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Recorte, ainda em processo, do Morro do Shopping

São João de Meriti, RJ

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Estudos sobre o território
O recorte abrange a divisa entre o município de São João de Meriti e do Rio de Janeiro
- bairro Pavuna - manifestada no Rio Pavuna, o qual desemboca na Baía de Guanabara.
É marcado pela Linha Vermelha e Rodovia Dutra, que se encontram em um nó viário
ao lado de Parque Juriti, destacado na imagem satélite. São também analisados parte do
município de Duque de Caxias e outros bairros do Rio como a comunidade de Acari, na
região sudeste da imagem, permeada pela Av. Brasil.
Compreende-se a região como um mosaico de transformações. O processo de avanço
das ilhas industriais, o desaparecimento das áreas verdes preservadas, a alta densidade
residencial e a presença de importantes vias do estado do Rio de Janeiro - que não mais
respondem a ordens locais e regionais, mas à abrangência global de fluxos econômicos -
que cortam o território de forma bruta e impositiva, em muitos casos sem desenvolver
relações fluidas com as pré-existências locais. Desse modo, é possível entender o
espaço social em questão como resultado do choque entre o urbano e a indústria, e por
conseguinte as relações de produção determinadas pelo capitalismo industrial do Estado e
a expressão do seu avanço no território.

Ilhas da modernidade
Um olhar ampliado sobre a região

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Camadas do território
Identificada a complexa
sobreposição dos processos
e tempos citados , buscou-se
compreender a materialização
sócio-temporal destes
individualmente e através da
elaboração de combinatórias.
Percebe-se a forma abrupta com
que a implantação de indústrias
segue os eixos dos rios e das vias
articuladoras e avança sobre os
espaços de vegetação. O Morro
Vias Rios do Shopping se insere nessa
malha ameaçado pelas forças de
interesse crescentes ao redor. Era
a maior e uma das últimas regiões
verdes ainda preservadas do
município, e agora sofre o mesmo
processo que todos os espaços
considerados não-lucrativos na
lógica de invasão do capitalismo
global.

Vegetação Fábricas Objeto - Morro

Vegetação + fábricas Vias + Rios + Fábricas Geral

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O Morro como Projeto
Nosso projeto reafirma o caráter sintético do Morro em
sua presença no entorno, como reflexo das principais
fricções sócio-políticas da região. No livro “Sobrevivência
dos Vagalumes”, Georges Didi-Huberman sugere
metaforicamente que os vagalumes são pequenas faíscas
alegóricas que resistem à escuridão de tempos políticos
obscuros, às forças opressoras vigentes. Essa resistência
se dá pela não-conformação, pela apropriação dos
espaços, por manifestações de vida e de pensamento
crítico contrárias ao fluxo de morte das liberdades e
possibilidades de uma vida digna no território. A morte
do Morro em Juriti retira mais um espaço de apropriação
e resistência dos moradores, destruindo e fragilizando um
elemento antes imponente e preservado.
Assim, a re-apropriação do morro pelos moradores e
sua consolidação como espaço coletivo pertencente ao
entorno e seus habitantes se mostrou uma forte estratégia
de combate aos avanços violentos do poder desigual
sobre o espaço urbano.

Parque Juriti - Marca Parque Juriti - Marca Parque Juriti - Marca Parque Juriti - Marca
temporal 1 temporal 2 temporal 3 temporal 4
Antes da ocupação territorial. Antes do recorte do morro. Após o recorte do morro. A morte do morro. Sua mudança
O morro conservado, fauna e O bairro já ocupado, convivendo Deslizamentos de lama e de caráter não pode ser desfeita,
flora locais preservadas, o Rio com a presença de um local de alagamentos no bairro, uma no entanto, como resposta a
Pavuna limpo cortando a região. preservação natural, realidade de espaço manipulado e brutalidade da política territorial
um respiro à realidade industrial, dominado pelo homem tomando local é possível retomar a
o morro. forma na área antes preservada. propriedade do espaço coletivo.

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Visita ao Morro
O contato com a realidade do
espaço encontrado traz para
o projeto o valor simbólico
da resistência ali presente.
Já gradeado e com portaria
instalada, o Morro se mostrou
dominado pelo poder privado,
interesse das empresas de
logística que ali pretendem
construir galpões. Foi necessário
adentrá-lo de forma irregular,
escondidos em uma área que
deveria pertencer a todos, à
cidade, à Parque Juriti. No
entanto, pequenos rastros
e gestos evidenciam tanto a
força da natureza quanto dos
moradores, de resistir e ocupar.
Seja através das marcas causadas
pelas operações bruscas na terra
ou na presença artificial de uma
vegetação posta, a permanência
dos que ainda frequentam o
espaço do morro para lazer
conformam um cenário de duas
realidades: o arame farpado que
contorna todo o morro e as
pipas e carretilhas espalhadas nas
encostas.

Cicatrizes de um espaço roubado e seu anseio por


sobrevivência

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O Morro como Projeto - Cemitério
O cemitério parque como estratégia projetual tem por objetivo interromper a
invasão de polos industriais, preservar o morro como área livre e como expressão da
permanência do povo no espaço. A retomada deste grande território verde público,
em uma região marcada pela alta densidade de ocupação e carência de espaços de lazer,
é possibilitada pela capacidade de articulação espaço-temporal que o cemitério possui
como heterotopia. Uma vez que se conecta a todos os espaços da cidade pela presença
de parentes de cada família e pela ruptura absoluta com o tempo tradicional (Foucault,
1967). O cemitério no morro reivindica novas condições físicas que fortaleçam a luta
local por cidadania. Dessa forma, a manipulação do relevo como objeto arquitetônico
foi o alicerce de desenvolvimento do projeto. Entendendo a impossibilidade de retornar
ao seu caráter inicial e com intuito de investigar a real força da sua existência na
paisagem, gestos brutos de subtração e adição são explorados na topografia como crítica
à morte gradual do morro e suas consequências ambientais e culturais.

Pipa - Enchente - Manifestação:


Resistência de Parque Juriti
O desenho como método de trabalho fez parte de toda investigação
urbana e projetual. Aqui ele ganha caráter de aproximação daquele
que desenha as pautas defendidas pelos moradores de Parque Juriti.
Representa-se a força política dos mesmos, seja na articulação de
protestos seja na resistência em ocupar um espaço que lhes foi tirado.

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Concepção de Projeto
O desenho do masterplan surge a partir da interpretação do perímetro do morro.
Compreendendo que a encosta é a primeira relação que o entorno estabelece com o
local, visou-se projetar os elementos do perímetro de acordo com a disposição espacial
de cada região tocada, e suas relações simbólicas. Então, as diferentes tipologias de
cemitério estudadas serviram de base para a concepção de cada uma dessas áreas do
Morro, surgindo conformadas por ações de manipulação de terra, também baseadas nas
referências.
Ao centro, entende-se uma força de atração para adentrar o topo do Morro, o
surgimento natural de um núcleo que instigue os acessos e percursos propostos.

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Crematório

Estacionamento

Acesso veículos

Cemitério Buraco

Memorial

+42m Edifícios Encosta

Ciclovia

0 25m 50m 100m 200m

Masterplan Capelas Água Bosque Cemitério parque

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Ampliação 1
Edifício Encosta
Ocupando a encosta, tornando-a ponto de controle e ocupações
administrativas, além de criar espaços de reflexão com o uso da luz
natural, uma espécie de barreira se constrói, protegendo o morro e
permitindo a entrada para dentro da terra. Essa é mais uma estratégia
de reinserir o indivíduo em um lugar que pertence a sua identidade.
Os edifícios desse tipo se localizam na região da encosta voltada para
o bairro de Parque Juriti. Considerando a fragilidade das relações
urbanas na área, com o avanço brutal de indústrias, além de toda a
problemática de deslizamentos do Morro para o Bairro, entende-se
essa parte do perímetro como mais crítica, havendo maior demanda de
proteção e espaços de transição. Assim, o acesso é mais demarcado e
gradual, com escadarias que chegam ao nível dos edifícios - encosta.

Colagem Edifício Encosta

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