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ASPECTOS DA PRIMITIVA SOCIEDADE HEBRAICA

As regras fundamentais do direito hebreu, inclusive aquelas atinentes


ao culto sagrado, acham-se esparsamente dispostas em cinco livros: Êxodo,
Gênesis, Levítico, Deuteronômio e Números, o conjunto
chamado pentateuco. Antes de se verificar alguns elementos desse quadro
normativo, impõe visitar a história jurídico-política dos hebreus manifesta em
três grandes períodos: o patriarcado, o juizado e a monarquia. Esse percurso
faz-se necessário porquanto se crê impossível apreender a experiência jurídica
de um povo olvidando-se o substrato social do qual ela emerge. Tal suposição
é sobremaneira válida em face dos hebreus haja vista que o direito desse povo
afirmou-se justamente quando Israel surgiu, se organizou e se reconheceu com
identidade própria, como povo, como nação.

A história dos hebreus remonta ao ano 2000 a C e situa-se


em Canaã.  [09] Nessa região, por volta do ano 2.000 a C, viviam os cananeus,
descendentes dos amoritas, entre os quais encontramos variados povos
mesopotâmicos como Abraão e seu grupo, vindos de Ur, na Caldéia, como
também os clãs de Isaac e Jacó, todos chamados patriarcas do povo hebreu.
A forma de organização social típica dessa época era a família patriarcal, um
grande agrupamento de pessoas que incluía, além de pai, mãe e filhos, a prole
casada e sua família, concubinas e escravos. Esse povo organizou-se
inicialmente em tribos nômades e cada uma delas tinha como líder um
patriarca com poderes sacerdotais e judiciários. Como a agricultura era ainda
incipiente, transitavam pelas planícies mesopotâmicas em busca de água e
pastagens, tendo, portanto, como base econômica a pecuária.

Naquela época, as cidades haviam-se constituído nas planícies férteis,


próximas ao mar, e ali iniciaram ampla dominação sobre os camponeses.
Assim, por volta de 1500 a C, as cidades-estado hebréias mantinham-se por
meio de exaustiva tributação incidente sobre a massa camponesa, os quais,
além do pagamento de impostos in natura, obrigavam-se ao trabalho forçado
para o rei, a corvéia. De um modo geral, as cidades dominavam a vida no
campo e não era incomum que as cidades-estado, para protegerem-se umas
das outras e da pirataria generalizada, recorressem à proteção das milícias do
faraó egípcio renunciando, para obtê-la, à autonomia econômica e política.

Nesse cenário, como reação à exploração econômica, à pobreza


causada por conflitos intertribais e pelas dificuldades naturais, levas de
trabalhadores rurais, buscando escapar ao controle político, refugiavam-se no
campo, mantendo distância do poder real radicado nos núcleos urbanos
palestinos. Outros grupos migravam para terras egípcias acalentados pela
esperança de trabalho e sucesso. A respeito, e segundo conta a Bíblia, esses
migrantes encontravam inspiração na experiência de José, um dos filhos de
Jacó, que então vivia com êxito e prestígio na corte egípcia. Já outra parcela de
trabalhadores preferia permanecer em Canaã, porém resistindo à exploração.
Para tanto, organizavam-se em bandos armados (os hapiru, vocábulo utilizado
para designar grupos errantes, socialmente marginalizados, não protegidos
pela ordem social) com vistas a promover saques às rotas comerciais. Note-se
que tanto o distanciamento da esfera de influência do poder governamental (o
êxodo urbano), quanto o ataque ao seu funcionamento (a marginalidade
criminosa) revelam as contundentes contradições sócio-econômicas praticadas
na comunidade hebréia primitiva.

Após a organização patriarcal, os clãs hebreus reuniram-se em tribos,


ampliando a sua organização sócio-econômica que passa a basear-se em
interesses vários e não mais nos laços de consaguinidade. A posse de terras
conduz à sedentarização e a criação de novos papéis sociais. Para zelar pela
comunidade e administrar a justiça surge a figura dos juízes. Durante o juizado,
prevalecera certa harmonia social: as terras eram distribuídas por sorteio cuja
propriedade era coletiva, das tribos, o poder político era compartido e as leis
criadas comunitariamente.

Durante o período da monarquia (cerca do ano 1000 a.C) a situação


desse povo era bem diversa: a gradual apropriação de melhores e maiores
porções agrárias havia criado latifúndios e irreparáveis distinções de classe; as
cidades haviam-se formado em torno do poder real que instituíra pesada
tributação sobre os camponeses; os núcleos urbanos fomentavam práticas de
exploração, corrupção, idolatria religiosa, além de fornecerem amplo deleite a
funcionários estatais e milícias reais em oposição à dura vida e à pobreza
dominante no campo. Em conseqüência desses e de outros fatores, no século
VIII, Israel dividiu-se em duas, Israel e Judá, essa última dominada, no ano VI,
pela Babilônia.

Quanto ao ideal de justiça, na era patriarcal identificado como sinal de


fidelidade a Deus e afeição ao próximo, fora ofuscado na época monárquica
quando a corrupção do sistema administrativo e judiciário tomou dimensões
absurdas. Rebelando-se contra a deformidade do sistema jurídico e político
muitas vozes se rebelaram. Merece destaque a contundente denúncia do
movimento profético, capitaneado por profetas como Isaías, Jeremias, Amós e
tantos outros.

3.2.1- O DIREITO HEBREU


Narra a Bíblia que durante o Patriarcado os hebreus foram dominados
pelos egípcios. Como dito, naquela época era comum que em períodos de
secas os camponeses migrassem para as férteis terras banhadas pelo Nilo em
busca de trabalho. Lá eram recebidos ao custo de se submeterem a trabalhos
em obras do faraó, sob severo regime de escravidão [10].

Com o tempo, decepcionados com as falsas promessas de sucesso


fora da terra de origem e esgotados pela exploração, os migrantes cananeus
arquitetaram a fuga do Egito outorgando, no curso do longo regresso, a
liderança de tal feito a Moisés. Por ocasião da volta à terra prometida e em
função da necessidade de impor regras à difícil convivência da ampla e
dispersiva multidão camponesa, é que surgiram os Dez Mandamentos ou
o Decálogo, importante conjunto de preceitos ditados por Deus a Moisés os
quais se destinavam a reger as relações de um aglomerado de pessoas de
raças, culturas, línguas e regiões diferentes, uma "multidão misturada," como
qualificara o livro do Êxodo.

A verificação dos relatos bíblicos autoriza inferir que a constituição do


direito hebreu defluiu de três fatores capitais: a) da carismática liderança
exercida por Moisés à frente de um grupo rebelde e heterogêneo, b) da
necessidade de enfrentar os imponderáveis riscos da perigosa travessia do
deserto e a inerente conflitividade decorrente da longa convivência social
e c) da paulatina consolidação da crença num deus único, atuante na história e
cultuado como divindade libertadora da opressão.

Efetivamente, Moisés fora um paradigma de liderança. Soubera


conduzir, com êxito, um grupo de estranhos identificados inicialmente apenas
pelo ideal da fuga. A unidade desse povo seria conseguida somente depois, a
duras penas, a partir da convivência no deserto. Naquele momento, além da
hostilidade natural e dos variados conflitos internos, pairava sobre os migrantes
o risco de ataque de piratas. Desse húmus histórico é que surgiriam leis cuja
observância se tornaria imprescindível à penosa travessia. Tais leis foram
concebidas como uma Aliança celebrada entre Deus e o povo cujo arauto fora
Moisés:

"E Deus falou todas essas palavras, dizendo: "Eu sou o Senhor, teu Deus,
que te fiz sair da terra do Egito, da casa da servidão: não terás outros deuses
diante de mim (...) honra teu pai e tua mãe, a fim de que teus dias se
prolonguem sobre a terra que o Senhor, teu Deus, de dá. Não cometerás
homicídio. Não cometerás adultério. Não raptarás. Não prestarás testemunho
mentiroso contra teu próximo. Não cobiçarás a casa de teu próximo. Não
cobiçarás a mulher de teu próximo, nem o teu servo, sua serva, seu boi ou seu
jumento, nada que pertença a teu próximo." [11]
Destaque-se que os hebreus distinguiam as noções de direito e justiça,
identificando essa com o desígnio divino e, portanto, como sentimento superior
àquele. De um modo geral, o sentimento de justiça, entendida como amparo
aos pobres, como fraternidade e obediência à vontade divina, envolvia, em
essência, todo o sistema jurídico hebreu. Nessa direção aponta o magistério do
biblista Léon Epsztein que aponta a existência de dois vocábulos naquela
cultura para se referir à justiça: mishpat e çedeq. O primeiro, usavam para se
referirem tanto ao direito quanto à justiça. A raiz desse vocábulo (shapat) evoca
a idéia de julgar, de pronunciar uma sentença, referindo-se à justiça aplicada
pelos tribunais. Por força da atuação dos profetas, esse termo imiscuiu-se em
profundo conteúdo religioso. Já a palavra çedeq vinculava-se à prática
da equidade nos julgamentos. Era evidente a prevalência do ideal de justiça-
equidade sobre o direito ou leis materiais e processuais do direito hebreu. Nas
palavras do referido biblista, isso significava apreciar as leis com vistas a
alcançar o ideal de transcendentalidade nelas contida. Várias passagens
ilustram o desiderato hebreu de justiça:

"(...) Os juízes não deveriam julgar com parcialidade, mas com justiça (Lv
19,15; Dt 1,16) e seus veredictos têm de ser justos ( Pr 31,19; Dt 16,18.20); o
processo ilegal derruba a justiça (Am 5,7) e transforma o direito em veneno
(Am 6,12); a corrupção da justiça deturpa os processos justos e os direitos do
inocente ( Is 5, 23)" [12]
Veja que o ideal moral da justiça prevalecia e informava o regramento
legal, as normas e sua aplicação. Mckenzie [13], citado por Sella (2003:71), aduz
que a idéia hebraica de justiça consistia tanto na reivindicação de um direito,
quanto na prática justa de um processo pelo qual se reivindicava o próprio
direito ou se afirmava a própria inocência. Resgata ainda Sella as teses de
outro estudioso, Pinzetta, para afirmar a predominância da religiosidade sobre
o direito, demonstrando a confusão da terminologia jurídica com a teológica.
Naquele sistema jurídico, Pinzetta, "é Deus que dá a sentença. Ele é o ponto
de referência. Se a sentença do juiz não for de acordo com a sua, não há
justiça (cedaqah). Portanto, para haver a çedaqah é preciso agir conforme a
Lei de Deus". [14]

Citando variadas passagens do Antigo Testamento, Sella (2003:73)


demonstra que o ideal do justo na antiga sociedade hebraica manifestava-se
sob quatro formas básicas: a) compromisso da autoridade (juiz, rei) de fazer
justiça, integrando o pobre no seu direito; b) manutenção de conduta
compatível com os preceitos divinos; c) busca da sabedoria, ou seja, a justiça
como sendo a sabedoria posta em prática; d) a justiça como sendo o
reconhecimento divino pelas boas obras, uma recompensa devida aos justos.

Importa sublinhar que a totalidade dos exegetas reforça a constante


preocupação social das leis semíticas manifesta na proteção do pobre e do
injustiçado. Nessa direção, Sella (2003:74), agora com suporte na pesquisa de
Léon Epsztein, reitera a prevalência da religiosidade sobre a experiência
jurídica de Israel, de modo a submeter "o legislador (rei ou juiz) à vontade de
Javé (...) porque ele recebeu de Deus as virtudes do direito e da
justiça, mishpat e çedaqah ( Sl 72,1)". Esta prevalência traduz radical diferença
entre o direito hebreu e os demais, como o egípcio, haja vista que naquele os
reis e juízes eram concebidos como simples arautos da justiça divina e não os
seus criadores. Nas palavras do autor:

As diferenças entre o rei em Israel e o faraó do Egito é que o rei


israelita tem somente um papel instrumental e funcional à vontade de Javé, ou
seja, uma função judiciária e sem criar o direito, pois a fonte de direito é Deus.
Isto é, o rei israelita não tem um poder legislativo como o faraó. O papel do rei
é restituir o direito sobretudo protegendo os fracos e os pobres, as viúvas e os
órfãos. A outra diferença é que a justiça não é procurada pela vantagem
econômica e política como era nos outros povos vizinhos. A justiça semita tem
o próprio objetivo de fazer privilegiar o direito e, por isso, é fortemente marcada
pela imparcialidade. Nesse sentido, os códigos israelitas são claros: "Não
cometam injustiças no julgamento. Não seja parcial para favorecer o pobre ou
para agradar o rico: julgue com justiça os concidadãos" (no Código de
santidade: Lv 19,15); no Deuteronômio 1,17 está escrito: "Não façam acepção
de pessoas no julgamento: escutem de maneira igual o pequeno e o
grande".  [15]
Afora essas e outras substanciais diferenças, o direito hebreu também
guardava algumas semelhanças com a ordem jurídica de povos vizinhos. Tal
se deve à proximidade geográfica de várias outras etnias, como também à
dominação a que foram submetidos os hebreus ao longo de sua trajetória.
Nesse sentido, demonstrando o peso da cultura sobre a configuração do
sistema jurídico, o direito hebreu, tal como o mesopotâmico,
previa penas severas, tal como a pena de morte, para atos como desacato
moral ou agressão física à autoridade paterna ou materna. [16] De modo
especial, por força da influência cultural mesopotâmica, os hebreus conheciam
o princípio de talião, inserto no livro doÊxodo:

"Quem ferir mortalmente um homem será morto (...). E quando homens em


briga ferirem uma mulher grávida, mas a criança nascer sem problema, será
preciso pagar uma indenização, a ser imposta pelo marido da mulher e
decidida por arbitragem. Mas se acontecer dano grave, pagarás vida por vida,
olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por
queimadura, ferimento por ferimento, contusão por contusão." [17]
O livro do Êxodo traça ainda várias outras regras dedicadas a ordenar
o uso de bens, a destinação da propriedade agrária e as obrigações em geral
(como o empréstimo).

Na esfera familiar, embora consentisse na poligamia, aquele direito


impunha indenização ao pai na hipótese de sedução de filha virgem por varão
não compromissado ao casamento, sancionava mortalmente a zoofilia,
condenava a homofilia e repelia o incesto. [18] Já no campo social, ocupava-se
da proteção do migrante, da viúva e do órfão, bem como condenava
veementemente a usura, disposição essa, conservada até hoje pelo direito
canônico.

Interessante é que a corrupção também recebera tratativa naquele


direito. Fenômeno ancestral, cuja prática e repressão se verifica em variados
tempos e lugares [19], a corrupção desde sempre transita com desenvoltura no
espaço público, manifestando-se nas funções de administração, legiferação e
jurisdição. Em face dessa constatação é que vários trechos do Pentateuco
admoestam para a observância da imparcialidade dos julgadores e a lealdade
das partes no exercício de atos processuais, nos julgamentos, verbis:

"Não espalharás (ou receberás, se juiz) boatos sem fundamento. Não


tomes o partido de um culpado, dando um testemunho falso. Não seguirás uma
maioria que quer o mal, e não intervirás num processo inclinando-te em favor
de uma maioria parcial. Não favorecerás com parcialidade um fraco no seu
processo (...) Não falsificarás o direito do teu pobre no seu processo. Manterás
distância de uma causa mentirosa (...) Não aceitarás propinas, pois a propina
cega as pessoas lúcidas e compromete a causa dos justos". Após este excerto
contido no Êxodo, adiante, no Levítico, outra regra (já citada alhures) dirige-se
especificamente ao julgador: "não cometais injustiça nos vossos julgamentos:
não dês vantagem ao fraco e não favoreças o grande, mas julga com justiça o
teu compatriota." [20]
Ao estudarmos o direito hebreu urge considerar que uma das grandes
questões desse grupo consistiu em haverem-se constituído como povo sem
antes possuírem uma pátria. Fora justamente a partir da travessia do deserto –
logo em terra estrangeira- que os hebreus se reconheceram como povo para,
somente após, se enraizarem num território. E, ao que parece, apenas por
ocasião do retorno do Egito – quando pactuaram o Código da Aliança – é que
os hebreus se tornaram efetivamente sedentários e se reorganizaram em torno
dos chefes militares chamados Juízes, lideranças guerreiras, políticas e
religiosas.

Durante o juizado, estruturados de forma associativa, buscaram


promover a defesa comum contra povos vizinhos e fomentaram a prosperidade
econômica coletiva. Fizeram-no mediante a criação da
denominada confederação das doze tribos de Israel, que durou cerca de 200
anos. Nessa confederação, as leis previam a propriedade coletiva da terra
(porque cria-se que Deus era único dono dos bens), proteção aos pobres e a
descentralização do poder político - compartilhado entre as famílias - as quais
possuíam seus líderes, os anciãos. Em épocas de ameaça externa, escolhiam-
se chefes militares, os chamados juízes. Todas as famílias participavam das
decisões políticas mediante sua organização na assembléia ou no conselho
das tribos. As leis não apenas garantiam o uso coletivo da terra e a defesa dos
mais fracos, como órfãos e viúvas, mas também zelavam pela unidade do culto
monoteísta, no qual os israelitas professavam a fé num deus presente na
realidade cotidiana, um deus militante e libertador (isra-el, deus luta, em
hebraico). O governo dos juízes assinalou o fim do período patriarcal. Os juízes
mais conhecidos foram Gedeão, Sansão e Samuel, esse último, idealizador da
instalação de um governo monárquico para os hebreus.

O declínio do equilíbrio (econômico, jurídico e político) típico do regime


da Liga das Tribos viria findar-se graças à diferenciação econômico-social
surgida entre as famílias. Seguindo a trilha das teses defendidas por Marx, o
crescimento econômico obtido por algumas tribos faria surgir diferenças
sociais, políticas e ideológicas intransponíveis no seio daquela confederação
político-religiosa, trincando-lhe a harmonia. Também contribuíra para a queda
da Liga a necessidade de segurança diante das constantes ameaças
representadas por estrangeiros, bem assim o intuito expansionista e comercial
promovido pela produção de excedentes econômicos por parte de famílias
enriquecidas. Tais mudanças repercutiriam na organização do poder político
então praticado. E como quem detém poder econômico detém poder político, a
centralização do poder tornou-se inevitável: para corresponder às novas
necessidades implantara-se o regime monárquico, em 1052 a C, sob a
liderança de Saul. Entre outros principais monarcas, registra-se Davi e
Salomão. Com a morte deste, o reino de Israel dividira-se em dois: o reino de
Judá, ao sul, e o de Israel, ao norte.

A alternativa monárquica, que surgiu como saída para graves


problemas, converteu-se em outro ainda maior. O advento do regime
monárquico fez recrudescer a concentração de poder nas cidades,
principalmente nas capitais Samaria e Jerusalém. Nesse período, as cidades
voltaram a representar o pior da cultura daquele povo: núcleo irradiador de
corrupção, da exploração dos pobres, da idolatria e muitas outras perversões.
Na esfera do direito, a crença na justiça caíra em profundo descrédito. A justiça
tornara-se instrumento legitimador do poder manifesta no desvirtuamento das
leis, na prática de julgamentos tendenciosos os quais foram veementemente
combatidos por pregadores (lideranças chamados profetas) como o campesino
Amós que, exortando os governantes e magistrados, dizia:

"Vocês vendem o homem justo por dinheiro e o indigente por um par de


sandálias. Vocês esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos. Vocês
transformam o direito em veneno e derrubam a justiça." Em severa crítica à
falsa justiça praticada pelos juízes do povo, à falta de retos critérios de
afirmação do justo na conturbada sociedade israelita, dizia o profeta: " Acaso
cavalos galopam sobre rochedos, e lavra-se aí com bois, para fazerdes com
que o direito se torne veneno, e o fruto da justiça, uma cicuta?". [21]

Enfim, a derradeira decadência da sociedade hebraica tivera lugar no


período monárquico. Com o tempo, tanto o reino do norte quanto o do sul, após
sucessivas crises econômicas, sociais e religiosas, caíram sob o domínio de
novas superpotências. O norte fora dominado pelos assírios por volta do século
VIII a C e o sul, Judá, sucumbira ante o poder dos babilônicos, no século VI a
C, promovendo-se, então, a primeira diáspora do povo hebreu. No século VI,
os hebreus, libertos pelo rei Persa, Ciro, retornaram à Palestina e lá
constituíram um pequeno Estado na região de Judá, sendo a partir de então
chamados judeus. Posteriormente, os gregos, os macedônios e os romanos
também dominaram a Palestina. [22]

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