Você está na página 1de 2

Universidade de Brasília (UnB) – Faculdade de Direito

Direito Constitucional 1
Aluno Júlio César Farias de Oliveira Júnior
Turma B

Raimundo Faoro em "República Inacabada" oferece uma perspectiva histórica do


constitucionalismo, principalmente em um contexto brasileiro, analisando a evolução e
consolidação da Constituição. Nesse cenário, o autor coloca que a constituição simbolizava o
fim da monarquia e do poder arbitrário, e estaria diretamente ligada à democracia e à
independência. Porém, o autor defende que a constituição, em uma nova fundação de uma
conformação de poder, só tem essa capacidade normativa caso exista, realmente, uma nova
estrutura política e social capaz de recebê-la, e, assim, abrir um novo plano jurídico.

Nesse aspecto, o papel da Constituição não seria só da afirmação de um novo poder, o


controle do poder e governantes, mas sim também um instrumento capaz de moldar e
organizar a realidade das relações sociais, de acordo com as regras próprias nela valoradas.
Entretanto, o autor fala que existe, em outro pólo, um tipo de constituição que ele chama de
semântica: sua construção não gera uma modificação na estrutura de poder, ao contrário, a
afirma e exclui a sociedade, sendo seu caráter meramente formal.

Assim, Faoro discorre sobre como a construção histórica das principais constituições-modelo,
a francesa e americana, não passavam de instrumentos de controle social que anunciavam
valores que não se repetiam para grande parcela da população, e, em outro sentido, faziam a
luta por reconhecimento ser reduzido e controlado, uma vez que a constituição já existia
como concretização das lutas por direitos. Ou seja, dava-se o direito formal de forma a não
garantir o direito normativo. Nesse sentido, ressalta o autor, o Brasil passa por diversos
períodos de mudança constitucional sem mudança verdadeiramente estrutural, citando ele,
por exemplo, a constituição de 1946 que restringia o poder presidencial, ou a de 1964, que
afirmava a estrutura elitista de poder como seu próprio poder constituinte e elitista: tratava-se
de uma mudança dos atores do poder, que eliminavam o poder do povo, e não causavam
quaisquer mudanças estruturais políticas ou sociais.

Por conseguinte, o autor anuncia que existe sempre um rompimento constitucional em uma
revolução, e, esse rompimento é suscetível e a nova constituição é sempre apoiada,
majoritariamente, na força, que coage politicamente a sociedade. Para ele, uma revolução só
é verdadeira quando a mudança revolutiva está presente em todas as camadas sociais, não só
na ordem formal, e quando a força ou organização violenta não é sua única forma de sustento.
Sendo, portanto, a violência um instrumento, ela é incapaz de sozinha manter o poder. Existe,
então, uma clara diferença entre poder e legitimidade, sendo a legitimidade um fenômeno que
emana do povo em direção ao estado, no sentido contrário ao poder, e grande parte da
legitimidade vem da própria existência e conformação do direito.
Consequentemente, nessa visão, surgem dois lados do poder, um onde há uma superioridade e
inviolabilidade material, muitas vezes coercitiva e auto-determinada do poder que emana do
estado em direção a sociedade, muitas vezes dominadas por elites, sejam políticas ou de outra
natureza; e um organizado na legitimidade e comunidade social, visto como algo à parte da
simples justificação da existência do poder, trata-se, na verdade do apoio e confiança nas
instituições, fomentando, assim, estruturas políticas que sobrevivem aos colapsos.

Porém essas forças não são inertes ou opostas, elas, muitas vezes, se complementam na
constituição de um governo e sua legislação. Nesse aspecto, Faoro ressalta o papel da
Constituição como representação da sociedade, em seus costumes e tradições, como forma de
manter a crença na legitimidade dela como instituição. Com isso, então, o autor resgata as
três formas de poder de Weber como três formas de legitimidade, no plano tradicional,
carismático e racional, sendo o tradicional ligado à essa herança histórica, o carismático
estaria ligado à uma identificação direta com a legitimidade, e, por fim, o racional seria
responsável por uma referência direta à valores, o que tornaria menos nítida a diferença entre
legitimidade e legalidade.

Contudo, para o autor, existe uma diferença expressiva entre os dois, e a legalidade não seria
mais do que valores concebidos, já a legitimidade teria valor na contínua e presente crença,
em um aspecto menos material. Surgiria, com isso, um problema nessa relação: como
conciliar uma ordem social com a manutenção da liberdade? A resposta estaria justamente na
democracia, que fomenta não só a deliberação representativa como a cisão entre a esfera
pública e privada.

Concomitantemente, Faoro tem, também, uma visão crítica da legitimação: ao citar Gramsci,
o autor fala da maneira como as classes dominantes exercem sua hegemonia não só pelo
domínio direto "de cima para baixo", mas também como a legitimidade do pensamento
dominante é mantido pela classe dominada, ou "de baixo para cima". Porém, mesmo nesse
sentido, esse controle não é total nem perfeito, e, para o autor, existe sempre a possibilidade
da mudança na dominação, por uma tomada de consciência, por exemplo, e na concessão
realizada pelos dominantes aos dominados no modelo deliberativo, de forma a conseguir seu
apoio.

Por fim, no sentido do exercício do poder e sua legitimidade, Faoro entende que já não basta
a simples força e poder, mesmo que legitimado de forma racional, para manter determinada
forma de governo. Ele exemplifica, historicamente, como isso se deu em diversos momentos
no Brasil, onde o povo perdia seu poder, que era novamente instituído sem mudar as
estruturas políticas. Porém, com isso, ele chega à conclusão de que cada vez mais as elites
perdem espaço para outros núcleos de poder, que buscam exercer sua autonomia e influência.
Com isso, ele entende que vem daí a falta de legitimidade do poder atual, bem como a falta
de confiança e representatividade num modelo deliberativo baseado no sufrágio universal. E,
portanto, para Faoro, a única forma de restabelecer a confiança na constituição e nas outras
intuições políticas seria o reconhecimento das novas formas de exercício de poder,
modificando, finalmente, a estrutura política e social em uma nova legitimidade.

Você também pode gostar