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garantir-a-representatividade-feminina-em-sala-de-aula-durante-todo-o-
ano
Publicado em NOVA ESCOLA 03 de Março | 2022

Igualdade de gênero

Dia das Mulheres: como


garantir a
representatividade
feminina em sala de aula
durante todo o ano
Conheça caminhos e experiências para levar a temática
para turmas do Ensino Fundamental
Aline Naomi

Crédito: Getty Images


Com a aproximação do Dia Internacional da Mulher, as escolas costumam se
movimentar para organizar atividades que deem destaque às mulheres. A data,
no entanto, não deve ser utilizada para ações pontuais, mas como
oportunidade de refletir sobre como a temática está inserida na rotina e no
currículo escolar.
As mulheres sentem desde cedo os efeitos da desigualdade. Um estudo
realizado por pesquisadores das Universidades de Nova York, Illinois e
Princeton, nos Estados Unidos, revelou que aos seis anos as meninas passam a
duvidar mais da própria capacidade do que os meninos.
“Levar para a sala de aula biografias de mulheres significa falar de uma
Educação muito mais rica e diversa, que consiga superar a história única”,
explica Gina Vieira, professora de Língua Portuguesa na rede estadual de
Brasília e formadora de educadores. Ela explica que a história única, como diz a
escritora Chimamanda Ngozi Adichie, é aquela que reforça a ideia de que
apenas os homens protagonizaram os grandes momentos históricos.
Siga as pegadas das mulheres na arqueologia e na história
Confira reflexões, entrevistas e uma sugestão de atividade para trabalhar com
alunas e alunos os papéis e a emancipação das mulheres ao longo da história,
desde as primeiras sociedades humanas,
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Essa crença em uma suposta superioridade dos homens afeta diretamente a
identidade das alunas. “Minha autoestima não é uma construção que faço
sozinha. Eu a construo a partir de minhas relações com o mundo”, comenta
Gina. “Se estou imersa em um mundo onde só vejo homens em destaque, só
leio obras de homens e os livros apresentam apenas feitos de homens, isso vai
me constituir como sujeito.”
Marilucia Marques, especialista do Instituto Unibanco, reforça a importância de
trazer a questão do protagonismo das mulheres durante todo o ano letivo.
“Quando você atua de forma pontual, você fragiliza o debate e não cuida da
complexidade dessa discussão”, explica.
Ela também salienta que esse debate deve ser promovido de forma coletiva
pela escola. “Não tem como o professor atuar sozinho em nenhuma discussão
de gênero e raça”, afirma. “Isso significa que toda a instituição — o corpo
docente e a gestão escolar — precisa assumir que existem essas
desigualdades.”
Para além de mulheres brancas
A representatividade também deve contemplar a diversidade racial
Ao falar da história de mulheres é essencial olhar para outros marcadores
sociais, como raça ou território. Para Gina, o olhar para o contexto da
comunidade escolar é crucial para pensar como incluir esses outros recortes.
“Se fosse desenvolver um projeto em uma comunidade ribeirinha, traria uma
abordagem. Se estivesse em uma escola do campo, traria outra”, exemplifica a
professora. Dessa forma, quando a representatividade dialoga com a realidade
dos estudantes, ela se torna ainda mais significativa.
Caso não seja possível encontrar mulheres em determinada área, Marilucia
enfatiza a importância de trazer essa questão para a sala de aula e dar espaço
ao debate dos motivos por trás dessa desigualdade. “Você não pode falar de
mulheres na ciência só com cientistas brancas e não mencionar a ausência [ou
o número menor] de mulheres negras”, aponta especialista.

Como trabalhar o tema nos Anos Iniciais


Larissa de Assis, professora e atualmente coordenadora pedagógica na Escola
Classe 303, em São Sebastião (DF), tinha o desejo de valorizar a história das
mulheres responsáveis por seus alunos. Aliada a essa ideia, identificou a
necessidade de trabalhar a interpretação de texto com eles. Com isso, nasceu o
projeto “O sabor da minha história”, com uma turma do 3º ano do Ensino
Fundamental.
Cartas de afeto para mulheres inspiradoras
Entenda como trabalhar o gênero textual previsto na BNCC e, ao mesmo
tempo, promover a valorização de mulheres importantes na vida dos alunos.
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Durante a iniciativa, os estudantes foram apresentados à escritora negra
Cristiane Sobral e realizaram exercícios de gramática e interpretação de texto a
partir de seus poemas. Por fim, a professora pediu que cada um escolhesse
uma receita de família e escrevesse a biografia de quem costuma prepará-la. “A
ideia era valorizar os pequenos momentos que as crianças têm com mulheres
importantes em suas vidas”, explica.
Com o projeto, Larissa conseguiu promover uma aproximação entre os
estudantes e suas mães, avós e tias. A turma também pôde conhecer melhor
suas origens. Além disso, a professora despertou o interesse dos alunos — e
também dos familiares — pela poeta Cristiane Sobral.
“A pessoa pensa que só quem escreve livro é quem é branca, rica, nascida em
berço de ouro. Ela [a mãe de um aluno] pensou: ‘eu também posso pensar, né?’
Teve outra que me falou: ‘professora, eu achei o site da Cristiane Sobral e
assisto [à escritora] no YouTube enquanto faço minhas coisas’”, relata.
A potência da literatura produzida por mulheres
Estimule a leitura ao propor experiências literárias diversas com livros de
diferentes gêneros literários escritos por mulheres, de forma que os alunos
percebam as marcas de autoria
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Mudanças na rota do projeto


Maria Kleire Mendes, professora de Ciência do Colégio Municipal Professora
Didi Andrade, em Itabira (MG), decidiu fazer um projeto sobre a merenda
escolar para trabalhar a iniciação científica dos estudantes dos anos finais do
Fundamental. A proposta era investigar a origem dos alimentos e como eles
chegam à escola. Nessa pesquisa, descobriram que as empresas familiares que
forneciam os produtos eram, em sua maioria, lideradas por mulheres.
Foi assim que começou o projeto “Mulheres na agricultura familiar de Itabira”.
Para dar início à proposta, uma nutricionista explicou aos estudantes como o
cardápio da merenda era montado, para que eles entendessem o
embasamento teórico que está por trás da alimentação oferecida na escola. Em
seguida, conversaram com as agricultoras para investigar como é a produção
dos alimentos e os desafios que elas enfrentam. A proposta era conhecer a
história dessas mulheres que cultivam os produtos fornecidos à escola —
inclusive, os estudantes descobriram que uma delas era mãe de um colega da
turma.
A Ciência das mulheres
Conheça a participação das mulheres no campo científico ao longo da História e
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“As meninas ficaram orgulhosas [de ver outras mulheres nesse lugar de
destaque ], e os meninos passaram a respeitar mais essas mulheres”, comentou
a professora, lembrando-se da atividade — que foi premiada pelo Desafio
Criativos da Escola. Ana Luiza Damasceno, uma das alunas que participou do
projeto, explica o impacto positivo que teve em sua vida. “As mulheres são a
grande maioria na agricultura familiar, e é muito gratificante para mim, como
mulher, ver isso.”
Trabalhos como o dad professora Maria Kleire e Larissa permitem
aprendizagens que vão além dos conteúdos curriculares. “Fortalecemos a
autoestima das meninas ao apresentar outras possibilidades identitárias, mas,
mais do que isso, ajudamos os meninos a pensar sobre as mulheres a partir de
outra perspectiva”, finaliza Gina.
Por onde começar?
Para te ajudar a dar os primeiros passos, as especialistas compartilham
sugestões.

Gina indica dois livros que podem ajudar os educadores a trazer mais mulheres
para a sala de aula:
Histórias de ninar para garotas rebeldes, por Elena Favilli e Francesca Cavallo
(VR Editora) — a obra também foi adaptada para o formato podcast.
Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras, de Flávio dos Santos Gomes,
Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras).
Especialmente neste contexto de pandemia, Marilucia sugere trabalhar com a
biografia de mulheres que foram fundamentais no combate à pandemia, como:
Jaqueline Goes, biomédica negra que coordenou a equipe responsável pelo
sequenciamento do genoma do vírus responsável pela Covid-19.
Margareth Dalcolmo, pesquisadora considerada uma das principais
especialistas sobre a doença no Brasil e referência nacional e internacional nos
estudos sobre doenças infectocontagiosas.
Sarah Gilbert, professora de vacinologia na Universidade de Oxford e
coordenadora do grupo de cientistas que desenvolveu a vacina da Astrazeneca.

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