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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 28, n. 1, p.

9 - 22, (2006)
www.sbfisica.org.br

Fı́sica e realidade∗
(Physik und Realität)

A. Einstein
Publicado originalmente no Journal of the Franklin Institute 221, 313-347 (1936)

1. Generalidades acerca do método O primeiro passo para o estabelecimento de um


cientı́fico “mundo externo real” repousa, em minha opinião, na
construção do conceito de objeto corpóreo, ou melhor
Foi dito freqüentemente e com certeza não sem razão de objetos corpóreos de diferentes tipos. Certos com-
que o cientista seria um mau filósofo. Por que não have- plexos de sensações que se repetem (em parte junto
ria então de ser o mais correto também para o fı́sico a sensações que podem ser interpretadas como sinais
deixar o filosofar para os filósofos? Isto talvez se aplique das experiências sensı́veis de nossos semelhantes ) são
em épocas nas quais os fı́sicos crêem possuir um sólido mentalmente escolhidos, de modo arbitrário, da tota-
e inquestionável sistema de conceitos e leis fundamen- lidade das experiências sensı́veis, e a eles é associado
tais, mas não nos dias atuais, quando os fundamentos um conceito – o de objeto corpóreo. Do ponto de vista
da Fı́sica como um todo se tornaram problemáticos. lógico este conceito não é idêntico à totalidade destas
Nestas épocas, nas quais a experiência o obriga a bus- experiências, mas é uma livre criação do espı́rito hu-
car uma base nova e mais sólida, o fı́sico não pode sim- mano (ou animal). Por outro lado seu significado e legi-
plesmente relegar à Filosofia a análise crı́tica dos funda- timidade se devem exclusivamente à totalidade das ex-
mentos, uma vez que apenas ele sabe e sente melhor que periências sensı́veis às quais está associado.
ninguém onde o sapato lhe aperta; na busca por novos O segundo passo consiste no fato que atribuı́mos
fundamentos é mister que ele procure se esclarecer o significados em grande medida independentes ao con-
melhor possı́vel acerca da necessidade e legitimidade ceito do objeto corpóreo em nosso pensamento (deter-
dos conceitos por ele usados. minante de nossas expectativas) e às sensações causado-
Toda ciência não é senão um refinamento do senso ras deste conceito. É isto que queremos dizer quando
comum. É por este motivo que o senso crı́tico do fı́sico associamos uma “existência real” ao objeto corpóreo.
não pode se restringir à sua ciência em particular, não A legitimidade desta associação repousa unicamente so-
devendo ele passar ao largo de uma reflexão crı́tica do bre o fato que, com o auxı́lio de tais conceitos e das
senso comum, de muito mais difı́cil análise. relações mentalmente estabelecidas entre eles, podemos
No palco de nossas experiências mentais surgem, em nos orientar por entre o emaranhado de sensações. É
colorida sucessão, experiências sensı́veis, seus quadros por este motivo que estes conceitos e relações – embo-
mnemônicos, representações e sentimentos. Contrari- ra livres definições do pensamento – parecem-nos mais
amente à Psicologia, a Fı́sica ocupa-se (diretamente) firmes e imutáveis que a experiência sensı́vel única,
apenas com as experiências sensı́veis e com a “com- cujo caráter nunca poderemos com segurança deixar
preensão” das relações entre elas. Mas o conceito de atribuir à ilusão ou à alucinação. Por outro lado,
de “mundo externo real” do senso comum também se conceitos e relações, em particular o estabelecimento
apóia exclusivamente sobre as impressões sensı́veis. de objetos reais ou mesmo de um “mundo real” , só
Antes porém devemos notar que a diferenciação en- são justificáveis na medida em que estão associados a
tre impressões sensı́veis (sensações) e representações experiências sensı́veis entre as quais criam associações
não é conhecida, ou ao menos não o pode ser com se- mentais.
gurança. Não pretendemos aqui nos ocupar com esta Só nos resta admirar, conquanto nunca lograremos
problemática que também envolve o conceito de “rea- compreender, o fato que a totalidade das experiências
lidade”, mas tomaremos as experiências sensı́veis como sensı́veis seja tal que possa ser hierarquizada através
tais, ou seja, um tipo especial de experiência mental do pensamento (o operar com conceitos e a criação e
existente e reconhecı́vel. aplicação de certas associações funcionais entre eles,
∗ Tradução de Sı́lvio R. Dahmen, Instituto de Fı́sica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: silvio.dahmen@ufrgs.br.

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


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bem como a ordenação das experiências sensı́veis a chamar de definições e quais dentre elas de leis da na-
conceitos). Podemos afirmar: o eternamente incom- tureza dependem exclusivamente da representação es-
preensı́vel no universo é o fato de ele ser compreensı́vel. colhida; tal distinção só é realmente necessária quando
Que o estabelecimento de um mundo externo real sem quisermos determinar até que ponto o sistema de con-
esta compreensibilidade seria algo desprovido de sen- ceitos com o qual estamos lidando naquele momento
tido representa um dos maiores achados de Immanuel tem, do ponto de vista fı́sico, um conteúdo.
Kant.
Quando falamos aqui de “compreensibilidade” , 2. Estratificação do sistema cientı́fico
referimo-nos a esta expressão primeiramente em seu
significado mais modesto, ou seja: através da criação O objetivo da Ciência é, em primeiro lugar, a mais com-
de conceitos gerais e relações entre eles, bem como pleta compreensão conceitual de experiências sensı́veis
através de relações de algum modo pré-estabelecidas em toda sua variedade e sua interconexão lógica. Em se-
entre conceitos e experiências sensı́veis, cria-se, entre gundo lugar porém, atingir este objetivo através do uso
estas últimas, algum tipo de ordem. Neste sentido o de um mı́nimo de conceitos e relações primárias (as-
mundo de nossas experiências sensı́veis é compreensı́vel piração por uma visão de mundo unificada mais lógica
e, que ele o seja, é miraculoso. possı́vel ou simplicidade lógica de seus fundamentos).
Parece-me impossı́vel afirmar algo a priori, por A Ciência necessita de toda a multiplicidade dos
mı́nimo que seja, acerca do método pelo qual devemos conceitos primários, ou seja, daqueles diretamente li-
construir e relacionar conceitos e o modo pelo qual os gados às experiências sensı́veis bem como as leis que
ordenar com experiências sensı́veis. Apenas o sucesso os relacionam. Em seu primeiro estágio evolutivo ela
no estabelecimento de um ordenamento de experiências não possui nada além disto. O senso comum também
sensı́veis é que pode julgar. As regras de associação se dá por satisfeito, em linhas gerais, com este nı́vel.
entre conceitos devem ser simplesmente definidas pois, Porém para um espı́rito verdadeiramente engajado com
caso contrário, o conhecimento, no sentido em que o Ciência isto não basta, pois a totalidade de conceitos
almejamos, seria inatingı́vel. Pode-se comparar estas e relações assim haurida carece de qualquer unidade
regras àquelas de um jogo, regras estas em si arbitrárias, lógica. A fim de suprir esta falta, cria-se um siste-
mas que só depois de definidas possibilitam que se ma mais pobre em conceitos e relações que contenha,
jogue. Esta definição de regras no entanto nunca será como quantidades logicamente dele dedutı́veis, os con-
definitiva, mas antes só poderá reclamar para si qual- ceitos primários e relações do “primeiro estrato” . Este
quer validade na área na qual estiver sendo aplicado no novo “sistema secundário” adquire uma maior unidade
momento (ou seja, não há categorias finais no sentido lógica às custas da situação na qual seus conceitos ini-
estabelecido por Kant). ciais (conceitos do segundo estrato) não mais se encon-
A associação entre conceitos elementares do senso tram em relação direta com complexos de experiências
comum com complexos de experiências sensı́veis só sensı́veis. Posteriormente, a aspiração por uma unidade
pode ser apreendida intuitivamente e é, do ponto de lógica ainda maior leva à criação de um sistema terciário
vista cientı́fico, inatingı́vel pela fixação lógica. A totali- de conceitos e relações ainda mais pobre, para obtenção
dade destas associações – em si conceitualmente incom- dos conceitos e relações do estrato secundário (e assim
preensı́veis – é a única coisa que diferencia o edifı́cio da indiretamente do primário). E assim sucessivamente,
Ciência de um esquema de conceitos lógicos desprovido até que cheguemos a um sistema de maior unidade con-
de conteúdo. Graças a elas, as leis puramente conceitu- cebı́vel e pobreza conceitual dos fundamentos lógicos,
ais da Ciência tornam-se afirmações gerais acerca de mas que ainda seja compatı́vel com as propriedades
complexos de experiências sensı́veis. obtidas através dos sentidos. Se algum dia conseguire-
Os conceitos direta e intuitivamente associados aos mos, por meio desta busca, chegar a um sistema defini-
complexos de experiências sensı́veis tı́picos serão por tivo, não o sabemos. Se for colocada a pergunta, uma
nós denominados “conceitos primários”. Do ponto de pessoa ver-se-á inclinada a responder com um não; mas
vista fı́sico todos os outros conceitos apenas têm sen- no embate com os problemas se é levado pela esperança
tido na medida em que os fizermos associar, através que este objetivo supremo realmente possa ser atingido
de leis, aos “conceitos primários”. Estas leis são em em sua plenitude.
parte definições de conceitos (e proposições daı́ logica- Um adepto da teoria da abstração ou indução de-
mente dedutı́veis) e em parte leis que não seguem das nominaria as camadas supra citadas de “nı́veis de abs-
definições mas que dizem, ao menos indiretamente, algo tração”. Porém julgo incorreto esconder a indepen-
a respeito das relações entre “conceitos primários” e dência lógica dos conceitos com relação às experiências
com isto entre experiências sensı́veis. Leis deste último sensı́veis; não se trata de uma relação como aquela en-
tipo são “proposições acerca da realidade” ou “leis da tre a canja e a galinha, mas sim entre a roupa e o cabide
natureza”, quer dizer, leis que têm que ser comprovadas no armário. Além disso, os nı́veis não são claramente
por meio das experiências sensı́veis obtidas através delimitados entre si. Nem mesmo é possı́vel precisar
dos conceitos primários. Quais dentre as leis devemos totalmente se um conceito pertence ao nı́vel primário.
Fı́sica e realidade 11

Conceitos nada mais são que construções livres, as- O conceito de tempo objetivo é precedido pelo con-
sociados intuitivamente a complexos de experiências ceito de espaço, que por sua vez é precedido pelo de
sensı́veis com um grau de segurança suficiente para uma objeto corpóreo; este último está diretamente ligado
dada aplicação, de modo a não restar dúvidas quanto aos complexos de experiências sensı́veis. Colocou-se
à aplicabilidade ou não de uma lei para um particular como propriedade caracterı́stica do conceito “objeto
caso vivenciado (experimento). Essencial é apenas a corpóreo” o fato que a ele podemos associar uma “exis-
tentativa de representar uma variedade de conceitos e tência” independentemente do tempo (“subjetivo” ) e
leis próximas da experiência como sendo deduzidas a de sua percepção através de nossos sentidos. Faze-
partir de uma base de conceitos e relações fundamen- mos isto embora percebamos nele mudanças temporais.
tais mais reduzida1 possı́vel. Estes são, por sua vez, Poincaré corretamente chamou a atenção para o fato
de livre escolha (axiomas). Com esta liberdade porém que distinguimos dois tipos de mudanças em objetos
não se vai muito longe: não se trata aqui de algo seme- corpóreos, a saber “mudanças de estado” e “mudanças
lhante à liberdade de um romancista, mas sim muito de posição”. Estas últimas são aquelas mudanças que
mais à liberdade de um homem a quem foi proposto podemos reverter por meio de movimentos arbitrários
um bem concebido jogo de palavras cruzadas. Ele pode, do nosso corpo.
é bem verdade, sugerir qualquer palavra como solução, A existência de objetos corpóreos tais que a eles
mas só há uma que realmente soluciona a charada como podemos associar tão somente mudanças de posição e
um todo. Que a natureza - na maneira pela qual ela não de estado, dentro de um certo limite de percepção,
é acessı́vel a nossos sentidos - tenha o caráter de uma é fundamental para a construção do conceito de espaço
bem concebida charada é uma crença para a qual de um (e até certo ponto mesmo para a legitimização do con-
certo modo os sucessos até agora obtidos pela Ciência ceito de objeto corpóreo). Chamaremos aqui um tal
nos impele. objeto de “efetivamente rı́gido” .
A multiplicidade de nı́veis a qual nos referimos Se tomarmos simultaneamente dois corpos “efetiva-
acima corresponde ao único avanço que a luta pela mente rı́gidos” por objeto de nossa percepção, ou seja
unificação dos fundamentos da Fı́sica nos propiciou ao como um único todo, então haverá mudanças que não
longo do seu desenvolvimento. Do ponto de vista do podem ser interpretadas como mudança de posição do
objetivo final, os nı́veis intermediários são apenas tem- todo, embora seja este o caso para cada um dos objetos
porários e devem eventualmente desaparecer, por irre- constituintes. Isto nos leva assim ao conceito de “mu-
levantes. Temos porém que nos ocupar com a Ciência dança de posição relativa” entre ambos e com isto ao
atual, na qual tais nı́veis representam sucessos parciais conceito de “posição relativa” entre os objetos. Além
problemáticos, que se por um lado se sustentam, por do mais vê-se que existe, entre as posições relativas,
outro se ameaçam, uma vez que o sistema de conceitos uma de um tipo especial denominada “contato” 2 .
atuais se nos apresenta com profundas contradições, O contato duradouro de dois corpos em três ou mais
com as quais mais tarde nos defrontaremos. “pontos” significa sua união em um corpo único (quase-
O objetivo das próximas linhas é mostrar quais ca- rı́gido). Pode-se dizer que o primeiro corpo será esten-
minhos o espı́rito humano empreendedor trilhou para dido em um corpo quase-rı́gido por meio do segundo
chegar a uma base conceitual da Fı́sica tão logicamente corpo, que por sua vez poderá ser quase-rigidamente
unificada quanto possı́vel. estendido3 . A extensão quase-rı́gida de um corpo é ili-
mitada. A totalidade das extensões quase-rı́gidas ima-
gináveis de um certo corpo K0 representa o “espaço”
3. A mecânica e a tentativa de sobre ela infinito por ele definido.
fundamentar toda a Fı́sica Na minha opinião, a base empı́rica de nosso con-
ceito de espaço é o fato que todo corpo de algum modo
Uma propriedade importante de nossas experiências posicionado possa ser colocado em contato com a ex-
sensı́veis, bem como de nossas experiências em geral, tensão quase-rı́gida de um corpo K0 apropriadamente
é seu ordenamento temporal. Esta propriedade de or- escolhido (corpo de referência). No pensamento pré-
denamento leva à construção mental do tempo sub- cientı́fico a crosta terrestre rı́gida desempenhava o pa-
jetivo, de um esquema de ordenamento para as ex- pel de K0 e sua extensão. O próprio nome Geometria
periências. Como veremos adiante, o tempo subjetivo indica que o conceito de espaço está psicologicamente
conduz então, através do conceito de objeto corpóreo e relacionado à estrutura da Terra.
de espaço, ao tempo objetivo. A arrojada construção conceitual de “espaço” , an-
1 Nosentido de estreita, limitada. O termo original utilizado por Einstein é eng, ou seja, estreito (cf. narrow).
2 É
da natureza das coisas que só podemos falar destes assuntos por meio de conceitos por nós elaborados, mas que em si não são
passı́veis de dedução. O essencial porém é que apenas utilizemos tais conceitos caso nos sintamos seguros a respeito de sua associação
ao material experimental. [A.E.]
3 No original fortgesetzt, do substantivo Fortsetzung (continuação ou extensão). Embora ainda se encontre comumente o termo

“continuação analı́tica”, para citar um exemplo, este termo tem sido preterido em favor de extensão, motivo pelo qual optou-se pelo
último.
12 Einstein

terior a toda geometria cientı́fica, transformou mental- Do ponto de vista da Fı́sica, a importância cen-
mente a totalidade das relações de posição de objetos tral da geometria euclidiana advém do fato que esta
corpóreos em posições destes no “espaço” . Isto já im- reivindica para si a validade de suas afirmações indepen-
plica, por si, uma grande simplificação formal. Por meio dentemente da natureza particular dos corpos de cujas
dela se consegue que qualquer afirmação sobre posição posições relativas ela trata. Sua simplicidade formal é
também seja implicitamente uma afirmação sobre con- caracterizada pelas propriedades de homogeneidade e
tato. Dizer que um ponto de um objeto corpóreo se isotropia (e existência de construtos semelhantes).
encontre no ponto P do espaço significa: o ponto ob- O conceito de espaço é certamente útil para a geo-
servado do objeto toca o ponto P do corpo de referência metria em si, ou seja para a formulação das regulari-
K0 (que presumimos como tendo sido apropriadamente dades das posições relativas de corpos rı́gidos, mas não
estendido). é imprescindı́vel. Contrariamente, o conceito de tempo
Na geometria dos gregos o espaço tinha, digamos, objetivo, sem o qual a formulação dos fundamentos da
um papel qualitativo apenas, uma vez que as posições mecânica clássica não seria possı́vel, está atrelado ao
dos objetos, embora pensadas como estabelecidas em conceito do continuum espacial.
relação ao espaço, não eram no entanto descritas por A introdução do tempo objetivo consiste em duas
números. Esta tarefa coube a Descartes, em cujo lin- proposições mutuamente independentes:
guajar todo o conteúdo da geometria euclidiana pode
ser fundamentado axiomaticamente sobre as seguintes (1) Introdução do tempo local objetivo, no qual a
proposições: (1) dois pontos marcados em um corpo evolução temporal de uma experiência é associ-
rı́gido determinam um segmento; (2) aos pontos do ada à leitura de um “relógio” , ou seja um sistema
espaço pode-se associar os triplos X1 , X2 e X3 tais fechado com evolução periódica.
que, para cada segmento observado P  − P  com co- (2) Introdução do conceito de tempo objetivo para
ordenadas (X1 , X2 , X3 ; X1 , X2 , X3 ), a expressão acontecimentos em todo o espaço, somente através
s2 = (X1 − X1 )2 + (X2 − X2 )2 + (X3 − X3 )2 do qual o conceito de tempo local pode então ser
generalizado para o conceito de tempo da Fı́sica.
independe da posição do corpo e de quaiquer outros
corpos. A grandeza s (positiva) chama-se comprimento Comentário acerca de (1). Em se tratando da elu-
do segmento ou distância entre os pontos espaciais P  e cidação do surgimento ou do conteúdo empı́rico
P  (coincidentes com os pontos P  e P  do segmento). do conceito de tempo, não me parece ser um peti-
Esta formulação foi escolhida premeditadamente de tio principii 4 colocarmos o conceito de evolução
modo a permitir que não apenas o conteúdo lógico- periódica à frente do conceito de tempo. Esta
axiomático mas também o conteúdo empı́rico da geome- concepção é exatamente análoga à precedência do
tria euclidiana apareça claramente. Certo é que a re- conceito de um corpo rı́gido (ou quase-rı́gido) na
presentação puramente lógica (axiomática) da geome- interpretação do conceito de espaço.
tria euclidiana tem a vantagem de uma maior clareza Explicação mais detalhada de (2). A ilusão rei-
e simplicidade quando comparada à formulação acima. nante, até o surgimento da teoria da relatividade,
Porém, ela os tem às custas da renúncia a uma repre- de que do ponto de vista do observador seria
sentação da relação entre a construção conceitual e a ex- claro, a priori, o significado de simultaneidade em
periência sensı́vel; mas é justa e exclusivamente sobre relação a acontecimentos espacialmente distantes
esta relação que reside toda a importância da geometria e com isto o significado de tempo fı́sico, tinha sua
para a Fı́sica. O erro fatal em fundamentar a geometria origem no fato que em nossa experiência cotidiana
euclideana e o conceito de espaço a ela associado sobre podemos desprezar o tempo de propagação da luz.
uma necessidade lógica que antecede toda experiência, Costumamos assim não diferenciar o “ver simul-
tem sua origem no fato que a base empı́rica sobre a taneamente” do “acontecer simultaneamente”, o
qual se apóia sua construção axiomática ficou perdida que leva ao desaparecimento da diferença entre
no esquecimento. tempo e tempo local.
Enquanto pudermos falar da existência de corpos
rı́gidos na natureza, a geometria euclidiana será uma Do ponto de vista do significado empı́rico, a im-
ciência fı́sica que deve ser validada pelas experiências precisão que o conceito de tempo da mecânica clássica
sensı́veis. Ela concerne à totalidade das leis válidas carrega consigo ficou velada pelas representações axio-
para o posicionamento relativo de corpos rı́gidos in- máticas, uma vez que estas trataram o conceito de
dependente do tempo. Como se pode ver, o conceito espaço e tempo como fatos independentes das experiên-
fı́sico de espaço, como usado originalmente na Fı́sica, cias sensı́veis. Esta “hipostatização”5 (autonomização)
está também ligado à existência de corpos rı́gidos. de conceitos não é necessariamente desvantajosa para
4 Literalmente petição de princı́pio. Diz-se, em filosofia, do paralogismo que consiste em basear a dedução sobre a tese que se deseja

provar, ou seja de incluir a tese entre as premissas adotadas.


5 Do grego hipóstase, abstração ou ficção falsamente consideradas como providas de significado real.
Fı́sica e realidade 13

a Ciência, mas pelo esquecimento da origem dos mes- (d) são explicitadas, como o fez Newton, com excep-
mos cria-se facilmente a ilusão que eles devem ser vis- cional sucesso, para a mecânica celeste. Do ponto de
tos como necessários e, com isto, imutáveis, o que pode vista do objetivo – uma simplicação mais lógica possı́vel
vir a representar um sério perigo para o progresso da dos fundamentos – o fato que as leis de força não pos-
Ciência. sam ser obtidas por uma abordagem lógico-formal, mas
Foi uma sorte para a evolução da mecânica e com sua escolha seja em grande medida arbitrária a priori
isso da Fı́sica propriamente dita que a imprecisão as- representa uma deficiência deste método teórico. A lei
sociada ao conceito de tempo objetivo, no que tange à da gravitação de Newton se distingue devido exclusiva-
sua interpretação empı́rica, tenha permanecido oculta mente a seu sucesso quando comparada a outras leis de
para os pensadores que nos antecederam. Totalmente força concebı́veis.
seguros quanto ao real significado da construção espaço- Embora hoje saibamos com certeza que a mecânica
tempo, eles desenvolveram os fundamentos da mecânica clássica falhou como base reinante de toda Fı́sica, ela
da seguinte maneira: ainda se encontra no centro do pensar fı́sico. A razão
disto é que não obstante os importantes avanços obtidos
(a) Conceito do ponto material: objetos corpóreos
desde então, ainda não nos foi possı́vel chegar a uma
podem ser descritos, com precisão suficiente,
nova base da Fı́sica, da qual podemos estar seguros
como um ponto de coordenadas X1 , X2 , X3 no
que a partir dela toda a multiplicidade de fenômenos
que diz respeito a suas posições e movimentos.
pesquisados e subsistemas teóricos bem sucedidos pos-
Descrição de seu movimento (relativo ao “espaço”
sam ser logicamente deduzidos. Procurarei esboçar
K0 ) através da especificação de X1 , X2 , X3 como
sucintamente nas próximas linhas em que ponto nos
funções dadas do tempo.
encontramos.
(b) Princı́pio da inércia: desaparecimento das com- Primeiramente tentemos esclarecer até que ponto o
ponentes da aceleração de um ponto material, sistema da mecânica clássica se mostrou adequado como
quando distante o suficiente de todos os outros. base de toda a Fı́sica. Uma vez que o que aqui nos con-
cerne são apenas os fundamentos da Fı́sica e suas trans-
(c) Lei do movimento (para o ponto material): formações, não precisamos nos ocupar em especial com
força = massa × aceleração. o progresso puramente formal da mecânica (equações
de Lagrange, equações canônicas, etc.). Apenas uma
(d) Leis de forças (interação entre pontos materiais). observação se me parece indispensável: o conceito de
“ponto material” é fundamental para a mecânica. Se
Diga-se de passagem que (b) é apenas um impor-
buscamos agora uma mecânica para um objeto corpóreo
tante caso especial de (c). Uma teoria de verdade
que não pode ser tratado como ponto material – o que a
só existe quando as leis de força são especificadas;
rigor vale para todo objeto “sensivelmente apreensı́vel”
para que um sistema de pontos que estejam conecta-
– então surge a questão: de que maneira devemos ima-
dos espacialmente e de maneira duradoura por meio de
ginar o objeto como sendo formado de pontos e quais
forças comporte-se como um ponto material, as forças
as forças que devemos supor agindo entre eles? Se a
devem satisfazer em primeiro lugar apenas a lei da
mecânica deseja reivindicar para si uma completa des-
ação e reação. Junto às leis de força da gravitação
crição dos objetos, a colocação desta pergunta é ine-
de Newton, estas leis fundamentais constituem a base
vitável.
da mecânica clássica dos corpos celestes. Na mecânica
de Newton o espaço K0 surge de tal maneira a trazer É da tendência natural da mecânica assumir estes
consigo um novo elemento se comparado ao conceito pontos materiais bem como as forças que entre eles
de espaço definido anteriormente a partir dos corpos atuam como sendo imutáveis, uma vez que uma mu-
rı́gidos: (para uma dada lei de forças) tanto (b) quanto dança temporal [estaria aquém de seu limite (fron-
(c) não podem ser válidas para qualquer K0 , mas ape- teira) de interpretação teórica]. Disto se conclui que a
nas para aqueles K0 em um estado de movimento apro- mecânica clássica necessariamente conduz a uma cons-
priado (sistemas inerciais). Com isso imputa-se ao trução atomı́stica para a matéria. Pode-se ver aqui, de
espaço de coordenadas um caráter fı́sico independente, maneira particularmente clara, o quanto epistemólogos
alheio ao conceito puramente geométrico de espaço - se enganam quando acreditam que a teoria advém da
um fato que causou significativa preocupação em New- experiência por caminhos indutivos, engano este do
ton (o experimento do balde)6 . qual nem o grande Newton pode se safar (hypotheses
A mecânica clássica é apenas um esquema geral; ela non fingo)7 .
se torna uma teoria somente quando as leis de força Do perigo de se afastar de porto seguro ao seguir
6 Esta imperfeição da teoria só poderia ser derrimida através de uma formulação que fosse válida para todo K . Este foi um dos
0
passos que levou à teoria geral da relatividade. Um segundo defeito, do mesmo modo só removido após a teoria da relatividade geral, é
que não existe dentro da mecânica uma razão [que justifique] a igualdade da massa inercial e massa gravitacional de um ponto material.
[A.E.]
7 Não crio hipóteses.
14 Einstein

esta linha de pensamento (atomismo), a Ciência se ses e principalmente da mecânica estatı́stica. A pri-
safou da seguinte maneira: a mecânica de um sis- meira juntou a equação de estado de gases ideais,
tema fica definida ao se especificar sua energia poten- a viscosidade, a condutividade de calor, a difusão e
cial como função de sua configuração. Se porém as fenômenos radioativos dos gases, proporcionando as-
forças são tais que garantam a manutenção de certas sim a associação lógica de fenômenos que, do ponto
propriedades de ordenamento da configuração do sis- de vista empı́rico, não tinham o mı́nimo a ver um
tema, então pode-se descrever esta configuração, com com o outro. A última nos proporcionou não ape-
precisão suficiente, através de um número relativamente nas uma interpretação mecânica dos conceitos e leis da
pequeno de variáveis de configuração qν ; considera-se termodinâmica clássica, mas mostrou também o limi-
assim então a energia potencial apenas enquanto de- te de aplicabilidade de suas leis e conceitos. Tal teo-
pendente destas variáveis (e.g. a descrição da configu- ria cinética, que em muito suplantou a fı́sica fenome-
ração de um corpo efetivamente rı́gido por meio de seis nológica no que tange à unidade lógica, nos deu
variáveis). além disso valores especı́ficos para as verdadeiras di-
Um segundo método de aplicação da mecânica que mensões de átomos e moléculas, comprovadas por vários
evita a consideração da subdivisão da matéria em métodos independentes e portanto aquém de quais-
seus “verdadeiros” pontos materiais é a mecânica das quer dúvidas. Este progresso decisivo foi obtido às
chamadas massas continuamente distribuı́das. Ela é custas de associarmos, a pontos materiais, entidades
caracterizada pela abstração na qual a densidade de reais (átomos ou moléculas), cujo caráter construtivo-
massa e velocidade da matéria são funções contı́nuas especulativo era notório; ninguém poderia alimentar a
das coordenadas e do tempo e que a parte das forças de esperança de “perceber diretamente” um átomo. Leis
interação não explicitamente dadas podem ser enten- acerca de grandezas de estado observáveis (e.g. tem-
didas como forças de superfı́cie (tensões) que, por sua peratura, pressão, velocidade) foram deduzidas a par-
vez, são também funções contı́nuas da posição. A ela tir dos conceitos fundamentais por meio de cálculos
pertencem a hidrodinâmica e a teoria da elasticidade complicados. Assim, através da fundamentação de
de corpos sólidos. Estas teorias evitam a introdução uma mecânica newtoniana para átomos ou moléculas,
explı́cita de pontos materiais através de abstrações às a Fı́sica inicialmente construı́da mais “fenomenologica-
quais, dentro do espı́rito dos fundamentos da mecânica mente” foi reconduzida (ao menos parte dela) a uma
clássica, podemos atribuir apenas um significado apro- base mais distante da experiência, porém mais unifi-
ximativo. cada.
Independentemente de sua grande importância
prática, através da ampliação do mundo conceitual 4. O conceito de campo
matemático estas disciplinas permitiram que se criasse
aqueles métodos formais (equações diferenciais parci- Se comparada às áreas acima citadas, a mecânica new-
ais) que se mostraram necessários às tentativas poste- toniana foi muito menos bem sucedida quando aplicada
riores a Newton de buscar uma nova fundamentação de à óptica e fenômenos elétricos. Newton bem que ten-
toda a Fı́sica. tou explicá-los, remetendo-os, com sua teoria corpus-
Estas duas aplicações da mecânica pertencem à cha- cular da luz, a movimentos de pontos materiais. No
mada fı́sica “fenomenológica” , a quem é caracterı́stico entanto, com a teoria sendo forçada cada vez mais a
servir-se de conceitos os mais próximos possı́veis dos ex- modificações não naturais devido ao surgimento da po-
perimentos, mas às custas da ampla renúncia à unidade larização, da refração e da interferência, a teoria on-
dos fundamentos. Calor, eletricidade e luz são descri- dulatória de Huygens para a luz se impôs, teoria esta
tas por meio de variáveis de estados especiais e cons- cuja origem se devia primordialmente aos fenômenos
tantes materiais, além de um estado mecânico. A deter- ópticos em cristais e à teoria do som - esta última até
minação da dependência temporal mútua de todas estas certo ponto já então elaborada. Inicialmente a teoria
variáveis era um problema, em sua essência, somente huygeniana também se baseava na mecânica clássica.
solucionável por métodos empı́ricos. Vários contem- Contudo, fora necessário supor, como portador de todo
porâneos de Maxwell viam, nesta abordagem, o obje- movimento ondulatório, um éter que permeava todos os
tivo final da Fı́sica, pois acreditavam que os conceitos corpos e cuja construção, a partir de pontos materiais,
empregados seriam passı́veis de dedução puramente in- não pudera ser explicada por qualquer fenômeno conhe-
dutiva a partir das experiências, em função de sua pro- cido. Com respeito às forças internas que nele agiam
ximidade destas. Stuart Mill e E. Mach representavam, bem como as forças entre ele e os meios “ponderáveis”,
de certo modo, este ponto de vista epistemológico. ninguém era capaz de esclarecer algo, de modo que os
Para mim a maior realização da mecânica de New- fundamentos desta teoria sempre permaneceram obs-
ton está no fato que seu emprego de maneira con- curos. A verdadeira base era uma equação diferencial
seqüente levou à superação deste ponto de vista (feno- parcial, cuja redução a elementos mecânicos se mostrara
menológico), mais precisamente na área de fenômenos problemática.
de calor. Isto se fez através da teoria cinética de ga- Para a compreensão teórica dos fenômenos elétricos
Fı́sica e realidade 15

e magnéticos foram introduzidas massas de um tipo es- elementares da matéria carregam cargas elétricas in-
pecial, entre as quais cogitou-se existir forças de longo variáveis e assim estão, por um lado, sujeitas a efeitos
alcance, semelhantes às forças de gravitação de New- ponderomotrizes e, por outro, agem criando campos.
ton. Mas estes tipos especiais de matéria pareciam não As partı́culas elementares obedecem às leis de movi-
vir ao encontro da propriedade fundamental da inércia, mento de Newton para os pontos materiais.
e as forças que agiam entre estas massas e a matéria Sobre esta base H.A. Lorentz chegou a uma
ponderável permaneceram obscuras. A isto se somava sı́ntese da mecânica newtoniana e da teoria de campo
seu caráter de polaridade, que não se encaixava no es- maxwelliana. O ponto fraco desta teoria estava no fato
quema da mecânica clássica. Mais insatisfatória ainda que ela tentava determinar os acontecimentos através
se tornara a base da teoria quando se veio a conhecer da combinação de equações diferenciais parciais (as
os fenômenos eletrodinâmicos, embora estes tenham equações de campo maxwellianas para o espaço vazio)
levado a uma explicação dos fenômenos magnéticos, e equações diferenciais totais (equações do movimento
fazendo portanto a hipótese da massa magnética dis- de pontos), o que obviamente não era natural. O in-
pensável. Este avanço teve por preço a complicação do satisfatório desta teoria mostrou-se, extrinsicamente,
tipo de forças de interação entre massas elétricas em no fato que era necessário presumir que as partı́culas ti-
movimento, que tiveram que ser postuladas. nham um tamanho finito, para que assim os campos em
A salvação desta situação desagradável por meio das suas superfı́cies não se tornassem infinitamente grandes.
teorias de Faraday e Maxwell para o campo elétrico Esta teoria também era inconclusiva no que diz res-
representou, sem sombra de dúvida, a mais profunda peito à natureza das enormes forças que mantinham as
revolução que os fundamentos da Fı́sica experimenta- massas elétricas fixas em cada partı́cula. H.A. Lorentz
ram desde Newton. Novamente foi um passo no sen- aceitou inicialmente estas deficiências de sua teoria, por
tido de uma especulação construtiva, aumentando a ele bem conhecidas, para poder assim descrever corre-
distância entre os fundamentos da teoria e o sensivel- tamente, ao menos em linhas gerais, os fenômenos.
mente vivenciado. A existência do campo se manifesta Além disso a seguinte consideração apontava para
apenas quando corpos carregados eletricamente nele além do âmbito da teoria lorentziana: nas proximi-
são introduzidos. As equações diferenciais de Maxwell dades de um corpo eletricamente carregado existe um
combinam os quocientes diferenciais de tempo e espaço campo magnético, o qual (aparentemente) contribui
dos campos elétrico e magnético. As massas elétricas para a sua massa inercial. Não deveria então ser toda
são apenas locais de divergência não nula do campo a inércia de uma partı́cula explicada eletromagnetica-
elétrico. A luz surge como processos eletromagnéticos mente? Uma resposta a esta pergunta só seria satis-
ondulatórios do campo no espaço. fatória se a partı́cula pudesse ser interpretada como
Além disso, Maxwell tentou explicar sua teoria de solução regular das equações diferenciais parciais eletro-
campo através de um modelo mecânico para o éter. magnéticas. As equações de Maxwell não admitem no
Porém tais tentativas foram lentamente sendo relegadas entanto, em sua forma original, tal interpretação, pois
a um segundo plano com o surgimento da representação as soluções correspondentes apresentam uma singulari-
de Heinrich Hertz, representação esta expurgada de dade. Os teóricos procuraram então, durante um longo
quaisquer hipóteses desnecessárias e que levou o con- tempo, atingir este objetivo através de uma modificação
ceito de campo a assumir o papel fundamental na teo- das equações de Maxwell. Seus esforços no entanto não
ria, do mesmo modo que a massa pontual o era na foram coroados de sucesso e o objetivo de construir
mecânica newtoniana. Isto valia porém apenas para uma teoria eletromagnética da matéria calcada exclu-
os campos eletromagnéticos no espaço vazio. sivamente no conceito de campo ficou por se cumprir,
Para o interior da matéria a teoria era, num primeiro embora em princı́pio nada pudera ser levantado con-
momento, ainda bastante insatisfatória, na medida em tra esta possibilidade. O que afugentou os fı́sicos de
que aı́ era necessário introduzir dois vetores elétricos li- tentativas posteriores nesta direção foi a falta de um
gados por meio de uma relação dependente da natureza método sistemático que levasse a uma solução. A mim
do meio e inacessı́vel a quaisquer análises teóricas. Algo porém parece certo: na base de uma teoria de campos
análogo valia para o campo magnético bem como para conseqüente, não pode haver o conceito de campo ao
a relação entre densidade de corrente elétrica e campo. lado do conceito de partı́cula; toda a teoria deve ser
H.A. Lorentz achou uma saı́da desta situação, indi- fundamentada unicamente sobre equações diferenciais
cando simultaneamente o caminho para uma eletro- parciais e suas soluções livres de singularidades.
dinâmica de corpos em movimento até certo ponto livre
de arbitrariedades. Sua teoria era construı́da sobre as 5. A teoria da relatividade
as seguintes hipóteses básicas.
O local de definição do campo é, em todo lugar Não há método indutivo que conduza aos conceitos fun-
(inclusive no interior dos corpos ponderáveis) o espaço damentais da Fı́sica. O desconhecimento deste fato
vazio. A participação da matéria nos processos eletro- foi o erro filosófico básico de muitos pesquisadores do
magnéticos advém apenas do fato que as partı́culas século XIX; ele foi certamente o motivo pelo qual a
16 Einstein

teoria molecular e a teoria de Maxwell só lograram se mecânica clássica. Na verdade as equações de movi-
impor tardiamente. O pensamento lógico é necessari- mento de um ponto material podem ser de tal maneira
amente dedutivo e baseado em conceitos hipotéticos e modificadas (e com elas as expressões para o momento e
axiomas. Como podemos esperar que a escolha destes energia cinética da massa pontual) de modo a tornar a
últimos dependa da nossa esperança na confirmação de teoria satisfatória. Mas o conceito de força de interação
suas consequências? (e com ela o conceito de energia potencial do sistema)
O caso mais propı́cio parece obviamente ser quando perde seu sentido, por estar assentado sobre o conceito
as novas premissas básicas são sugeridas pelo próprio da simultaneidade absoluta. No lugar da força surge o
mundo das experiências. A hipótese da não existên- campo, governado por equações diferenciais.
cia de um moto perpétuo como fundamento da ter- Uma vez que esta teoria só permite interações
modinâmica é um exemplo de uma hipótese de partida através de campos, ela demanda também uma teoria
sugerida pela experiência; do mesmo modo o princı́pio de campos para a gravitação. E não é realmente difı́cil
da inércia de Galileu. Deste tipo também são as hipó- criar tal teoria na qual, como na teoria do campo gravi-
teses fundamentais da teoria da relatividade, a qual tacional de Newton, chega-se a um escalar que satisfaça
levou a uma ampliação e a um aprofundamento inima- uma equação diferencial. Porém, os fatos experimentais
gináveis da teoria de campo e à superação dos funda- expressos na teoria da gravitação de Newton levam a
mentos da mecânica clássica. um caminho diferente daquele da teoria da relatividade
Os sucessos da teoria de Maxwell-Lorentz deram geral.
grande confiança quanto à validade das equações eletro- É uma caracterı́stica insatisfatória da mecânica
magnéticas do vácuo e, em particular, à afirmação clássica o fato que a mesma constante de massa surge de
que a luz se propaga “no espaço” com uma veloci- duas maneiras diferentes nos fundamentos; como massa
dade constante c definida. Mas seria essa afirmação da inercial nas equações de movimento e como massa gravi-
constância da velocidade de propagação da luz válida tacional na lei de gravitação. Como conseqüência disto
para sistemas inerciais arbitrários? Não fosse este o a aceleração de um corpo em um campo gravitacional
caso, então um sistema inercial especı́fico ou mais pre- puro independe do material; ou, em um sistema de co-
cisamente um especı́fico estado de movimento (de um ordenadas uniformemente acelerado (em relação a um
corpo de referência) seria distinguı́vel dentre todos os “sistema inercial”) os movimentos se sucedem como
outros. Todos os fatos experimentais mecânicos e opto- num campo gravitacional homogêneo (relativamente a
eletromagnéticos depunham no entanto contra isto. um sistema de coordenadas “em repouso”). Se pre-
Era assim justificável elevar a validade da lei da sumirmos que esta equivalência é completa nestes dois
constância da velocidade de propagação da luz para to- casos, chega-se então a uma adequação do raciocı́nio
dos os sistemas inerciais à categoria de princı́pio. Disto teórico ao fato que é a igualdade das massas inercial e
seguia que as coordenadas espaciais X1 , X2 , X3 e o gravitacional.
tempo X4 , na passagem de um sistema inercial para Com isto desaparece porém a preferência de prin-
outro, deveriam modificar-se de acordo com as “trans- cı́pio dos “sistemas inerciais”. Transformações não
formações de Lorentz” , que são caracterizadas pela in- lineares das coordenadas (X1 , X2 , X3 , X4 ) são per-
variância da expressão mitidas em pé de igualdade. Se aplicarmos uma trans-
formação deste tipo num sistema de coordenadas da
ds2 = dx21 + dx22 + dx23 − dx24 teoria especial da relatividade, então sua métrica

(quando se escolhe a unidade de tempo de tal modo que ds2 = dx21 + dx22 + dx23 − dx24
a velocidade da luz c se torna igual a 1).
se transforma em uma métrica geral (riemanniana) da
Deste modo o tempo perdeu seu caráter absolu-
forma
to e foi classificado como uma grandeza algebrica-
mente (quase) equivalente às coordenadas “espaciais”; ds2 = gµν dxµ dxν (somados sobre µ e ν)
o caráter absoluto do tempo e em particular da si-
multaneidade foi derrubado e a descrição quadridimen- onde os gµν , simétricos em µ e ν, são certas funções
sional introduzida como a única adequada. de x1 · · · x4 que descrevem não apenas as propriedades
Além do mais, para que com isto a equivalência de métricas como também o campo gravitacional do
todos os sistemas inerciais com respeito aos fenômenos espaço em relação ao novo sistema de coordenadas.
da natureza seja válida, é necessário que todo sistema Este avanço na interpretação dos fundamentos
de equações fı́sicas que exprimam leis gerais seja invari- mecânicos teve porém um preço, como uma análise mais
ante face às transformações de Lorentz. A execução detalhada nos ensina: as novas coordenadas não podem
desta exigência forma o conteúdo da teoria especial da mais ser interpretadas diretamente como resultado de
relatividade. medidas em corpos rı́gidos ou relógios, como o eram no
Esta teoria, ainda que compatı́vel com as equações sistema original (um sistema inercial com campo gravi-
de Maxwell, é irreconciliável com os fundamentos da tacional nulo).
Fı́sica e realidade 17

A passagem para a teoria da relatividade geral é matéria na forma de equações diferenciais parciais, no
agora obtida com a hipótese que a representação das caso em que o Tik introduz a mais apenas quatro funções
propriedades do campo no espaço através de funções independentes entre si para a descrição da matéria (por
gµν (ou através de uma métrica de Riemman), também exemplo densidade, pressão e componentes da veloci-
se aplicam no caso geral, no qual não existe um sistema dade, onde entre as últimas existe uma identidade e
de coordenadas relativo ao qual a métrica assume uma entre pressão e densidade uma equação de estado).
simples forma quase-euclidiana. Nesta formulação, toda a mecânica gravitacional é
As coordenadas exprimem agora não mais relações reduzida à solução de um único sistema de equações
métricas, mas antes apenas propriedades de vizinhança diferenciais parciais covariantes. Esta teoria evita to-
dos objetos descritos, cujas coordenadas pouco diferem das as deficiências internas que imputamos aos funda-
umas das outras. Todas as transformações não sin- mentos da mecânica clássica; ela é suficiente – até onde
gulares de coordenadas são permitidas. Apenas aque- sabemos – para a representação dos fatos observados na
las equações que sejam covariantes por transformações mecânica celeste. Ela se assemelha porém a um edifı́cio
deste tipo têm sentido como expressões de leis naturais no qual uma ala é feita de primoroso mármore (lado
gerais (postulado da covariância geral). esquerdo da equação) enquanto a outra foi construı́da
O primeiro objetivo da teoria geral da relatividade com madeira inferior (lado direito da equação). A re-
era uma formulação provisória que, através da renúncia presentação fenomenológica da matéria é de fato apenas
a algumas exigências de coerência interna, estivesse de uma tosca substituta de uma representação que faça juz
uma maneira mais simples possı́vel ligada aos “fatos a todas as propriedades conhecidas da mesma.
vivenciados”. Ao nos restringirmos à mecânica gravi- Não há dificuldade alguma em conectar a teoria do
tacional pura, a teoria da gravitação de Newton serve campo eletromagnético de Maxwell com a teoria do
como modelo. Esta versão provisória pode ser assim campo gravitacional se nos limitarmos ao espaço sem
caracterizada: matéria ponderável e sem densidade elétrica. Basta
substituir o tensor Tik no lado direito da equação acima
(1) O conceito de ponto material e sua massa são pelo tensor de energia do campo eletromagnético no
mantidos. A ele é dado uma lei de movimento vácuo e associar o sistema de equações assim modifi-
que representa a tradução da lei de inércia na lin- cadas às equações gerais covariantes de Maxwell para
guagem da teoria geral da relatividade. Esta lei o campo no vácuo. Haverá então entre todas estas
é um sistema de equações diferenciais totais, o equações várias identidades diferenciais em número su-
sistema da linha geodésica. ficiente para garantir sua compatibilidade. Devemos
(2) No lugar da lei de interação gravitacional newto- aqui acrescentar que esta propriedade formal necessária
niana entra um sistema de equações diferenciais de todo o conjunto de equações deixa em aberto a es-
covariantes escrito da forma mais simples possı́vel colha do sinal de Tik , o que se mostrou posteriormente
para o tensor gµν . Este sistema surge ao igualar- ser importante.
mos a zero o tensor de curvatura de Riemann con- A aspiração pela maior unidade possı́vel dos funda-
traı́do uma vez (Rµν = 0). mentos da teoria deu origem a inúmeras tentativas de
trazer, sob um único ponto de vista formal, o campo
Esta formulação nos permite tratar do problema dos eletromagnético e gravitacional. Aqui devemos citar
planetas, ou mais precisamente do problema do movi- em especial a teoria penta-dimensional de Kaluza e
mento de pontos materiais de massa praticamente nula Klein. Depois de criteriosa ponderação sobre esta pos-
na presença de um campo gravitacional (com sime- sibilidade eu creio ser no entanto mais correto aceitar
tria central) gerado por uma massa pontual imaginada a citada falta de coerência interna da teoria original,
como estando em “repouso”. Ela não considera a reação pois a mim a totalidade das hipóteses na base da teo-
dos pontos materiais “móveis” sobre o campo gravita- ria penta-dimensional não parecem conter menos arbi-
cional, nem como a massa central o gera. trariedades que a teoria original. O mesmo vale para
É a seguinte analogia com a mecânica clássica que a versão projetiva da teoria, desenvolvida de maneira
nos mostra o o caminho para completar a teoria: coloca- cuidadosa principalmente por von Dantzig e Pauli.
se como equação de campo As últimas discussões relacionaram-se exclusiva-
1 mente à teoria dos campos livres de matéria. Como
Rik − gik R = −Tik obter daqui agora uma teoria completa da matéria
2
constituı́da por átomos? Tal teoria não deve ter sin-
onde R é o escalar da curvatura de Riemann e Tik é gularidades, pois caso contrário as equações diferenci-
o tensor de energia da matéria em uma representação ais não definiriam completamente o campo total. A
fenomenológica. O lado esquerdo é escolhido de tal representação teórica da matéria por meio de campos
forma que sua divergência seja identicamente nula. O constitui-se num problema para a teoria de campos da
desaparecimento da divergência do lado direito que daı́ relatividade geral, tanto quanto ela o foi originalmente
segue nos fornece assim as “equações de movimento” da para a teoria de Maxwell.
18 Einstein

Aqui também a tentativa de uma construção para o caráter quântico de sistemas e processos. Tal ex-
teórica de campos para partı́culas aparentemente leva plicação só foi obtida porém há aproximadamente uma
a singularidades. Aqui também se procura superar década, por dois métodos teóricos que, aparentemente,
essa situação desagradável pela introdução de novas eram diferentes em tudo. Um destes nos conduz a
variáveis de campo bem como ao se ampliar e tornar Heisenberg e Dirac e o outro a de Broglie e Schrödinger.
mais complexo o sistema de equações. Há pouco porém A equivalência matemática de ambas as teorias foi logo
descobri, junto ao Sr. Rosen, que a combinação mais reconhecida por Schrödinger. Procurarei aqui esboçar
simples de equações de campo gravitacional e elétrico a linha de pensamento de Schrödinger e de Broglie, que
acima indicada produz soluções de simetria central, é mais próxima da linha de pensamento do fı́sico, e aı́
que admitem representações livres de singularidades tecer algumas considerações gerais.
(as conhecidas soluções de Schwarzschild com simetria A primeira pergunta é: como podemos associar
central para o campo gravitacional puro e as soluções uma sequência discreta de valores de energia Hσ a
de Reissner para o campo elétrico considerando-se seu um sistema definido no sentido da mecânica clássica
efeito gravitacional). Sobre isto reportaremos breve- (a função energia é uma função dada das coordenadas
mente no próximo parágrafo. Uma teoria de campos qr e dos momentos canonicamente conjugados pr )? A
pura para a matéria e suas interações, livre de hipóteses constante de Planck h associa ao valor de energia Hσ
adicionais e para cuja verificação frente aos experimen- a freqüência Hσ /h. Basta então associar ao sistema
tos nada se contrapõe, a não ser, entretanto sérias com- uma seqüência discreta de valores de freqüência. Isso
plicações puramente matemáticas, parece-nos factı́vel. nos lembra que na acústica surge o caso onde associ-
amos uma seqüência discreta de valores de freqüências
6. Teoria quântica e o fundamento da a uma equação diferencial parcial linear (para condições
de contorno dadas), a saber as soluções periódicas senoi-
Fı́sica
dais. Schrödinger colocou-se assim a tarefa de associar
Os fı́sicos teóricos da geração atual têm esperança na a uma dada função da energia E(qr , pr ) uma equação
construção de um novo alicerce teórico da Fı́sica através diferencial parcial na variável Ψ, e na qual os qr e t são
do emprego de conceitos fundamentais que se desviem as variáveis independentes. E isto ele logrou conseguir
consideravelmente daqueles das teorias de campo até (para uma função complexa Ψ) de tal maneira que os
o momento consideradas. A razão disto está no fato valores teóricos da energia (Hσ ) que seguiam da teoria
que se toma por necessário empregar novos pontos de estatı́stica surgiam de maneira satisfatória a partir das
vista para a representação matemática dos chamados soluções periódicas da equação.
fenômenos quânticos. Além disso mostrou-se impossı́vel associar um movi-
Enquanto que a falha da mecânica clássica desven- mento de um ponto material no sentido que a mecânica
dada pela teoria da relatividade está relacionada à fini- lhe atribuı́a a uma solução especı́fica Ψ(qr , t) da
tude da velocidade da luz (o não ser “∞”), descobriu- equação de Schrödinger, ou seja, a função Ψ não re-
se, no inı́cio de nosso século, outros tipos de incon- presenta, ou ao menos nunca precisamente, os qr como
gruências entre as conseqüências da mecânica e os fatos função do tempo t. Porém se mostrou factı́vel interpre-
experimentais que estavam relacionados à finitude (o tar a função Ψ, segundo Born, da seguinte maneira:
não ser “0”) da constante de Planck h. Enquanto ΨΨ̄ (o quadrado do valor absoluto da função com-
que a mecânica molecular exigia, essencialmente, uma plexa Ψ) é a densidade de probabilidade, para o ponto
diminuição da densidade de radiação (monocromática) observado, no espaço de configuração dos qr , para o
e do calor especı́fico dos sólidos proporcional à queda valor de tempo t. Embora um tanto imprecisamente,
da temperatura absoluta, a experiência mostrava uma mas ao menos de maneira mais palpável, podemos ca-
diminuição muito mais abrupta destas grandezas ener- racterizar o conteúdo da equação de Schrödinger assim:
géticas com a temperatura. Para explicar teoricamente ela determina como a densidade de probabilidade de um
este comportamento, foi necessário admitir que a ener- ensemble de sistemas estatı́sticos varia com o tempo
gia de sistemas mecânicos não pode assumir valores no espaço de configurações. Em poucas palavras: a
quaisquer mas antes certos valores discretos, cujas ex- equação de Schrödinger determina a variação temporal
pressões matemáticas sempre dependiam da constante de Ψ como função dos qr .
h de Planck. Também para a teoria dos átomos (teoria Deve-se dizer que os resultados da teoria contêm a
de Bohr) esta concepção era essencial. Para a transição mecânica de pontos como caso limite, quando o com-
entre estes estados - com ou sem emissão ou absorção de primento da onda que surge da solução da equação de
radiação - não era possı́vel estabelecer leis causais, mas Schrödinger é em todo o lugar tão pequeno, que a ener-
tão somente leis probabilı́sticas. O mesmo valia para os gia potencial praticamente permanece inalterada pelo
processos de decaimento radioativo de átomos, estuda- deslocamento de um comprimento de onda. Neste caso
dos aproximadamente na mesma época de maneira mais pode-se demonstrar o seguinte: escolhemos uma região
minuciosa. Durante mais de duas décadas os fı́sicos G0 no espaço de configuração de tal modo que em-
tentaram em vão encontrar uma explicação unificada bora grande (em todas as direções) se comparada ao
Fı́sica e realidade 19

comprimento de onda, ela é ainda pequena em relação bre o sistema atua, por um tempo limitado, uma pe-
às dimensões do espaço de configurações, que é quem quena força perturbadora. Obtém-se então a partir da
determina a escala. Isso nos permite escolher uma equação de Schrödinger, para um tempo posterior, uma
função Ψ para um tempo inicial t0 de tal modo que equação Ψ da seguinte forma
ela se anule fora de G0 e, de acordo com a equação de 
Schrödinger, comporte-se de modo a manter esta pro- Ψ= cr Ψr
priedade de maneira aproximada em tempos futuros, r
enquanto que a região G0 desloca-se para uma outra
região G no tempo t. Pode-se assim falar do “movi- onde os cr são constantes (complexas). Se os Ψr forem
mento” da região G como um todo e aproximá-lo do “normalizados” , então |c1 | será praticamente igual a
movimento de um ponto no espaço de configurações. 1, |c2 | e os demais pequenos quando comparados a 1.
Este movimento coincide então com aquele que sai das Pode-se agora perguntar: Ψ descreve um estado real
equações da mecânica clássica. do sistema? Se sim, então não podemos fazer outra
coisa a não ser associar uma energia  definida a este
Experimentos de interferência com feixes de estado 8 , e na verdade uma que seja tal a superar em
partı́culas nos fornecem uma brilhante prova de que o um pouco 1 (de qualquer modo 1 <  < 2 ). Esta
caráter ondulatório do movimento, como supõe a teo- hipótese no entanto contradiz os experimentos de co-
ria, condiz com a realidade. Além disso a teoria con- lisões de elétrons conduzidos primeiro por J. Franck e
seguiu, com facilidade, representar as leis estatı́sticas G. Hertz, se considerarmos ainda a nosso favor a prova
de transição de um estado quântico para outro, em de Millikan a respeito da natureza discreta da eletrici-
um sistema sob ação de forças externas, fato que do dade. Destas experiências segue que, para um dado sis-
ponto de vista da mecânica clássica assemelha-se a tema, não existem estados de energia que se encontrem
um milagre. As forças externas são representadas por entre valores quânticos. Daı́ segue que nossa função Ψ
pequenas adições à energia potencial dependentes do não descreve em absoluto um estado único do sistema,
tempo. Ao passo que na mecânica clássica tais adições mas representa uma afirmação estatı́stica na qual os cr
permitem apenas pequenas mudanças no sistema, na têm o significado de probabilidades dos valores de ener-
mecânica quântica elas podem provocar variações ar- gia individuais. Por isso me parece claro que a inter-
bitrariamente grandes, mas com probabilidade propor- pretação estatı́stica de Born acerca das afirmações da
cionalmente menor - na mais perfeita harmonia com teoria quântica é a única possı́vel: a função Ψ não des-
a experiência. Até mesmo uma compreensão das leis creve, em absoluto, um estado que poderia ser aquele
do decaimento radioativo nos é fornecida, ao menos em de um sistema individual. Ela está antes relacionada a
linhas gerais, por esta teoria. vários sistemas, a um “ensemble de sistemas” no sen-
Jamais deve ter sido criada uma teoria que nos tido da mecânica estatı́stica. Se a função Ψ, exceto
tenha proporcionado uma chave para a interpretação e em casos especiais, só nos proporciona afirmações es-
cálculo de um tão variado conjunto de observações ex- tatı́sticas a respeito de grandezas mensuráveis, então
perimentais como a mecânica quântica. Apesar disto, isso não ocorre apenas devido ao fato que o processo
acredito ser ela propensa a nos conduzir ao erro na de medição introduz elementos desconhecidos e apenas
busca por uma fundamentação unificada da Fı́sica; ela estatisticamente apreensı́veis, mas antes pelo fato que a
é, na minha opinião, uma representação incompleta função Ψ não descreve, em hipótese alguma, o estado de
das entidades reais que podem ser construı́das a partir um único sistema. A equação de Schrödinger determina
dos conceitos fundamentais de ponto material e força as mudanças temporais que o ensemble de sistemas ex-
(correções quânticas da mecânica clássica), ainda que a perimenta, seja ele com, seja ele sem influência externa
única apropriada. O caráter estatı́stico (incompleteza) sobre o sistema individual.
das leis advém obrigatoriamente da incompleteza da Esta interpretação também elimina um paradoxo
representação. Quero agora fundamentar esta minha que eu, junto a dois colegas, recentemente apresentei
opinião. e que está relacionado à seguinte situação9 :
Primeiro pergunto: até que ponto a função Ψ repre- Seja um sistema mecânico formado por dois subsis-
senta um estado real de um sistema mecânico? Sejam temas A e B que interagem apenas durante um perı́odo
Ψr soluções periódicas da equação de Schrödinger (or- limitado de tempo e seja a função Ψ, anterior à in-
denadas de acordo com valores crescentes de energia). teração, conhecida. Então a equação de Schrödinger
Deixarei momentaneamente em aberto a pergunta até nos dá a função Ψ depois da interação. Determina-
que ponto os Ψr , individualmente, são descrições com- se subseqüentemente o estado fı́sico do subsistema A
pletas de estados fı́sicos. Imaginemos primeiramente através da medição mais completa possı́vel. A mecânica
um sistema no estado Ψ1 de energia ε1 . Então, so- quântica permite então que determinemos a função Ψ
8 Pois a energia total de um sistema (em repouso) é, de acordo com um bem estabelecido resultado da teoria da relatividade, igual a

sua inércia, e esta deve ter um valor certo e bem definido. [A.E.]
9 Einstein refere-se aqui a seu famoso trabalho com Boris Podolski e Nathan Rosen - O paradoxo EPR - publicado na Physical Review

47, 777 (1935).


20 Einstein

do sistema parcial B a partir do resultado da medida gia potencial desempenham um papel chave, conceitos
e da função Ψ do sistema total. Isto produz porém um porém que a teoria da relatividade mostrou serem inad-
resultado que depende de qual grandeza de estado de missı́veis por princı́pio. Se quisermos nos libertar disto
A foi medida (e.g. coordenadas ou momenta). Uma devemos, no lugar das forças de interação, tomar por
vez que apenas um estado fı́sico de B pode existir após base os campos e suas leis. E isto nos leva a transportar
a interação, o qual não seria razoável imaginar como os métodos estatı́sticos da mecânica quântica para os
dependente do tipo de medida que faço no sistema A campos, ou seja sistemas com infinitos graus de liber-
dele separado, conclui-se que a função Ψ não pode ser dade. Embora as tentativas até o momento tenham
associada univocamente a um estado fı́sico. Essa asso- se restringido a equações lineares, que pelos resulta-
ciação de várias funções Ψ ao mesmo estado fı́sico do dos da relatividade geral não devem bastar, as com-
sistema B mostra, novamente, que a função Ψ não pode plicações surgidas nos engenhosos esforços empreendi-
ser interpretada como uma descrição (completa) de um dos até agora são assustadoramente grandes. E elas
estado fı́sico (de um sistema individual). A associação devem se acumular, se as exigências da teoria da rela-
da função Ψ a um ensemble de sistemas elimina aqui tividade geral tiverem que ser obedecidas, exigências
também qualquer dificuldade10 . cuja legitimidade de princı́pio ninguém questiona.
Que a mecânica quântica permita deduzir de Foi porém chamado a atenção o fato que a introdu-
maneira tão simples resultados a respeito de transições ção de um continuum espaço-temporal seria provavel-
(aparentemente) descontı́nuas de um estado total para mente antinatural em virtude da estrutura molecular de
outro, sem na verdade fornecer uma representação dos todos os eventos em pequena escala. Talvez o sucesso
processos em si, está relacionado ao fato que na ver- do método de Heisenberg aponte para uma descrição
dade a teoria não opera com o sistema individual mas da natureza puramente algébrica, através da eliminação
sim com um ensemble de sistemas. Os coeficientes cr de de funções contı́nuas na Fı́sica. Mas então deve-se por
nosso primeiro exemplo variam realmente muito pouco princı́pio abrir mão do emprego do continuum espaço-
sob a ação de forças externas. Entende-se, através tempo. Não é de todo impensável imaginar que a enge-
desta interpretação da mecânica quântica, como ela nhosidade humana um dia achará métodos que tornem
facilmente esclarece o fato que forças perturbativas fra- possı́vel a transposição deste caminho. Por ora, no en-
cas podem levar a mudanças arbitrariamente grandes tanto, este projeto assemelha-se à tentativa de respirar
no estado fı́sico de um sistema. Na verdade estas no vácuo.
forças perturbativas criam apenas mudanças relativa- Não resta dúvida que a mecânica quântica capturou
mente pequenas na densidade estatı́stica do ensemble uma belı́ssima porção da Verdade e que ela será um
de sistemas, ou seja apenas uma mudança infinitamente banco de provas de uma futura fundamentação teórica
pequena da função Ψ, cuja descrição matemática nos da Fı́sica. Ela também terá que ser obtida como limi-
oferece dificuldades muito menores que a representação te destes fundamentos - mais ou menos como a ele-
matemática das mudanças finitas que uma parte do sis- trostática o é das equações do campo eletromagnético
tema individual sofre. Seguramente nesta abordagem de Maxwell ou a termodinâmica, da mecânica clássica.
o processo que ocorre no sistema individual fica total- Mas acredito que na procura por este fundamento a
mente indeterminado; ele é completamente eliminado mecânica quântica não sirva como ponto de partida,
da representação através da abordagem estatı́stica. tanto quanto não se pode chegar aos fundamentos da
Agora no entanto eu pergunto: algum fı́sico real- mecânica fazendo o caminho inverso, ou seja partindo
mente acredita que nós nunca conseguiremos perscru- da termodinâmica e da mecânica estatı́stica.
tar estas importantes mudanças nos sistemas individu- Em face desta situação parece-me totalmente jus-
ais, em sua estrutura e relação causal, não obstante o tificável considerar seriamente a pergunta, se os funda-
fato de que estes processos singulares tornaram-se tão mentos da Fı́sica de campos não pode sim compa-
experimentalmente próximos de nós graças às maravi- tibilizar-se com os fenônemos quânticos. Afinal, com o
lhosas descobertas da câmara de Wilson e do contador aparato matemático que hoje dispomos, este é o único
Geiger? Acreditar nisto sem cair em contradição é, na fundamento que se deixa compatibilizar com o postu-
verdade, possı́vel, mas se contrapõe tão vivamente ao lado da relatividade geral. A crença entre os fı́sicos con-
meu instinto cientı́fico, que não posso deixar de lado a temporâneos na inutilidade de tal tentativa provavel-
procura por uma interpretação mais completa. mente deve estar relacionada à crença não fundamen-
A estas considerações juntam-se outras de diferentes tada que esta teoria deveria levar, em primeira apro-
tipos, que por sua vez também depõem contra o fato que ximação, às equações da mecânica clássica para o movi-
o método trilhado pela mecânica quântica seja apropri- mento de partı́culas, ou pelo menos a equações diferen-
ado para propiciar um fundamento útil a toda a Fı́sica. ciais totais. Na verdade porém, do ponto de vista da
Na equação de Schrödinger o tempo absoluto ou a ener- teoria de campos, não se conseguiu até hoje qualquer
10 A tomada de uma medida de A significa então a transição para um ensemble de sistemas mais estreito. Este (e também sua função

Ψ) depende do modo como este estreitamento do ensemble de sistemas foi feito. [A.E.]
11 Einstein usa “Korpuskel” (corpúsculo) e também “Teilchen” (partı́cula). Decidiu-se manter a diferenciação no texto traduzido.
Fı́sica e realidade 21

representação para corpúsculos11 que seja livre de sin- em função da expressão escolhida para as equações de
gularidades, além do que não podemos dizer nada a campo, isto não implica numa singularidade.
respeito do comportamento de tais objetos. Uma coisa Ao variar ρ entre −∞ e +∞, r varia entre +∞ até
porém é certa: se uma teoria de campos nos der uma r = 2m e depois de volta a ∞, enquanto todos os r para
representação de corpúsculos livre de singularidades, os quais r < 2m correspondem a valores imaginários
então o comportamento temporal destes será determi- de ρ. A solução de Schwarzschild transforma-se assim
nado somente por equações diferenciais do campo. numa solução regular, que se pode representar como
um espaço fı́sico composto de duas “cascas” idênticas
7. Relatividade e corpúsculos que se tocam na hipersuperfı́cie ρ = 0 ou r = 2m, so-
bre a qual o determinante g é nulo. Chamaremos uma
Quero agora mostrar que segundo a teoria geral da conexão deste tipo entre as duas cascas (idênticas) de
relatividade há soluções das equações de campo livres “ponte” 12 . A existência de uma “ponte” entre duas
de singularidades e que podem ser interpretadas como cascas em uma região finita do espaço corresponde à
representações de corpúsculos. Restringir-me-ei aqui a descrição de uma partı́cula material livre de singulari-
partı́culas neutras, uma vez que recentemente, junto dades.
com o Sr. Rosen, tratei deste assunto em outro lu- A solução do problema do movimento de partı́culas
gar de maneira minuciosa e porque também é possı́vel neutras parece evidentemente recair no problema de de-
representar o essencial com este exemplo. terminar soluções das equações gravitacionais (escritas
O campo gravitacional é descrito de maneira com- livres de denominadores) que apresentem várias pontes.
pleta pelo tensor gµν . Nos sı́mbolos de três ı́ndices A teoria há pouco esboçada só é compatı́vel desde
Γσµν também aparecem as componentes do tensor con- seu princı́pio com a estrutura atômica da matéria se a
travariante g µν , as quais são definidas pelos subde- “ponte” for, em sua natureza, um elemento discreto.
terminantes dos gµν normalizados pelo determinante Também entende-se que a constante de massa m de
g (= |gαβ |). Para que os Rik possam ser construı́- uma partı́cula neutra deva ser obrigatoriamente posi-
dos e permaneçam finitos, não basta que na vizinhan- tiva, uma vez que as equações de Schwarzschild não
ça de qualquer ponto do continuum haja um sistema possuem soluções livres de singularidade para valores
de coordenadas no qual os gµν e seus primeiros quo- de m negativos. Só após um estudo do problema-das-
cientes diferenciais sejam contı́nuos e diferenciáveis, muitas-pontes poder-se-á mostrar se o método teórico
mas também que o determinante g nunca se anule. fornece uma explicação para a igualdade das massas
Esta última limitação desaparece, no entanto, se substi- das partı́culas da natureza verificada empiricamente e
tuirmos a equação diferencial Rik = 0 por g 2 Rik = 0, se ele fará juz aos fatos explicados de maneira tão mara-
cujo lado esquerdo é constituı́do de funções racionais vilhosa pela mecânica quântica.
inteiras dos gik e suas derivadas. De modo análogo pode-se mostrar que as equações
Estas equações têm, como solução, aquelas de sime- combinadas da gravitação e eletricidade (com a escolha
tria central descobertas por Schwarzschild apropriada do sinal do termo elétrico nas equações gra-
vitacionais) reproduzem uma representação-de-ponte
1 livre de singularidades para o corpúsculo elétrico. A
ds2 = − dr2 − r2 (dθ2 + sin2 θ dϕ2 )
1 − 2m/r solução mais simples deste tipo é aquela para uma
 
2m partı́cula elétrica sem massa gravitacional.
+ 1− dt2 . Enquanto não conseguirmos superar as dificuldades
r
matemáticas para a solução do problema-das-muitas-
Esta solução tem uma singularidade em r = 2m, pois o pontes, é impossı́vel afirmar algo a respeito da utili-
fator de dr2 (g11 ) se torna ∞ nesta hipersuperfı́cie. Se dade da teoria do ponto de vista fı́sico. Esta é porém
substituirmos porém a variável r por ρ de acordo com de fato a primeira tentativa de construção conseqüente
de uma teoria de campos para a qual existe a possibili-
ρ2 = r − 2m dade de que ela descreva as propriedades da matéria. A
favor desta tentativa deve-se também afirmar que, sob o
obtém-se
ponto de vista de nosso conhecimento matemático con-
ds2 = − 4 (2m + ρ2 )dρ2 − (2m + ρ2 )2 × temporâneo, ela se apóia sobre as mais simples equações
de campo da relatividade geral.
ρ2
(dθ2 + sin2 θ dϕ2 ) + dt2 .
2m + ρ2
Sinopse
Esta solução comporta-se regularmente para todo ρ. O
desaparecimento do fator de dt2 (g44 ) para ρ = 0 faz com A Fı́sica é um sistema de pensamento lógico em de-
que o determinante de g se anule naquele ponto mas, senvolvimento, cuja base não pode ser destilada das
12 A ponte aqui citada é também conhecida na literatura especializada como Ponte de Einstein-Rosen ou, mais recentemente, como

buraco de minhocas ( wormholes).


22 Einstein

experiências por um método indutivo mas só pode ser métrica).


obtida através da livre invenção. A legitimidade (valor Procurei ainda demonstrar o porquê, na minha opi-
de veracidade) do sistema reside na confirmação, pela nião, da mecânica quântica não parecer apta a nos
experiência sensı́vel, das afirmações deduzidas, onde a fornecer um alicerce útil da Fı́sica: chega-se a con-
relação entre a primeira e a última só pode ser apreen- tradições quando se aceita a descrição quântica como
dida intuitivamente. O desenvolvimento se dá em uma descrição completa de sistemas fı́sicos individuais
direção à crescente simplificação do fundamento lógico. e de processos.
Para nos aproximarmos deste objetivo, devemos aceitar Por outro lado a teoria de campos não foi ainda
que a base lógica se torne cada vez mais distante das capaz de nos propiciar uma teoria da estrutura molecu-
experiências e o caminho do raciocı́nio desde os funda- lar da matéria e dos fenômenos quânticos. Mostrou-se
mentos até às conseqüências deles deduzidas, que têm porém que a crença na incapacidade da teoria de campo
nas experiências sensı́veis seus correlatos, se torne cada em solucionar estes problemas com seus métodos está
vez mais difı́cil e longo. assentada sobre preconceitos.
Nosso objetivo foi esboçar, da maneira mais breve
possı́vel, o desenvolvimento dos conceitos fundamen-
tais através de sua dependência no material da ex- Nota do Tradutor
periência, e o esforço na busca pela perfeição interna
do sistema. A mim parece que o estado atual seria Manteve-se nesta tradução as notas de rodapé (indi-
clarificado através desta abordagem (uma apresentação cadas pelas iniciais [A.E.]) bem como as aspas e termos
histórico-esquemática tem as cores pessoais de quem a em itálico do original. Alguns coloquialismos do autor
escreve; isto é inevitável). foram substituı́dos por expressões equivalentes de nosso
Procurei mostrar como o conceito de objeto idioma. Notas de rodapé foram introduzidas quando
corpóreo, espaço, tempo subjetivo e objetivo depen- necessário. A presente tradução, feita diretamente do
dem uns dos outros e da natureza da experiência. Na alemão, foi cotejada, após seu término, com a versão
mecânica clássica os conceitos de tempo e espaço são inglesa do livro Einstein, Ideas and Opinions, Crown,
autônomos; o conceito de objeto corpóreo é substituı́do, Nova Iorque, 1954 e a brasileira em Albert Einstein:
nos fundamentos, por aquele de ponto material, através Escritos da Maturidade, Ed. Nova Fronteira, Rio de
do qual a mecânica torna-se, em suas bases, atomı́stica. Janeiro, 1994 (traduzida do inglês). Os termos técnicos,
Ao tentar fazer da mecânica fundamento de toda a quando possı́vel, foram assinalados em linguagem cor-
Fı́sica, luz e eletricidade introduzem dificuldades insu- rente.
peráveis. Isto leva à teoria de campos para a eletrici- O tradutor gostaria de agradecer as importantes
dade e mais além à tentativa de fundamentar a Fı́sica sugestões de H. Elbern, do Instituto Goethe de Porto
sobre o conceito de campo (depois de uma tentativa de Alegre, que muito contribuiram para dar ao presente
compromisso com a mecânica clássica). Esta tentativa texto uma maior fluidez. Eventuais deslizes são de in-
leva à teoria da relatividade (a sublimização do conceito teira responsabilidade do tradutor, a quem coube a de-
de espaço e tempo para um continuum com estrutura cisão sobre o texto final.

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