Você está na página 1de 6

Currículo museal e o conhecimento poderoso - Atividade proposta no curso “ENS 185 -

Educação e Currículo” em 11/12/2020 - Professora Dra. Adriana Pugliese Netto Lamas


Discente: Wagner Moreira da Silva - RA 23202010239 - Entregue em 08/12/2020

Exposição temporária “O Corpo na Arte Africana”


Tour virtual: eravirtual.org/o-corpo-na-arte-africana/

Essa exposição foi itinerante e ficou em cartaz durante o ano de 2013 na Casa de
Oswaldo Cruz – FIOCRUZ no Av. Brasil, 4365 – Manguinhos - Rio de Janeiro. Conta com
cerca de 140 obras de arte reunidas pelos pesquisadores Wilson Savino, Wim Degrave,
Rodrigo Corrêa de Oliveira e Paulo Sabroza. As obras estão divididas em cinco módulos:
“Corpo individual & Corpos múltiplos”; “Sexualidade & Maternidade”; “A modificação e a
decoração do corpo”; “O corpo na decoração dos objetos”; e “Máscaras como manifestação
cultural”.

O conhecimento poderoso, descoberta crítica e a história e cultura afro-brasileira em


Ciências da Natureza
Michael Young (2007) defende que os conhecimentos priorizados na escola devem ser
aqueles que valorizem os saberes especializados academicamente, que os alunXs muitas
vezes não acessam na vida cotidiana. Para além das críticas já apresentadas no trabalho
anterior sobre quem são os “poderosos” que definem esses saberes para compor o currículo e
as questões ideológicas que contornam a busca pelo “melhor conhecimento”, no presente
trabalho assume-se como correta a noção de que realmente há conhecimentos especializados
academicamente que podem ser considerados como “poderosos”, no sentido de que tal
conhecimento potencializa as ações alunXs para de fato mobilizar mudanças da sua condição
social.
O currículo museal aqui apresentado tem influência das ideias de Paulo Freire, que
propõe uma pedagogia na qual o aluno deveria entender a realidade em que vive, evitando as
reproduções e incentivando a interação entre diferentes sujeitos com base em temas geradores
de relevância social. Para os propósitos do presente trabalho é interessante destacar o
conceito da “descoberta crítica” presente na obra Pedagogia do Oprimido:
O grande problema está em como os oprimidos, que “hospedam” o opressor
em si, participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da
pedagogia de sua libertação. Somente na medida em que se descubram
“hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua
pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e
parecer é parecer com opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do
oprimido que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos
instrumentos para esta descoberta crítica – a dos oprimidos por si mesmos e
a dos opressores pelos oprimidos, como manifestação da desumanização.
(FREIRE, 1987, p. 32)

Freire chama atenção para as complexidades presentes nas dinâmicas de ação e


concepções que envolvem o currículo oculto na realização do fazer escolar. Ao impor um
currículo de maneira vertical, importando objetos de conhecimento e pré-estabelecendo
metodologias para o estudo de conteúdos, os estudantes são postos em uma posição passiva
de aprendizado, eles “hospedam” o opressor em si, pois acreditam que o modo operante das
ações escolares é o “professor ensina” e “alunXs aprendem”, de modo que somente a
“descoberta crítica” de tal relação possibilita o processo emancipação dos estudantes, que
passam a perceber seu papel de protagonista na construção dos seus próprios saberes.
Desde de 2003 a lei 10.639 estabelece a obrigatoriedade do ensino de "história e
cultura afro-brasileira" dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos
ensinos fundamental e médio. No entanto, são poucas as ações didáticas sistematizadas para
esse fim dentro das aulas de Ciências da Natureza, o que nos faz refletir sobre o quê de
Física, Química e Biologia os alunXs têm o direito de aprender sobre essa temática que não
estamos trabalhando na escola? Na perspectiva dos povos provinientes da região Subsaariana,
o corpo negro é pensado como ponto de encontro entre a natureza e a cultura. As máscaras,
modificações e decorações no corpo são compreendidas como manifestações da sexualidade,
maternidade e o desenvolvimento técnico altamente especializado para coleta, pesca e caça.
Explorar tais elementos na exposição “O Corpo na Arte Africana” é o objetivo da ação
educativa que passamos a descrever a seguir.

Atividade Proposta: Descolonizando Saberes de Ciências da Natureza


Público Alvo: adolescentes entre 15 e 19 anos que residem em ambiente urbano e tenham
acesso a internet e smartphone.

Objetivos:
1) perceber que a confecção e exposição de artefatos pode não possuir intenções
meramente decorativos;
2) Compreender de que maneira a arte dos Povos Subsaarianos se utilizou de
conhecimentos técnicos associados à Física, Química e Biologia para representar a
sua cultura.

ANTES DA VISITAÇÃO
Antes da apresentação da atividade de visita ao museu, o professor irá solicitar que os alunXs
fotografem três coisas presentes na casa dos alunXs e elaborem um legenda para cada
fotografia conforme abaixo:
1) um objeto de decoração: pode ser um quadro, bonecos, chaveiros ou peças artesanais.
A legenda deve conter informações sobre quando aquele objeto foi adquirido e por
que ele é importante.
2) um ser vivo presente na casa: pode ser um bichinho de estimação, plantas, árvores ou
insetos presentes na casa (não pode ser da espécie Homo Sapiens). A legenda deve
explicar a função daquele ser vivo na casa.
3) uma selfie: seja criativo, está livre o uso de maquiagem, máscaras ou qualquer outro
utensílio que te represente.

É importante deixar claro para os alunXs que as fotografias com as legendas serão
apresentadas apenas para os seus colegas de classe, de modo que será necessário organizar
em slides para compartilhar com todes em aula posterior.

Aula 1 - 50 minutos (Compartilhando leituras fotográficas)


Quando todos os alunXs tiverem com suas fotos e legendas organizadas, o professor deve
mediar a apresentação fomentando a discussão a partir de algumas questões: Qual a história
desse objeto? O que ele representa? Caso esse objeto de decoração desaparecesse, como você
se sentiria? Qual a função do ser vivo fotografado? A função desses seres vivos em todas as
casas são as mesmas? Quais utensílios utilizados nas selfies mais lhe chamou atenção?
Dependendo do número de alunXs é possível organizar grupos com 4 ou 5 pessoas em salas
virtuais. Ao término da aula o professor deve orientar a visita online à exposição “O Corpo na
Arte Africana”, disponível do endereço http://expoafrica.coc.fiocruz.br/br_africa/ e solicitar
que os alunXs visitem a exposição livremente, antes da visitação a ser desenvolvida em
tempo real na aula 2.
DURANTE A VISITAÇÃO
Aula 2 - 50 minutos (realizando a visita a exposição “O Corpo na Arte Africana”)
Sugere-se que a experiência da visitação ocorre durante o período da aula em pequenos
grupos de alunXs. O professor deve organizar os grupos em salas virtuais separadas e atribuir
4 diferentes atividades a ser realizada durante a visitação:

Atividade 1 - Corpo individual & Corpos múltiplos


Os estudantes devem discutir as seguintes questões: É possível identificar os corpos
femininos e masculinos nas estátuas apresentadas na exposição? Quais características são
atribuídas a cada gênero? Existem estátuas nas quais os dois gêneros estão presentes em um
mesmo indivíduo? Em seguida, organizar em um documento virtual imagens e a descrição de
características que evidencie, na visão dos alunXs, fenótipos femininos, masculinos ou
transgêneros.

Atividade 2 - Sexualidade & Maternidade


Escolha alguma obra que represente a maternidade segundo os Subsaarianos. De que maneira
a ideia do feminino está presente na exposição? Após a discussão dessa questão o grupo deve
escolher uma única e imagem e escrever uma justificativa para essa escolha no mesmo
documento da atividade anterior

Atividade 3 - O corpo na decoração dos objetos


Questão-chave: Qual é a ideia sobre o conceito de fetiche apresentada na exposição? O grupo
deve escolher uma única obra que, na leitura do grupo, tenha apresentado essa ideia. Após a
discussão dessa questão o grupo deve escolher uma única e imagem e escrever uma
justificativa para essa escolha no mesmo documento da atividade anterior

Atividade 4 - Máscaras como manifestação cultural


Questão-chave: De que maneira as máscaras são compreendidas pelos povos Subsaarianos?
AS máscaras são meras fantasias? Do que as máscaras são feitas? O grupo deve escolher uma
única máscara, que mais tenha chamado a atenção, e descrever uma hipótese sobre a função
desta máscara para o povo subsaariano e registrar a imagem da máscara e a hipótese no
documento virtual.

A expectativa é que cada grupo de estudantes realize as 4 atividades durante uma aula de 50
minutos. Como eles estão em subgrupos, basta que um dos estudantes visite o site e projete a
exposição para os demais. Como instrumento de avaliação da aula o professor terá o registro
do documento virtual que pode ser enviado por e-mail.

DEPOIS DA VISITAÇÃO

Aula 3 - 50 minutos (sistematizando os conhecimentos poderosos)

Momento 1
Após ter avaliado o documento virtual de cada grupo, o professor irá propor a pesquisa de 4
temáticas pertinentes à área de Ciências da Natureza. Antes disso, solicita que os alunXs
troquem impressões sobre a experiência da aula anterior discutindo sobre a seguinte questão:
Qual é a relação entre as fotografias compartilhadas na aula 1 e as imagens presentes no
documento virtual criado na aula 2?

Em grupos diferentes da aula 2 os alunXs terão 15 minutos para essa discussão, não sendo
necessário a produção de qualquer tipo de documento para esse momento.

Momento 2
Após a discussão nos pequenos-grupos, o professor solicita que uma pessoa de cada grupo
compartilhem as respostas da questão proposta e na sequência apresenta o projeto com as 4
temáticas de Ciências da Natureza conforme descrito abaixo:

Temática da Exposição “O Conteúdo específico de Colocar elementos da


Corpo na Arte Africana” Ciências da Natureza Teoria Crítica da Raça

Corpo individual & Corpos Diversidade de gêneros na A cada hora, um


múltiplos reprodução animal homossexual sofre algum
tipo de violência no Brasil.
É possível identificar os Nos últimos quatro anos, o
corpos femininos e número de denúncias ligadas
masculinos nas estátuas à homofobia cresceu 460%.
apresentadas na exposição? Explorar a sexualidade na
Quais características são perspectiva da área Ciências
atribuídas a cada gênero? da Natureza pode ajudar os
Existem estátuas nas quais alunXs a amadurecer a
os dois gêneros estão conscientização sobre esse
presentes em um mesmo problema explorando a
indivíduo? sexualidade de outras
espécies. O Sapo Argus
Reed (presente no oeste
africano) conseguem
espontaneamente mudar de
sexo na hora da reprodução,
a ave Ruffs, maçarico bem
comum no hemisfério norte,
é uma espécie que tem não
só dois, mas quatro
gêneros.Os cavalos
marinhos são uma das únicas
espécies em que na hora da
reprodução, é o macho que
engravida. Ao contrapor as
leituras das aulas anteriores
com essas informações
pode-se criar campo
profícuo para o que Paulo
Freire chamou "descobertas
críticas".

Sexualidade & Maternidade Sistema reprodutor - Brasil tem gravidez na


fertilidade feminina e adolescência acima da média
Escolha alguma obra que masculina latino-americana, diz OMS
represente a maternidade A cada mil adolescentes
segundo os Subsaarianos. De brasileiras entre 15 e 19
que maneira a ideia do anos, 68,4 ficaram grávidas
feminino está presente na e tiveram seus bebês, diz
exposição? relatório da Organização
Mundial da Saúde.

O corpo na decoração dos Cultura, Body Modification Body Modification é


objetos e cuidados com o corpo qualquer modificação feita
no corpo, sendo irreversível
Qual é a ideia sobre o ou não, realizada por uma
conceito de fetiche razão não-médica. O uso de
apresentada na exposição? brincos, piercings e
Escolha uma obra que na sua tatuagens é um tabu quando
leitura tenha representado confrontado com os
essa ideia cuidados com o corpo. As
cirurgias estéticas em jovens
cresceu 141% nos últimos
10 anos e muitos realizam
procedimentos estéticos de
maneira caseira e sem o
devido cuidado com o corpo.

Máscaras como Química na construção de Recorrentemente, ao


manifestação cultural artefatos ancestrais africanos buscarmos referências
De que maneira as máscaras literárias que dialogam com
são compreendidas pelos a história da
povos Subsaarianos? AS química, é comum
máscaras são meras encontrarmos narrativas
fantasias? Do que as historiográficas que pautam
máscaras são feitas? Escolha uma ancestralidade
uma máscara que mais tenha do conhecimento químico
lhe chamado a atenção e atual apenas baseado na
descreva sua hipótese sobre hipótese atômica grega. No
a função desta máscara para entanto, a
o povo subsaariano. química especulativa grega
está inserida em um contexto
historiográfico mais amplo
denominado protoquímica
que é subdividido em
período das artes práticas e
química
especulativa, nessa ordem
temporal, inclusive. O
próprio termo “artes
práticas” já é
pejorativo quando visa não
remeter os conhecimentos
ali produzidos a partir dos
processos
de manipulação técnica da
matéria com a nossa noção
de ciência. Além disso,
quando os
conhecimentos acerca da
produção de cerâmica,
bebidas alcoólicas,
tinturaria, fundição de
metais, cosmetologia,
farmacologia, mumificação,
dentre outros advindos das
artes práticas
são citados, normalmente
estes são desvinculados de
suas dimensões temporais e
territoriais africanas. (leia
mais aqui)

Conclusão

A presente proposta de atividade museal busca proporcionar experiências para que os alunXs
percebam que a confecção e exposição de artefatos pode não possuir intenções meramente
decorativas. Ao realizarem leituras e releituras sobre o que compreender por
objetos-corpos-vida-individualidades busca-se construir maior conscientização sobre a
importância de povos negros africanos na constituição de conhecimentos largamente
utilizados na área das Ciências da Natureza. Lições valiosas sobre respeito à diversidade,
compreensão da espécie humana integrada à natureza e não superior a ela, valorização do
matriarcado, cuidados com o corpo feminino e saberes técnicos sobre a confecção de
artefatos podem ser caracterizadas como “conhecimentos poderosos” conforme os
pressupostos de Michael Young, mas também nos faz refletir sobre por qual motivo práticas
como essa não estão previstas no currículo de grande parte das escolas brasileiras.

Você também pode gostar