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aprender

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 42, 10 de Novembro | 2015

Aprendizagem | Intervalo Dirigido | Projeto

Recreio também pode ser


momento para aprender
Intervalos dirigidos ajudam no exercício da autonomia e do respeito à
vontade do outro
Raissa Pascoal
Rosi Rico

Alunos de escola em Sinop, no mato Grosso, aproveitam oferta variada de atividades. Foto: Vanessa
Karla

Nos poucos minutos de pausa entre as aulas, os professores têm a oportunidade de tomar um café e
os alunos de se alimentar e deixar transbordar toda a energia acumulada durante as horas sentados
em sala. É para isso que serve o recreio, certo? Não só. O intervalo na rotina também é uma ocasião
pedagógica. "A escola é um ambiente educacional e todos os momentos devem ser aproveitados como
situações de ensino", diz Gisele Franco de Lima Santos, professora do Departamento de Estudos do
Movimento Humano da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e autora de Jogos Tradicionais e
Educação Física (208 págs., Ed. Eduel, tel. 43/3371-4000, 40 reais).

Longe de ser improdutivo, portanto, o período diário em que as crianças e os adolescentes interagem
com os colegas de turmas e anos diversos e estão livres para escolher o que fazer é uma ótima
oportunidade para trabalhar com eles valores como respeito aos diferentes quereres e senso de
cuidado com o material e o espaço de uso comum, além de promover a autonomia.

A reclamação de muitas escolas, porém, é que, justamente por estarem livres e sem a supervisão de
um profissional, os alunos entram em conflito e se machucam em correrias no pátio. Era o que ocorria
há alguns anos na EMEB Basiliano do Carmo de Jesus, em Sinop, a 477 quilômetros de Cuiabá. A
solução encontrada para resolver o problema não foi simplesmente diminuir o tempo da pausa ou
aumentar a fiscalização. "Com a equipe gestora, tivemos a ideia de fazer um intervalo dirigido, com a
oferta de jogos e brincadeiras para as crianças", conta Élia Amaral do Carmo Santos, professora dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Entre as opções disponíveis, estão modalidades de tabuleiro, de
futebol de botão, amarelinha, corda e cantigas de roda.

Quando bate o sinal, os estudantes têm alguns minutos reservados para a alimentação e, depois,
ganham autonomia para escolher de qual atividade querem participar no pátio ou na quadra, onde
funcionários e bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid),
supervisionados por Élia, os aguardam.

Como a escola recebe alunos do 1º ao 7º ano, a equipe se preocupa em preparar propostas que
agradem a todos os gostos. "Os maiores e os menores não têm os mesmos interesses. Os jogos de
mesa, como xadrez e dama, são queridos pelos mais velhos, enquanto os novos preferem bola, corda e
cantigas", conta Élia.

Considerar as preferências é algo que pode ser feito em todas as etapas, da Educação Infantil ao
Ensino Médio. "O cuidado é planejar algo prazeroso e que atenda as expectativas de determinada faixa
etária", diz Gisele. Ela acredita que até alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) podem participar
de intervalos dirigidos, desde que os interesses deles sejam levados em conta.

O resultado da implantação do projeto na escola mato-grossense foi avaliado como satisfatório. Se por
um lado a agitação e os conflitos diminuíram, por outro aumentou a socialização e o respeito entre os
alunos. Também houve ganho na organização dos materiais, com os estudantes participando mais
ativamente, e na ampliação do repertório de jogos e brincadeiras.

Evite o controle excessivo

Como muitas instituições de ensino ainda não enxergam o intervalo como um momento pedagógico,
deixam responsáveis por ele profissionais sem formação, que só zelam pelos espaços e pela segurança.
Mas, para promover atividades que gerem aprendizagens, é preciso ter pessoas que não atuem como
vigias de comportamento. "Prevenir a ocorrência de casos de indisciplina não deve ser justificativa para
controlar tudo o que o aluno faz", explica Gisele.

Na EM Doutor Cláudio de Almeida e Silva, em Londrina, a 388 quilômetros de Curitiba, as gestoras se


reúnem com a equipe no início de cada ano para debater quais são os propósitos do intervalo dirigido,
feito para os 430 alunos da pré-escola e anos iniciais do Ensino Fundamental. "Eu e a coordenadora
conversamos sobre como eles devem se comportar e pontuamos que observar não é sinônimo de
fiscalizar, mas de ficar atento para intervir quando necessário, tanto para explicar as brincadeiras como
para mediar algum conflito", conta a diretora Mary de Oliveira Bezerra.

Em Londrina, a garotada é incentivada a confeccionar seus próprios brinquedos . Fotos: Junior


Machado
As crianças são acompanhadas por docentes auxiliares ou pelos que desenvolvem projetos específicos
com elas. As atividades ocorrem na biblioteca e no pátio, com brinquedos e jogos variados - alguns
feitos pelos próprios alunos em oficinas feitas em sala. "Os adultos também têm a chance de usar esse
período para observar as preferências dos estudantes, os assuntos sobre o quais falam e como eles se
comportam. Esse é um bom termômetro do clima escolar e pode ajudar em outros planejamentos", diz
Renata Caiuby, formadora de professores e gestores da Comunidade Educativa Cedac, em São Paulo.
Confira a seguir um projeto para colocar isso em prática.

Projeto Institucional

Intervalo dirigido

Objetivo geral

Transformar o recreio em um momento de aprendizagem.

Objetivos específicos

Para a equipe gestora oferecer condições para a realização de atividades regulares e


diversificadas.
Para os professores e funcionários Interagir com os alunos, observá-los em situações fora de
sala e mediar conflitos.
Para os alunos Aprender a conviver com os colegas e a conservar espaço e materiais, além de
conquistar autonomia.
Para a comunidade Contribuir com a confecção de brinquedos e jogos.

Tempo estimado

O ano todo.

Desenvolvimento
1ª etapa | envolver a equipe

Faça um levantamento sobre o que é feito durante as pausas e apresente em uma reunião com
professores e funcionários. Abra o encontro com a pergunta: ?o que se pode aprender no intervalo??.
A ideia é gerar uma discussão sobre os propósitos pedagógicos desse período e refletir sobre qual
deve ser o papel dos profissionais que o acompanham. explique que o objetivo não é controlar cada
passo das crianças, mas realizar intervenções com o intuito de promover a socialização, esclarecer
dúvidas sobre algum jogo ou brincadeira e mediar conflitos. Quando todos enxergarem que isso
também é uma chance para aprendizagem, mostre a proposta de ofertar diferentes opções para os
alunos.

2ª etapa | levantamento das atividades

Marque com a equipe uma conversa sobre quais são as possibilidades viáveis. Leve para o encontro
pesquisa feita previamente com as crianças ou os jovens sobre os interesses deles. verifique quais
jogos e materiais já existentes na instituição podem ser aproveitados e se há recursos financeiros para
compra de novos. Peça que todos indiquem sugestões. vale resgatar as brincadeiras mais queridas na
infância e na adolescência. Pense nos espaços onde as atividades serão desenvolvidas, como a quadra,
o pátio ou a biblioteca (local para onde aqueles que não querem brincar podem se dirigir para ler um
livro).

3ª etapa | Produção de jogos

Convoque os familiares e apresente o projeto para eles. Pergunte se alguém sabe fazer brinquedos,
marque um dia de oficina para confecção e convide toda a comunidade para participar. Se a escola
não tem dinheiro, uma possibilidade é pedir para comerciantes ou instituições locais doações de tinta,
giz e qualquer outro material que possa servir de matéria-prima. envolva os alunos nesse momento,
que pode se estender para o horário do próprio recreio, no qual as crianças são desafiadas a também
pensar em coisas simples, como pintar uma amarelinha no chão do pátio ou criar jogos de memória
com desenhos produzidos em sala de aula.

4ª etapa | Planejamento da rotina

Para definir o cronograma do que será proposto a cada dia da semana e onde, é interessante contar
com a colaboração dos estudantes. encarregue um profissional (professor ou funcionário) para cuidar
de cada local, indicar as atividades que ocorrerão ali e interagir com as crianças. Cuide também do
tempo, garantindo que os alunos tenham um período reservado para a alimentação e outro para a
brincadeira. Se não for possível proporcionar uma grande rotatividade entre os jogos, uma vez que
alguns são mais demorados e o recreio é curto, assegure que todos tenham a oportunidade de
brincar, prevendo um número de opções suficientes para evitar longas filas. Se houver muitas turmas
na escola, opte por fazer intervalos escalonados. Certifique-se também de variar as possibilidades com
frequência.

Avaliação

Mensalmente, faça uma pesquisa oral com as crianças e os jovens para saber se eles estão gostando
das propostas e se têm novas sugestões. Ao final do semestre, marque uma reunião com toda a
equipe e peça para que os professores e os funcionários que acompanham o intervalo comentem se
identificaram mudanças no comportamento dos alunos e no clima escolar após a implantação do
projeto. esse processo não precisa ser complexo, se não houver muito tempo disponível: uma roda de
conversa com apresentação de destaques sobre pontos altos e fracos já ajudará a analisar e repensar
o planejamento, se for necessário.

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