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ERWIN P
- NOFSKY
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e1
eA pERSPECTIVA
COMO
Título original: Die Perspektive ais symbolische Form
in tbe Vortrage der Bibliothek Warburg
FORMA SIMBÓLICA
Edição or iginal de The Warburg Jnstitute
© Gerda Panofsky
.
Tradução: Elisabete Nunes
Capa de Edições 70
ISBN 972-44-0886-8
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser e p ~ > ? u z i d a
ções7
no toào ou em parte . qualquer que seja o ~ o o uuhzado,
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7/25/2019 PANOFSKY - A Perspectiva Como Forma Simbolica
Universidade de rasllla
~ ~ ~ ~ - . J l l & l i . D1
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i
.INTRODUÇÃO
Uma voz vibrante, ma s fugaz, ressoa nos primeiros escritos teó-
ricos de Panofsky. É, sobretudo, .o abrange nte estudo sobre a pers-
pcctiva que go1 a de uma fama que ultrapassa, em muito, os limites
convencionais da História da Arte. Mas, não raro, essa fama tem esba-
tido os mais ricos cambiantes da linha argumentativa de Pauofsky e
obscurecido a sua raiz teórica. Atentar na voz que se ouve no estudo
. _.e· sobre a pe::spectiva, tomar em conta os seus meios-tons, constitui um
projecto que se reveste de interesse mais do que biográfico. Nascido
em 1892, Panofoky integrava-se já na segunda geração de críticos
alemães de formação histórica positivista. De um modo geral, estes
críticos partilhavam a visão de uma ciência da cultura mai s. englo-
bante, de uma prática especializada que se não limitasse a acumular
dados, mas procw·asse entendê-los. Panofsky fazia igualmente parte de
um pequeno círculo de críticos conscientes das inevitáveis lacunas da
História da Cultura, ou seja, da subvalorização ou desprezo perante
uma dimensão de sentido inerente a determinados tipos de objectos
(textos, imagens), dimensão essa de espinhosa exp licação para a Hi s-
tória. As produções artísticas «nã o são afirmações feitas pelos sujeitos,
mas sim formulações da matéria, não são acontecimentos, são resulta-
dos» (1), escreveu Panofsky em 1920. Qualquer abordagem histórica
teria de levar em consideração a autonomia de um objecto com tais
características e a impossibilidade de se deduzir esse objecto das suas
circunstâncias fenon:ienais. Era este o primeiro estádio por qu e teria de
passar qualquer história não materialista da cultura .
Este isolamento preliminar da obra de arte assemelha-se às estra-
tégias a que recorrem o Formalismo Russo e o Ncw Criticism . De
facto, tais refinamentos paralelos da prátiéa da leitura contribuíram,
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diferenteme nt e, para um objcctivo a l o 1 ~ g o prazo, o de despertár tempo. As características desta Wollen (vontade) são confjguradas
a nossa sensibilidade para o carácter social do signo linguístico e, pela Weltanschauung (visão do mundo) que lhe corresponde» (3).
em última análise, para a ligação indissolúvel entre o texto e o mundo. Mas Riegl evitou dar resposta às dúvidas sincrónicas, que ainda
A estratégia utilizada c n s i s ~ i a em isolar,. e i : i ~ o r ~ ~ ~ P ~ i . . . . ~ ~ ~ ' · subsistiam, acerca dos fenómenos artísticos. A sua relutância face à
para captar, de forma mais nítJda, os seus p11nc1p1os e >truturrus bas1cos interpretação tem vindo a ser criticada como representando um isola
e por fim, de posse de fundamentação mais válida, em reintegrá-la mento esteticizante do objecto de arte cm relação à vida. O objcctivo
n'o seu contexto original. Em A Perspectiva como Forma Simbólica primeiro de fücgl, e que foi formulado, com toda a ciareza, na intro
1 Panofsky movia··Se já num quadro e t o d o l ó g i c o f?m.ecido yei?s ;
l
dução a Spiitromische Kunstindustrie era sa botar a História da Arte
primeiros·historiadores de Arte Fonnahstas, como Hemnch Wolfflm materialista, de que a obra de Gottfüed Semper constituía um exem
r
plo. Riegl pôs de lado a função, os materiai s e a tecnologfa, que consi
e,
efeito; principalmente,
os trabalhos Alois Riegl.deEsta
posteriores questão
Panofsky não é muito
acabaram clara.oCom
por lançar des 1 derou apenas como restrições negativas impos tas à forma, meros «coe
crédito sobre o Formalismo na História da Arte e fazer com que pra
] ficientes conflituais», e deu ênfase à autonomia do desenvolvimento
ticamente todos os espccialisías se lhe opusessem. fonnal. Mercê do seu rigor, Riegl logrou evitar que a forma fosse con
No estudo sobre o termo Kunstwollen (vontade artística), fundida com as funções desempenhadas outrora, ou ainda hoje, pelo
Panofsky condenava, por igual, a cedência desenfreada e irresponsável trabalho físico e também com as referências eventuais ao mundo, fei
ao poder irracional do objecto de arte (a História da Arte «Expres tas pela forma, e os eventuais sentidos que possam ter sido, ou sejam
sionista» de Wilhelm WoITinger ou de Fritz Burger) e o refúgio 1 ainda, criados por essas referências. Por es te motivo, se chamou à
desiludido num historicismo céptico. Panofsky optou pelo tratamento Kunstwollen (vontade artística) um «mecanismo de colocação entre
«mais do que fenomenal» do fenómeno artístico, preconizado por parênteses» (4) de tipo husserliano.
f
Riegl. Discerniu na Weltanschauungsphilosophie (filosofia da ~ ã o O afastamento entre os objcctos e o mundo, operado pelos llisto
do mundo), sincrónica e visionária, de Riegl, adoçada por alguma llliO riadores da Arte; pode assumir-se como correlativo de convicções
piá filológica intencional, o gérmen de uma História nova da Arte, uma várias, de carácter mai s geral. Essas convicções centram-se na supe
reconciliação entre as histórias materialista e idealista. Definiu-a como rio1idade do espírito sobre a matéria, da imaginação sobre a razão, no
sendo uma «Kunstphilosophie (filosofia da Arte) verdadeira» (2) . afastamento do artista da sociedade, na natureza, inevitavelmente
·Riegl dera início à sua História da Cultura apresentando um con- auto-reflexiva e circular, da interpretação, e no valor redobrado da tra
1 unto novo de categorias formais. Na sua obra figuravam como atribu dição artística face a atitudes inovadoras isoladas. Est.lveram asso
tos estruturais básicos, a hápticae a óptica, a unidade interna e externa, ciadas aoi: princípios do Formalismo na História da Arte versões de
·a coordenação e a subordinação, tal como acontecia com os famosos todas estas ideias. Nas palavras de l.f lin;._«o efeito__ imageI l-11.ª:-.
<<p1incípios» de Wõlfflin. A este nível, a análise da s ~ t u r transcen imagem, enquanto factor do estilo, reveste-se de muito maior impor" ·
dia, ao mesmo tempo, a história e as questões da função, do valor, da t â l l C i á ª g ~ ê T e q ü ê f ê S u f i ã c f ü e c t ã i n e õ t ê ..érãimitação da Natu- -'
· beleza ou do sentido. A análise estrutural revelava um padrão que se reza)) (s). Os aforismos de Wõlfflin vêtf1-m-ai s rrequentemente à lem
... perfilava por detrás da sequência temporal das obras de arte, um telas õranºçà, muito embora outros tenhám feito juízos semelhantes. O que
~~: interno ou motivação, personificada, CllJ. Riegl; pela Kunstwollen ou atrás foi dito não implica (a não ser numa acepção geral e pouco signi
;r ~ « v o n t i i , d e artística». Assim, os avanços pa História da Cultura concre ficativa) uma ligação destes métodos ao esteticismo. Muito pelo con
. 1 ~ % - · . l : i , i â r - s e - i a r n através da coordenação dessa vontade e de algo .que se trário: por via de regra, os Formalistas consideravam que se haviam
f .: .. . . .:·tÍ?, D:deria -designar como a Wollen (vontade) comum da época. Nas pági- libertado da Estética e que esta era uma história anti-materialista, mas
- · de Spiitromische Kunstindustrie Riegl referiu-se à Kuns-
f i i n a i s positivista, uma ciência do espírito. Surge aqui um paradoxo, pois não
~ h l t e r i artística) de uma época e aos princípios estruturais
v o n t a d e restam dúvidas de que existe relação entre o atribuir-se dependência
q\Je regem os seus fenómenos artísticos como sendo «idênticos, sem ou independência e o critério inicial de selecção· dos objectos. Atribuir
·s0mbra( dc dúvida, às outras fonnas essenciais de expressão da Wollen independência a uma sequência de objectos escolhidos de acordo com
:V.orita de)- ·humana da mesma época». Não há que hesitar quanto à um critério estético é, em geral, mais fácil ou mais ·natural, já que, a
designação a atribuir a essa Wollen (vontade) comum. O Homem é um partir de Kant, a obra de arte se· define como descontínua relativa
ser:activo e sensorial, predisposto a interpretar o mundo «da forma mente às -condições que a possibilitaram (o «mundo») e não como ori
mais aberta e que melhor resposta dê às suas necessidades, necessi ginada nelas. Uma genUina História da Arte «estética» isolaria, na
dades essas que- varian1 de povo para povo, confonne o lugar e o obra, detel1IlÍnadas quaJidades formais que apelidaria «estilo». Com
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isto, a História tran sforma-se em morfologia pura, num estudo sobre as existente entre a obra e o mundo. O mecanismo de separação, res
mudanças da forma, as quais, apenas de modo acidental, se resolvem ponsável pela mptura de todos os elos comuns entre a obra e o mundo,
cm obras matêdais. Opostamente, Riegl rejeitava qualquer categoria mais não foi, no inicio, do que uma maneira de desviar juízos pouco
estética absoluta ou supra-hi stórica e não integraria no seu projecto de elaborados acerca da re lação obra/mundo, e de es tabelecer fronteiras
Histó1ia uma tal categoria, fosse a que preço fosse. Via as «obras de ao que se poderia vir a afirmar sobre a sincronia ou o contexto. Más,
arte» so mente como objectos de criação do Homem , possuidores de corria-se este risco com conhecimento de cau sa. Era frequente que a
um elevado nível de organização formal artificial. Escreveu sobre arte separaç ão de que se partia dificultasse, ou tornasse até desnecessária, a
aplicada e até sobre objecios vulgares, porque, à semelhança do que se busca de um caminho de retomo ao mundo dos acontecimentos
verifica com as obras de arte, eles se subordinam a uma lógica fom1al comuns. E foi neste ponto que Sedlmayr se de sviou do bom caminho.
indepen.ciente. Na sua p e ~ s p e c t i v a , nem o estilo em si (a morfologia) Nas .obras de arte fez a descoberta de um universo paralelo, pleno de
nem a sequência dos o b j e ~ t o s constituíam o plano fu ndamental dos encanto, um. «W elt im K.leinen» (mundo em miniatura), quase a imi-
factos. Era a Kunstwollen (vontade artística) da época que, para Riegl, tação burlesca da Kunstwerk (obra de arte), radicalmente autónoma,
formava esse plano, tal çomo sucedia em Wõlfflin com a forma de de Heidegger, cuja adequação ao mundo estava já fora de questão.
ver (6 . A Strukturanalyse degenerou numa .espécie de es teticismo nostálgico
Errado seria pôr de lado Riegl, e bem assim Wõlfflin, como se se de propensões teológicas.e mesmo teocráticas (para não falarmos das
tratasse formalistas doutrinários que não tivessem avaliado capaz Fascistas).
mente a plenitude da relação que existe entre a obra de arte e o mundo. · Êxitos ou fracassos que este método tenha tido ~ u l t a r a m da
Não passaram despercebidas a Riegl as grandiosas imagens de tota incapacidade.dos seus adeptos de resistir a uma tentação de Riegl. Será
lidade.cultural, esboçadas por Burckhardt ou Diltb.ey e que viriam a ser petfeitamente r í , ~ e l pôr a questão em termos éticos, pois a rejeição da
o incentivo de Aby Warburg. Simplesmente, o que acontecia era que a S e g u n ~ a Escola de Viena assentou nesses termos, na América logo nos
delicadeza envolvida na operação de completar essa imagem punha à anos tnnta (9), e nos países de expressão alemã após a guerra. Nos anos
prova o seu temperamento. Era um filólogo por demais escrupuloso. dez <: vinte, Panofsky esteve, sem dúvida, sujeito à mesma tentação.
No fundo, tinha demasiado de nominalista para poder terminar o seu A que ponto foi a ela vulnerável, eis o que se torna difícil determi
própiio projecto. Riegl submeteu a sua Weltanschauungsphilosoplzie a nar. Era-lhe grata a distinção entre o isolamento estético e a separação
cortes, agindo quase como se de um problema de consciência se tra ascética. Além disso, considerava-se capaz de co nciliar a oposi_ão
rasse. Talvez estivesse a adiar a concretização dessas ambições para entre a filosofia e a filologia, a que Riegl sucumbira.
uma idade avançada, a que não chegou, ou talvez desejasse que os seus P a n o f ~ k y reteve o conceito de / unstwollen (vontade artística) de
discípulos enfrentassem os ri scos (7). · Riegl, mas fragmentou-o. Dele se apercebem partes disseminadas ao
Os contributos mais válidos para a Weltanschauungsphilosophie longo da sua linha .de raciocínio, sob a forma de uma «Stilwille»
de Ri cg l, mas também meno s conseguidos, ficaram a dever-se a segui- (vontade estilística), do nome «Willen» ( v o n ~ a d e ) , de palavras como
d , o ~ e s e díscípulo.s se us, como Max Dvorl\k e, principalmente, Hans «luta» e «ambição». Opôs-se à noção de Kunstwollen (vontade artís
-~~::, ~ u i d o voo Kaschnitz-Weinberg e Otto Pãcht, quc vieram a tica) por lhe encontrar aigo de am adorístico. É verdade, que Riegl
i . ~ ~ ~ J & ' f l ~ o .núc,leo da chamada ~ u n d a Escola de Viena. Tentaram recorreu a Kunstwollen (vontade artística) exactamente por não ser um
..J . l 1 ~ ~ ª. ~ n á l i estrutural, efec:Jada por R i e ~ l , no sentido seu prod11to da filosofia acádémica, de que desconfiava. Tratava-se de um
...: ~ ~ : · ~ _ u ; i c ~ ó m c o ,
.·
\ i • · - : . ' . ~ A1 W f i l i . . § Y através
inicial. da
t ó r i ê a depuraçao
Ambições e elaboraçaoascéticas
louvavelmente das categonas da
as suas. conceito
confiançadee criação pessoal,
sem grande motivo pelo
ansiedade qualà ele
quanto usou com relativa
suaolegitimidade finâi.
· · ~ R . ~ l l Ç í p i o s t?Struturais latentes na obra bastariam, por si só, para for-
•• i
Panofsky aceitou, na realidade, o enquadramento que Riegl deu ao
J O l ~ v ~ s ã o do mundo que dera origem a essa obra (s) . problema. Mas sentiu a necessidade de, por um lado, mascarar ou
{; it~ : f a l h a s ela Strukturanalyse (análise estrutural) de Viena eram espalhar os seus i n s ~ m e n t o s filosóficos simplistas e, por outro, subs
~ U h a s inerentes a qualquer estruturali smo. O seu fio condutor con
1
tituí-los por um modelo mais profissional,:a filosofia da «forma sim
s1slla .nu ma· crenç.a sentimental na integridade orgânica da Cultura, na bólica>>. O qu e Panofsky estava, de facto, a tentar era «reforçar>> Riegl
interligação·misteriosa ·do s acontecimentos. Tendia, por isso, e de pel9 -recurso ao neo-Kantismo. Reinterpretou·a Kunstwollen (vontade
fonna inexplicá.vel, a não submeter a exame a ligação fundamental ~ s t i c a ) como sendo o Sinn (sentido) imanente, ou o sentido de uma
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sucessão de fenómenos artísticos e insistiu na ideia de que apenas tamente porque apenas essa solidez define as regras do -mundo
através da análise desses fenómenos, feita de acord? c o ~ ~ g o (isto é, não recai sob re ou tros objectos que não sejam os que
rias formais a priori se poderia atin gir o Simi. Ter-se-ia, assun, Riegl existem no próprio mundo).
recheado de conteúdo filosófico.
Esta ada ptação de Riegl aproxima-se, em muitos pontos, das que Porém, em n o t ~ de rodapé, Panofsky introduz uma distinção entre a
dele fez a Escola de Viena. A retórica de Panofsky não era tão espa pe rcepção artfottca e a cognição cm gerai:
lhafatosa nem tão contundente; tão pouco possuía matizes nacio
nalistas ou racistas. A t e n ~ o de PanQfsky :JLnltavHe..Jie.Preferência, São universais as leis que o intelecto «dita» ao mundo perceptível
para ~ e c t o s filológicos. A nível hfotórico m ~ n i f e s ~ v a mais escrú e que, ao serem acatadas, fazem com que o mundo perceptível se
pulo:;. Os textos forneciam-lhe o onto de a 1 mais seguro, q ~ a s e transforme em «natureza»; as leis «ditadas» ao mundo perceptí
instintivo. É difícil distinguir o eu estruturalismo porque os hábitos vel pela consciência rutística, cujo cumprimento leva a que o
filológicos (a resistência a sistemas, a ten enc1a para se afastar da mundo perceptfvel se torne «figuração», deverão ser conside
linha de raciocínio, uma sobriedade natural de tom) o tomam obscuro radas individuais ou ... «idiomáticas» 1 2 .
e vago. Mas os seus objectivos e mesmo a p::ática r e a ~ s o b r e p u ~ a m - s e
aos do Strukturforscher (investigador estrutural,. As af1mdades O estudo sobre a perspectiva anu la, em certa medida, esta distinção,
existentes entre ambos afiguram-se-nos hoje mais importantes do que precisamente, por tratar a perspectiva como tema de fundo. Não foi per
descrever o mundo com exactidão que a pcrspectiva se tomou um pro
a· ruptura, na linha da transgressão de Kant e Hegel, apo ntada_por / metedor tema para estudo, mas pela descrição do mundo segundo um
Sedlmayr em 1929 (1º). Assim, revela-se ba stante enganadora.ª
gem de um Panofsky americano que à filosofia ·prefere .h1:tóna. processo racional e passível de repetição. A perspectiva foz tábua rasa
A verdade é que, já antes de emigrar, optara pela conc1haçao da das distinções do idiomático. A isto se refere Panofsky, ao classificar a
filologia e da filosofia. A adptação e o desenvolvimento das ideias de perspcctiva como «objectivação do subjectivo»(p. 61) ou como «passa
gem da objectividadc artística para o campo do fenomenal» (p. 6617).
Riegl,
dos emlevados
meadosa cabo por Panofsky,
dos anos estavam,nopraticamente,
vinte, e surgiam concluí
livro sobre escultura A perspectiva dá força a um tipo invulgar de identificação do objecto
alemã medieval ( 11 ) e, sobretudo, no estudo sobre a perspectiva. Não é -em-arte e do objccto-no-mundo. Em última análise, é a perspectiva
muito fácil determinar se Panofsky teria podido voltar atrás, se teria que viabiliza a metáfora de uma Weltanschauung uma visão do
sido possível à filosofia :;eparar-se da filologia. mundo. .
A condição prévia para dar o passo que levava do plano da É óbvio que Panofsky tinha plena consciência do seu projecto de
«forma» ao plano da «esuutura» era separar-se a obra da categoria do ~ c r e v e r a História da Arte Ocidental como-uma h..istória da pemiec-
estético. Riegl abordara este aspecto com serenidade, não recorrendo à No segundo capítulo, após a formu lação da hipótese sobre i t r ú ~
terminologia.convencional, por um lado, e, por outro, recusando-se e a perspectiva curva, adianta uma primeira justificação para o seu tema:
:. ' a estabelecer distinções entre as obras de arte e outros aitefactos.
1 , A. Panofsky faltava, mais uma vez, uma sólida justificação filosófica.
· É ve rdade que este problema parece situar-se mais no âmbito da
• : ~ : ; ~ ~ t e u por considerar a percepção artística como um caso especial de Matemática do que no da Arte, já que se poderia, e com razão,
·· egnição. Na última página de ldea ( 1924 , Panofsky explicita o carác apontar que a imperfeição relativa, até mesmo a ausência abso
~ l f a s i é : a m e n t eneo-Kantiano da incomensurabilidade dos modelos luta, de uma representação perspectiva nada tem a ver com valor
• : ~ t i v o s . Diz ele: artístico (tal como, no caso inverso, a rigorosa observância das
l
t. .: ·. .. . .. leis da perspectiva não redundará em prejuízo da «liberdade»
: ~ { % ; . , ~ t v e i o abalar profundamente o pressuposto epistemológico da artística). Mas, se a perspectíva não constitui um factor valo
. i s aem si». Alois Riegl avançou, no campo da teoria da arte, rativo é, por certo, um factor estilístico. Poderá mesmo ser carac
·. Ufü.i .f'PerSpectiva semelhante. Parece-nos ter compreendido que t e r i ~ d a c?mo (e o teimo tão a p ~ o p r i a d o de Ernst Cassirer penetra
t a n t o •a percep ão artística como o processo cognitivo se não na Htstóna da Arte) uma dessas «fonnas simbólicas» em que «O
. V ê e m J á c o n f r o ~ t a d o s com a «Coisa em si». Pelo contrário, tanto significado espirilual se liga a um signo concreto, material e é,
uma cómo o outro podem reclamar solidez, nos seus jµízes, exac- intrinsecamente, atribuído a esse signo». (p. 42)
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Não se trata aqui de uma mera p l u r a l i d a d ~ de n t i d o possíveis vra Welt (mundo) possui aqui si g nificado de peso. É mais do que o uni-
de uma hierarquia. Em primeiro lugar, situa-se aquilo que é un - verso físico; refere-se, abreviadamente, à expe1iência em geral. Poderá
tlerisch, ou artístico, o que equivale ao estético. P a n o f ~ k y deprecia, isto implicar que a experiência do espaço é, de alguma fom1a, essen
de modo implícito, o «valo r>>, que trata c omo categona ~ u r a m e n t e cial à outra experi ência ou sua geradora?
local e q ue se basta a si mesma. De uma penad a concede «hb erdade» . s s o c i ~ o . da experi ência geral da e x e e r j ~ s 1 : 1 a c J a 1
aos artistas, mas, logo em seguida, ignora as suas decisões que ÍOIJa o pnmeiro dos elos que gam visões do mundo a pin turas, bem
r. idera arbitrárias ou idiomáticas. A um se gundo nível_de se nti. do, como a outras fom1Ulações concretas do pensamento. O se gundo elo
encontra-se o estilo, ta como foi definido e po sto em prática pelo Fo r- da cadeia é criado pela re lação entre a experiência espacial e a repre-
m a l i ~ m o da fase inicial, co m Wickhoff, Riegl e W olfflin. A perspec sentação das pinturas. À observação feita acerca de Weltgcjühl e de
tiva reveste-se, pelo menos, deste género de sentido, razão pela qual é . ; que Raumgefiihl que atrás citámos, ·segue-se, de imediato, uma frase em
tema pertinente de uma História da Atte c om cunho científico. Mas o c a r ~ c t e r i z a modernidade como sendo «uma época c uj a per
nível mais profundo é o da «f01ma simbólica». Trata-se do nível esu11 e cepçao foi determinada por uma concepção do espaço (Raumvor-
tural, a tal ponto profundo que as funções comuns da fo:rrna cessam e stellung) que se exprimiu 111,1ma perspectiva _igorosamente linear»,
sao eliminadas da análise histórica. No ce ntr o da teona das formas ·1....... «expressão» a que se faz referênçia é, obviamente, uma relação
sunples e dedutível, uma espécie de equivalê ncia ou imitação.
simbólicas de Cassirer (confom1e Panofsky a interpretou) figurava o
ele um núcleo que simbolizaria a actividade. As diversas face i A expressão. da Raumvorstellung (conccpção do espaço) num quadro
tas da criati.vida<le humana seriam as «forma s» a que esta actividade \ n ã ~ a r r e t a perda n em transfo1mação. .
daria origem. Não esqueçamos que, na s p c c t i ~ a ~ n d i d _ a por ; / A mesma ligação dupla volta a ser proposta no segundo capítulo
Riegl,.aArte mais não seria do que uma de entre vánas expressoes de .\- ) fapós o debate em tomo da. p i n t u r ~ greco-romana. Assim, «a pers
uma Wollen (vontade) humana bás'ica, ou o impulso que . evava a um Jpectiva da Antiguidade c o 1 J ~ . t u i a e x p r e s s ã o _ l J . u . ~ : é : y c k J de uma visão
«estabelecer satisfatório de uma relação com o mundo» ( 13). Foi assim 1 do espaço ( R a U 1 ~ a n s c h a u u n g ) espccífl_ca, basicamente.não moderna::-:
que a fonna simbólica forneceu f u n d a m e n t ~ ç ã ~ s ó f i c e .completou / mais ainda, exprime uma conccpção do mundo (We tvorstellung), por
a Weltanschauungsphilosophie, em estado mc1piente, de Riegl. · ( igual específica. e não moderna» (pp. 43). Detecta-se, de novo, uma
No entanto,,podemos perguntar-nos se a o l u ç ~ o que P a n ~ f s k . , ligação inicial entre «espaço» e «mundo» cumprida num quiasma de
encontrou para a leitura de Cassirer po ss uí.a co otornos d e f ü u ~ o s . · Weltansclzauung, um termo já conhecido, e Raumvorstellung, termo
A «aplicação» que se propunha, da forma simbólica, encontra Jus de cunhagem recente. Que mecanismo regulará, afinal, o outro elo, a
tificação teórica somente na primeira afirmação da segunda parte do , «expressão» da visão espacial na pintura? Panofsky revela-o através da
estudo. Esta situação não se revela muito animadora. A prática, ou tá c \ sua reformulação da dú vida de Rodenwaldt acerca das razões que
tica, adoptada no estudo consis.te em justapor uma narrativa h i s t ó r i ~ o poderiam ter levado Polygnotus a não pintar paisagens na,turalistas.
-artística e uma caracterização.de uma Weltanschauung a que, muitas Parte, depois, para a reformulação da resposta por si próprio dada no
vezes, dá forma uma narrativa acerca da história intelectual) e uni-las estudo sobre a Kunsnvollen 11 ). Para Panofsky, levanJ.ar a qu estã o de o
4 e p o i r_pida e dramática e r i m ó n i ~ Submetida a um exam_e apu pintor da Antiguidade «não ter podido» ou «não ter.querido» pintar de
·tado , esta ligação não oferece muitas garantias de se manter. Vejamos, detenninada maneira,. era criar um falso problema. Em qualquer dos
p.qr.exemplo, o primeiro.capítulo. Panofsky começa por: mostrar co mo casos, o assunto estaria fora do controlo do pintor, já que.a «vontade»
l..<~ ~ J A artística é uma foi:ça completamente impessoal. Panofsky, as$ume a
)w11snectivasido dificil,
linear. desde o Renascimento,
De seguida, consideravencer o hábito
qu e este hábito de
nãover
foi a r ~ i - voz de Riegl:· os pintores da Antiguidade não ignoravam o Oitavo
. t t ~ ~ e n imposto aos olhos do. público, uma vez gue a e r ~ p e c u v a Axioma Euclides e não chegaram à perspectiva linear < p o r q u e essa
l i n ~ a r . : a d o p t a d a pelos pintores, é «apenas compreensível para um.a .aspiração ao espaço, que busca va exprimir-se nas artes.plásticas, não
P ~ ~ p q ã o \nuito específica do espaço, diria mesmo, percepção.espec1- reivindicava um espaço sistemático». É o Raumgefiihl que «busca»,
f i c ; ~ e p . t e m o d e m a ou, se quisermos, para.uma percepção·do mundo» que «reivindica». O artista é um instrumento da Kunstwollen e toma-se
(p. ~ ~ - - que .poderá estar por detrás de ste deslizar de RaurrJgefühl o expoente do «sentido imanente» da época. .
(perc«.<pção do espaço) para Weltgefühl ( p ~ r c e p ç do mundo), Aqui temos uma peça complexa deste mecanismo conceptual.
_
consumado num informal «wenn manso will>> (se quisermos)? A pala- Sempre posto em actividade, regista-se uma leve alteração no
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seu funcionamento. No contexto da perspectiva no Séc. XVII, aponta tos há de retórica ambiciosa. Florescem a partir do paralelismo e do
Panofsky o seguinte: paradoxo, reclamam alguma autonomia aforística. Na realidade, asse
guram um acabamento e uma explicação sob a forma de operações
a arbitrariedade da direcção e da distância, existente no espaço linguísticas e até gramaticais. Este genéro de escrita tem os seus
pictórico Bildraum) moderno, evidencia e vem confirmar a indi objectivos, apropria-se tanto à crítica culturnl como a uma História da
ferença experimentada relativamente à direcção e à distância no Filosofia. Porém, à História da Cultura de Panofsky falta uma certa
espaço intelectual Denkraum) moderno; ela corresponde verosimilhança histórica. As considerações acerca da morfologia e a
Entspricht) na perfeição, tanto cronológica como tecnicamente, sequência das obras de arte são de inspirar confiança. De certa forma,
ao estádio de desenvolvimento da perspectiva teórica que, por isto faz parte do seu trabalho. Mas a verosimilhança de toda a História
mérito de Desargues, veio a tomar-se uma geometria projectiva da Cultura depende da confiança que é possível depositar no duplo elo
geral. p. 65) entre a História da Arte e as Weltanschauungen. Sendo uma função,
tem de ser regular e compreensível, tem de se assumir, simultanea
Estabelece-se aqui uma relação de «conespondência» entre o l- mente, diferenciada c integrada. Caso contrário, a associação não
draum espaço pictórico) e a sua fo1mulação matemática. Em outros possuirá valor de diagnóstico.
momentos, essa relação será «expressão». «De novo surge esta con Esta exigência pode afigurar-se-nos extrema. Mas a maioria <las
cretização da perspectiva como mais não sendo do que uma expressão Histórias da Cultura, a de Panofsky incluída, reivindicam-se possui
Ausdruck) concreta de um avanço contemporâneo no campo da doras da capacidade de diagnóstico, ou seja, da capacidade de, a partir
epistemologia ou da filosofia natural» p. 60). Na frase que encerra o dos produtos culturais, chegar às condições de origem. Histórias com
capítulo II está contida a mais exacta, a mais complexa das afirrnações estas características continuam a ter o seu campo de acção num enqua
acerca dessas relações múltiplas. Depois de abordar as filosofias do dramento definido pelas ciências naturais. Mantêm-se vivas à custa de
_espaço na A n t i e ~ e observa Panofsky: uma relação causal, que postulam, entre uma camada básica de con
dições ou acontecimentos e uma camada secundária de sintomas ou
Não há lugar para dúvidas: o «espaço estético» e o «espaço teó documentos. As limitações da capacidade explicativa deste modelo de
rico» fundem o espaço perceptual, sob a aparência de uma única diagnóstico, os limites das suas pretensões científicas, são impostas
e mesma sensação; no primeiro dos casos, tal se nsação é sim pela arqueologia ou por outra actuação filológica. Por vi a de regra, a
bolizada de forma visual; no segundo, apresenta uma fonna observação histórica intensiva introduz o caos nas relaçõês causais e
lógica. p. 45) torna-as não válidas. É claro que as próprias filologias são métodos
que con hecem limitações e não lhes é possível reclamar· maio r dose de
Assim, a Arte e a Filosofia são transformações, operadas em paralelo, objectividade do que a de qualquer outro método de observação
da realidade empírica, quer uma quer a outra de algum modo dirigi científica. Há filologias mais exactas que aperfeiçoam estas e que, po r
das por uma Empfindung sensação), que não é outra senão a sua vez, são aperfeiçoadas por disciplinas dotadas de ainda maior
Weltanschauung. Mas, só a Arte é uma forma simbólica. A relação da exactidão. E assim se dá uma regressão infinita, só interrompida ao ser
Filosofia com a Weltanschauung é lógica, por isso, não po de tomar-se transposto um dado limiar de sensibilidade e tolerância humanas e o
problemática. Este o motivo por que o diagnóstico de Arte pod e.recair, método se provar convincente.) Na realidade, a filologia nunca aceita a
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mais complexas do estudo e as que menos se dfatanciam de Riegl. No também que Panofsky in tegrou a sua análise da perspecliva pictórica
capítulo n, fora já apresentado o modelo analítico, ao es tabelecer-se a da Antiguidade e do Quattrocento numa sinopse, de âmbito ·mais
comparação entre a Arte Clássica, de carácter antropomórfico e físico a s t o . ' das f o r m a ~ ocidentais. de representação do espaço, em que se
(háptica), e a Arte helenística, unificada pontos de vista pictórico e mclm até a relaçao entre as imagens esculpidas e a arquitectura. Por
espacial (óptica). isso, à perspectiva linear racionalizada acaba oor caber somente o
papel de uma estratégia, entre outras, de r c p r e s e ~ t a ç ã o espacial, e não,
Mas, até a imaginação artística helenfotica manteve a ligação aos forçosamente, o da realização maior e mai s notável da pintura Renas
objectos isolados e, a um ponto tal, que o espaço não era per centista. Em dados aspectos, poderia considerar-se a perspectiva ape
cepcionado como algo susceptível de englobar e dissipar o con nas como um recurso ligado à composição, talvez como uma marca de
traste entre corpos e não-corpos, ma s apenas como aquilo que estilo ( 17 . Quanto mais fino for o grão do pormenor histórico, tanto
subsiste, se quisermos, entre os corpos. O e5paço foi, assim, mo s mais difícil se tornará arquitectar uma u s t i f i c ~ ç ã o para o poder de que
trado artisticamente, em parte pela mera sob reposição, em parte goza a perspectiva na Weltanschauu11gsphilosophie.
por uma justaposição ainda não sistemática. Mesmo quando a . E, entanto, o_motivo central deste estudo é a perspectiva
Arte greco-romana passou a representar interiores autênticos e pmtura. D1-lo Panofsky numa nota de rodaJ?é, ao apontar como objec- ·
paisagens verdadeiras, esse mundo enriquecido e alargado tivo .rundam.ental do seu trabalho â distinção entre os sistemas pers-
manteve as suas quebras na unifonnidadc, continuou a ser um pectJvos antigo e moderno. Em parte, esta atitude radica no facto de a
mundo cm que os corpos e os abismos que os separam se tra perspectiva continuar a ser um modelo heurístico a que se não resiste,
duziam apenas em variações ou modificações de um contínuo da por e n c ~ r a j a r as ligações simbólicas que sugere. Panofsky explora a .
mais elevada ordem p. 42). p . e r s p e ~ u v a em contínuo s segundos sentidos, comprimindo a relação
s1mbóhca entre Arte e visão do mundo. Chega, por exemplo, à con-
A manipulação de categorias estruturais a priori é suficientemente clusão de que o sistema espacial da pintura do 1 recento se baseava em
abstracta e flexível para facultar a comparação imediata com o Impres «elementos» que já existiam na pintura Bizantina (comijas projec-
sionismo moderno e, posteiionnente, com o Expressionismo. Tendo tadas, teçtos lavrados, chão de azulej os, etc.). Ora, «para que a estes
definido as categorias, Panofsky pode pennitir-se expandir os hori disjecta membra fosse dada unidade, faltava apenas o sentido gótico
zontes da sua argumentação. O capítulo m tem início com a con de e ~ p a ç o » (p. 53), diz-nos ainda. A realização epistemológica da pers-
tinuaÇão desta análise que desemboca num a morfologia geral da Arte pecuva traduz-se também muna realização ao nível da História da
Medieval, um extenso esquema hegeliano de avanços e recuos. Esta Arte. A perspectiva vem criar a junção de espaço e arquiteçtura, da
morfologia orienta-se seg undo meçanismos de enquadramento, valo mesma forma que Giotto e Duccio c1iaram a síntese das artes Bizan-
res de supetfície, a energia unificadora do plano, a unidade cromática, tina .e Gótica. Panofsky não consegue evitar o recurso a um conceito
a homogeneidade do espaço, a libertação dos corpos em relação à que nada tem de histórico, mas que se re ve la, sistematicamente, útil.
massa. A morfologia desenrola-se no presente histórico. Mais do que Trata-se do conceito de Sehbild, ou imagem visual interna, inti
uma nan·ativa, é uma explicação. Estas páginas encerram aquilo a que mamente ligada à imagem da retina mas, como é óbvio, imperfei
• · I u b e r t Darnisch dá o nome de contributo autêntico de Panofsky para a tamente idêntica a ela. A distinção essencial que Panofsky estabeleceu
, f ~ ~ s o f i a das formas simbólicas, e ultrapassam a mera aplicação dessa entre a perspectiva da Antiguidade e a do Renascimento é, assim, for
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fidedign o do que qualquer outro:1Panofsky distanciçu-se de
buto dadó pelo quadro com perspectiva mode rn a (19). Pode r-se-á; m.ais
talvez, entrever algo de·aberrante na aspiração de Alberti e de Leo Riegl, ao dotar a perspccuva 11ne <ll \ltrRenasc im ento de um estatuto
nardo a pintar a aparência dos objectos, em vez de representar aquilo especial. Se exceptuarmos as propostas avançadas pelo filósofo da
que, de facto; são e, depo is, permitir- à visão subjectiva que actue sobre ciência, Paul Feyerabend, poderemos dizer que o desenvolvimento do
projecto de Ri egl, na Unh a oposta. apontando para um relativismo his
a representação (2°). tórico total, nunca se concretizou. Feyerabend radicaliza o mode lo da
,\caba por ser esta quimérica Sehbild (imagem visual) a fazer
His tória d Ciência, proposto por Thomas Kuhn, sob a fonna de um a
gorar- se uma das ambições mai s fulgurantes do estudo. Panofsky sequência de desmedidos paradigmas, e defende não serem tais para
propunha-se, logo à partida, abalar o quc·na pcrspectiva linear aspi digmas passíveis de alteração por motivos ra ciona is ou até compreen
rasse a•ser autêntico ou natural. Foi este projecto, originado num síveis. Neste ponto, Feyerabend faz apelo à Hi stória da Arte de Riegl.
Além disso, o seu exemplo pr inci pal é a perspectiva no séc. xv.
relativismo
sobre a perspectiva. O quede
ascético digno· Riegl , que granjeou renome ao estudo
Panofaky se propunha chamou a atenção Mesmo neste campo, em que a pintura, por vezes, se não di stingu e da
dos filósofos e dos psicólogos perceptuais (2 1 . Não está aqui em ques ciência, não impera um critério estável de acordo com o qnal seja pos
tão ·o facto de a perspectiva ser, ·ou não ser, uma convenção arbitrária. sível avaliar a exll.ctidão do modelo ele representação. A ~ r s p c c t i v
-
..
Nà ve rdade, Panofsky não consegue cumprir· o que prometera e, ~ a r não passa .de mais um «estilo». artístico (e científiCõ) e .
rapidamente, se desvia do relativismó radical. A Sehbild ou· imagem ·- Panofsky ~ J S S e exactamente o mesmo e muito mais. Na sua opi
da retina, t:.ransforma-se' num critério objectivo de realismo. A pers ruao, a perspecttva mais do que um esti_lo. Ao contrário de Feyera
pcctiva na Antiguidade ~ ú a r d a niaior fidelidade à verdade ·da per bcnd, não estava preparad o aceitar a arbitrariedade dà Hi stória da
cepção da que ·á perspectiva do Renascimento e isto porque busca Cultura e da própria História: Feycrabend põe a ridículo a afirmação de
reprodlizir a curvatura da imagem da retirta. A perspectiva mai s autên . .· ~ ~ u n d o « a 1 . n u ~ ç a ' l : ~ d e i ~ _ j e y e s e r . r ~ ç _ i 9 ~ j g ~
t.ica traduzir-se-ia numa representação ·curvilínea. 1 9. sentido,de u e . e x ~ s 1 ~ ~ J . g _ ª ç ~ . n . t : r e ] . a c 1 . o q u e . l e ~ a à.mudarrç1i
: Não se deduza dàqui que à Sehbild pertence a úl tima palav ra. conteud ? 0ai0e1a ~ l l } I J . . c . a n ç Esta e uma afirmação plausfvel
Ape-sar da suâ falta de fidelidade à percepção, a perspectiva Renas ~ ~ ~ u e :e J a ~ ~ _ ? _ ? a c t o m pessoa·s < ? . l ~ ~ s » (23). A posição
centista possuía, aos asolhos de Partofsky, avirtude de instaurar um cqui-' de Feyeraõeüêl éleffue -se como o prolongamento natural de uma Filo
líbrio perfeito entre ex.igências ·do sujeito e as do objecto. Pano fs ky log ia rigoro sa e ap.ticon textual. Ao rec orrer a esses dois 1úecanismos
revelóu·sempre ten dênc ia pai;a ·os esquemas tripartidos e preferência de volição, a saber, o modelo de resolução de problemas e· a con
t e x t u a l i E i S ~ (a .forma simbólica), Panofsk) transpôs ás: r ~ n t e i r a s : d a
pela conciliação dos opostos . À semélhança do q·ue se verifica com a
epistemologia Kantiana, na perspectiva linear está iinpHcita uma Fifolog1a. · .,
atistracção necessária relativamente ao empirismo. Panofsky acaoa Contudo, seria erróneo interpretar a iconologia de Panofsky, o
tem sido frequente, como o movimento de fuga em direcção à
por mostrar que aquilo que de literal existe ·na perspectiva greco Filologia. Uma vez na América, Panofsky pôs completamente de parte
-romana é tão pretensioso e vago como o·cepticismo de Hume. A pers a re tórica da vontade. Todavia, mantiveram-se intocadas as estruturas
pectiva linear pode revelar-se vulnerável a·ataques vindos de posições diacrónicas e si ncrónicas abordadas no estudo sobre a perspectiva.
rad icalmente subjectivas ou radicalnierite objectivas. Já·o ocupar um Consolidadas essas estruturas, o trabalho filológico, posterionnente
r ~ g i t ceritràl, moderado,. lhe garante -segurança perfeita. É-lhe con
desenvolvido, re sumir- se-ia à exposição e manutenção dos seu s pontos
~ ~ d â p o r Panofsky uni veI'Salidade igual à que foi dada à conciliação fracos. Afi nal , a iconologia não se tem revelado uma hermenêutica da
· o n a l i s m o do empirismo por Katit, a que chama «filosofia crí
~ > ~ / ~ f a s categorias a priori descobriu ~ l e um pontt> de vista absoluto. cultura éparticularmente
Cultura útil.exemplo:
tautológico (por Em geral,
este
aquilo
tipo que
de cultura
diz acerca de uma
poderia ter
~ ? e r i : C o n t r o u solução para o problema equacionado por Kant, mas dado origem a es ta obra). Na opinião de Darnisch, ao aceitar a metá
~ ó ~ J x > viu- qualquer razão para a procurar. : · · fora totalizadora da Weltanschauung (24), Panofsky distanciou-se de
(; ~ 1 : : ~ ~ ~ d ? x a 1 m e n t e poderia ter sido a perspectiva a m o s ~ a r uma Cassirer em aspectos essenciais. Mostrou-se relutante em aperceber
s ? 1 d ~ o ~ c . s d e Renascimento que ·o conceito de «perspectivismo» sistemas simbólicos divergentes, em aceitar uma cultura com «falhas».
n i f i c a 1 g u ~ m e n t e relativismo. ·Sugere qu e um problema é sempre Mas à Filologia viria a caber o papel de reafinnar precisamente tal
a c 1 o i ~ i f Cle·um dãdÕponto·de vi sta e, também, que ponto divergência. ·
de vista algiliírpode ser considerado como intrinsecamente superiOrõü Christopher S. Wood
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NOTAS
1 «Der Begriffdes Kunstwollens», reimpresso em Aufsiitze w Grundfra -
gen der Kun stwissenschaft, de Panofsky, editado por Harioif Oberer e Egon
Verheyen Q3erlim: Hess ling, 1964), p. 29; publicado originalmente em Zeit-
schriftfür Asthetik un d Allgemeine Kunstwissenschaft 14 (1920), pp. 321-39.
Traduzido, em língua inglesa por Kcnn eth J. Northcote e Joel Snyder sob
o título de «The Concept of Artisti c Volition», Cr iticai llquiry 8 (1981),
pp. 17-34.
2
3< Der Begriff
Ricgl, des Kunstwollens»,
Spiitrom p. 30.
ische Kunsti11dustrie (Viena: Ôstcrrcichi sche
Staatsdruckerci, 1927; publicado originalmente em 1901 ), pp. 400-401.
Traduzido para inglês por Rolf Winkes sob o título de Late Roman Art
Industry (Roma: Bret-sc hn eider, 1985).
4 Este aspecto foi apontado por Sheldon Nodelman no seu estudo
S tructural Analysis in rt and Anthropology», Yale French Studies 36137
(1966), pp. 89-103. Sobre a Hi stória da Arte de Riegl, em geral, consultar o
estudo de grande qualidade de Henri Zcmer, «Alois Riegl: Art, Valu e and
Historicism», Daedalus 105 (1976), pp. 177-88, e , o debate em Criticai
Historians of Art de Mi chael Podro New Havcn: Yale University Press,
1982), pp. 71-97.
5 Wõlfflin, Principies of Art History (Nova Iorque: Dover, 1950),
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CAPÍTULO
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espaço a representar. Como a po sição relativa destes «raios visuais» ideais, não chegam a levantar o problema da existência de diversidade
determina a posiç ão aparente dos pontos que lhes correspondem na no conteúdo. A sua homoge nei dade implica unicamente semelllança de ·
image:n vis ual, terei apenas de desenhar o plano e_ o alçado de ~ d o o estrutura, baseada na sua função lógica comum , no objectivo e no sen
sistema, por forma a determinar que a figura surgirá na s u p e r f 1 c 1 ~ de tido ideais, também comuns. De onde concluirmo s que jamais o espaço
intersecção. O eiano d a r - m ~ - á a e x t e n s i . i . n , . . P . J i B < 1 º - . ~ " ~ ~ r a . C o ~ b m homogéneo é espaço dado. É sim espaço criado pela representação.
dos estes va lores nu m terceiro de senho , ser-me-á fornecida a proJecçao O conceito geométrico de homogeneidade pode, de facto, e,xpressar-sef-6
pcrspcctiva por que ansiava (Figura 1). . no póstulado segundo o qual será poss.ível desenhàr, a partir de todos o.s Y
Num quadro construído assim, isto é, através daqmlo que Du:cr pontos do espaço, fi guras semelhantes em todas as direcções e de todas
definiu como uma «intersecção plana e transparent e de todo? r r u ~ s as dimensões. Não há o n t ~ algufu do espaço da percepção imcdiata em
provenientesdo olho e que recaem sobre.º ~ J e c t o que este vc» ( ), sao que este postulado se concreti ze. Não deparamos com uma rigo-
váHdas as leis que passo a referir. Em pnme1ro lu gar, todas as perpen rosa homogeneidade Ili pos ição e na dir:ecção; a cada lugar cabe o seu.
diculares ou «ortogonais» se encontram no chamado ponto de fuga cen modo próprio, o seu valor específico. Quer o espaço visual , qµer o táctil
tral , que é determinado pela perpendicular i r a d ~ a partir ol ho para o· Tastratfm , são ani sotrópicos.e não homogéneós se postos em contraste
plano <lo quadro. Em segundo lugar, todas as paralelas, mdcpenden com o espaço métrico .da geometria eucli<leana, püis 'as ·direcções
temente da direcção que tomem, possuem um ponto de fuga comum. Se ptjncipais de organização frente a t r á s de , em cima-em baixo, à
estiverem num plano horizontal, o seu p o ~ t o de e s ~ á m p ~ e direita-à esquerda) não se àssemclhám em nenhum destes espaços
naq uilo que se designa por h o r i z o n t e e J a , h ~ h a hon zo ntal que fisiológicos' » ( 1 . · ·
atravessa o ponto de fuga central. Além disso, se.as lmhas a ~ a l e a s
marem um ângulo de graus com o plano do quadro, a 1 s t ~ n c 1 a exis
tente entre ·o -se1i ponto ·de ·fuga e o ponto de fuga central 1 g u ~ a r á a
di stância que vai do olho ao plano do quadr?. Po rfün, há a o n s 1 d e r a r
que as dimensões iguais diminuem progressivamente, à medida que se
dá o seu afastamento no espaço. Deste modo, se considerarmos qu e se
conhece o ponto de pattida do olhar, será po ssível calcul ar q u ~ q u e r
parceJa·do quadro, a partir da qu é a antecede ou da que se lhe segmr (ver
a Figura 7). · · . . ·. · .
Para garantir·a existência de um espaço a b s o l u t a r n e ~ t e ra c1onal, -
····r.:·_:J·TT ··m--.. r··· 1n rn·· ·····
guer dizer, infinito, iJnutável e homoaéne<;> a . Q_ers pcct1v a e ~
lança m ~ ~ < : _ ? o i s _ e r ~ s s ~ p o s t ~ s t ~ c ~ o s , ma s fundamentais, a ~ a b e ' r =:
V mos com .Up;l01.lio l f f i 9 ~ ~ secçao t r ~ s v e r s a l _Plll:'1a d_a p1ra' 11de \ .
visual pode t o ~ a d a por uma ç e p ~ o ~ u ç a ~ apropnada da nos_sa ima-
ge m óptica: t ~ > ambas as p r e ~ s s a s dao c o ~ o a a?stracçoes bas
tante audaciosas. da realidaêie , có.ns1derada aqm e a h Q ' d e > ~ como a \
g e n ~ n a Lll P ~ ~ ~ ~ ~ ~ p l i c a ~ ~ E j e c ~ ~ ~ A verdade é ~ e s t n r t ü r ~
~ a ç o . i n t i r u t o unutãVelChomogeneo, em u m o um espaço pura
mente ' matemático, difere em· muito da estrutura do espaço psico
ffsiolÓgic o: p e r é ~ ~ f u v 9 Q_ ç . Q p _ ç ~ j ~ i t o à partida lõr
·n.ado re strito por detenninados fu:rtites espac iais 1 m p o s ~ o s ·pela nossa
f ~ ê t ? d a d e p e r c e p t i v a Relativamente ao espaç? perceprual, não se.P ode
falarde infinito, nem, tão pouco, de homogcne1dade .A homogeneidade
dó es_ aço :géométrico assenta, principalmente; na id eia de que to.dos os
·etemêntos aésse espaço, OS '<<pontos» nele réunidÇ> S, constituem s1.mples
i n d i é a d ó 1 de.P?sição, privados de c ~ n t e ú d ó i ~ d e p e n d e n t própn<>" fora
desta e ~ a ç a o , da posição que ocupam em rehlçao un s aos outros. Na sua Figura 1. Representação «perspcctiva linear>; moden)a, de ' um espaço interior rectan
relação recíproca, s g o t a - s e ~ I h é s a realidade;· ealidade que não é_ subs gillar («caixa espacial»). Em cima, à esquerda: plano. Em baixo, à esquerda: alçado.
tancial, a s . f ~ f f i p } o n a l . Como estes pontos não po ssuem qualquer tipo de A direita: imagem perspcctiva conseguid a atravé s da combínação do s segmentos traçados
c o n t e ú d ~ c o m o se tornaram, simplesmente, a. exp ressão de relações na linh:: de.projecção».
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A representação perspectiva exacta é uma ~ b s t r a ~ ç ã o e m á t i c a imagem, tanto mais ace ntuada será a distorção 8). Mas esta discre
conseguida a partir da estrutura de ste espaço ps1cofis1ológ1co . ~ a , r pância,de caráctermeramente quantitativo, entre a imagem da retina e a
~
real, através d e p r e ~ Ç ~ ~ ~ o
f ~ p . f i ã
~ ç o , e x a ç t a l l J ~ l J ~ a ? m o g e n e 1 d a d ~
·litÍlites a l h e i o ~ à e ? t Q e r i ê ~ n 1 < s m o ~ R ª ç o .
representação perspectiva, á detectada nos primórdios do Ren as-
cimento, é acompanhada de uma discrepância formal. Esta resulta, prio-
ç i r e G ~ l
o
eis o res ultado da e s e . n ~ ç ª 9 ~ i s p . ~ t 1 y _ J .. : l a i ~ u ~ r : e s u •.o ritariamente, do movimento do olhar e, em segundo lugar, da curvatura
b j c c ~ Q u e atingir, Em certo se ntido, a p e r s p e c ~ v a 1 da retina. Embora a perspectiva projecte as linhas rectas como rectas, o
muda o espaço psicofisiológico em espaço matemático. Renega as dife nosso olhar apercebe-as, a partir do centro de projecção, como cutvas
renças entre a parte da frente e a de trás, a direita e a s q u ~ r d a , entre .os convexas. Enquanto um padrão quadriculado regular, visto a pequena
corpos e o espaço que entre eles medeia o espaço «vazio»), e assim distância, parece expandir-se e fonnar um escudo, um quadriculado
congregados
sendo, a somanum de todas
«quantumas partes
continuum»
do espaçoúnico.
e todosDeixaos seus no conteúdos
esquecimento
são objectivamente
Se as ortogonaiscurvo
de umtomar-se-á, nas mesmas
edifício, rectas circunstâncias,
de acordo direito.
com a representação
o facto de vennos _ ~ _ p J b _ Q j m ó v e l , m ã S c õ r i i õ f i l $ J l b 9 perspectiva normal, correspondessem à imagem factual dada pela
movimentQ. o p s 1 @ t ~ . g 1 1 ; e geram um.cãriipó:de. v,isão e s f ~ ~ j ~ ~ t retina, teriam de ser traçadas curvas. Para ser ainda mais rigoroso, direi
toma em consideração a d i f . e r ~ ~ ~ 9 . ~ imensa que .há entre a «imagem que até as verticais teriam <le se tornar um pouco curvas pace Guido
vis uàl»; s i ~ l u g i ê a m e n t e condicionadã·, àtfâvésda qu al tomamos cons Hauck, cujo desenho está reproduzido na Figura 3).
ciência do munào visível, e a «imagem da rctit1a», condicionada meca
nicamente, que se imprime no olho físico. Verifica-se, na nossa cons
ciência, uma tendência equilibradora muito particular, originada no
trabalho conjunto da visão e do tacto, para atribuir aos objcctos aper
cebidos tamanho e fonna definidos, adequados. Por ccta ~ o . a mesma s
tendência vai no sentido de ignorar, ou, pelo menos, de não conceder
grande importância às distorções a que a retina sujeita tamanhos e for-
mas. Digamos, finalmente, que a representação perspcctiva ignora a L
circunstância capital de esta imagem da retina, se não considerarmos a
sua «interpretação» psicológicaposterior e o facto de os olhos se move-
rem , co nstituir uma projecção numa superfície côncava, não numa y
superfície plana. Registe-se, assim, e á a plano factual .muito infe- 5
rior, pré-psicológico, uma discrepância básica e ~ t r e a «realidade» e a
s ua representação. Isto aplica-se g u ~ ~ ~ n t e , ç o m o Qovio, ao funcio-
namento , cm m o l d ê S ~ ~ Ó g Õ s dá i l µ i n a i o t o g r á f i c a . · · 2
Poderemos recorre um exemplo muito acessível. Se uma linha
r
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Mas não há pintor que faça fé nisto. Por isso, para pintar as partes rectas e na Teoria da Arte (bem como na Filosofia, embora apenas sob a forma
de analogias), em que são constantes as referências a linhas rectas vistas
de u'm edifício, todos usam linhas rectas, apesar de, segu.ndo a ver como se fossem curvas e a linhas curvas vistas como se de rectas se tra
dadeira arte da perspectiva, tal ser incorrecto .. Senhores a:iistas, o que tasse. Outras observações feitas apontam a necessidade de as colunas se
dizeis a isto ?»( 10). Este ponto de vista e r e c e u a p r ? ~ a ç a o de Kepler, subordinarem à entasis (relativamente fraca, em geral, na Época Clás
elo menos, na medida em que ~ l e a c ~ 1 t o u a poss1bihdade de, t a n ~ o a sica), para não parecerem inclinadas e a necessidade do epistílio e o
~ a u d a de um cometa como a traJe..ctóna de um meteoro, a ~ b a s obJeC
tivamente rectas, poderem ser subjectivamente apercebidas como estilóbato serem construídos curvos, de modo a não parecerem vergar
ao peso. E é bem verdade que os resultados práticos destas descobertas
curvas. O aspecto mais fascinante reside no facto de K e p l ~ r es 'U, por estão comprovados nas curvaturas do templo dórico, nossas conhe
completo,. ciente de, a p r i n c : ~ í p i o , ter m e n o ~ p r e z a ~ o , negaoo ate, e s ~ ~ s cidas (1 2 . A Óptica da Antiguidade, que levou à concretização destas
cur\las ilusórias, só porque a sua escola tmha. sido a da perspcctn.a
linear. As regras da perspectiv.a em.pintura haviam-no l e ~ a d o a o n s i - ideias, opôs-se,
preendidas, inicialmente,
de maneira à perspectiva
tão lúcida, linear.esféricas
as distorções Se foramdaentão fonna, com
tal
derar·qúe o que é recto é sempre v 1 ~ t o como tal, s ~ ~ a ~ n r cammho à compreensão radica em, ou, pelo menos, corresponde a um reconhe
reflexão sobre o facto de o olho groJectar na superfíc ie: m t ~ m a de. cimento, mais significativo ainda, das distorções das grandezas. Tam
1
e ~ f e r a , não numa plana tabella ( . ~ a c t ? , se e s m ~ hoje em dia, so
bém neste campo a teoria Óptica da Anti&uidade se ajusta melhor do que
alguns há que se aperceberam da ~ x i s t ~ n c i a das refendas curvaturas, a perspectiva do Renascimento à estrutura factual da impressão óptica
esse facto deve-se, em parte, ao hábito, que o ver fot<?_gra?as reforça, da subjectiva. A Óptica da Antiguidade entendia o campo de visão como
representação perspectiva linear. Esta _ r e p r e s ~ n . t a ç a o e apenas c ~ m - uma esfera ( 13). Sustentava, porisso, que as grandezas aparentes (isto é,
preensíve1 para um sentido muito especifico, dma mesmo, um sentido
as projecções dos objectos dentro desse campo de visão esférico) são,
especificamente moderno do espaço, ou, se quisennos, do mundo. sempre e exclusivamente, detemúnadas pela amplitude dos ângulos de
visão, não peladistância a que os objectos estão do olho. Logo, a relação
entre as grandezas dos objectos não se pode exprimir em medidas de
comprimento simples, só pode ser·expressa em graus de ângulo ou de
arco (14). Já no ·tavo Teorema, Euclides reyê e « a n u l a ~ _ Q ~ J o r m a
explícita, q u r ponto de vista o n ~ o . ~ f u : . 1 ª . ~ ~ - < 1 . Ç . ~ . Q . l i e ~ E . Ç ~
a p a r e n t e ~ e n t e verifi9_cia e. ,ltre duas. & _-anO'ezas i s u a i s _ , ~ ~ c t : _ t ; > i d ~ 9;e
ilistãnciaf]íferenteÂ,_nã.P. é l e t ~ n a d ª pela proporçao ãessas êbs-
~ ~ ~ } ~ ~ ~ ~ Z e J a ~ ~ ~ â ~ ~ ê ~ ~ = : ~ ~ ~ ~ : ; i ~ ~ t~r;j ~ã~
representação perspectiva moderna, já nossa conhecida através da
máxima de Jean Pélerin,chamado também Viator: «Les quantitez et les
distances Ont concordablcs différences» («As quantidades e as dis
tâncias variam proporcionalmente») ( 6). Não será acidental que
deparemos com· paráfrases, com traduções até, de Euclides, feitas
durante o Rena5cimento, nas quais oOitavo Teorema foi suprimido por
inteiro ou submetido a tais «correcções» que o sentido original se per
deu (' 7 . Sem dúvida que se fez sentir a contradição entre a perspectiva
Figura 3. Álrio com pilares construído de aco:do c o ~ a p e r s ~ c t i v a «su\Jjecliva>> ºª natura/is ou communis, defendida por Euclides, e a perspectiva rt -
e com a pcrspcctiva csqnemáuca ou hncar (à d1re1ta). (Segundo Gu1do
C IJ Y ª Sà s q ~ c r d a )
H , ~ u c k ) · · ficia/is, que se desenvolvera entretanto. A primeirn mais não procurou
· 1 • .. . do que a formulação matemática das leis da visão natural, ligando,
assim, a grandeza aparente ao ângulo de visão. Contrariamente a ela, a
. :' · lima ·época em que a p e r c e p ç ã ~ por uma , o n c e p ~ o
. Q i t a d a
segunda tentou estabelecer um método que se provasse útil na repre- .i-.
0
sentação de imagens em superfícies bi-dimensionais. Esta contradição . . or
~ o n s u b s t a n c t 1 õa na 1 v a uramel e linear i m e u ~ a : ~ e
só poderia ser resolvida com a rejeição .do x i o m a dos ângulos. Assim, o (}:t
~ õ e i f ã c t ã s c ü r v a t u r o ' . . Q . S s o . . . ( C . ~ 1 _ 9 J > - l h e assim) U...Q Y.WO
, _ . º 1 2 t i o o . ° ~ . as, numa época em i m p e r a ~ ? i t o de ver em
reconhecimento do axioma implica que a cnação de uma imagem .
perspectiva, persp:ectiva que não era a linear, a existencia dessas c ~ r - perspectiva é, em rigor, tarefa impossível, pois não restam dúvidas i
vaturas não levantava dúvidas. Isto acóntecia na Antiguidade, na Ópttca, quanto ao facto de uma esfera se não poder apresentar numa superfície. <· r'º
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e E
i
ll o s A
CAPfTULOII
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I
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Lineamm d
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circini centrum responsus» ( 18). À partida, é óbvio, ali
mentou -se a esperança de descobrir ne ste ci rcini centrum o ponto de
fuga central da perspectiva moderna. Ma s esse ponto de fuga unificado
não surge em uma única das pinturas da Antiguidade que chegaram aos
nossos dia s. E, pormenor de importância, as próprias palavras parecem
excluir esta interpretação, uma vez qu e circini centrum significa lite
ralmente «ponto cardeal», e não «centro de um círculo». Não se pode
··....
..... .
r
···· ··· ...
···· ..
-1:::: .: ····
. ...
interpretar oponto de fuga central da perspcctiva linear moderna, o sim ·· ·········· ................ ... : t
1'
ples ponto de convergência de ortogonais, como se fosse o ponto fixo de . ..............· ... .• ·
i
uma bússola (1'>). Se Vitrúvio se estiver a referir a uma representação
perspectiva precisade
(implícita na menção feita com
a circinus , vislumbra-se
i_
uma probabilidade ele pretender significar centrum um «centro ···· · ·
···· · .. .... .
projecção»que represente oolhode quem vê, e não um ponto de fnga
....
..
, em ponto
paresnum
tam pontosúnico, convergemaotenuemente
antes existentes
diversos, e reunem-se,
longo de um em
eixo comum. Figura 5. Representação «peÍ'Spectiva angular» antiga e um es paço interior rec tangular
Quando o círculo se abre, os arcos divergem, digamos, nos extremos, o («caixa espacial,. ). Em cima, à esquerda: plano. Em baixo, à esquerda: alçado. À clircita:
que provoca um efeito de «espinha de peixe» (Figura 5). imagem perspc;cliva conseguida através da combinação dos segmentos traçados no
Não se pode sancionara interpretação dada à passagem de Vitrú «c rculo de projccção».
vio já citada, como se fosse inequívoca. Dificilmente se poderá dá-la por
provada, pois em quase todos osquadros que subsistem. a representação
é pouco rigorosa. Seja como for, este princípio da espinha de.peixe, ou, tamanho q corresponde à StJa r n d e z .real e à su.a posição ~ l ~ ? v ~ -
u ~
dito de maneira·mais elaborada, prindpio do eixo de fuga, deteve, pelo menTé R e s i c _ ~ q u i a vantagem ime nsa do é t õ c l Q J P . _ 2 ~ e m o e a
o l h ~
menos até onde podemos remontar, um lugar central na representa razão de ter sido tão intensamente procurado.1Segundo o ~ _ c í p i o do
ção espacial da Antiguidade. Umas vezes, depara-se-nos sob a forma de eixo de foga não é possível \'.e.rjficar-se a distorÇã() constante, põfq üê
uma ·convergência parcial, segundo o que foi descrito e que satisfaz à iiao há v ã l 1 a a ~ C i _ . í i ~ t l S ~ . 2 ~ 0 S ra OS7 A mcapaéidãde aê>pdnctpio
nossa representação emcírculo hipotética (Ilustração 1). Surge-nos, de ão eixo ae ruga de reduzir, de maneira correcta, um padião quadri
outras vezes , sob forma mais esquemática, embora mais viável, de um culado, ilustra pêrfeiramente que atrás déssemos. Na .verdade, os qua
'paralelismo; relativamente puro, de ortogonais oblíquas. Desta última drados do ineio são ·demasíado o 'grandes ou .pequenos em exce.sso. Dis
veEsão dão já-provas os vasos do Sul ·de Itália, do século V a.e. (Ilus- crepâncias deste teor na perspectiva fotam s c a . m o t e a d a s ~ l ó recurso a
t r â ~ ? e s 2 e 3) <2º . . . r o s á c ~ a s , grinaldas, drapeados e outros ornamentos. Ass4n foi na Anti
Porém, se comparada com a moderna, esta maneira de representar guidade mas, .sobretudo, no fim da Idade Média, .quando a represen
o espaço ressente-se de úm particular desequilíbrio e de contradições ta.ção, a que .yenhç>Jaz( .ndo referência, .ressurgiu em muitos pontos da
internas: e p r e s e n t a ç ã o do ponto de fuga ~ o _ d _ e i : Q . ~ s ~ o ~ c e a extensão, Europa 2 1). Devemos acrescentar ó seguinte: se forC'.m representadas
a Profundidade ê a altura em proporçao constante, de run o, rufsun:-sem desta maneira, as diagonais de um quadriculado só ficarão eorrectas,
. margem para q u í v o ~ ã p ã r f o d t u n r q ü ã 1 q u é õ l ) j e ê t õ caso as distâncias da parte posterior dêem a ideia aumentar e 1,1ão
. - .. - .. ·---
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................
ordem. Tomaram-se tangíveis as distâncias em profundidade, mas não nos é possível entenderde que forma o mundo Antigo conseguiu auto
p ~ m ser. expressas em termos de um «módulo» imutável. As ortogo satisfazer-se através de uma interpretação ~ l P . r ~ s s ã o _ d o espaço (26),
nais reduzidas convergem, mas nunca para um horizonte único, e muito 1 «tão instável, mesmo falsa» ·nas pãlãvfãSéie Goethe. Qual a razão por
menos para centro único (embora se verifique, regra geral, nos tra que os Antigos não foram capazes de dar esse passo, na aparência tão
çados de arqu1tectura a elevação das linhas da base e a descida das linhas 1 insignificante , e de intersec tar a pirâmide visual com um plano, par
2
do telhado) > G _ e r ~ l m e n t e as grandezas diminuem à medida que vão
. tindo depois para a represen ta ção, realmente precisa e sistemática, do
recuando; diminwção não é, de modo algum, co nstante. Dá-se a sua espaço? Enquanto o axioma dos ângulos, defendido pelos teóricos,
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se impusesse, isto seria impossível. Mas, por que não foi então esse sistema hom ogéne o e infinito de relações dimensionais; eles· são. os
axioma pur a e simplesmente desdenhado, como viria a aco ntecer e conteúdos justapostos de um recipiente finito. Na verdade, não ~ t e
quinhen tos anos depois? Se os Antigos não agiram desse modo, isso para Aristóteles um «quantum continuum» em que se pudesse dis
aconteceu porque essa aspiração ao espaço, qu e buscava exprimir-se solver a essência das coisas isoladas. Tão pouco reconhece a existência
nas Aitcs Plásticas, não .reivindica va um espaço sistemático. O.espaço do energeiai apeiron (infini to real), que ultrapassaria o sein (ser)
sistemático ti nha tanto de impensáve.l para os fil ósofos como de inima dos objectos isolados, já que, em termos modernos, a própria esfera das
ginável para os artistas na Antiguidade. Seria, por isso, pouco razoá e s t r e l ~ s imóveis seria um «objecto isolado» . Nã o há lugar para
ve l, do ponto de vista metodológico, equacionar as perguntas «Na dúvidas: o «espaço estético» e o «espaço teórico» fundem o p ~ r -
Antiguidade existia o conceito de perspectiva?» e «Na Antiguidade ccptual, sob a aparência de uma única e mesma ~ a ç ã o no pnme1 o
existia O nosso conceito de perspectiva?», como se fez no tempo de dos casos, tal sensação é simbolizada de forma visual; no segundo,
Perrault e Sallier, de Lessing e Klctzen. apresenta uma forma lógica.
Por muito di versificadas que fossem as ·teo ri as espaciais da Anti
guid ade, nenhuma houve qu.e chegasse. a uma definição do es paço como
sistema de relações simples entre a altura, a extensão e a profun
didade (27 , Caso i.sto se tivesse ve rificado, so b a aparência de um <(sis
tema coordenado», a diferença entre «a pru.te da· fre nte» e «a parte de
trás» , «aqui» .e «ali», «corpo» e «não-corpo», ter-se-ia dissolvido no
conceito, mais elevado e mais abstracto, de extensão tridimensional ou,
segundo Arnold Geulincx, no conceito de · um . «corpus generaliter
stJmPJum» («corpo entendido .em sentido geral»). Melhor dito, a
totalidade do mundo manteve -se sempre como algo de radicalmente
descontinuo. Demócrito, para citarmos um exemplo; criou, a partir de
clemeotos indivisíveis, um .mundo absolutamente físico. Para garantir a
esses elementos a possibilidade de se moverem, foi mlfis longe e pos
~ l o u que o vazio infinito seria um m if on ou não-ser (embora, .enqua nto ~ · · ~
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CAPÍTULO III
Se certos problemâs artísticos foram á de tal modo aprofundados
que continuar a trabalhá-los imprimindo a mesma orientação à acção
e partindo das mesmas premissas pode revelar-se estéril então é pos-
sível que se verifique um intenso movimento de recuo melhor dito tal
vez uma mudança de direcção. Essas mudanças frequentemente
associadas à passagem da «chefia» em Arte par d um outro país ou para
um novo género possibilitam a criação de um edifício novo surgido
dos destroços do velho. Consegue-se s ~ o através do abandono do que
foi á realizado ou ~ e j a do retomar de modos de representação na apa-
rência mai s «primitivos». As mudanças referidas preparam as bases de
uma ligação renovada a problemas mais antigos e isto exactamente
através do distanciamento em relação a esses problemas. Deparamos
assim com Donatello que se filia numa tendência marcadamente gótica
e não no Classicismo apagado dos cpígonos de Amolfo. Da mesma
forma e antes que a Dürcr fosse possível a criação dos Quatro Apósto-
los surgiram as poderosas figuras de Konrad Witz e após elas exce
dendo-as em elegância os seres criados por Wolgemut e por Schon
gauer. Entre a Antiguidade e a Idade Moderna temos a Idade Média o
mais intenso desses movimentos de «recuo» a que fiz menção. A tarefa
da História da Arte Medieval consistia em harmonizar uma inultiplici
dade de objectos isolados anterio1mente embora habilmente associa
dos com vista à formação de uma unidadeautêntica. Apenas se atingia
esta nova unidade que só na aparência é paradoxal pela quebra da
unidade existente quer dizer através da consolidação e do isolamento
dos objectos antes ligados por laços não só físicos e gestuais mas tam-
bém espaciais e de perspcctiva. Nos finais da Antiguidade e ligada a
crescentes influências Orientais cuja entrada em cena será mais um
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sintoma e um instrumento de de senvolvimento novo do que uma O passo seguinte na senda que co nduz ao «espaço sistemático»
causa, principia a separação da paisagem que se expande livremente e Moderno consistiria, dada a situação exposta, remodelação do mundo
do espaço interior fechado. A sucessão aparente de formas que cria um agora unificado, mas ainda luminosamente flutuante. Esse mundo
sentido de profundidade dá lugar, m is uma vez, à sobreposição e à passaria a ser substancial e mensurável, atributos esses a entender, obvia
justaposição. elementos pictóricos isolados, sejam eles figuras, edi mente, .nu m se ntido Medieval e não no se ntido dado na Antiguidade.
fícios ou motivos paisagísticos, até então considerados em parte como Estava Já claramente presente na Arte bizantina a tendência para levar
conteúdos, em parte como constituintes de um sistema espacial coe a cabo a redução do espaço a superfície, embora tal tendência fosse
rente, transmutam-se cm formas. Estas formas, embora não estejam muito combatida e até repelida, por vezes, pela inclinação, vinda à
ainda totalmente eq uilibradas, .t.endem para o plano. Surgem em relevo tona, para o recurso à ilusão, própria da Antiguidade. Fal a-se em
contra um fundo dourado ou neutro e estão dispostas sem que tenha «levar a cabo», por que o mundo dos primórdios do Cristianismo e da
sido prestada a menor atenção a uma lógica de co mposição pr évia. Arte do s fins da Antiguidade não é ainda absolutamente linear e bidi
Entre os séculos segundo e sexto é possível seguir, pass o a passo, mensional. Trata-se de um mundo de espaço e de corpos, mesmo que
quase diríamos, o desenvolvimento deste processo 3°}. Valerá a pena nele tudo seja remetido para a superfície. Além disso, a Arte bizantina
apreciar o mosaico de Abraão em San Vitale, Ravena (Ilustração 5). evidenciava a tendência para enaltecer a linha, único elemento desta
Nesta obra, é nitidamente observável a desagregação da ideia de pe rs- bidim ensional idade nova capaz de garantir equilíbrio e sistematiza
,.
pectiva. Tanto as plantas como os relevos terrestres, eliminados das ção._ Mas nem sequer a Arte bizantina, que afinal nunca chegara a 1
paisagens da Odisseia pelo limite do quadro, como se de um caixilho deshgar-se da tradição da Antiguidade, foi capaz de concretizar este
de janela se tratasse, foram forçados a adaptar-se à curva da margem. desenvolvimento de forma tal que se produzisse uma ruptura básica
Seria pra ti camente impossível exprimir com maior clareza o seguinte: com os princípios do período final da Antiguidade (assinale-se que
o princípio segundo o qual o espaço é, simplesmente, cortado pela também nunca atingiu um «Renasc imento»). Pode dizer-se que a Arte
margem do quadro, co meça a dar lugar a um outro princípio, o de que bizantina não conseguia optar por dar forma totalmente linear ao
há uma superfície delimitada pela margem do quadro e essa superfície mundo, desfavor da forma pictórica. Explica-se, assim, a predilec
destina-se a ser preenchida e não co ntem plada através de .. Os «escor ç ~ o mamfe stada pelo mosaico, cujas características propiciam o
ços» da Arte greco-romana acabam por se despojar do seu significad o disfarce da estrutura inflexivelmente bidimensional de uma parede
representativo inicial, que era o de criar espaço, mas conservam as nua, pelo recurso à camada brilhante que a recobre. As linhas de luz e as
formas lineares estabelecidas. Submetem-se, assim, a reinterpretações estrias de sombra do Ilusionismo da Antiguidade e do se u período final
das mais curiosas e, com frequência, pouco vulgares do ponto de v ista endurecem e tom am-se formas semelhantes a linhas. Porém, o sentido
expressivo: a maneira de ver anterior, ou «Olhar através de », começa a pictórico primitivo destas formas não se perde ao ponto de elas se
tomar-se olhar próximo. Assistira-se a uma perda quase total, por parte tomarem simples linhas. O mesmo acontece no que diz respeito à
dos elementos pictóricos isolados, da rela ção dinâmica gestual e física perspectiva. Na sua fase final, a Arte bizantina traduz-se num trata
e da relação perspectiva espacial. Consegue-se, agora, ver com qu e mento de motivos paisagísticos e de formas arquitectónicas como ele
exactidão esses elementos poderiam associar-se numa relação nova e, mentos cénicos que se dest acam de um fundo neutro. Apesar disso,
de certa forma, mais íntima. Dão origem a uma trama imaterial mas , esses motivos e essas formas continuaram a transmitir uma sugestão de
pode dizer-se, intacta, na qual a permuta rítmica da cor e do ouro ou, espaço, mesmo não compreendend o já o espaço. A despeito da desor
caso do relevo, da luz e da sombra, restabelece uma espécie de un i ganização do todo, a Arte bizantina conseguiu, e este aspecto é essen
dade, mesmo que esta seja só de cor ou luz. Será. mais uma vez, na sua cial para o que nos propomos, conservar os elementos constitutivos do
conc; epção do espaço própria da filosofia que lhe é contemporânea, espaço perspectivo da Antiguidade e, desse modo, mantê-los prepa
que a forma específica desta unidade encontra a analogia teórica. Isto rados para o despertar do Renascimento Ocidental 32 .
acontece na metafísica da luz no neoplatonismo pagão e cristão, pois, A Arte do Noroeste ew·opeu, cujos limites, na Idade Média se
como disse ~ r o c l u s 31) «O espaço outra coisa não é senão a mais bela l o c l 1 i z a v ~ I?ais nos ~ n i n o s do que nos l ~ e s •. trouxe a l t e r a ç õ e de
l u ~ s A se melhança do que se verifica na Arte, o mundo é, pela ma10r rad1 cal1smo à tradição dos finais da Anugu1dade do que 0 fez a
pnmerra vez, considerado um contínuo. Solidez e racionalidade dei Arte bizantina do Sudeste da Europa .Foi após as épocas dos «renas
xam de fazer parte dele. É como se o espaço se tivesse tomado um c i ~ e n t o 3 3) .carolíngio e otoniano, que, por comparação, co nsti
fluido homogéneo, digamos até, homogenizador, incomen surável, se m tuíram, respecttvamente, uma ligação ao passado e antecipação de
dimensão precisa. um novo est ilo, que s urgiu e sse estil o, em geral, denominado
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«Românico». O Românico, que, em meados do século doze atingira superfície que os contornos lineares articulam. Também a escultura cria
florescimento pleno, consumou a ruptura com a Antiguidade, ruptura uma unidade indissolúvel entre as figuras e o seu envolvimento espa
essa nunca assumida pela Arte de Bizâncio. A partir deste momento, a cial, quer dizer, a superfície que serve de pano-de-fundo, mas esta
linha é somente linha, isto é, um meio «sui generis» de expressão grá unidade não obsta ao aumentode tridimensionalidade que se evidencia
fica, que vai beber o seu e n t i d o ~ ~ delimitação e na ~ a m e n t a ç ã o d ~ s na forma. Uma figura em relevo deixou de ser um corpo posto frente a
superfícies. Entretanto, a superf1c1e tomou-se superf1c1e e nada mais. uma parede ou dentro de um nicho. Pelo contrário, a figura e a área em I·
1
Desugestão ténue de um espaço imaterial passou ª.ser superfície incon relevo constituem manifestações exactamente da mesma substância.
dicionalmente bidimensional do suporte matenal do quadro. Este Assim desponta, pela primeira vez, na Europa, uma escultura de carác
•'
li
: estilo foi aprofundado, mantendo a mesma 01ientação e, no período ter arquitectónico, que se não inicia nem esgota no edifício, como acon
tecera com a utilização do relevo na métopa ou com a cariátide, na
1
destruiumais
11.
'·
, tónico.
que se lhe
O modo
seguiu,
comorevestiu-se
o Românico
de carácter os últimos
sistemático
vestígios
e arquitec
do ante
rior conceito de perspectiva poderá ser explicitado pelo recurso a um
Antiguidade, mas é uma «fonnação de dentro para fora», um desenvol
vimento a partir do próprio material do edifício. A estátua do portal
[1
:H
' i
exemplo conhecido (um de muitos): o da metamorfose do Rio Jordão, Românico é um batente a que foi dado desenvolvimento plástico, a
lo
«reduzido» em perspectiva, nas representações do Baptismo, em «mon figura Românica em relevo é a expressão do desenvolvimento plástico 1
tanha de águas» 4 . Em regra, distinguem-se ainda, com nitidez, nas de uma parede. O estilo da superfície pura, desenvolvido pela pintura, 1 :'
pinturas bizantina e de influência de Bizâncio, o contorno da margem teve no estilo da massa pura a sua contrapartida no campo da escultura. 1 ·
do rio, que se aprofunda, e a transparência resplandecente da água. A tridimensionalidade e a materialidade voltam a integrar a escultura. 1 '
1
O Românico puro (e já pelo ano mil se manifesta a transição) volta a Mas, ao contrário do que havia sucedido na Antiguidade, não se trata
modelar, com decisão sempre crescente, as vagas pintadas, que trans de tridimensionalidade e de materialidade de «corpos» cuja ligação
fonna em montanha de água, plástica, sólida, e a convergência defi (seja-nos permitido repetir o que dissemos) é assegurada, quando se
nidora de espaço que muda em fonna «ornamental» de superfície. busca um efeito artístico, pela associação de partes distintas entre si,
O rio, reduzido na horizontal, que deixa que vislumbremos o corpo de com extensão, forma e função individualmente determinadas, isto é,
Cristo, converte-se em bastidor de teatro, erguido na perpendicular, «órgãos». Está aqui em questão a tridimensionalidade e a materialidade
atrás do qual a figura desaparece (de vez em quanto, toma-se mesmo de uma substância homogénea cuja ligação é assegurada, quando se
uma mandorla que, em certo sentido, a enquadra). A margem plana busca um efeito artístico, pela associação de partes não distintas entre
por onde passava o Baptista, é agora um escada que ele tem de subir. si, com extensão, forma e função uniformes, ou infinitamente minús
Pensar-se-ia que, operada que foi esta transformação radical, o culas, isto é, «partículas».
Ilusionismo espacial teria sido, pura e simplesmente, posto de parte. A Arte do G6tico piimitivo irá, novamente, diversificar esta
Mas esta transformação constituiu a condição prévia para o apareci «massa» em fonnas quase físicas. Permitirá à estátua que ressurja da
mento da visão realmente moderna do espaço. De facto, se a pintura parede, na qualidade de estrutura com desenvolvimento independente,
Românica reduziu, da mesma forma e com igual determinação, corpos e e à figura em relevo que se destaque do fundo como se de uma escul
espaço a superfície, conseguiu, pela primeira vez e através das mesmas tura autónoma se tratasse. Não há dúvida de que este renascer da per
atitudes, firmar e instituir a homogeneidade dos corpos e do espaço. cepção da existência do corpo pode ser interpretado como uma espécie
Fê-lo pela transformação da sua unidade vaga, óptica numa unidade de reaproximação à Antiguidade. De facto, muitos lugares houve em
sólida e material. Corpos e espaço passam a estar ligados, aconteça o que, a par dessa percepção, se fez sentir a aspiração, de novo intensa,
que acontecer. A partir de então, se um corpo se deve libertar dos laços ao recuperar da Antiguidade, por parte dos artistas. O Gótico primitivo
que o prendem à superfície, seu crescimento estará comprometido, a foi o período que, atravfts dos contributos de Vitellio, Peckham e Roger
menos que o espaço aumenteona mesma proporção. Bacon, fez renascer a Optica Antiga e, pela acção de Tomás de Aquino
É, porém, na escultura da Alta Idade Média que este processo se tendo embora em conta alterações significativas), revivificou a dou
concretiza da forma mais intensa e com as consequências mais dura trina do espaço formulada por Aristóteles 5 . Todavia, os resultados
douras. Com efeito, a escultura passa pelo mesmo processo de reavalia finais não se cifraram num regresso à Antiguidade e sim na ruptura que
ção e de consolidação a que fora já submetida a pintura. Também a apontava para a «modernidade». Os elementos arquitectónicos da cate
escultura deixa para trás todos os vestígios do Ilusionismo Antigo, dral gótica, de novo concebidos como corpos e, com eles, as estátuas e
transforma uma superfície pictórica e convulsa, fragmentada por luz e as figuras em relevo revelando-se em plasticidade, continuaram, ape
sombra, numa superfície densa do ponto de vista estereométrico, numa sar disso, a ser partes integrantes desse todo homogéneo a que o Romã-
50 51
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nico assegurou, de modo definitivo, a unidade e a não divisibilidade.
Assim, a emancipação dos corpos plásticos é acompanhada , automa ciais», criadas, enquanto formas plásticas, pelo Gótico do Norte da
ticamente, quase diríamos, de uma emancipação que se concretiza ao Europa. No entanto, são compostos por elementos que já existiam na
nível da esfera espacial em que esses corpos se incluem. Símbolo desta Arte ?e B i z â ~ c i o <3 8 . A existência desses elementos, aspecto muito
situação, e ba stante expressivo, temo-lo na estátua do Gótico primi debatido na literatura da especialidade, detectava-se já nas obras à
' 1'1niera greca. Num mosaico do Baptistério de Florença (Ilustração 7),
tivo, que não tem razão de ser separada do baldaquino. Com efeito, o e representado o conhecido princípio do eixo de fuga, numa imaginária
baldaquino garante a ligação da estátua à massa do edifício e, além com.ija saliente. ~ ê - s e ~ t é um tecto decorado, representado em pers
disso, define e atribui-lhe um fragmento específico do espaço vazio. p ~ c t 1 v a e' 1bora nao SUtJam dados acerca do chão nem indicações pre
Outro símbolo a referir será o relevo, que mantém a coberturaem arco, cisas relativas às paredes laterais (39 . Em contrapartida, um mosaico
a qual
da projectaé uma
cobertura sombra
assegurar profunda. Também
a existência nesteespacial
de uma zona caso, o objectivo
definida, de Monreale (Ilustração 8) mostra as paredes laterais que diminuem
cm profundidade, mas sem chão e, desta vez, do tccto não há vestígios.
destinada às figuras autonomizadas, do ponto de vista plástico, e trans Por este o t i vo, se quisermos atribuir à Última Ceia uma interpretação
formar o seu campo de actividade num autêntico palco (Ilustração 6). realista, dtremos que parece ter sido encenada num pátio aberto. Em
Este palco conhece ainda limitações, tal como acontece com a igreja outra cena, pertencente à mesma série (Ilustração 9), o chão representa
do Alto Gótico, uma construção decididamente espacial, mas que se um padrão de azulejos cujas ortogonais convergem quase de forma
divide ainda em inúmeros vãos separados, distintos, e que comuni «correcta», embora o façam para dois pontos de fuga distintos. Mas
carão apenas a partir do Gótico tardio. Contudo, este palco representa não há relação alguma entre este padrão de azulejos e as restantes com
um fragmento de um mundo que parece possuir capacidade inata para ~ n e n t e s arquitectónicas. É, realmente, significativo, que o padrão ter
atingir uma extensão ilimitada, e isto apesar de ser composto por célu mme quase no ponto exacto onde começa a composição das figuras, de
las de espaço limitadas, que se juntam por si mesmas. No interior deste forn:a tal os ?bjectos representados pareçam estar, quase todos, na
mundo, os corpos e o espaço vazio são já tomados como formas equi veit1cal, mais acima do chão do que assentes nele (4º . Temos assim
valentes de expressão de uma unidade homogénea e indivisível. que o.sistema espacial da Arte que floresceu no Trecento (pois o que
A doutrinaescolásticos,
filósofos Aristotélicaviu,
do espaço, tão apaixonadamente
igualmente, acolhida
os seus fundamentos pelosa
sujeitos ~ se
u t aplica,
a n d i s » , como aos
às p ~ verdade,
interiores, aplica-se,
constituiu-se
s a g c n s , igualmente,
retroactivamente, isto «mutatis
é, a par
reinterpretação, pois a premissa da finitude do cosmos empírico cedeu tJr dos seus própnos elementos. Para que a estes disjecta membra fosse
o lugar à premissa da não-finitude da existência e da intervenção divi dada unidade, faltava apenas o sentido Gótico do espaço.
nas. É verdade que se não considera este infinito como algo de concre . obras de Duccio e de Giotto abriram caminho à ·conquista do
tizado na natureza, e isto entra em choque com a concepção moderna p n n ~ 1 p 1 Medieval da representação. A representação de um espaço
que começa a firmar-se por volta de 1350. Por outro lado, t l infinito m t ~ n o r fechado, apercebido, claramente, como corpo vazio, implica
representa talvez um verdadeiro energeiai apeiron ou infinito real mais do que a consolidação de objectos. Com efeito, o seu significado
(aspecto que se opõe à versão Aristotélica autêntica), limitado, inicial é o de uma revolução no que respeita à avaliação formal da superfície 1 ji.
mente, a uma esfera do sobrenatural que poderá, em princípio, vir a de representação. Esta superfície não se limita ago ra a ser a parede ou
actuar na esfera do natural (36). o painel em que se inscrevem as formas de objectos e figuras isolados. 1
•.
.
11
Ela retoma o plano transparente, através do qual se pretende que acre
''
Quase nos é possível, nesta altura, prever em que ponto vai irrom
per a perspectiva «moderna». Isso verifica-se onde quer que o sentido ditemos estar a contemplar um espaço, mesmo que esse espaço esteja
do espaço do Gótico do Norte da Europa, reforçado na arquitectura e, l i ~ t a por t ~ ~ s os lados. A uma tal superfície podemos, desde já, l 1.
sobretudo, na escultura 3 7 , tome conta das formas arquitectónicas e atnbmr a defimçao de «planodo quadro», utilizadoo termo no seu sen • J
paisagísticas, fragmentariamente conservadas na pintura bizantina, e as tido literal. A visão que fora bloqueada desde a Antiguidade, a maneira
funde numa unidade nova. A introdução da visão do espaço d pers de ver ou o «olhar através de», libertou-se. Pressente-se a possibilidade
pectiva modernadeveu-se a Giotto e a Duccio, dois pintores de vulto, de a imagem pintada voltar a ser um corte feito num espaço infinito, 1
cujos estilos completaram também, em outros aspectos, a grandiosa sín mas um espaço que é mais sólido e organizado de forma mais total do 1
tese do Gótico e do Bizantino. Ressurgem, pela primeira vez, nas suas que o da concepção da Antiguidade. ·
obras, espaços interiores fechados. Em última análise, estes interiores . A verdade é que, antes de se atingir este objectivo, muito haveria
podem ser vistos apenas como projecções pictóricas das «caixas espa- ainda a fazer, trabalho esse que, dificilmente, conseguimos imaginar.
Em Duccio (Ilustração 10) o espaço não se limita a ser um espaço cir-
52
53 J
1
1.
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cunscrito, fechado na parte da frente pelo «plano do quadro», na parte a superfície inferior de uma «caixa espacial», fechada à direita· e à
de u·ás pela parede traseira da sa la, aos lados pelas paredes ortogonais. esquerda, cujos limites são definidos pelos cantos do quadro. Toma-se
É também um espaço incongruente, no qual os objectos (veja-se, por a superfície do fundo de uma faixa de espaço que, embora esteja deli
exemplo, no painel, a mesa da Última Ceia) parecem perfilar-se frente à mitada atrás pelo tradicional fundo dourado e, na parte da frente, pelo
«caixa espacial», mais do que estar no seu interior. Além disso, as orto plano do quadro, se pode considerar como um prolongamento arbitrá
gonais de objectos vistos de forma assimétrica, como os edifícios ou rio para qualque r dos lados. E, o que talvez seja mais significativo ainda,
peças de mobiliário «arrumados» aos lados, prolongam-se de forma note-se que o plano de fundo nos pennite a leitura clara dos tamanhos,
. 'i mais ou menos paralela, enquanto que na visão simétrica (ou seja, bem como das distâncias dos corpos nele dispostos. O padrão dos azu
quando há coincidência do eixo central do quadro e do eixo central do lejos, quadriculado (de que, como vimos, os mosaicos de influência
objecto eram o prenúncio, mesmo constituindo neles o
" .
l representado),
mente, para as ortogonais
o ponto de fuga estão
ou, então, nos orientadas,
planos verticais,aproximada
pelo menos, bizantina de Monreale
quadriculado um motivo apenas, não sendo explorado nesse sentido),
'l
para um horizonte (41 ). Mas, até numa visão simétrica, quando se divide estende-se sob as figuras e indicia, assim, valores espaciais, tanto des
o tecto em várias pai.tes, a parte central é distinta das que lhe estão tas figuras como dos espaços intermédios. É-nos possível expressar os
adjacentes. De facto, são só as suas ortogonais que convergem para a corpos e as distâncias entre eles e com isto também o âmbito de todos
área de fuga comum, ao passo que as ortogonais das partes adjacentes se os movimentos, de fonna numérica, como um dado número de quadra
desviam dela, com maior ou menor exactidão (42 . Inicialmente, deu-se dos ào chão. A partir de então, este motivo pictórico conhecerá repe
apenas a unificação, no que se refere à perspectiva, de um «plano par tições e alterações levadas a cabo com um fanatismo que, só hoje,
cial», não de um plano total e, menos ainda, do espaço total. entendemos por inteiro. Nunca será de mais afirmar que o padrão de
Na geração de artistas que se seguiu, e conforme o grau de inte azulejos, utilizado no sentido mencionado, representa o exemplo pri
resse que estes manifestaram pela perspectiva, deu-se início a uma meiro de um sistema coordenado. Ilustra-se, através dele, o «espaço
separação singular. Fez-se sentir, sem dúvida, e com premência,a neces sistemático» moderno numa esfera concreta do ponto de vista artístico
sidade de se proceder à elucidação e à sistematização da «perspectiva» e isto muito antes de o pensamento matemático abstracto o ter postu
de Duccio. Mas atingiu-se este objectivo por vias diferentes. Um núcleo lado.
surgirDos esforços projectiva,
a geometria desenvolvidos no campo da perspectiva, viria a
no século XVII. Em última análise, esta
de pintores, conservadores, em certo sentido, lançou-se na esquema
tização do método do eixo de fuga (de que Duccio prescindira) (43 , é, à semelhança do que se passa com muitas disciplinas ligadas à «ciên
que desenvolveu até tomá-lo representação paralela pura. Tratava-se de cia» moderna, um produto da oficina do ai.tista.
1
homens como Ugolino da Siena, Lorenzo di Bicci ou o mestre desco Nem sequer a pintura de Lorenzetti ultrapassa a questão que se
nhecido, autor de uma pintura de Estrasburgo que, para tornear o pro centra no facto de a totalidade do plano de fundo estar, ou não, orientada 1
blema angustiante da parte central do tecto, aí acrescentou uma espécie para um único ponto de fuga. De facto, quando as figuras se prolongam 1
de torre (44). Outro grupo, chamemos-lhe o dos progressistas, envere até às margens, escondem os segmentos laterais de espaço, como se 1
dara, entretanto, pelo aperfeiçoamento e sistematização do método que pode ver em muitas outras pinturas (45 . Não se consegue, por isso, con- i
Duccio utilizara apenas na parte central do tecto, e tomou extensiva a cluir se a convergência dessas ortogonais, que principiariam fora da
sua aplicação ao tratamento do chão. Os innãos Lorenzetti distingui moldura do quadro e passariam pelas figuras, à direita e à esquera, se
ram-se pela contribuição dada. A importância do quadro A Anuncia- daria também nesse ponto único. Antes ficar-se-ia na dúvida. Noutra I •
ção de Ambrogio Lorenzetti, pintado em 1344 (Ilustração 11), reside, pintura do mesmo artista, em que fica em aberto a visão para esses seg
lr
1 J":.
1 '
essencialmente, no facto de, pela primeira vez, se encontrar as orto mentos laterais de espaço (Ilustraçã o 12), as ortogonais na margem evi
gonais visíveis do plano de fundo dirigidas, todas elas, para um ponto tam ainda, e claramente, o ponto de fuga comum das ortogonais do
único, o que revela conhecimento pleno da Matemática. A descoberta centro ( . A coerência absoluta não ultrapassa ainda um «plano par
do ponto de fuga, enquanto «imagem dos pontos infinitamente dis cial». E, todavia, é exactamcnte este quadro que, pelo seu acentuado
tantes de todas as ortogonais», constitui, num determinado sentido, recuo, parece abrir caminho, decisivamente, a desenvolvimentos futu
o símbolo concreto da descoberta do próprio infinito. Porém. outro ros. Inúmeros exe mplos, que remontarri ao século XV, poderão ilustrar
aspecto relevante deste quadro reside no sentido totalmente novo que a discrepância verificada entre as ortogonais do centro e as da mar
confere ao plano de fundo enquan to tal. Este plano deixa de ser apenas gem (47 . Constata-se, por um lado, que o conceito de infinito está ainda
54 55
' •
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em construção, por outro o que é significativo no âmbito da História van Eyck, nota-se que, pelo contrário, o nascimento do espaço não
da Arte), que a disposição linear do espaço surgira posterionnente à coincide já com a margem do quadro, sendo o plano do quadro a atra
disposição linear da composição de figuras. E isto por muito que esse vessar o meio do espaço. O espaço aparenta aumentar «para a frente»,
espaço e os seus conteúdos fossem experimentados como uma unidade através do plano do quadro. Afigura-se-nos, até, que aquele que olhe o
tangível, por muitos esforços que se fizesse para que esse espaço fosse painel será incluído nesse espaço, devido ao facto de a distância
«sentido>> como unidade. Não se atingiu ainda a fase em que, segundo perpendicular ser curta. O quadro transformou-se numa simples «fatia»
as palavras de Pomponius Gauricus, cento e sessenta anos depois, «O da realidade, no sentido em que esse espaço imaginado se propaga em
lugar existe anterionnente aos corpos para ele trazidos; por isso, tem todas as direcções, ultrapassa o espaço representado sendo, exac
1
1
·i
}
de ser primeiramente definido de modo linear» ) . tamente, o carácter finito do quadro a chamar a atenção para a infini
tude e continuidade do espaço 5 2) .
1 : A conquista
«moderno», deste
parece ter sido ponto
levada adecabo,
vista
de inovador e, finalmente,
formas basicamente diver ,.
sas, no Norte e no Sul. No Norte, eram já conhecidos o mêtodo do eixo
de fuga, antes de meados do século XIV, e o método do ponto de fuga,
por alturas dos finais do século. Em qualquer dos casos, cabia à França
a posição de liderança face aos outros países. Por exemplo, Mestre
Bertram, que sofreu a influência da Boémia, obedece, totalmente, ao
princípio do eixo de fuga na representação dos seus pavimentos de
azulejos. Procura dissimular a parte central, tão problemática, com um
pé da figura que, como que por acaso, a pisa, ou então, com um pedaço
do tecido das roupagens, exposto com uma dignidade óbvia e que
chega a ser cómica Ilustração 13) 49 . Em oposição à arte de Mestre
Bertram, a de Mestre Francke mergulhará as suas raízes em França.
gos, como
Tal Broederlam
Francke e outrosoMestres
trabalha segundo sistemaFranceses
do ponto dee Franco-Flamen
fuga, adoptado
pelos. Lorenzctti. Mas, confonne acontecia com a maioria dos seus
contemporâneos e até dos seus predecessores, Francke não parecia
estar muito seguro das ortogonais nas margens, situação esta bem evi
dente na parte direita do Martírio de São Tomé. Poder-se-ia quase
pensar que, de início, a natureza dos artistas se revoltara contra a orien Figura 6. Esquema perspectivo de A Madona de Canon v n der Paele de Jan van Eyck
Bruges, Museu Municipal de Belas-Artes; 1436). Com base no diagrama de G. Joseph
tação das ortogonais dos lados, de fonna tal que tendessem para o Kem.)
mesmo ponto das ortogonais do centro 5°} .
Foi somente no nível estilístico dos quadros de van Eyck Ilus
trações .14, 15, 16, 17; Figura 6) 51 ) que se parece ter traduzido, de Posto isto, diremos que, de um ponto de vista estritamente mate
maneira consciente, a orientação completamente unificada da totalidade mático, a perspectiva dos quadros de van Eyck é ainda «incorrecta».
do plano e, também, nesta altura, do plano vertical. Igualmente se esbo Embora as ortogonais possam convergir para um ponto único no inte
çou a tentativa ousada de libertar o espaço tridimensional das suas rior de todo um plano, essa convergência não s e verifica no interior de
ligações ao plano frontal do quadro. Esta foi uma proeza absolutamente todo o espaço Figura 6). O tipo de convergência a que, por último,
pessoal, realizada por Jan van Eyck. Até então, e isto verifica-se na fizémos menção, te rá sido conseguido por J?irk Bouts Figura 7) ou,
miniatura apresentada na Ilustração 14 que poderemos considerar ainda antes dele, por Petrus Christus 53 . A partida, no Norte, esta
uma das primeiras obras genuínas de Jan van Eyck), o espaço repre proeza não teve repercussões duradouras nem originou compromis
sentado tenninava «para a frente», ao nível do plano do quadro, mesmo sos. Nos Países Baixos, artistas de renome, como, por exemplo, Roger
que esse espaço pudesse ser prolongado d libitum lateralmente e em van der Weyden, pouco interesse manifestaram pelos problemas do
profundidade. No quadro A Virgem na Igreja Ilustração 15), de Jan espaço, aqui em foco. A verdade é que os seus quadros não são unifi-
1 I
56 57
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..
·--·-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
esta alteração muito contribuíu o trabalho de Albrecht Dürer ( 55 . das ortogonais. Porém, não existia ainda um método suficientemente
fiável de medição das distâncias em profundidade das chamadas linhas
transversais, sobretudo das posições das transversais contidas num
«quadrado de fundo», que começa no limite frontal do quadro. A dar
ouvidos a Alberti, na sua época era ainda dominante a prática errada
de ir reduzindo, automaticamente, nu m terço, cada faixa do chão (59 . 1,
Alberti adianta a sua própria definição, c uj a relevância se iria fazer
sentir nas gerações futuras: «0 quadro é um corte de plano da pirâmide
visual». Uma vez que se conhecem já as perpendiculares da imagem
final, bastará representar essa «pirâmide visual» em alçado lateral, por
forma a, desde logo, se evidenciar as distâncias em profundidade ao
longo do co rte vertical, e a poder-se integrá-las, se m esforço, no sis
tema já constituído de ortogonais que vão recuando (Figura 8 (60 .
11
1,
i(
Provavelmente, o método de Alberti, mais adequado e praticável,
tinha a sua origem no método de representação completa em plano e
l
em alçado. Apenas se chegou à ideia de alterar a prática usual no Tre-
cento pela introdução da representação da pirâmide visual em alçado,
1J
depois de se ter compreendido a representação sistemática da pirâ : .
mide visual na sua totalidade. Não se vê motivo para negar a Brunel
leschi a autoria desta representação, que foi criação de um verdadeiro 1
arquitecto. Tão pouco se deverá hesitar em atribuir ao pintor diletante
Alberti o mérito de ter conseguido conciliar um método abstracto e :
lógico com a utilização tradicional, facilitando, assim, a sua aplicação
prática. Até certo ponto, é evidente a coincidência de ambos os méto
Figura 7. Esquema pcrspectivo de A Última Ceia de Dirk Bouts (Lovaina, São Pedro;
1464-1467). Segundo G. Doehlemann.) dos. Assentam igualmente no princípio da intercisione della piramide
visiva possibilitam a representação de espaços fechados, o desenvol
vimento da visão panorâmica e ain<la o desdobramento e a medição
«correctos» dos objectos isolados que lá se encontram (61 . O Renasci
Embora, no Norte, se tivesse tomado como ponto de partida os mento conseguiu, deste modo, racionalizar por completo, matematica
métodos do Trecento italiano, foi por uma via empírica que se chegou mente, uma imagem do espaço previamente unificado sob o ponto de
à representação «correcta>>. A prática italiana da perspectiva caracteri vista estético. Isto implicava, como vimos, a abstracção profunda da
zou-se pelo recurso às teorias matemáticas. As pinturas do Trecento à estrutura psicofisiológica do espaço e o repúdio da autoridade dos
maneira dos Lorenzetti, tornaram-se, progressivamente, mais artifi
ciais, até surgir, por volta de 1420, a costmzione Iegittima (56 . Igno Antigos. Tomava-se possível agora representar uma estrutura espacial,
sem ambiguidades, coerente, dotada de extensão infinita (62) (dentro
ramos se foi Brunelleschi, e há probabilidades de o ter sido, o primeiro dos limites da «linha de visão»), em que os corpos e as distâncias de
a estabelecer o método perspectivo linear, matematicamente exacto, espaço vazio entre eles se amalgamavam harmoniosamente, num cor-
tal como se desconhece se esse método consistia na representação em pus generaliter sumptum. Dispunha-se de uma regra válida, na genera
plano e em alçado, exemplificada na Figura 1. Dessa representação lidade matematicamente defensável. Com ela se poderia definir «a
nos dá testemunho escrito, duas gerações mais tarde, Piero della Fran que ~ t o devem duas coisas estar afastad as, a que ponto aproximar
cesca em De prospectiva pingendi (57 . Seja como for, encontramos o -se, para se combinarem por forma a que a inteligibilidade do tema não
fresco de Masaccio, A Trindade dotado de uma representação exacta e seja afectada pela sobrecarga, nem diminuída pela dispersão» (63 .
58 59
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' 1 e Oist lncia
o gurado em Deus, mas corporizado na realidade empírica (em certo .
l
1
sentido, o conceito de um energeiai apeiron na Natureza). «Considere
A -se estas duas proposições: o que é infinitamente poderoso não é con-.
traditório e o que é infinitamente grande pode ser transformado em
acção. Entre ambas ergueram os lógicos do século XIV , \Villiam dê
Ockham, Walter Burley, Albert da Saxónia, Jean Buridan, uma bar
g k m n o p Q reira que consideraram sólida e inexpugnável. Assistiremos à queda
1
desta barreira. Mas essa queda não será repentina. A barreira desmoro
r a e d e b nar-se-á, mas pouco a pouco, minada pela ruína e desgaste secretos, no
período compreendido entre 1350 e 1500.» ( ). O infinito real, total 1
60 6
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.
- -
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CAPÍTULO IV
Depreende-se deste corpo de princípios que, logo que deixou de
constituir um problema técnico e matemático, a perspectiva se tomou
problemática no âmbito da Arte. A perspectiva é, por natureza, uma
espada de dois gumes: cria o espaço que permite que os corpos dêem
a impressão de aumentar plasticamente e de possuir movimento, pos
sibilita também a expansão da luz no espaço e a dissolução pictórica
desses mesmos corpos. \A p e r s ~ t i v a gera a distância entre os seres
humanos e s c o ~ Diz :i iõS15ürêi, Uifiüericiá«rõ-Põrl 1íêro delfá Frail-
Ce5Ca 06):-Cjüê «primeiro temos o olhar que vê, em segundo lugar o
.
63
·l. j
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r
1
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_factual doobservador?. Verificou-se ser este o caso, muito especial, do ponto de fuga central reforça a impressão de nos encontrarmos face
da pintura de tectos «ilusionista», que coloca o plano do quadro na a uma representação determinada pelo ponto de vista subjectivo de um
horizontal e extrai, depois, todas as consequências desta rotação de observador que acaba de chegar, e não pela legitimidade objectiva da
90 graus do mundo inteiro. Será qu e, pelo contrário, o ob servador arquitectura. Trata-se aqui de uma represe ntação cujo efeito, parti
deveria e isto seria o ideal) adaptar-se à configuração da perspectiva cularmente «íntimo», se deve, em grande parte, àquela disposição pers
do quadro? Considerada a última situação, outras perguntas se suce pectiva 7°). Em Itália, o progresso da representação perspectiva
dem: Qual é a melhor localização do ponto de fuga central, no campo entrava, realmente, em conflito com a visão oblíqua, comum ainda no
do quadro? ( 8) A que proximidade, ou a que distância, deve ser Trecento apesar de agir apenas s obre elementos arquitectónicos iso
medida a distância perpendicular? ( 69 ) Será de admitir, e, em caso afir lados no espaço e não sobre o espaço em si. Porém, foi esse o tipo de
ri mativo, até que ponto, a visão oblíqua do espaço total? Em todas estas visão que Altdorfer utilizou ao criar, no Nascimento da Virgem de
1
perguntas, a «reivindicação» (para recon-ermos a um termo moderno) Munique (Ilustração 20), um «espaço oblíquo absoluto», quer dizer,
1
do objecto confronta-se com a ambição do sujeito. O objecto afirma a um espaço em que, pura e simplesmente, não há já frontões nem orto
sua intenção de se manter a distância do espectador (precisamente gonais. Nesta obra, o artista reforça, opticamente, o movimento gira
como algo de «objectivo» . Quer impôr, sem reservas, a sua própria tório, o que resulta supérfluo, pelo recurso a uma dança de roda de
legitimidade formal, a sua simetria, por exemplo, ou a sua frontali anjos tocados de inspiração. Prenuncia, assim, um princípio de repre
dade. O objecto rejeita ser remetido para um ponto de fuga excêntrico sentação que apenas no século XVII será totalmente explorado por
e, mais ainda, recusa a orientação dada por um sistema coordenado nomes do s Países Baixos, como Rembrandt, Jan Steen e, espe
(como acontece com a visão oblíqua), cujos eixos só existem na ima cialmente, os pintores de arquitectura de Delft, de que destacamos De
ginação do observador e nem sequer aparecem, de forma objectiva, Witte. Não se ficou a dever ao acaso o facto de terem sido esses mes 1 1
64 65
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mos perguntar: Até que ponto a conquista pela Arte çieste espaço infi - A Perspectiva Como Forma Simbolica
giosa aceder a algo de absolutamente novo: o reino do visionário.
nito e «homogéneo», que é também espaço sistemático «isotrópico» Nele, o milagroso toma-se experiência directa do observador, e isto no
a despeito da aparente modernidade da pintura greco-romana) decorre sentido em que se dá a infiltração dos acontecimentos sobrenaturais
do desenvolvimento atingido no período medieval? De facto, ao «estilo no seu próprio espaço visual, aparentemente natural, os quais lhe
maciço» da Idade Média se ficou a dever o aparecimento da homoge- garantem, desta forma, a possibilidade de «interiorizar» o seu carácter
neidade do substracto da representação, sem a qual se teriam tomado sobrenatural. Para concluir, diremos que a perspcctiva abre a Arte ao
inconcebíveis a infinitude e a indiferença relativamente à direcção do reino do psicológico, no melhor dos sentidos, porque na alma humana
espaço 1 . encontra o miraculoso, o derradeiro refúgio e aí é representado como
É evidente que objecções de dois tipos diferentes poderão ser obra de arte. Sem a visão perspectiva do espaço, não teriam surgido as
levantadas à visão perspectiva do espaço, e não só à mera representa fantasmagorias soberbas do Barroco, a que, em última análise, abri
1
ção perspectiva. Foi, logo de início, objecto de condenação para Platão, ram caminho realizações artísticas como Madona Sistina de Rafael, 1 1
1
por distorcer as «proporções verdadeiras» e substituir a .realidade e o O pocalipse de Dürer, o altar de Iscnheim de Grünewald e, até, quem : 1
nomos a lei) pela aparência subjectiva e pela arbitrariedade 72 . Do sabe, o fresco São oão em Patlnos de Giotto, em S. Croce. Tão pouco
pensamento estético moderno partem acusações de, pelo contrário, ser as pinturas da última fase de Rembrandt teriam sido possíveis. Ao trans
o instrumento de um racionalismo limitado e limitador 3 . O Próximo formar a ousia a realidade) em phainomenon aparência), a perspcc
Oriente antigo, a Antiguidade Clássica, a Idade Média e, no fim de con tiva parece reduzir o divino a simples tema da consciência humana.
tas, qualquer expressão artística arcaizante Botticelli, por exemplo) E, exactamente por esse motivo, a perspectiva alarga a consciência
4
) recusaram, em maior ou menor grau, a perspectiva, uma vez que
humana e fá-la receptáculo do divino. Não será, pois, resultado do
esta parecia introduzir, num mundo extra ou supra-subjectivo, um fac- acaso que esta visão perspectiva do espaço se tenha imposto no decurso
tor individualista e acidental. Quanto ao Expressionismo mais recen da História da Arte, em dois momentos. Primeiro, assinalou um fim, a
temente, verificou-se, realmente, uma outra mudança de direcção), queda da teocracia da Antiguidade. Mais tarde, marcou um começo, o
fugiu à perspectiva por, opostamente, afinnar defender a pouca objec da «antropocracia» moderna.
tividade que até o Impressionismo fora forçado a sonegar à «vontade
formativa» individual,mais
Porém, tal polaridade designadamente o que
não é, afinal, do espaço tridimensional
o rosto real.
duplo da mesma
questão, e as objecções acabam por incidir no mesmo ponto 5 .
A visão perspectiva assenta na vontade de representar o espaço pic
tórico, em princípio, a partir dos elementos do espaço visual empírico
e de acordo com o plano desse espaço, embora esteja ainda bastante
afastada dos «dados» de cariz psicofisiológico. E tudo isto sucede
independentemente de se proceder à avaliação e interpretação da visão
perspectiva, sobretudo na linha da racionalidade e da objectividade, ou
de se dar maior ênfase à contigência e ao subjectivo. A perspectiva
torna matemático esta espaço visual. Há, todavia, muito de visual no
espaço que ela toma matemático. Processa-se uma ordenação, mas é a
ordenação do fenómeno visual. As críticas tecidas à perspectiva, com
base no facto de esta transformar o «ser verdadeiro» em simples mani
festação de coisas vistas, ou de amarrar a ideia de forma, livre e, por
assim dizer, espiritual, a uma manifestação de coisas meramente vistas,
dependem, em última análise, da ênfase que nelas se colocar.
Através da passagem, muito especial, da objectividade artística i
para o campo do fenomenal, a perspectiva separa a Arte Religiosa qo
reino da magia, em que é a obra de arte a operar o milagre, e do reino
do dogma e do símbolo, em que a obra de arte dá testemunho do mira
culoso, ou o anuncia. Mas, assim sendo, a perspectiva faz a Arte Reli-
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