pós-consumo –, para que tenham destinação
mais adequada que não os aterros.

Mesmo os aterros controlados não são apropriados?


Nosso objetivo tem que ser lixo zero, ou seja, um processo de inovação
que leve sempre à reutilização dos materiais. Mas para aquilo que tiver que
ser descartado, o aterro sanitário, como o prevê a lei, é a solução menos
danosa para a sociedade. O aterro controlado não é adequado e tem o
agravante de gerar mais gases de efeito estufa que o próprio lixão.

Será preciso fazer campanhas para conscientizar o consumidor?


Sim. A experiência internacional mostra que o consumidor só faz a parte
dele quando recebe boa educação ambiental. Na Europa, as empresas
gastam muito dinheiro com publicidade pedagógica, e aqui será preciso
fazer o mesmo. Também é necessário ter um sistema de coleta coerente
com essa nova obrigação do consumidor. Em muitas cidades brasileiras é
frequente as pessoas mais conscientes fazerem a triagem de seu lixo
domiciliar e depois constatarem que o caminhão da coleta mistura todos os
rejeitos de novo. Isso desmoraliza o processo. É mais um fator
institucional, que precisa ser organizado de forma coerente nos municípios
por três atores importantes: as prefeituras, os catadores e as empresas.

O senhor concorda com o pagamento de uma taxa sobre os resíduos


produzidos pelo consumidor?
É polêmico, mas creio que essa deva ser outra responsabilidade das
pessoas. Na cidade de São Paulo, a taxa chegou a ser cobrada, anos
atrás, e depois foi suspensa. Houve o erro de demonizar essa cobrança, e
sua suspensão foi tratada pelos paulistanos como uma vitória da
cidadania. Mas a taxa do lixo continua sendo paga, agora embutida no
imposto predial e territorial urbano (IPTU). Sem a cobrança explícita, as
prefeituras não podem premiar quem faz a separação correta de seu lixo
nem oferecer incentivos às pessoas que produzem menos resíduos e
promovem a reciclagem.

Quem irá financiar o sistema de logística reversa?


Serão os fabricantes e importadores; por isso, agora são chamados de
poluidores-pagadores. O sistema já é praticado, de forma eficiente, no
Brasil, com pneus, embalagens de óleos combustíveis e de agrotóxicos,
além de baterias automotivas. Esses cinco setores privados organizam e
pagam os custos da coleta e da reciclagem dos produtos, antes mesmo da
nova lei. Em meus tempos de criança, o que mais se encontrava nos rios
Pinheiros e Tietê, em São Paulo, eram pneus velhos. Hoje, eles são
reciclados. Há uma agência chamada Reciclanip responsável por essa
tarefa. No caso das embalagens de agrotóxicos, o setor gasta R$ 80
milhões por ano para organizar sua logística reversa.

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A dificuldade maior está em produtos com venda descentralizada e


descarte domiciliar.

Quais são esses produtos?


São embalagens em geral, desde latinha de bebida até garrafa PET e
caixinha longa-vida. Nesse ponto, a lei quer aguardar o que os respectivos
setores têm a dizer. Aí, há uma queda de braço entre fabricantes e
governo: a proposta das empresas é apenas auxiliar com recursos
financeiros os catadores de rua, oferecendo a eles infraestrutura para
melhorar o trabalho e a produtividade.

E só. No entender desses fabricantes, a tarefa de coleta e logística


reversa ficaria a cargo das prefeituras, com os catadores.
A alegação é de que não é possível ir aos domicílios recolher as
embalagens descartadas. Acontece que esse tipo de argumento está
enfraquecido. Ao contrário do que propõem no Brasil, essas mesmas
empresas se comprometem com o pagamento da logística reversa nos
países desenvolvidos.

Essa responsabilidade empresarial deve ser cada vez maior?


Sim. A responsabilidade estendida não pode mais ser vista como excesso
ambientalista ou exagero. É uma tendência de comportamento das grandes
marcas globais. As empresas cada vez mais começam a pensar em sua
cadeia de valor como um todo, e a reciclagem faz parte dessa crescente
preocupação.

E o caso de pilhas, lâmpadas e eletroeletrônicos, que contêm


substâncias tóxicas?
A logística reversa de produtos de difícil manuseio e com grande potencial
tóxico também será responsabilidade financeira do fabricante ou do
importador. Mas ninguém sabe ainda como se organizará a reciclagem.
Isso porque a lei brasileira foi sábia em esperar os próprios fabricantes
fazerem suas propostas como ponto de partida. O governo está recebendo
essas sugestões.

Qual é a tarefa de prefeituras, estados e União com a PNRS?


As prefeituras continuarão respondendo pelo recolhimento do lixo domiciliar
e, em parte, pela coleta seletiva porque são elas as primeiras
responsáveis pelos resíduos gerados em seus municípios. Portanto, se
esses resíduos serão recolhidos por organizações de catadores – além do
trabalho das empresas de coleta contratadas –, deverá haver um acordo
entre as partes constantes nos chamados planos municipais de gestão de
resíduos sólidos. O problema é que, pela nova lei, as prefeituras já
deveriam ter elaborado seus planos, e, hoje, menos de 10% delas têm eles
prontos. Se não o fizerem, deixarão de receber os recursos para organizar
seus sistemas de coleta. Isso revela como o poder público está atrasado,
porque a base ainda não fez sua lição de casa.

Além disso, por questões legais, municípios com menos de 15 mil


habitantes não podem ter aterros sanitários. Portanto, será preciso montar
consórcios municipais e criar aterros conjuntos, o que, é certo, trará dois
problemas. Primeiro, o orçamento do lixo no país tem a tradição de ser
grande financiador de campanhas eleitorais. Assim, é muito difícil partilhar
esse orçamento com outras prefeituras, até porque isso só pode ser feito
sob absoluta transparência, o que não é o que vigora no Brasil. Segundo,
há aquela velha questão do “no meu quintal, não”. Ninguém vai querer um
aterro em sua cidade. Resumindo: os consórcios necessários para
acelerar essa transição dos lixões para os aterros sanitários ainda estão
muito atrasados e será uma grande dificuldade implementá-los. Hoje, no
Brasil, pouco mais de 40% de todo o lixo tem destinação inadequada. A
grande maioria está em cidadezinhas das regiões Norte e Nordeste do

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país.

Os estados também terão papel fundamental, mas, assim como as


prefeituras, os estados do Norte e do Nordeste ainda não têm planos
concluídos. Por fim, o governo federal está implementando a lei, tem
recursos destinados para tal, mas o dinheiro está bloqueado, pois a
maioria das prefeituras e muitos estados não fizeram a lição de casa. Esse
cenário fortalece a tese de que é preciso haver maior responsabilidade do
setor privado. Não se pode esperar que o poder público conclua suas
pendências com rapidez e facilidade, porque isso não vai acontecer.

Como resolver a questão dos catadores? Melhor tê-los regularizados


ou dar a eles atribuições mais dignas?
O melhor é tê-los regularizados. A cidade de San Francisco, nos Estados
Unidos, tem 800 mil habitantes e dois mil catadores de resíduos sólidos
regularizados e equipados. É um trabalho digno. O serviço ambiental que
essas pessoas prestam à sociedade é inestimável. No Brasil, quem faz
esse trabalho é vítima das piores formas de exclusão social; por isso,
associa-se essa tarefa à degradação, quando não deveria ser assim. Em
uma sociedade saudável, em que não há trabalho indigno, é preciso ter
uma forma de coleta destinada à reciclagem como a dos catadores.

As associações de catadores estão procurando organizar a categoria, mas


a grande maioria deles está na informalidade.

Incinerar lixo para gerar energia pode ser um bom modelo?


Estudo recente compara biodigestores e incineradores convencionais.
Biodigestores são mais adequados na produção de energia porque
funcionam só com resíduos orgânicos, deixando os inorgânicos para
reciclagem. É preciso comparar o valor potencial que provém da
reciclagem com o valor do que é incinerado para produzir gás e gerar
energia. Mesmo que haja vantagem ambiental e econômica em incinerar,
não considero como a melhor solução. Queimar resíduos pode ser um
estímulo ao desperdício para uma sociedade que ainda cultua o vício do
“jogar fora”. Nós, brasileiros, e também os americanos somos sociedades
assim. A vantagem de optar pela reciclagem é que esse fator incidirá
também na concepção dos produtos. Até agora, não vi nenhum caso no
Brasil de empresa que, com base na PNRS, tenha modificado o desenho
de seus produtos em função da necessidade de facilitar a separação dos
diferentes materiais para a logística reversa.

No Brasil, a quantidade de resíduos aumenta de forma vertiginosa à


proporção do crescimento econômico. Como estancar isso?
Com o aumento na renda, a quantidade de lixo também cresceu. Não há
orientação na publicidade ou nas políticas de crédito ao consumidor no que
diz respeito ao destino do lixo. Dados recentes apontam que cada ser
humano consome 10 toneladas por ano de recursos naturais. É a nossa
chamada pegada material, e ela só faz aumentar: no início dos anos 2000,
foram extraídos 60 bilhões de toneladas de matéria orgânica, minérios e
combustíveis fósseis. Em 2008, esse número saltou para 70 bilhões de
toneladas. Esses recursos não são infinitos. Se não tivermos inteligência
para usar o que foi retirado do planeta, chegará o momento em que não
teremos mais de onde tirar.

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Hora da limpeza
Os imensos desafios da questão do lixo são abordados com
talento e originalidade nesta edição de National Geographic
Brasil, produzida especialmente para o Planeta Sustentável
Matthew Shirts, editor de projetos especiais
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

foto de Victor Moriyama

Basta assistir a qualquer encontro dedicado ao lixo para


ver como o assunto gera paixões e discórdia no Brasil.
Seja em uma reunião de condomínio, seja de empresas,
seja do governo, todos os presentes têm uma opinião.

A quantidade de resíduos produzida por habitante dobrou


desde a década de 1970. A sujeira entope rios, invade
praias e se acumula em pontos viciados. Muitos
municípios despejam detritos em lixões a céu aberto,
imundos e insalubres. Outros mandam lixo para aterros sanitários, mais
limpos, mas inadequados à logística reversa do século 21, talvez.

A participação de milhares de catadores na coleta, país afora, dá à


questão um cunho social inegável, também. A destinação correta de
nossos resíduos ganhou, enfim, uma complexidade gigantesca - e nova.

Os imensos desafios da questão do lixo são abordados com talento e


originalidade nesta edição de National Geographic Brasil, produzida
especialmente para o Planeta Sustentável. Prova de que mesmo os
nossos problemas mais imundos podem ser convertidos em fonte de
energia e prazer intelectual.

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ESPELHO DO CONSUMO

Uma montanha que só cresce


O consumo em alta produz cada vez mais lixo. Com isso, os
aterros operam no limite. Entre as soluções viáveis estão a
reciclagem e a logística reversa.
Julio Lamas
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Foto de Victor Moriyama

Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), foi o maior depósito de rejeitos da América Latina por 34 anos. O lixão
foi fechado em junho de 2012

[box-leia]
Nos últimos anos, com certeza ficamos mais ricos. A
afirmação do engenheiro Nelson Domingues, presidente
da Ecourbis Ambiental, uma das concessionárias
responsáveis pela coleta de lixo na cidade de São Paulo,
vem acompanhada de preocupante constatação. "Lixo é
reflexo de poder aquisitivo e consumo. Pela quantidade
e pelo tipo de resíduo gerado, é possível ter uma noção
da economia de uma cidade", explica Domingues.

Enquanto diz isso, estamos no topo de uma verde colina, de quase 160
metros de altura, a cerca de 30 quilômetros do centro de São Paulo, na
divisa com os municípios de Mauá e Santo André. Do alto do morro,
pisando na grama, assistimos ao voo de carcarás, quero-queros,
bem-te-vis, falcões peregrinos, entre outras aves. Mas não estamos em

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nenhuma área preservada da Mata Atlântica. Sob nossos pés há


enterradas 29 milhões de toneladas de lixo. "Isso nos faz refletir sobre
nossos hábitos e sobre a sociedade de consumo em que vivemos",
observa o engenheiro.

Equivalente à altura de um prédio de 40 andares, essa "montanha", com


uma área 500 mil metros quadrados, é o aterro sanitário desativado Sítio
São João. De 1992 a 2009, ele recebeu uma média de 175 mil toneladas
de lixo por mês, geradas por 4,5 milhões de pessoas (que habitam 1,2
milhão de domicílios) das zonas sul e leste da capital paulista. Mesmo fora
de operação, o que está abaixo de nós continua vivo. A relação entre o
que compramos, levamos para casa e consumimos, ainda que efêmera,
não se encerra nos grandes sacos pretos ou azuis em que colocamos o
que sobrou nem quando os caminhões de coleta passam pela rua. "Os
resíduos não desaparecem em um passe de mágica. Por causa da
decomposição, são necessários monitoramento e controle geotécnico do
aterro 24 horas por dia, pelos próximos 30 anos, para que não haja
contaminação do solo, do ar e do lençol freático", explica Domingues.
Marcos georreferenciais mostram a movimentação do solo e medidores
indicam a pressão e a temperatura interna do aterro. Da deterioração dos
resíduos ali depositados são drenados cerca de 21 milhões de litros de
chorume (líquido proveniente da decomposição de matéria orgânica) por
mês, um pouco menos da metade em relação à época em que o aterro
estava em atividade. Além disso, 20 mil metros cúbicos de metano são
extraídos por hora para gerar energia na maior usina termoelétrica do país,
a Biogás. Ela funciona desde 2007 e por ano produz 200 mil megawatts,
suficientes para abastecer uma cidade de até 400 mil habitantes.

Como São Paulo - maior metrópole da América do Sul e a décima cidade


mais rica do planeta - não para de crescer e de gerar lixo, soluções e
espaços para aterros precisam ser criados para destinar as atuais 18 300
toneladas de resíduos geradas todos os dias. A cada dia, um paulistano
produz cerca de 1,5 quilo, segundo dados da Autoridade Municipal de
Limpeza Urbana (Amlurb). Cerca de 12 mil toneladas diárias se originam
nos domicílios (residências, condomínios e escritórios) e nas 871 feiras
livres, realizadas todos os dias. O restante é resultado da varrição de ruas,
do recolhimento de entulho descartado nas vias públicas e dos serviços de
manutenção da cidade. Para dar conta de parte disso, ao lado do Sítio São
João, desde 2010 opera a Central de Tratamento de Resíduos Leste, um
aterro sanitário (veja as principais diferenças entre lixão, aterro sanitário e
aterro controlado, no infográfico O Mapa do Lixo), com 1,1 milhão de
metros quadrados, que, de segunda a sábado, recebe a visita de 250
caminhões - cada um deles deposita cerca de 30 toneladas de lixo.
Estima-se que o aterro já tenha atingido um total de 7 milhões de toneladas
e, segundo os especialistas, o fluxo não deve parar pelos próximos dez
anos. "Esse aterro recebe pouco menos da metade do total de resíduos
recolhidos em São Paulo", diz Silvano Silvério, presidente da Amlurb.

É preciso percorrer 35 quilômetros, a partir do centro da capital paulista,


para se chegar ao maior aterro sanitário da América do Sul, localizado em
Caieiras. Destino do lixo criado por quase 6,5 milhões de pessoas que
residem no centro e nas zonas norte e oeste de São Paulo, a Central de
Tratamento de Resíduos Caieiras, administrada pela concessionária Loga,
ocupa uma área de 3,5 milhões de metros quadrados e tem capacidade
para receber 36 milhões de toneladas de resíduos sólidos. Quando foi
aberta, em 2002, esperava-se que ela operasse até 2020, mas já recebeu
15 milhões de toneladas de lixo - média de 7 mil toneladas por dia. "O que
temos agora não será suficiente no futuro, já que 98% dos resíduos
sólidos vão para os aterros da cidade. A quantidade crescente de lixo tem
reduzido os anos de vida útil dos aterros sanitários. Além disso, torna-se
cada vez mais difícil achar outros espaços e os custos para a instalação

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de novos aterros aumentaram muito", alerta Silvério.

Segundo ele, os recursos necessários são proporcionais ao tamanho do


problema. Em São Paulo, por exemplo, em 2013, o orçamento destinado à
limpeza urbana foi de R$ 1,8 bilhão (aumento de 20% em relação a 2012).
Ainda assim, o gasto per capita anual de R$ 73,63 do paulistano com
limpeza urbana é bem inferior ao de outras metrópoles do mesmo porte,
como Tóquio (R$ 1 036,48), Cidade de México (R$ 632,32) e Nova York
(R$ 239,56).

Na capital paulista, todos os dias, um exército, formado por 3 200 pessoas


a bordo de 500 caminhões, percorre uma área de 1 523 quilômetros
quadrados, para coletar o lixo domiciliar ao menos duas vezes por semana
durante o dia ou à noite. "Nos últimos dez anos, o lixo aumentou muito por
causa dos condomínios e dos edifícios: onde antes havia uma casa, agora
tem 100 ou mais", conta Odon Barbosa da Silva, de 57 anos, motorista de
caminhão de coleta há 31, enquanto percorre as ruas do bairro da Vila
Mariana, zona sul da capital. Seu turno, que é em média de seis horas de
trabalho, começa às 5h30, na garagem da companhia, em Capão Redondo,
extremo sul da cidade. O veículo que dirige, um caminhão compactador de
8 metros de comprimento e seis marchas, tem capacidade para 12
toneladas. Ele trabalha seis dias por semana e, em geral, faz de três a
quatro viagens da área que deve percorrer até o local em que deixa o lixo
coletado. "As segundas-feiras são os piores dias, porque o lixo se acumula
no fim de semana. Após o Dia das Mães ou dos Pais e em dezembro, por
causa do Natal e do Ano-Novo, faço até cinco viagens por dia", diz Odon.

Seu colega Antônio Clemente da Silva, de 39 anos, coletor há mais de 20,


acrescenta: "As pessoas não se dão conta da correria que é limpar uma
rua de 150 metros de comprimento em menos de um minuto. Temos de ser
rápidos ou somos xingados pelos motoristas dos carros, que reclamam de
o caminhão segurar o trânsito". De fato, pouca gente nota o
impressionante esforço físico empregado nessa atividade. Segundo alguns
especialistas, ele é comparável a um treino de crossfit, atividade em moda
nas academias que une ginástica, levantamento de peso e corrida. Cada
coletor percorre, por turno, entre 20 e 30 quilômetros, fora o peso dos
sacos lançados na caçamba. Nos dias quentes, cada profissional perde
até 2,3 quilos pela transpiração.

"Para trabalhar como coletor, é preciso passar por uma avaliação física
rigorosa a cada seis meses. Quando um deles retorna de férias, não é
incomum que volte com até 5 quilos a mais, o mesmo que acontece com
um atleta de alto desempenho", explica Walter de Freitas, superintendente
de operações da Ecourbis. Embora existam coletores de até 60 anos nas
ruas de São Paulo, segundo Freitas, o perfil desejado nas triagens de
admissão é de homens no ápice do vigor físico, que tenham entre 20 e 30
anos de idade, meçam de 1,70 a 1,80 metro e pesem entre 60 e 80 quilos.

O esforço desse exército é só o primeiro passo do processo, já que o


serviço não acaba na hora em que o caminhão compactador se enche.
Como os aterros ficam distantes, o lixo precisa ser levado a um local de
apoio logístico, os chamados transbordos - os primeiros pontos de parada
depois que os sacos são deixados fora de casa. Em São Paulo há três.
Um fica na zona sul. Entre os prédios da vizinhança, o Transbordo
Vergueiro, aberto em 1978, quase não é notado, mas movimenta até 2 100
toneladas diárias. Após um dia de trabalho, cerca de 175 caminhões
despejam, em um fosso de 1 400 metros cúbicos, o lixo coletado nas
regiões vizinhas. A seguir, uma ponte rolante com um braço mecânico
transporta os resíduos para imensas carretas, que o levam ao aterro mais
perto. Por dia, saem do transbordo cerca de 70 carretas vedadas com
lonas escuras para que o lixo não incomode a vista de ninguém. Cheira

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mal? Não. Ele é disfarçado por meio de 3 mil litros de solução


neutralizadora de odor perfumado, borrifados todos os dias.

O que se vê em São Paulo é reflexo da realidade brasileira. Nas outras 26


unidades da Federação, a quantidade de resíduos também explodiu.
Calcula-se que, hoje, o Brasil seja o quinto maior gerador de resíduos
sólidos urbanos do mundo. Em 2012, segundo dados do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e da Associação Brasileira de Empresas
de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), produzimos cerca de
62,7 milhões de toneladas - 1,2 quilo por pessoa ao dia. É muito se
compararmos com a Índia, outro país emergente. Lá, cada cidadão gera
0,6 quilo/dia (metade do que produzimos). "O que mais preocupa no Brasil
é saber como as tendências de consumo vão afetar o futuro, pois a
geração de lixo cresce à mesma proporção do poder de compra da
população", diz o grego Antonis Mavropoulos, CEO da consultoria em
resíduos sólidos D-Waste e chefe do comitê científico e técnico da
Associação Internacional Solid Waste, entidade independente que
promove sustentabilidade no tratamento de resíduos em mais de 90
países.

A conta é simples. Segundo dados da Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos países emergentes, o
avanço de 1% no poder de compra da população corresponde a um
aumento de 0,69% na geração de resíduos. No Brasil, entre 2003 e 2012,
o volume anual de resíduos cresceu 21%, acompanhando, bem de perto, a
variação do PIB per capita no mesmo período, de 20,8%. A manter-se
esse cenário de ascensão de uma nova classe de consumidores,
aumentará, na mesma intensidade, o volume de recursos necessários para
gerir os resíduos. O Brasil é, hoje, o maior consumidor mundial de
cosméticos, segundo maior de cerveja, terceiro de computadores, quarto
de carros e motos e quinto de calçados e roupas. "Até 2020, seremos o
quinto maior mercado mundial. O que faremos com o que for descartado?",
questiona Sabetai Calderoni, professor de economia e meio ambiente na
Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Os Bilhões Perdidos no
Lixo (Editora Humanitas). "Quando falamos de resíduos, os interesses são
enormes, pois significa que todo o processo de produção industrial,
comércio, serviços e tudo o que há na economia, mais dia menos dia, vai
parar no lixo", observa Calderoni.

O mapa do lixo
A gestão dos resíduos é um dos maiores
desafios das cidades brasileiras. Muito
do que é gerado poderia ser reciclado,
mas, infelizmente, não é o que acontece.
Além disso, há no país muitos lixões, a
prática menos recomendada. Veja o
infográfico para entender o caminho
do lixo. Ilustrações de Bruno Algarve.

A destinação inadequada do que se joga fora é outro grande problema. No


momento, 60,2% dos 5 565 municípios brasileiros enviam tudo ou parte do
que é coletado aos lixões ou aterros controlados. Em 2012, foram cerca de
23,7 milhões de toneladas de lixo (42% do total). Outras 32,7 milhões de
toneladas (ou 58%) foram despejadas em aterros sanitários. Manter um
aterro desses tipos, porém, é dispendioso - o que o torna impeditivo aos
pequenos municípios. No Sítio São João, em São Paulo, por exemplo,
calcula-se que R$ 190 milhões já foram investidos desde 2004. "Ocorre
uma concorrência desleal entre o lixão, que é gratuito, e os aterros
sanitários, uma tendência ainda cara", aponta Carlos Silva, diretor
executivo da Abrelpe. Segundo ele, gastam-se entre R$ 60 e R$ 65 por
tonelada aterrada em espaços seguros. "E esse preço é mantido de forma

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muito arriscada, embora os custos com mão de obra e equipamentos


tenham aumentado. É preocupante, pois um aterro sanitário mal
administrado se torna, com facilidade, um lixão", ressalta. Segundo a
entidade, entre mão de obra e infraestrutura, seriam necessários R$ 884
milhões para universalizar a coleta e mais R$ 5,8 bilhões para que todos
os municípios dispusessem de aterros apropriados.

Nesse cenário, a meta do governo federal parece ambiciosa: extinguir


todos os lixões e aterros controlados até agosto de 2014. Espera-se
atingir esse objetivo por meio da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS) (leia entrevista com Ricardo Abramovay). Entre os mecanismos
previstos na regulamentação, exige-se de cada cidade planos de gestão
para os resíduos sólidos que incluam, além da destinação para aterros
sanitários, a coleta seletiva de recicláveis para que só uma fração
daquilo que não pode ser aproveitado chegue a esses destinos.

"Como a lei não trata só de definir prazos, mas de uma mudança de


comportamento, de direitos e deveres, uma preocupação no conceito da
política é a responsabilidade compartilhada no pós-consumo. Ou seja,
cuidar do que é descartado não será atribuído só aos municípios, mas
também aos empresários e à sociedade", afirma Izabella Teixeira,
ministra do Meio Ambiente. "O projeto de lei da PNRS demorou 21 anos
e quatro mandatos para ser aprovado. O grande ganho é que, pela primeira
vez, temos uma estratégia para a questão em âmbito nacional. Muita coisa
poderá ser alcançada se for considerado que as 300 maiores cidades do
país geram 80% de todo o lixo produzido no Brasil", destaca a ministra.

Parte disso pode gerar novos recursos ou ser reaproveitada. Segundo


estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 31,9% do lixo
recolhido por ano no Brasil (cerca de 18 milhões de toneladas) é composto
pela chamada fração seca: plástico, papel, metal e vidro. "Fazer com que
essa fração seca retorne à cadeia produtiva e ao mercado é o grande
desafio do modelo de responsabilidade compartilhada adotado no Brasil",
diz Fábio Feldmann, ambientalista e, quando deputado federal, autor do
projeto de lei que originou a PNRS.

Uma projeção realizada pela LCA Consultores, com base nos dados do
Ipea e associações empresariais, revela que, no Brasil, em 2012, apenas
27% dos resíduos recicláveis foram recuperados para novo uso. Falta
muito ainda para chegarmos ao índice da Alemanha, líder mundial no setor
- lá, reaproveitam-se 48% dos resíduos. "Em alguns países, adotou-se um
modelo de responsabilidade estendida, no qual fabricantes e setor
empresarial são os únicos responsáveis pelos resíduos criados com base
em seus produtos e serviços", comenta Feldmann, que também foi
secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo entre 1995 e 1998.

Na PNRS, porém, ainda não está claro como a indústria fará isso e quais
serão os estímulos dados pelo governo. "Articulação entre os diferentes
setores da indústria e viabilidade econômica, como está previsto na lei,
não são problemas pequenos para se implantar a chamada logística
reversa. Uma latinha tem uma lógica de reinserção na cadeia produtiva
bem diferente de uma geladeira", diz Victor Bicca, presidente do
Compromisso Empresarial para a Reciclagem, associação que reúne
várias empresas, como Tetra Pak, Carrefour, Nestlé, Ambev, entre outras.
Segundo ele, a informalidade no processo de triagem dos resíduos sólidos
secos e a necessidade de uma reforma tributária são os principais
entraves para as indústrias criarem formas de produção com base nos
pilares de prevenção de geração, redução e reutilização previstos na
PNRS.

"Nos ciclos de alguns produtos, o material reciclável, do catador ao

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começo do processo, passa por até três intermediários para ganhar escala
- tudo de maneira informal, sem nota de prestação de serviços ou
contabilidade -, o que também revela um problema de falta de mão de obra.
Apenas na quarta ou quinta venda, isso ocorre de maneira formal, com
volume suficiente para a indústria aproveitar", revela o executivo. O que
impacta nos custos. "Em alguns casos, esse processo faz com que o
material virgem custe menos que o reaproveitado. Além disso, pagam-se
os mesmos tributos duas vezes, como o imposto sobre circulação de
mercadorias e serviços (ICMS) e a contribuição para financiamento da
seguridade social (Cofins) para usar a mesma matéria-prima. A redução do
imposto sobre produtos industrializados (IPI) em artigos fabricados com
material reciclado comprado de cooperativas que fazem coleta seletiva
seria um incentivo fiscal útil", comenta Victor Bicca.

Um bom exemplo de reciclagem no Brasil é o que ocorre com as latinhas


de alumínio: 98,3% delas são recuperadas. Com outros materiais, porém,
como papel e PET, são mais complicados, porque o valor agregado à
embalagem recuperada não remunera toda a cadeia envolvida. É o caso
do vidro incolor, cujo preço da tonelada reciclável é o menor entre os
resíduos sólidos - de R$ 30 a R$ 100 -, mas há apenas quatro grandes
centros de reciclagem no país - em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto
Alegre e Recife.

Como o problema da gestão do lixo está diretamente relacionado ao


consumo, há quem acredite que a política nacional é uma ótima
oportunidade para redesenhar como são oferecidos os produtos e
serviços. É o caso do bioquímico Mateus Mendonça, consultor da Giral
Viveiros, que, nos últimos sete anos, tem criado programas de gestão
inclusiva de resíduos e reciclagem para gigantes da indústria, como
Votorantim, distribuidora de bebidas Diageo e Natura Cosméticos. "Em
geral, o consumidor paga pelo produto e por sua embalagem. Mas, se a
simples venda da embalagem após o consumo não remunera o serviço de
sua recuperação, precisamos pensar em novas formas de negócio", diz
Mendonça. "Por que vender uma geladeira nova e não apenas seu sistema
de refrigeração? Eu poderia muito bem ter incluído nos custos o aluguel da
plataforma física", comenta.

Seria uma saída interessante. O maior problema, porém, ainda reside na


cultura do consumo desenfreado, sem que as pessoas se conscientizem
de que os recursos utilizados na produção de todos os bens são finitos.
Onde vamos parar? Calcula-se que, até 2030, em todo o mundo, serão
aterradas cerca de 3 bilhões de toneladas de resíduos, uma quantidade
supervaliosa de material que não terá todo seu potencial aproveitado e, um
dia, terminará em imensas montanhas de lixo como a do Sítio São João,
em São Paulo.

Para responder à pergunta, a pequena cidade de Houthalen-Helchteren, na


Bélgica, lançou um projeto inovador. Lá, um aterro fechado na década de
1980, com 16,5 milhões de toneladas de resíduos, começou a ser
escavado. "Esperamos reciclar até 45% do que está lá e converter o
restante em energia suficiente para abastecer 100 mil casas por mês",
conta Patrick Laevers, diretor do Machiels Group, a proprietária do local.
"Na Europa ocidental, não há mais espaço para a exploração de matérias-
primas, como carvão, gás natural, petróleo, ferro e cobre, exceto pelo que
foi importado e agora está esquecido nos aterros. Não há outra escolha a
não ser trazer tudo aquilo de volta", diz Laevers. No Brasil, ainda não se
pensa nisso, mas pode ser uma ótima solução para um futuro próximo. 

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ARTE DE RESÍDUOS

Inspiração no lixo
Quatro artistas – Vik Muniz, Barry Rosenthal, Jaime Prades e
Sesper - dão vida nova a objetos renegados
André Vieira
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

André Vieira

Vik Muniz em um galpão de sucata. Para ele, "o lixo nunca tem conotação positiva. Ele é parte de nossa
existência que não queremos enfrentar".

[box-leia]
No enorme galpão à beira da Avenida Brasil no Rio de
Janeiro, enormes pilhas de sucata rodeiam o artista
plástico Vik Muniz. Há de tudo: bicicletas velhas, restos
de máquinas, maquetes de velhos lançamentos
imobiliários, partes de carros, móveis quebrados,
brinquedos, uma velha carcaça de avião e até um tanque
de guerra.

É impossível não imaginar que vida esses objetos tiveram antes e a quem
um dia pertenceram. A sensação é de estar em um museu de tudo aquilo
que queremos esquecer.

Foi esse material que Vik usou como matéria- prima para o trabalho que
talvez o tenha deixado mais conhecido por aqui, sua série sobre o lixo,
feita com um grupo de catadores do aterro de Gramacho, na Baixada
Fluminense, agora fechado. O trabalho extrapolou o universo da arte, virou

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abertura de novela e quase ganhou o Oscar de Melhor Documentário, com


o filme Lixo Extraordinário. "O lixo não nos oferece muita escapatória. É
parte da existência de qualquer pessoa. Mas nunca tem um lado positivo. É
algo que não queremos enfrentar", reflete Vik.

Ao longo dos anos, a arte dedicou-se a lidar com o belo e suas conotações
- algo rompido pelo modernismo, quando passou a abordar mais o
questionamento das sociedades contemporâneas, sobretudo após o
trauma de duas guerras mundiais. Em uma sociedade obcecada pelo
consumo, é natural que a arte passe a se interessar por seu subproduto
mais nocivo, que cresce a cada dia e transforma a paisagem do planeta.

André Vieira

Jaime Prades e suas árvores, construídas de madeira achada em caçambas.

Se o foco de Vik no lixo foi seu aspecto humano, em um diálogo intenso


com seu passado como menino pobre em uma favela de São Paulo, na
qual sucata e seres humanos se confundem como resquícios indesejados
que nossa sociedade quer esconder, o também paulistano Jaime Prades
chegou a ele por sua intensa relação com as ruas de São Paulo, em que
foi um dos precursores do grafite e da arte urbana. "A partir da década de
1980, passei a perceber o desastre que é a ecologia urbana. Quando a
gente fala em questão ambiental, sempre se refere à natureza, mas a crise
ambiental urbana é forte. Você não pode pensar em uma coisa sem a
outra", diz Prades.

Inspirado pela obra do polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg


(Leia Franz Karjcberg: revolta em forma de arte), há quatro anos Prades
decidiu construir uma árvore gigante no Parque do Ibirapuera ou em outro
local público, feita com sobras de madeira garimpadas em caçambas. "Elas
são como os intestinos da cidade, são vísceras expostas", conta. Em seu
estúdio, ele cria protótipos do que seria essa árvore. "Percebi que cada
pedaço de madeira carregava a memória da árvore de onde ela veio.
Percebi que não estava só reciclando, e sim resgatando."

Sua árvore gigante ainda não vingou, mas a ideia evoluiu. Protótipos
viraram trabalhos acabados e se destacaram em exposições (Leia Árvores

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feitas de madeira usada e Obras de entulho). Agora, ele pretende criar uma
plataforma na internet para estimular outros artistas a fazer o mesmo.
"Teríamos uma floresta virtual planetária, na qual se colocariam essas
questões de forma poética, criando uma discussão enriquecedora", sonha.

Antes, o fotógrafo Barry Rosenthal (aqui, em autorretrato) se interessava por plantas. Agora, ele gosta de
caminhar nas praias próximas a Nova York, em busca dos mais variados objetos trazidos pelo mar. Chama sua
atenção a profusão de cores, formas e procedências desse material, que, um dia, foi parar no lixo.

O americano Barry Rosenthal também chegou ao lixo com uma


preocupação ambiental. Fotógrafo baseado em Nova York, ele começou,
durante as férias de verão, a percorrer praias em busca de plantas para
retratar. Em uma dessas expedições no litoral de Nova Jersey, não achou
nenhuma planta, mas percebeu uma enorme quantidade de objetos trazidos
à praia pelo mar. Logo se interessou pela profusão de cores, formas e
procedências desses objetos.

Caminhante assíduo, Barry costuma recolher material para seu trabalho em


incursões por praias, sobretudo ao redor de Nova York. A maior parte dos
resíduos usados em suas composições, como a série Found in Nature, é
garimpada na região do Brooklyn. A coleta, depois, é transportada para seu
estúdio e clicada em belas composições, organizadas por forma, cor,
material ou utilidade dos objetos reunidos.

Já para o santista Sesper, o lixo é fonte para um mergulho em si mesmo.


Apaixonado por revistas, pôsteres e quadrinhos e também pelo universo do
skate, do surfe e da música punk das décadas de 1980 e 1990, sua
relação com a arte teve início despretensioso. Autodidata, foi designer
gráfico em fanzines, trabalhou em revistas e internet. Um dia, ao ver a filha
fazer uma colagem para a escola, deu-lhe o estalo de criar assemblages,
usando sobras de seu passado e objetos encontrados pelas ruas da zona
sul de São Paulo, onde mora. "Nunca imaginei que eu fosse parar em uma
galeria. Fui fazendo mais como terapia, para produzir algo", confessa.

Os objetos que atraem Sesper remetem a suas influências estéticas e


enorme coleção de revistas, da qual teve de se desfazer para que suas
filhas tivessem um quarto para dormir. Suas obras são compostas por

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André Vieira

Sesper faz arte com resquícios de revistas e fragmentos de pranchas de surfe e skate.

camadas de restos de revistas, embalagens, bonecos de filmes de ação,


pedaços de capas de disco, fragmentos de skates e pranchas de surfe e o
que mais seus amigos levarem a ele. É como se suas referências tivessem
sido jogadas em um liquidificador e depois lançadas sobre um tabuleiro de
madeira para assar no forno.

O sucesso desses quatro artistas revela que já foi o tempo em que lixo não
se misturava com o universo de museus, galerias e feiras de arte. "Talvez
um dos papéis mais importantes da arte seja esse poder de introduzir no
inconsciente coletivo novas formas de se relacionar consigo mesmo e com
o mundo e poder amplificar a visão das coisas", reflete Jaime Prades.

Abaixo, fotos de Barry Rosenthal que também ilustram a reportagem do


Especial Lixo feito pela National Geographic Brasil para o Planeta
Sustentável:

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Garrafas e frascos de vidro coletados em praias ao redor de Nova York. Obra de Barry Rosenthal.

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Embalagens plásticas variadas, seringas e frascos de remédios

6 de 7 04/09/2014 08:59
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Canudos de plástico multicoloridos

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FUTURO DOS RESÍDUOS

"Deus recicla, o diabo incinera"


Hoje, o processo de incineração de resíduos sólidos, com
aproveitamento energético ou geração de vapor, começa a ser
visto como uma alternativa viável na busca por tecnologias
corretas para a disposição final do lixo
Francisco Eduardo Pereira*
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Wikimedia Commons

[box-leia]
Por que ainda há tanta dificuldade para colocar em prática
a primeira usina de incineração de resíduos sólidos
urbanos no Brasil? É simples. No momento, há um
conjunto de variáveis ambientais, científicas,
tecnológicas, políticas e econômicas que inviabiliza a
empreitada.

Da perspectiva ambiental, o histórico da incineração no


Brasil relaciona experiências traumáticas. Talvez uma das piores tenha
sido a contaminação causada pelo incinerador da Rhodia, em Cubatão
(SP), entre as décadas de 1980 e 1990. Na época, a empresa instalou um
equipamento para eliminar os resíduos industriais nocivos, mas a fumaça
liberada também era perigosa à saúde. Isso porque foram colocados
equipamentos obsoletos, sem tratamento eficiente das emissões de
gases de dioxinas e furanos - substâncias químicas supertóxicas e
prejudiciais à saúde e ao ambiente -, que influenciaram de forma negativa
na formação de uma avaliação sobre o tema. A própria Companhia de
Tecnologia e Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb) resistiu por
mais de 20 anos à liberação de licenças para implantação das chamadas
Usinas de Recuperação Energética (UREs), abastecidas com resíduos
sólidos.

1 de 3 04/09/2014 08:56
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Hoje, esse processo, com aproveitamento energético ou geração de vapor,


começa a ser visto como uma alternativa viável na busca por tecnologias
corretas para a disposição final do lixo. As UREs já existem na Europa e
no Japão, onde há mecanismos rigorosos de controle e redução da
poluição do ar decorrente da produção dessas usinas. No Brasil, o
avanço científico e o foco no aperfeiçoamento tecnológico para tratamento
e limpeza dos gases no processo de queima têm feito as restrições
ambientais diminuírem bastante.

A mudança significativa no tratamento de gases se deu com a melhoria na


queima e na capacidade de limpeza dos filtros. Além disso, houve razoável
conhecimento sobre o comportamento desses gases, que, inclusive, influiu
na própria elaboração da legislação. Isso porque o que move as agências
de proteção ambiental é a segurança de que essas fontes poluidoras
sejam controladas com rigor para minimizar possíveis impactos à saúde.
Com esses cuidados, por fim, em dezembro de 2012, a Cetesb emitiu a
primeira liberação de licença provisória de funcionamento de uma URE, em
Barueri (SP) - primeira desse tipo na América Latina. Quando funcionar,
terá capacidade para processar até 850 toneladas de lixo por dia, gerando
17 megawatts (MW) de energia, suficiente para abastecer 500 mil
habitantes. O problema agora é obter financiamento para viabilizá-la.
Alguns empresários buscaram tecnologias no mercado, compraram
patentes e iniciaram testes. Só não finalizaram suas intenções devido ao
valor final da empreitada.

No caso da URE de Barueri, nas primeiras tratativas com fornecedores de


equipamentos, o valor parecia razoável; porém, a avaliação dos riscos do
empreendimento - que incluem operação e manutenção - faz com que o
investimento chegue a R$ 400 milhões para uma planta que consome até
mil toneladas diárias de resíduos sólidos, o que torna o negócio proibitivo.
Com a nacionalização dos equipamentos, porém, o custo pode cair para
algo entre R$ 260 milhões e R$ 280 milhões.

Há dificuldades também sob a ótica econômica. Lixo e energia são


mercados fechados e complexos. Antes, é preciso estruturar um modelo de
negócio bom para ambos, que considere o lixo como combustível e a
energia como produto. Os detentores de contratos de resíduos sólidos
urbanos com os municípios são, em geral, proprietários de aterros e
querem continuar com seu negócio. Por outro lado, segundo a lei, só
empresas credenciadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
podem vender energia no mercado de leilões. Portanto, conciliar os
interesses e viabilizar o negócio é um grande desafio comercial. Os
diálogos entre as partes seguem adiantados, e é provável que, no início de
2014, esse obstáculo seja eliminado e o negócio esteja configurado.

Mas qual será seu modelo? As receitas obtidas com o serviço de gestão
de resíduos sólidos urbanos no Brasil - hoje, de cerca de R$ 70 por
tonelada diária - e as vendas de energia elétrica devem tornar o
investimento de uma URE viável. Com os preços mais atrativos, a
discussão com o poder público sobre isenções fiscais, leilões específicos
da energia gerada pela cogeração de queima de lixo com preço que a
viabilize (estimado em R$ 200/MW, contra um valor de mercado de R$
150/MW) fica mais fácil. O preço da energia é taxado pelo mercado, em
especial pelos leilões promovidos pela Aneel. A geração de energia para
uma usina de mil toneladas/dia de lixo, por exemplo, varia entre 13 MW e
20 MW. Considerando a média de 15 MW e o valor do MW a R$ 200, a
URE, com certeza, atrairá empresários do setor de energia.

Mas ainda há outras questões: a necessidade de contratos longos de, no


mínimo, 15 anos, e um volume mínimo disponível de 800 toneladas diárias

2 de 3 04/09/2014 08:56
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de lixo. A prática atual é de contratos de 60 meses, o que impossibilita a


venda de energia, que precisa ter garantias de fornecimento dos resíduos
sólidos no tempo do contrato (15 anos) e no volume necessário. Assim, só
cidades com 1 milhão ou mais de habitantes poderiam ter as UREs, o que
demanda um consórcio de municípios que a prática já demonstrou ser
inviável.

Esse conturbado cenário foi, certa vez, muito bem ilustrado em uma
conversa sobre o assunto com um promotor de meio ambiente da região de
Campinas. Em uma reflexão sobre o futuro dessa prática no país, ele não
acredita na viabilidade das UREs. Para ele, enquanto houver áreas
disponíveis para aterros sanitários ou controlados, será difícil alguém ter
coragem para colocar em prática a primeira usina de cogeração de
energia proveniente do lixo, ambientalmente correta e com elevado
padrão de qualidade. Além disso, argumenta, a política atual incentiva a
reciclagem, não a queima do lixo.

Como os especialistas costumam dizer: "Aqui, Deus recicla e o diabo


incinera".

*Francisco Eduardo Pereira é filósofo pela


Universidade de São Paulo, professor das
Faculdades Cantareira, onde foi responsável pela
elaboração do projeto de agronegócios e meio
ambiente, e especialista em soluções para
problemas de resíduos sólidos urbanos. É
conselheiro do Planeta Sustentável.

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MENOS LIXO

Profissão: catador
Cerca de 600 mil brasileiros coletam 90% do material
reciclável recuperado. Nas mãos deles estão o sucesso e o
futuro da reciclagem. Assista, no final da reportagem, a vídeo
exclusivo para leitores da edição digital para tablet
Julio Lamas
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Victor Moriyama

Seu João, mais conhecido como "Véio", compra e vende material reciclável na Rua 25 de Março, em São Paulo.
O comércio informal dos catadores movimenta cerca de 30 toneladas de papel e alumínio por mês. Em
dezembro, pode chegar a 50 toneladas.

[box-leia]

Quando saiu do lixão Canabrava, no bairro de mesmo


nome, em Salvador, em 1989, Sérgio da Silva Bispo, hoje
com 50 anos, estava atraído pela possibilidade de ganhar
a vida em São Paulo. Sem nenhum dinheiro no bolso,
conta ele, foram longos 80 dias de viagem a pé e de
carona para percorrer os dois mil quilômetros de estrada
que separam as duas capitais. Ao chegar à maior cidade
do país, percebeu que não seria fácil achar uma oportunidade, ainda mais
sem educação formal. Naquele ano, o Brasil passava por uma grave crise
econômica. Não houve jeito. Bispo, como prefere ser chamado, teve de
morar na rua e encontrar sustento na mesma atividade que exercia antes:

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catar resíduos recicláveis do lixo para revender. "Desde os cinco anos


de idade eu trabalhava no lixão com minha mãe, que também era catadora.
Era a única coisa que sabia fazer", diz ele, sem esconder que preconceito
e falta de educação sempre foram dificuldades a enfrentar. "Muita gente
não gosta de catador. Acha feio ou perigoso, sem pensar que é um
trabalhador como qualquer outro. Tenho uma rotina puxada para dar conta
do tanto de lixo que essa gente joga fora", conta Bispo. Sua primeira
garimpagem começa às 5h30 e, em dias mais carregados, prossegue até a
1 hora da madrugada, quando faz a última coleta em restaurantes clientes
de sua cooperativa. Ele calcula que percorre 20 quilômetros por dia,
distância que fazia de carroça, antes de conseguir um caminhão,
financiado pela Petrobras, em agosto deste ano.

Na região central de São Paulo, adolescentes ajudam a mãe na coleta de material. O trabalho tem início por
volta das 17 horas, quando as lojas começam a fechar, e se estende até cerca de meia-noite.

Bispo também é presidente da Cooper Glicério, cooperativa que reúne 33


catadores como ele, localizada sob o viaduto do Glicério, em uma das
regiões mais degradadas do centro de São Paulo. "Bem no olho do
furacão", como gosta de dizer. Embora essa analogia sugira uma imagem
caótica, a bagunça da cooperativa é só aparente, pois o trabalho ali
realizado tem uma lógica de produção para a máxima eficiência na triagem
das 120 toneladas de lixo, reunidas por mês.

A organização, combinada à larga experiência de Bispo na coleta, tem sido


caso de estudo de diversas empresas e vários governos. "Em 2006, fui
para um evento em Porto Alegre, com alguns políticos e empresários
famosos. Disseram que eu ia palestrar sobre logística e layout de
produção. Não tinha a menor ideia do que estavam falando até me
explicarem o que era. Para minha surpresa, fiz aquilo nos últimos 25 anos",
relata.

Como Bispo, estima-se que, hoje, o país tenha cerca de 600 mil catadores,
segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Estudo de 2011 feito pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem
(Cempre), entidade que reúne empresas como Coca-Cola, Unilever e

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Gerdau, calcula que 90% dos resíduos recuperados passam pelas mãos
desses milhares de brasileiros, que recolhem o material das ruas das
metrópoles ou o coleta dos lixões do país. "A maior parte do trabalho de
reciclagem é feita por eles. Os catadores desempenham um papel de
imenso valor estratégico para a indústria, além de prestarem um importante
serviço ambiental pelo qual são pouco valorizados", diz Albino Rodrigues
Alvarez, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, em que coordenou
um estudo sobre o assunto. Segundo Alvarez, é por ter desempenho
relevante e experiência nos processos de reciclagem que eles são
reconhecidos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que
entra em vigor em 2014, como importantes agentes para sua execução.
"Essa inclusão é um grande ganho social da política. Por meio dela, os
municípios são obrigados a criar planos de gestão de resíduos sólidos e
coleta seletiva que integrem os catadores e invistam no desenvolvimento
das cooperativas", explica.

Em cooperativa localizada no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, catador transporta sacos
plásticos com objetos recicláveis e descarrega o papelão de sua carroça. O local é um dos principais pontos de
coleta seletiva da região. Em locais como este, o material é pesado e pago na hora.

Segundo o Ipea, só 10% dos catadores pertencem a cooperativas. Seria


bom que esse índice aumentasse, pois a renda média mensal de um
cooperado vai de R$ 800 a R$ 1 300, valor máximo alcançado em São
Paulo. Os não cooperados recebem, em média, R$ 570. As cooperativas,
em que todos trabalham e dividem os lucros, organizam os processos de
coleta e triagem dos recicláveis em diferentes cadeias e profissionalizam a
atuação dos catadores, facilitando a contratação por empresas e a venda
de materiais a preços competitivos. "Nesse sistema, há uma verticalização
de trabalho, com a criação de unidades produtivas, como coleta, triagem,
criação de estoque e venda. Isso torna mais fácil ganhar escala para
venda, sem a presença de tantos intermediários entre o catador e a
indústria da reciclagem", esclarece Mário Aquino, professor de
administração e orientador de projetos da Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo.

No Brasil, segundo a Cempre, em 2012, o faturamento do mercado de


triagem e coleta de recicláveis girou em torno de R$ 712,3 milhões, mas só

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R$ 56,4 milhões (8% do total) ficaram com as cooperativas; o restante


concentrou-se nas mãos dos atacadistas. Uma forma de distribuir melhor
esses recursos está sendo colocada em prática na cidade de São Paulo,
em que algumas cooperativas, por não ter espaço para verticalizar ou
incorporar outras cadeias ao processo, começaram a se organizar em
redes. É o caso da Cooper Glicério, de Bispo. "Além de criar uma
capilaridade territorial na coleta seletiva, permite compartilhamento mais
eficiente da tecnologia operacional, como prensas e esteiras de triagem, e
da tecnologia social, como a organização do modelo de uma cooperativa
melhor estruturada, que se torna um polo difusor", diz Aquino, da FGV.

Dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e


Resíduos Especiais (Abrelpe) mostram que 31,9% do lixo recolhido no
Brasil, a chamada fração seca dos resíduos sólidos, corresponde a 18
milhões de toneladas, entre plástico (13,5%), papéis (13,1%), metais
(2,9%) e vidro (2,4%). Ao cotejar esses dados com os da Cempre e do
Ipea, estima-se que apenas 27% dessa fração seca esteja, de fato, sendo
reciclada - o restante se perde em aterros e lixões. O que se deixa de
ganhar é considerável. Em 2010, um estudo revelou que o Brasil jogava
fora cerca de R$ 8 bilhões, por não reciclar o que poderia ser
reaproveitado. "Hoje, esse valor deve ser de R$ 10 bilhões", conta Albino
Alvarez, do Ipea, que coordenou o levantamento. Se estiver certo, significa
que a indústria brasileira de reciclagem, da coleta ao processamento,
perde um potencial suficiente para dobrar de tamanho. Ou seja, o
desperdício é gigantesco.

Anéis de latas de cerveja ou refrigerante são isolados durante o processo de reciclagem do alumínio. O mesmo
ocorre com bitucas de cigarro, entre outros resíduos que possam ter sido colocados no interior das latinhas.

O fato é que a indústria brasileira da reciclagem de resíduos sólidos anda a


passos de tartaruga desde 2009. O único setor que se destaca é o da
reciclagem de latinhas de alumínio (veja na tabela acima, à direita, o total
reciclado de cada setor). Segundo dados divulgados pela Associação
Brasileira do Alumínio (Abal), 473 mil toneladas do material foram
recicladas em 2011. É um número impressionante, já que, naquele ano, a
produção de alumínio primário no Brasil foi de 1 440 toneladas - ou seja, a

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quantidade de alumínio reciclado é quase 330 vezes maior que a de


material virgem. O alumínio está presente em vários setores da economia,
como nos transportes, na construção civil, em bens de consumo, na
geração de eletricidade, além de maquinários e equipamentos. Mas nada
supera seu uso na produção de latinhas para envazar bebidas. Cerca de
30% do alumínio utilizado no Brasil tem essa finalidade, e quase todas as
latinhas produzidas depois são recicladas. Em 2011, por exemplo, segundo
dados da Abal, 98,3% das 19,8 bilhões latinhas coletadas no país foram
reaproveitadas (leia a tabela, no final deste texto: O bom exemplo das
latinhas).

Um dos motivos que justificam esse êxito é o fato de o alumínio ser o


material mais caro na revenda para reciclagem pós-consumo: 1 quilo (ou
74 latinhas) vale de R$ 2,50 a R$ 3. Em 2012, a atividade movimentou
cerca de R$ 1,3 bilhão - R$ 382 milhões foram investidos para aprimorar o
sistema de coleta. Entre outros benefícios, o uso de latinhas recicladas
gera uma economia considerável de energia para o país: cerca de 2 922
GWh/ano, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas
de Alta Reciclabilidade (Abralatas). Ou 1% da energia total produzida, o
suficiente para iluminar uma cidade do tamanho de Campinas (SP), com
1,2 milhão de habitantes.

Do descarte, vazia, ao retorno, cheia, à prateleira, à espera do


consumidor, a latinha percorre até dez etapas diferentes. Primeiro, ela
passa pela coleta e triagem nas cooperativas. Depois, é encaminhada às
empresas atacadistas. A seguir, é prensada em grandes fardos, como são
chamados os pacotes com até 60 quilos cada um, vendidos à indústria de
reciclagem. A próxima etapa é a fundição, em que o material é derretido em
fornos com temperaturas acima de 660 graus Celsius - ponto de fusão do
alumínio. Dali vai ao lingotamento, em que o material é colocado na forma
de pesadas tiras, o que é apropriado para o processo de deformação, que
o transforma em novas lâminas de alumínio. Nas bobinas industriais, essa
lâmina ganha o formato de lata e é vendida à indústria de bebidas. Nas
fábricas de suco, refrigerante ou cerveja, a lata reciclada ainda passa por
um processo chamado de "enchimento", no qual uma máquina injeta ar com
alta pressão para que ela se expanda e ganhe a forma tradicional que
conhecemos. Por fim, coloca-se a bebida, e a lata é selada e distribuída
aos pontos de venda no varejo. Depois de descartada, em pouco tempo,
voltará ao circuito. A demanda é tão alta e o processo de reciclagem tão
bem estruturado, que o ciclo completo de reciclagem de uma latinha passou
de 45 dias, na década de 1990, para os atuais 30 dias.

São Paulo, a maior metrópole do país, tem 22 cooperativas que trabalham


na coleta seletiva e são conveniadas à prefeitura. Elas atendem a 75 dos
92 distritos da cidade, atingindo 42% dos domicílios paulistanos. Mesmo
assim, só 1,9% das 18 mil toneladas de lixo geradas por dia é reciclado.
Espera-se um grande salto nesse índice para 2014, quando São Paulo terá
duas megacentrais de triagem de recicláveis, cada uma delas com
capacidade para 250 toneladas de material a cada 24 horas. "Hoje, só
atingimos 249 toneladas por dia. Com as novas centrais, chegaremos a
10% de todo o lixo gerado na cidade", conta Pablo de Oliveira, gestor
ambiental do departamento de limpeza urbana da prefeitura. "Além disso, é
preciso modernizar as cooperativas já existentes com novos sistemas de
triagem, equipados com esteiras elevadas de maior capacidade e
sensores ópticos de barreira para a separação dos materiais", diz ele,
ressaltando que busca a aprovação de uma linha de crédito de R$ 108
milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).

A longo prazo, a meta é audaciosa: reciclar 84% de todo o lixo paulistano


até 2032. Não é impossível alcançar esse índice se tudo correr como

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planejado. A atual gestão da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana


(Amlurb) prevê dobrar para 140 os ecopontos, centros de entrega
voluntária de entulho das construções para reciclagem, além de implantar
programas de aproveitamento do lixo orgânico. Um piloto de compostagem
(método de reciclagem para produção de adubo) caseira será testado em 2
mil casas até o fim do primeiro semestre de 2014. Espera-se também
estender um bem-sucedido projeto de uma feira livre no bairro de São
Mateus, zona leste de São Paulo, que produz adubo com base nos
resíduos deixados pelos feirantes.

Pensar em reciclar 100% do lixo de uma metrópole pode parecer


impossível, mas esse é o objetivo para 2020 da cidade de San Francisco,
na Califórnia, Estados Unidos. A meta não parece inalcançável, já que, no
momento, cerca de 83% dos resíduos sólidos são reaproveitados. Há 11
anos, o projeto San Francisco Zero Waste tem mostrado que o caminho
para envolver a população está na criação de incentivos financeiros. "As
pessoas sabem que é importante reciclar. Temos coleta seletiva há mais
de 20 anos que atende a todos os domicílios da metrópole. Mas só quando
passamos a obrigar a compostagem caseira e a oferecer descontos de até
30% no imposto cobrado pela coleta de quem separa o lixo de forma
correta e a multar quem não o faz é que os números melhoraram", diz Kevin
Drew, coordenador do programa no departamento de meio ambiente da
cidade americana. Ele acredita que essa prática também pode funcionar
nas metrópoles brasileiras, uma vez que a Política Nacional de Resíduos
Sólidos baseia-se no princípio "poluidor-pagador e protetor-recebedor". "O
Brasil tem uma grande vantagem: os catadores. Se a experiência deles for
aproveitada e mais bem remunerada pelo importantíssimo serviço
ambiental que prestam, cidades como São Paulo podem reciclar 100% da
fração seca do lixo até antes de nós", diz.

Pilhas de compensado, resultado do processo de prensagem das latinhas, ficam estocadas em empresa
localizada na zona sul de São Paulo. Todos os dias, são retiradas e enviadas a outro local, onde é feita a
fundição do alumínio.

O BOM EXEMPLO DAS LATINHAS


O processo de reciclagem de embalagens de alumínio (à esquerda) está
tão bem difundido e organizado que uma lata de cerveja ou refrigerante,

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após ser descartada, em 30 dias retorna à gôndola do supermercado. Em


1990, levava cerca de 45 dias.

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LATA VELHA

O triste destino dos carros


Se reciclados, eles valeriam um bom dinheiro. Mas as leis
para isso estão emperradas
Afonso Capelas Jr.
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Victor Moriyama

Carros também morrem. E são abandonados nas ruas ou levados a "cemitérios", como este em São Paulo.

[box-leia]
Em tempos de trânsito cada vez mais caótico nas
grandes cidades, a reputação dos automóveis anda
arranhada.

São eles os grandes vilões a atravancar uma eficiente


mobilidade urbana. No Brasil, há ainda outro fator que
denigre a imagem dos veículos automotores - no caso,
aqueles que não estão mais rodando: a imensa frota
nacional de carros abandonados. Relegados ao deus-dará nos pátios
dos departamentos estaduais de trânsito por questões legais - ou até
mesmo esquecidos pelas ruas por motivos como falta de pagamento de
impostos ou multas em excesso -, eles são milhares espalhados pelas
cidades brasileiras, incluindo motocicletas, ônibus e caminhões.

Para agravar a situação, só em 2012 foram emplacados mais de 5,5


milhões de veículos 0 km, segundo dados da Federação Nacional da
Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Isso significa que mais

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veículos deixarão de circular e terão como destino um ferro-velho


qualquer.

Além do perigo ambiental que representam, esses restos mortais de lata


também revelam a fortuna que o país deixa de arrecadar por não
reciclá-los. O Sindicato do Comércio Atacadista de Sucata Ferrosa e Não
Ferrosa do Estado de São Paulo (Sindinesfa) estima que só 1,5% dos
veículos fora de circulação é enviado à reciclagem. Nos Estados Unidos e
na maioria dos países europeus, o índice alcança 95%. Segundo o
Sindinesfa, tudo em um carro pode ser reaproveitado. Em especial, a
carcaça e as demais peças de metal. Elas voltam a ser matéria-prima
nobre para as indústrias siderúrgicas, que depois abastecem os
fabricantes de novos veículos.

Só a cidade de São Paulo abriga uma mina de ouro em carros que já não
rodam mais e poderiam ser reprocessados. Em um dos maiores depósitos
de veículos apreendidos do país, o Pátio Santo Amaro, milhares deles
apodrecem, de forma perigosa, à beira do mais importante manancial de
abastecimento de água da capital paulista, a represa de Guarapiranga,
na zona sul da cidade. Na área de 80 mil metros quadrados, situada a
menos de mil metros do manancial, estão armazenados cerca de 20 mil
veículos, retirados das ruas pelo poder público. São automóveis e
motocicletas roubados, com chassi adulterado ou com irregularidades a
ameaçar de contaminação as águas que boa parte dos paulistanos bebe.
Pela lei, cada um deles só poderia estar ali por até três meses. Caso os
proprietários não regularizem a situação, esses automóveis deveriam ir a
leilão.

Mas grande parte dessa frota fantasma enferruja no Pátio Santo Amaro há
mais de dez anos. A área é particular, e foi alugada pelo estado só para a
guarda dos veículos irregulares. O que era para ser um bom negócio ao
proprietário se transformou em estorvo e um grande imbróglio judicial,
contra o governo, que se arrasta há anos. Amargando um prejuízo do
tamanho de seu terreno, o proprietário demitiu os funcionários que
cuidavam dos veículos, que agora estão à mercê das intempéries e dos
ladrões, que abastecem de peças desmanches clandestinos. "O Tribunal
de Justiça de São Paulo acaba de intimar, pela quinta vez, o governador
para retirar os veículos daqui. E isso deve ser feito antes que aconteça um
grande estrago ambiental", diz um representante do Pátio Santo Amaro,
que não quis se identificar por temer represálias. Há muitas áreas
semelhantes ao redor da represa de Guarapiranga.

Nem mesmo o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) sabe exatamente


quantos veículos estão sepultados em cemitérios irregulares. Questionado,
o Contran - por meio da assessoria de comunicação social do Ministério
das Cidades, ao qual está subordinado - limita-se a dizer que o assunto é
de competência de cada órgão de gestão viária dos estados e municípios.
Mas reconhece que as questões legais emperram a liberação dos veículos
para a reciclagem, já que "a alienação de sucata de veículo por órgão
público deve cumprir de forma rigorosa a lei de licitações, e envolve muitas
formalidades", informa a assessoria.

E acrescenta: "Muitos dos veículos depositados nos órgãos de trânsito


estão sub judice, o que requer alvará judicial para ser alienados,
providência também cercada de exigências legais". A assessoria conclui
que "os órgãos estão administrando essas formalidades com
desenvoltura". Não é o que se vê em São Paulo.

É uma pena saber que essa rica matéria-prima poderia retornar à cadeia
produtiva - incrementando a economia e gerando empregos -, sem
comprometer os recursos naturais, escassos, mas definha à sombra do

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descaso. O Sindinesfa contabiliza, hoje, entre 3 milhões e 4 milhões o


número de veículos em condições de reciclagem no país. "Não é por falta
de empresas recicladoras muito menos de tecnologia", garante Valentin
Scamilla, presidente do sindicato dos sucateiros. "Podemos processar
mais de 12 milhões de toneladas de sucata ferrosa ao ano." Ele diz ainda
que nossa indústria de reciclagem de ferro e aço é uma das mais
modernas do mundo. "O processo com máquinas trituradoras destrói um
carro em menos de um minuto. E tudo de forma ecologicamente correta".

O procedimento começa com eventuais descontaminações e separação do


material ferroso das demais peças de plástico e borracha, fios e cabos
elétricos, além da parafernália eletrônica com que são equipados os
modelos mais modernos. "Damos destinação correta a todos os materiais
e acessórios do veículo. Tudo é separado e encaminhado à reciclagem".

Para o presidente do Sindinesfa, além das tais formalidades, são muitos os


empecilhos que dificultam o reaproveitamento de carros em desuso. "A
falta de incentivos e de uma legislação de abrangência nacional está entre
as principais lacunas. Para ter uma ideia, a reciclagem de veículos ainda
nem consta como obrigação na nova Política Nacional de Resíduos
Sólidos". Scamilla confirma que seu sindicato - ao lado do Instituto
Nacional das Empresas de Sucata Ferrosa (Inesfa), do qual é afiliado -
enviou documento aos poderes legislativo e executivo federais com
sugestões para que uma eficiente regulamentação permita a logística
reversa e a reciclagem de veículos automotores em fim de vida útil.

De olho em um incremento na renovação da frota nacional, a Federação


Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) também
propôs um plano que, desde 2012, está nas mãos de representantes do
governo federal. Chamado de Programa de Reciclagem Veicular, o foco é
ainda mais abrangente. "A premissa é retirar de circulação, via incentivos,
veículos antigos que podem causar congestionamentos e acidentes", diz
Flávio Meneghetti, diretor da Fenabrave.

Tanto esforço por parte do empresariado deu algum resultado. Em julho de


2013, foi aprovado um projeto de lei do Senado que garante a
obrigatoriedade da reciclagem de veículos fora de circulação no país. Ele
prevê que veículos leves ou pesados de carga e de passageiros, no fim de
seu ciclo de vida, entrem no sistema de logística reversa da PNRS. Quem
deverá promover o recolhimento e o encaminhamento das sucatas à
reciclagem será o próprio fabricante, de acordo com o projeto de lei, que,
por enquanto, está nas mãos de três comissões do Senado, sem data para
aprovação: a de Assuntos Sociais, a Econômica e a do Meio Ambiente. "A
lei representará o primeiro passo para que o Brasil siga exemplos
bem-sucedidos de outros países e institua um programa de renovação na
frota de veículos de forma correta e organizada", comenta Scamilla sobre a
determinação que pode, enfim, acabar com essas latas velhas no Brasil.

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Quem usava este pequeno caminhão para trabalhar? Mais que qualquer outro tipo de lixo, os veículos parecem
ocultar histórias.

A passeio ou a negócio? Janela ou corredor? Memórias de antigos viajantes habitam o vazio de uma carcaça de
ônibus.

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Fungos tingem de verde parte dos milhares de automóveis amontoados a céu aberto no Pátio Santo Amaro,
em São Paulo.

Antes proteção para o motorista, a cruz no retrovisor vela agora pelo carro que, sem uso ou reciclagem, não
passa de lixo.

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PARA UM FUTURO MELHOR

O lixo e as mudanças climáticas


O cenário atual – aumento de consumo e de emissões de
gases de efeito estufa – pode começar a se alterar com a
entrada em vigor, este ano, da Política Nacional de Resíduos
Sólidos. Ela direciona recursos públicos para priorizar
redução desses resíduos e sua produção, para encontrar
soluções para a reutilização ou reciclagem e, por fim, pensar
em seu tratamento, quando os rejeitos podem ser
encaminhados a um destino adequado em um aterro sanitário,
gerando menos GEE
João Wagner Alves*
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Jotagedf/Creative Commons

[box-leia]
O homem moderno produz e consome para sobreviver e,
como consequência, gera uma quantidade imensa de
resíduos. A decomposição dos rejeitos orgânicos em
lixões e aterros, ao fim do ciclo de vida de cada produto,
gera biogás, uma mistura gasosa com quase 50% de
metano (um potente gás causador de efeito estufa), mais
uma quantidade semelhante de dióxido de carbono e uma
pequena parte de outras impurezas, como vapores d’água
e de ácidos.

O biogás é emitido desde os primeiros meses do aterramento do lixo até


mais de cinco décadas depois. Essas emissões se tornam mais intensas

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quanto maior a quantidade de restos orgânicos, umidade e temperatura


ambiente. Já o dióxido de carbono (CO2) emitido por um aterro se origina
do carbono retirado da atmosfera pela fotossíntese. Essa emissão não
contribui para o aumento das concentrações de gases de efeito estufa
(também conhecidos como GEE). No entanto, o metano – com 21 vezes o
poder de aquecimento global do CO2 – representa uma emissão
significativa.

Assim como os demais GEE, ele pode ser expresso em termos de massa
de dióxido de carbono equivalente (CO2e).

É paradoxal, mas um lixão a céu aberto emite 60% menos do biogás


formado em um aterro sanitário. A colonização por ratos, urubus, moscas,
entre outros vetores nocivos, porém, potencializa seus danos ambientais.
Então, converter lixões a céu aberto em aterros sanitários (já que aterros
controlados não são mais que lixões melhorados), além de nos livrar de
sérios problemas ambientais, oferecem medidas para a recuperação do
metano gerado com maior intensidade.

Com o contínuo aumento da concentração atmosférica de GEE desde a


Revolução Industrial, as mudanças climáticas globais observadas nas
últimas décadas fizeram com que o Brasil – e quase todos os países do
planeta – aderisse a tratados internacionais, como a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e o Protocolo de
Kyoto. A partir de então, o governo brasileiro passou a quantificar as
emissões de GEE nas mais importantes atividades da economia.

Segundo dados de 2010, as emissões totais de GEE no Brasil foram de


pouco mais de 1,2 milhão de toneladas de CO2e. A atividade agrícola foi a
principal fonte (com 35%), enquanto o acúmulo de resíduos urbanos em
aterros emitiu 49 mil toneladas de CO2e (4%). Estudos que fundamentaram
o inventário nacional de emissões entre os anos 1970 e a primeira década
deste século 21 apontam que o volume de resíduos urbanos gerados todos
os dias per capita dobrou no período. Cresceram também as quantidades
coletadas e enviadas aos aterros, o que acelera as emissões de GEE em
proporções superiores ao crescimento populacional. Uma alternativa para
reduzir esses números é a instalação de aterros sanitários com sistemas
de coleta desses gases em dutos ou sua destruição pela queima ou
eliminação do gás. O biogás precisa ser purificado para se transformar em
combustível eficiente. Já o gás metano pode ser aproveitado para gerar
energia.

É o que acontece em cerca de 60 municípios – 25 deles no estado de São


Paulo –, que têm buscado destruir, recuperar ou usar a energia do metano.
Grandes aterros podem produzir eletricidade com base nele ou injetá-lo em
gasodutos próximos, já que o metano tem a mesma composição química e
igual potencial energético do gás natural. Pequenos aterros, estações de
tratamento de efluentes ou instalações rurais, que geram quantidades
menores de metano, podem produzir energia para consumo local.

É interessante notar que a configuração do material reciclável presente


entre os resíduos sólidos se alterou. Na década de 1970, por exemplo, 3%
do lixo era composto de plástico. Na primeira década do século 21, esse
número saltou para 15%. A explicação está no aumento da produção de
embalagens descartáveis, além de diversos artigos que empregam o
plástico como matéria-prima. É fato que ele torna a vida cotidiana mais
fácil, mas requer novas soluções para lidar com esse material.

Esse cenário, porém, pode começar a se alterar nos próximos anos com a
entrada em vigor, em 2014, da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS). Ela direciona recursos públicos para priorizar, primeiro, a não

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criação desses resíduos. E, depois, busca reduzir sua produção para, em


seguida, achar soluções para a reutilização ou reciclagem desses
resíduos. E, só no fim do processo, pensar em seu tratamento, quando os
rejeitos podem ser encaminhados a um destino adequado em um aterro
sanitário, gerando menos GEE.

Coerente com a PNRS, a Política Nacional de Mudanças Climáticas


também incentiva a reciclagem, definindo uma meta de índice de
reaproveitamento de resíduos sólidos em 20% para 2015. Com isso,
significativas quantidades de energia e recursos naturais deixarão de ser
gastas na produção de bens.

Conclusão: além da atual precariedade na gestão de resíduos e na


escassez de dados sobre o tema, o principal desafio a ser superado nos
próximos anos é suprir a falta de pessoal técnico preparado para pôr em
prática as propostas contidas na PNRS. Esses especialistas são
essenciais na elaboração de planos municipais de gestão de resíduos
sólidos que contenham os princípios de coleta seletiva e o
dimensionamento de equipamentos para o correto tratamento e captura
dos GEE.

Também será preciso afastar propostas de incineração de lixo que possam


de forma enganosa ser apresentadas como as melhores alternativas para
o tratamento de resíduos ou a geração de energia (confira artigo na página
62). Só assim, as emissões dos aterros podem ser reduzidas. De igual
importância será a educação que a população precisa receber para
produzir menores quantidades de resíduos e separar o material reciclável.
Todas essas ações reduzirão também a pressão por recursos naturais,
fazendo com que tenhamos um estilo de vida mais sustentável.

*João Wagner Alves é engenheiro mecânico, mestre em energia,


doutorando no Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da
Universidade de São Paulo (Pipge-USP) e coautor do inventário das
emissões de gases de efeito estufa do setor de resíduos no Brasil.

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É MEU, É SEU, É NOSSO

Tecnologia que vira sucata


Computadores, impressoras, antigos aparelhos de TV... A
solução para o crescente problema do lixo eletrônico é a
responsabilidade compartilhada
Paulo Verri Filho
National Geographic Brasil - Especial Lixo - 12/2013

Victor Moriyama

Entre os países emergentes, o Brasil é, há alguns anos, campeão mundial na geração de lixo eletrônico de
informática. E o problema não parece perto de acabar.

[box-leia]
Vou até a dispensa e reencontro uma velha companheira,
cheia de pó e aposentada há muito tempo. É uma antiga
TV de 29 polegadas, daquelas que usam tubos de raios
catódicos, que agora parece ainda maior do que na época
em que a comprei. Sem funcionar há cinco anos, só lhe
resta uma serventia, ao menos para mim: ser um exemplo,
dentro de minha própria casa, dos chamados
equipamentos eletroeletrônicos em retenção (Eeer). São
aqueles fora de uso, esquecidos em garagens, com grande potencial de se
tornar lixo eletrônico no futuro. Já era hora de eu desfazer da geringonça
que um dia me foi tão útil, mas, consciente, sei que devo fazer a coisa
certa, e não gerar mais lixo. O indicado é encontrar alguma opção de
reciclagem.

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Primeiro passo: telefonar à empresa responsável pela coleta do lixo em


minha cidade, Ribeirão Preto (SP). Primeira resposta (decepcionante): ela
não conhece nem oferece pontos de coleta específicos para Eeer. Sem
desanimar, procuro o serviço de atendimento ao cliente do fabricante da
tevê e pergunto se eles aceitariam de volta o aparelho que um dia
produziram. Segunda resposta (frustrante): eles sugerem que eu procure a
rede de assistência técnica. Converso então com uma atendente, que me
pergunta se o produto está na garantia. Respondo que não. Terceira
resposta (quase revoltante): eles não podem ajudar.

Moral da história: não será tarefa fácil encontrar alguém que compartilhe
comigo a responsabilidade de achar um destino adequado a um velho
aparelho de TV. Estou sozinho. Pior: o problema não é só meu.

Ainda em 2013, milhões de Eeers deixarão de ser utilizados, e devem se


transformar no tipo de resíduo que mais cresce no país, o eletrônico. Isso
acontece porque a maioria da população brasileira ainda não sabe como
reutilizar e reciclar esses aparelhos e não se preocupa com o destino dos
seus não mais adorados bens de consumo. Os brasileiros – assim como
outros povos, sobretudo de países em desenvolvimento – dedicam mais
tempo a se atualizar sobre as novidades do mercado e, sempre que
possível, trocar seus produtos eletroeletrônicos antigos por novos. Poucas
pessoas, porém, se interessam na mesma medida em desenvolver meios
sustentáveis que permitam a destinação de seus equipamentos
obsoletos. Resultado: todos os dias, toneladas de lixo eletrônico são
descartadas de forma indevida em lixões e aterros sanitários.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica


(Abinee), só no primeiro semestre de 2013, foram vendidos no país 10,4
milhões de unidades de computadores desktop, notebook e tablet. Como,
em geral, quem compra um equipamento se desfaz de outro, o Brasil é, há
alguns anos, campeão mundial, entre os países em desenvolvimento, na
geração de lixo eletrônico de informática. Segundo dados do Programa
Ambiental das Nações Unidas (PNUMA), produzimos, em média, meio
quilo por pessoa/ano, seguidos de perto por México e Senegal. Na cidade
de São Paulo, segundo estudo de Ângela Cássia Rodrigues, da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), estima-se que
todos os anos sejam enviados ao lixo por volta de 3 400 toneladas de
Eeers.

Todos os anos, a Itaipu Binacional promove, no mês de setembro, em Foz do Iguaçu (PR), várias atividades
para conscientizar a população sobre a correta destinação de resíduos eletrônicos. Uma delas é o mutirão que
coleta pelas ruas equipamentos antigos. Depois, eles são encaminhados a empresas de reciclagem.

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Embora o cenário seja preocupante, algumas instituições têm se esforçado


para reduzir os problemas. Uma delas é o Centro de Descarte e Reúso
de Resíduos de Informática (Cedir), entidade que integra a
Coordenadoria de Tecnologia da Informação (CTI) da USP, referência
nacional no reaproveitamento de antigos aparelhos de informática e
telefonia. A coordenadora técnica, Neuci Bicov Frade, me convida a
conhecer o galpão do Cedir, na Cidade Universitária, em São Paulo, uma
área de 200 metros quadrados, onde ficam armazenados os equipamentos
doados.

Assim que entro, observo uma pequena equipe trabalhando perto de pilhas
de gabinetes de computadores, que me obrigam a olhar para o teto.
Orgulhosa, Neuci me conta que os cinco técnicos dão novo destino a
cerca de 12 toneladas de equipamentos por mês. No lado oposto do
galpão, avisto enormes sacos brancos, abarrotados. Alguns deles,
movidos por uma empilhadeira, estão cheios de partes metálicas; outros,
de cabos e fios. O material está pronto para ser enviado a empresas de
reciclagem de ferro e plástico. Ao lado, em uma sala separada por
divisórias, bancadas repletas de Eeers, aparentemente sendo montados,
despertam minha curiosidade. Neuci me diz que as peças de reposição são
separadas para que, ali mesmo, se recupere vários equipamentos que,
depois, são encaminhados à própria universidade, a projetos de inclusão
digital, prefeituras ou escolas públicas. Em pouco tempo, consigo
compreender como eles se organizaram para transformar o que ninguém
mais queria em algo a ser reaproveitado, com valor.

Enquanto o brilho dourado de pequenas placas de celular chama minha


atenção, Neuci se afasta e retira de uma prateleira um tubo de monitor,
junto com um frasco lacrado cheio de um pó acinzentado. Aquelas
partículas finíssimas, explica ela, são altamente tóxicas, e se espalham no
ar assim que o vidro de um tubo de raios catódicos é quebrado para se ter
acesso aos componentes de cobre. O metal é atraente pelo valor no
mercado e tem sido extraído nos desmanches clandestinos. O resto é
abandonado no solo, prática comum que ocorre nas periferias dos centros
urbanos devido à falta de fiscalização e à ampliação do mercado de peças,
componentes e materiais retirados dos Eeers descartados.

Para Wanda Maria Risso Günther, pesquisadora do Departamento de


Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, esse tipo de
destinação ambientalmente inadequado é grave. Se considerarmos só
alguns componentes comuns em vários tipos de aparelho – por exemplo,
os tubos de tevês e monitores, as placas de circuito impresso presentes
na maioria dos produtos de informática, as lâmpadas de descarga usadas
na iluminação, inclusive dos monitores de LCD, as baterias e os plásticos
presentes nos fios e cabos elétricos –, encontraremos, ao menos, cinco
substâncias nocivas à saúde, como chumbo, bário, cádmio, mercúrio e
bromado. Quando esses resíduos são descartados de forma inadequada,
os contaminantes podem se libertar e se incorporar ao solo, à água e ao
ar.

Outra questão é que muitos brasileiros ainda têm o péssimo hábito de jogar
lâmpadas fluorescentes em caçambas ou sacos de lixo. Só na cidade de
São Paulo, três em cada quatro domicílios utilizam lâmpadas fluorescentes,
mas apenas 12,5% deles as enviam para coleta seletiva, segundo estudo
de Ângela Cássia Rodrigues, da Faculdade de Saúde Pública da USP. O
resto vai para o lixo comum, provocando sérios problemas.

Isso tudo poderia ser evitado se uma ideia criada pelo mecatrônico
Wanner Kelson de Almeida fosse mais disseminada. Ele suspeitou que
uma tecnologia usada para outros fins seria capaz de fazer uma lâmpada
queimada funcionar de novo. Após anos de trabalho e uma patente em

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2010, ele oferece conserto de lâmpadas como inovação tecnológica para


indústrias, estabelecimentos comerciais e municípios. Sua ideia, inclusive,
foi premiada com o Mérito Ambiental 2013 da Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo (Fiesp).

Segundo a indústria Revitalamp, que presta o serviço na cidade de


Americana (SP), o processo tem início com a participação do consumidor,
que deve manusear as lâmpadas de forma adequada. Depois, é usado um
equipamento que devolve condutividade, revertendo a perda de mercúrio,
responsável pela queima ou redução de luminosidade. Assim, elas ganham
mais um ciclo de vida, sem perder a eficiência energética.

A Itaipu Binacional também promove o Campeonato Sul-Americano de Arremesso de Celular (à esquerda).


Vence a disputa quem lançar o aparelho mais distante. O torneio também serve para coletar aparelhos antigos -
em 2013, foram mais de 300 -, que depois são enviados à reciclagem.

Mas, voltando a minha velha tevê de tubo, após uma semana, ela continua
no mesmo lugar. Mas, se alguém a tivesse aceitado, teria ocorrido o que
está previsto na Política Nacional de Resíduos Sólidos: a
responsabilidade compartilhada. A partir de 2014, fabricantes,
importadores, distribuidores, serviços públicos de limpeza urbana e
consumidores deverão se responsabilizar pelos equipamentos eletrônicos
por todo o seu ciclo de vida – inclusive quando ele não for mais útil. No
Brasil, ainda estão em curso negociações que, em breve, devem culminar
em regras mais claras, que apontarão a participação de cada grupo. Para
os especialistas, o bom é que todos devem ser responsabilizados pela
destinação do eletrônico descartado, e não só o consumidor final.

A conta disso tudo poderá pesar mais no bolso de quem compra no varejo?
Ademir Brescansin, gerente de responsabilidade socioambiental da Abinee,
garante que a intenção dos fabricantes é pôr em prática a chamada
logística reversa, ou seja, criar ações e meios para coleta e devolução
dos equipamentos em desuso e, assim, onerar o cidadão o menos
possível.

Um lugar em que essa responsabilidade pós-consumo avança muito é na


Suécia. Lá, há 1.550 fabricantes e importadores que aceitam depositar um
valor em uma conta controlada por uma agência pública, não estatal. Essa
garantia financeira serve para cobrir boa parte das despesas futuras,
quando os produtos que venderam antes precisam ser coletados e
reciclados. Além disso, ajuda a manter uma rede de 600 centros de
reciclagem, 200 estações de coleta para pequenos eletrônicos, baterias e
lâmpadas, além de 10 mil recipientes de lixo para baterias espalhados pelo
país. “Wow! You’ve done it again” (“Uau! Vocês fizeram isso de novo”) é

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como a empresa responsável pela gestão do lixo eletrônico na Suécia


intitula seu relatório anual e, ao mesmo tempo, comemora a adesão dos
suecos. Em 2012, nada menos que 147.684 toneladas de Eeers foram
coletadas e ganharam novo destino, o que significa pouco mais de 15
quilos por habitante.

Dezenas de antigos cofres de banco, que já se tornaram sucata, aguardam destino mais adequado em um
galpão na cidade de Guarulhos (SP).

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