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Escolarização no Brasil: do Império

à transição para a República

Texto: A Instrução Elementar no século XIX – Luciano


Mendes de Faria Filho
Educação primária século XIX: “Aulas Régias de
Primeiras Letras”
“Os alunos dirigiam-se à casa do Mestre e lá permaneciam por algumas horas”
Após a Independência:
 momento fértil para o desenvolvimento de um grande debate sobre o problema da
instrução – publicação de livros, matérias de jornais, elaboração de textos legais
 Estruturação do Brasil como Estado Nacional – ideário iluminista
 Nas províncias: intensa discussão acerca da necessidade de escolarização da
população (incluindo negros, indígenas e mulheres)
 Limites da discussão: sociedade escravista, autoritária e desigual
 Lentamente afirma-se a presença do Estado na educação
 Fortalecimento do discurso que queria disseminar na sociedade os rudimentos do
saber “ler, escrever e contar”

“Para as elites brasileiras, a escola para os pobres, mesmo em se tratando de


brancos e livres, não deveria ultrapassar o aprendizado das primeiras letras”
p. 136
Lei de 15 de outubro de 1827 – instruir as “classes inferiores”
– tarefa do Estado – estratégia civilizatória

Art. 1 “Em todas as cidades, vilas e lugares mais


populosos haverão escolas de primeiras letras que forem
necessárias”

“[...] é preciso que o povo seja livre para que possa escolher; e é
preciso que ele seja instruído para que faça a escolha certa. (O
Universal, 1825)

Escola de primeiras letras – substituída pela ESCOLA


ELEMENTAR – para além do “ler, escrever, contar” – “rudimentos
de gramática”, de “língua pátria”, de “aritmética”, de
“conhecimentos religiosos”
O que havia até então? Método Individual de Ensino
“Consiste em fazer ler,
escrever, calcular, cada aluno
separadamente, um após o
outro, de maneira que quando
um recita a lição os demais
trabalham em silêncio e
sozinhos. O professor dedica
poucos minutos a cada
aluno. O emprego de meios
coercitivos garante o silêncio
e o trabalho. Não existe um
programa a ser adotado e as
variações, de escola para
escola são imensas.” (Lesage,
1975, p.62)

Modernidade – paradigma da
razão – muitas críticas ao
método

Le maitre d'ecole, 1662, Adriaer Van Ostade


Final século XVIII: um novo método de ensino:
Ensino Mútuo/Método Lancaster

 Promotores:
 André Bell – ministro da Igreja Anglicana
 Joseph Lancaster – seita dos Quackeres
 Método mútuo – início sec. XIX - Necessidade de expansão da
escolarização
 Experimentado inicialmente com crianças pobres na Índia
Contextualizando:
Ensino Mútuo = Revolução Industrial
Ensino Mútuo: marca da didática do século XIX
 O local: sala única, retangular, sem separação
 Estrutura pedagógica: programa preciso ( Primeira/ Oitava série)
 Mobiliário e material: preocupação com economia/ vigilância, utilização da
ardósia e quadro-negro, estrado
 Semi- círculos
 Horários: disciplinamento do tempo – presença do relógio
 Professor/ monitor geral/ monitores
 Comandos: os apitos
 Emulação/ Castigos corporais banidos - Racionalização dos recursos
 Facilidade em manter a disciplina
humanos
- Política de economia, rigorosa
organização espacial
- Sala de aula: modelo do pan-
óptico (estrado)
 Ensinar em pouco tempo muitos alunos - Método que define o lugar de
cada um e as relações
estabelecidas
12

10

Coluna 1
6 Coluna 2
Coluna 3

0
Linha 1 Linha 2 Linha 3 Linha 4
Sala de aula - 1811
SALA DE AULA
O cotidiano escolar

“8h entrada do professor e dos monitores gerais e


inspeção de higiene, 8h45 entrada dos monitores; 8h52
chamada dos monitores; 8h56 entrada dos alunos,
chamada e oração; 9h entrada nos bancos; 9h04 primeira
lousa, escrita, ditado; 9h08 fim do ditado; 9h12 fim do
ditado (…) 10h sinal para sair dos bancos e formar as
classes de leitura; 10h10 começa a leitura (…); 10h55
chamada dos monitores de aritmética, formação das
classes se aritmética; 11h10 aritmética nos bancos,
ditados, correções... 12h fim da aula de aritmética,
chamada dos bons e maus alunos, oração, saída...”
9h-10h 10h-11h 11h-12

Segunda-feira Oração, Classe de Leitura e


chamada, leitura escrita gramática
e aritmética

Terça-feira Idem Leitura Idem

Quarta-feira Idem Leitura e Idem


gramática

Quinta-feira Idem Leitura Idem

Sexta-feira Idem Leitura e Idem


gramática

Sábado Idem Leitura Idem


13h-14h 14h-15h 15h-16h

Segunda-feira Oração, Escrita e desenho Leitura e


catecismo, nos bancos desenho em
chamada, grupos

Leitura
Terça-feira Idem Escrita

Leitura e desenho
Quarta-feira Idem Escrita e desenho em grupos
nos bancos

Quinta-feira Não há aula Não há aula Não há aula

Sexta-feira Oração, Escrita e desenho Leitura e


catecismo, nos bancos desenho em
chamada, grupos
Introdução do Ensino Mútuo no Brasil – 1820...

Quem defendia? poderosa arma na luta para fazer com que a


escola atingisse um número maior de pessoas

“O novo método de educação que nos propusemos a explicar


tem em vista três grandes vantagens:
1) abreviar o tempo necessário para a educação das crianças;
2) diminuir as despesas das escolas;
3) generalizar a instrução necessária às classes inferiores da
sociedade” (Jornal Universal, 1825)

Decisão do Reino n.83, 24/07/1822: “fica a cargo da


Repartição dos Negócios da Guerra a Escola do Ensino
Mútuo desta cidade” (Rio de Janeiro)

Decisão n.11, 29/01/1823: “permite o estabelecimento de uma


aula de ensino mútuo na Corte”
Decreto das Escolas de Primeiras Letras, 15/10/1827,
primeira lei sobre a instrução pública nacional do
Império do Brasil

“As escolas serão de Ensino Mútuo nas capitais das


províncias; e o serão também nas cidades, vilas e lugares
populosos delas em que for possível estabelecerem-se. Para as
escolas de ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que
houverem com suficiência nos lugares delas, arranjando-se com
os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública. Os
professores que não tiverem a necessária instrução deste
Ensino, irão instruir-se a curto prazo e à custa do seu ordenado
nas escolas das capitais.”

Ensino monitorial/mútuo “o meio pelo qual uma escola inteira


pode instruir-se sob a supervisão de um só professor” (Lei de
1827)
Continuando o decreto....

“Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro


operações de aritmética, prática de quebrados,
decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria prática, a gramática da língua nacional, os
princípios de moral cristã e de doutrina da religião
católica e apostólica romana, proporcionada à
compreensão dos meninos; preferindo para o ensino
da leitura a Constituição do Império e História do Brasil
(…) e História do Brasil, (…) Os castigos serão
aplicados pelo método de Lancaster.”
Críticas ao Ensino Mútuo
 Constituição de grupos disciplinares homogêneos/massificação ensino
 Incompetência dos monitores/ Afastamento do professor
 Sistema empírico baseado em procedimentos mecânicos
No Brasil...
 Falta de prédios escolares adequados e material necessário à adoção do
método
 Falta de proteção do poder público e baixos salários, ausência de formação
dos professores
 Dificuldade de implantação do método em um país agropastoril e escravocrata

“No Brasil, não houve a implantação do método mútuo conforme preconizado por seus
idealizadores ingleses. O que ocorreu foi a adoção de medidas legais e de muita
discussão política em torno das vantagens e desvantagens do método e das dificuldades
de implantação de escolas de ensino mútuo. Na prática, não tivemos uma escola que
comportasse mais de cem alunos, além de um número reduzido de professores
realmente com domínio do método e com o material necessário para o seu
desenvolvimento. Entretanto, práticas e exercícios escolares preconizados foram
apropriados de tal modo que, em alguma medida, ainda hoje se fazem presentes.”
(BASTOS, Maria Helena, 2004)
Método misto/simultâneo
Método Misto/ Simultâneo: Ensino Intuitivo fim século XIX
Refinamento teórico: primeiras luzes da Psicologia e Pedagogia

 Percebeu-se que era o que melhor atendia ás especificidades da instrução


escolar, permitindo a organização de classes menores e a ação de um
professor simultânea sobre vários estudantes

 Fomentou-se a produção de materiais didáticos pedagógicos como


livros e cadernos e disseminou-se o quadro-negro

 Pestalozzi – precursor dos estudos de Psiciologia – prestar atenção no


aluno e nas relações pedagógicas de ensino e aprendizagem

 Observação dos alunos – partir de um conhecimento sensível para a


elaboração mental superior reflexiva dos conhecimentos

 “Lições de coisas” - momento em que o professor deve criar as


condições para que os alunos possam ver, sentir, observar os objetos –
objetos escolares, objetos levados para a escola, excursões, acesso a
gravuras diversas
Do espaço da fazenda ao Grupo Escolar
Governo do Estado contra o Governo da Casa

• Sec. XIX – rede de escolarização em espaços improvisados de


educação
• Professores não eram controlados, dados estatísticos eram
falseados, professores misturavam suas atividades de ensino a
outras atividades, as escolas por vezes não funcionavam
• Sec.XX – necessidade de construção de espaços próprios para
a escola como condição de realização de sua função social
específica – medicina/higiene e sua aproximação com o fazer
pedagógico
• Grupos escolares: primeira construção pública para a escola
primaria “templos do saber” – encarnavam um conjunto de
saberes de projetos políticos educativos e punham em
circulação o modelo definitivo da escola seriada

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