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Alfabetização nos Anos Finais do Ensino Fundamental:

desafios e possibilidades

Especialistas e educadores ajudam a entender por que essa


situação ocorre e os caminhos para lidar com essa complexa tarefa

No ano de 2011, o professor Antonio Oziêlton de Brito Sousa dava aulas de


Língua Portuguesa na Escola de Ensino Fundamental Odilon de Souza
Brilhante, no distrito rural de Curupira, em Ocara (CE). Nesse mesmo espaço
em que ele havia estudado, quando se viu na posição de educador, encontrou
uma adversidade: alunos do 8º ano, mesmo já no segundo ciclo do
Fundamental, não estavam plenamente alfabetizados. 

“Era um contexto de escassez de materiais e mesmo de propostas


pedagógicas mais assertivas”, relembra o educador. “Então, busquei
desenvolver um trabalho com o gênero textual ‘memórias’ – algo que todo
mundo tem. As memórias dos estudantes foram um gancho para a produção
coletiva de textos, visando trabalhar habilidades não consolidadas, para que
pudessem concluir os Anos Finais com a devida alfabetização e letramento”. O
sucesso da iniciativa, além de percebido no próprio dia a dia escolar, levou o
professor a ser contemplado com o prêmio Educador Nota 10 de 2012. 
Passados mais de dez anos, e com uma pandemia que impactou fortemente a
Educação pública brasileira, professores de várias partes do Brasil ainda
enfrentam o mesmo desafio de Oziêlton. Por isso, NOVA ESCOLA foi em
busca de entender esse complexo cenário que envolve a alfabetização nos
Anos Finais, contextualizando o tema e ouvindo de especialistas e educadores
quais as possíveis soluções.
Entenda como utilizar dados de avaliações para

Replanejamento contínuo

Ajustar o percurso das aulas conforme as evidências de aprendizagem e


devolutivas dos alunos é essencial para acompanhar o ritmo e as necessidades
das crianças e adolescentes

Vamos imaginar um contexto antes da pandemia. A criança ter sido aprovada e


seguir para o ano seguinte não era garantia de ter desenvolvido plenamente
todas as aprendizagens que eram previstas, não é mesmo? Por isso, o
diagnóstico inicial era muito importante para planejar os próximos passos da
turma. “Não podemos fazer nenhum tipo de planejamento que não parta de
condições concretas da escola”, observa Rodrigo Fonseca, formador de
professores, especialista em avaliação e sócio-diretor do Núcleo Interdisciplinar
de Pesquisa, Ensino e Consultoria (Nipec). 
Em um ano como 2022, após praticamente dois anos de ensino remoto ou
híbrido, ter esse panorama real do que as crianças e adolescentes sabem (e
não o que é esperado que dominem) é ainda mais fundamental. Ele deve ser o
ponto de partida para o professor. Além desse diagnóstico inicial, o
acompanhamento contínuo das aprendizagens irá contribuir com o trabalho
docente. “Penso a avaliação como algo em movimento, que não se encerra na
mensuração da nota, mas como uma forma de usar esses dados para pensar o
replanejamento”, pontua Roberta Duarte, professora de História nos Anos
Finais do Ensino Fundamental na EM Professor Sílvio Romero Vieira, em
Jaboatão dos Guararapes (PE). 
Para Aline Soares, coordenadora pedagógica na rede particular de Belo
Horizonte (MG), formadora e especialista em metodologias ativas, as
avaliações devem ser contínuas e estar presentes na rotina da sala de aula. “O
diagnóstico não é só no início, ele tem que ser o tempo todo. O aluno de
fevereiro é muito diferente do de abril. A avaliação também não pode acontecer
só no final [do bimestre ou trimestre] e nem precisa ser sempre por escrito.
Temos outras formas para verificar as aprendizagens dos alunos”, explica. 
A especialista não exclui a possibilidade de fazer provas (também chamadas
de avaliações formais ou somativas), pois elas trazem ao professor
informações importantes. No entanto, para aprofundar e qualificar o
diagnóstico, é interessante dar aos alunos outras formas de expressar o que
sabem. 
Aprendizagens prioritárias e coleta de informações
Uma sugestão dada por Rodrigo é o professor verificar, entre os conteúdos e
habilidades do ano anterior, quais são pré-requisitos para aquela turma. A
investigação dessas aprendizagens pode ser feita por meio das avaliações
diagnósticas, que vão mostrar o quanto os alunos já dominam de determinado
assunto ou se é necessário retomá-lo. “Temos de ter a clareza de que é
impossível trabalhar com toda a Base Nacional Comum Curricular [no contexto
atual de recomposição de aprendizagens]. É necessário fazer ajustes e
escolher as prioridades”, complementa Aline.
Para construir o panorama da turma, Rodrigo aponta que o professor pode
buscar o histórico do aluno e o que as avaliações do ano anterior e o
diagnóstico inicial dizem sobre sua aprendizagem. Se for possível, ele deve
conversar com os professores do ano anterior. Nesse trabalho de pesquisa,
também é essencial ouvir os estudantes e o que eles têm a contar sobre isso. 
Todas essas informações possibilitam a análise e o desenho de um plano de
ação. Aline recomenda elencar os pontos de atenção e os objetivos que serão
utilizados como referência para fazer o planejamento das atividades. É
importante que elas deem conta da diversidade da turma e permitam o avanço
individual de cada criança e adolescente.
Nessa equação, especialmente neste ano, Rodrigo acrescenta a necessidade
de ter um esforço de reconexão dos alunos, de fortalecimentos dos vínculos do
estudante com cada componente curricular e com a escola.
Estratégias diversas para acompanhamento das aprendizagens
Na rotina de planejamento de Roberta, ela parte da BNCC e das orientações
da sua rede para aproximar essas habilidades da realidade dos alunos. Nesse
processo, ela pensa sobre como irá avaliar e as evidências que deseja coletar
para verificar se o aluno alcançou os objetivos.
Ao propor uma atividade, ela vai além de olhar o domínio daquele conteúdo
específico do seu componente. Roberta avalia o comportamento do aluno
como um todo e a forma com que ele se comunica. “Eu busco compreender se
interpretaram bem [o enunciado], a leitura que fizeram do contexto histórico e
da questão proposta, e a escrita das respostas”, compartilha a educadora. No
caso de propostas orais, ela verifica as conexões que os jovens fazem entre os
conteúdos e a realidade em que estão inseridos. 
“Temos uma prova por bimestre, e também gosto de dar trabalhos
colaborativos, propor discussões, momentos de análise durante a aula, cine
debates, projetos mão na massa e apresentações”, relata a professora. “Coleto
as informações de diferentes formas, com linguagens variadas, para atender a
diversidade de habilidades dos alunos.”

Replanejamento no ciclo de alfabetização

Bruno Victor, professor de 2º ano do Ensino Fundamental na EMEF Prof.


Laurea Freire Brumana, em Marataízes (ES), conhece bem os impactos que o
ensino remoto deixou na alfabetização das crianças. 
Em 2022, o educador encontrou uma turma ainda mais heterogênea. Por isso,
ele incluiu no seu planejamento atividades diversificadas para garantir que
todas as crianças avancem. “Tem de ter um olhar diferenciado para cada
aluno, cada vivência”, destaca o educador. Ele ressalta a importância de uma
visão integral para entender o que está por trás das dificuldades. 
Mesmo com a alta demanda e pressão pela recomposição das aprendizagens
e consolidação da alfabetização, o educador busca propor atividades
dinâmicas. Por exemplo, as que exploram ambientes fora da sala de aula, para
que a aprendizagem não se torne algo maçante. 
Durante o andamento das aulas, o professor entende que, às vezes, o
planejamento não sai como o esperado e que é preciso replanejar. Para avaliar
se o que foi previsto deu certo, ele leva em consideração não apenas a
correção da atividade, mas também como foi o momento da realização da
proposta. Bruno fica atento às dúvidas que surgem e aos comentários e
percepções das crianças.
Dados também na Educação Infantil
Coletar informações para fazer o replanejamento não é algo exclusivo do
Ensino Fundamental. Na Educação Infantil, Tamila Tavares, professora de
crianças de 5 anos na EMEI Maria José de Souza e Silva, em Macapá (AP), 
também utiliza a estratégia para organizar as atividades dos pequenos - saiba
aqui como organizar um bom planejamento nesta etapa.
Na escola, é realizado um planejamento mensal, no qual ela e outras seis
professoras definem os objetivos de aprendizagem e de desenvolvimento que
querem trabalhar. Dentro desse plano de ação, ela define as atividades e
experiências semanais que irá propor aos pequenos. "Eu gosto de refletir e
perceber durante a semana se eles conseguiram desenvolver o objetivo que foi
previsto", explica a educadora. 
Apesar de ter uma série de metas para alcançar no mês, ela entende que tudo
bem não conseguir dar conta de tudo, pois sua prática está centrada nas
necessidades das crianças e não em completar o planejamento, isto é, que é
possível voltar e replanejar o trabalho ao se deparar uma barreira que não
estava prevista originalmente. “Foco no que elas precisam. A gente só avança
se alcançar o objetivo”, ressalta a educadora, que reforça a importância de não
ver o planejamento como uma organização para cumprir uma burocracia.  
A professora mantém um caderno de anotações, em que registra tudo que
observa em cada criança e o que elas trazem de percepções. "São anotações
diárias para ir acompanhando a evolução da criança", conta. É a partir disso
que ela faz a análise do tipo de atividades e experiências que precisam entrar
no seu planejamento semanal.
 
Parcerias para pensar caminhos

Nesse processo de investigação e construção de estratégias, Bruno destaca a


importância de ter a gestão escolar como um apoio, alguém que também esteja
olhando e pensando nas necessidades da turma. “O coordenador tem de andar
junto com o professor, estar próximo para dar sugestões do que fazer”,
defende. “O papel do coordenador é propor diagnósticos, fazer parte dessa
construção. Acompanhar a proposta e a aplicação e estar junto para buscar
estratégias, estabelecer metas", completa Aline. 
Além do apoio da coordenação, a parceria entre os docentes é essencial. No
caso de Bruno, ele e os demais professores do 2º ano fazem um planejamento
trimestral dos conteúdos e aprendizagens que vão trabalhar. Durante esse
período, eles trocam experiências e dificuldades que estão enfrentando e
compartilham atividades que consideram interessantes para os demais se
inspirarem. Cada turma vai no seu ritmo e tem suas próprias atividades no
decorrer das semanas, mas esse espaço de troca colabora para trilhar o
percurso. 
No caso de Tamila, além do planejamento mensal que faz com um grupo de
professoras, ela também tem duas colegas mais próximas com as quais
conversa quase diariamente para compartilhar as experiências. “É uma
parceria que ajuda muito. Quando uma tem um problema, as outras podem
trazer uma experiência que funcionou. Essa troca é importante.”
Já Roberta, mesmo sem ter um planejamento coletivo, compartilha as
evidências que coletou com os outros professores. Nessa troca, ela busca
investigar se é um comportamento que os estudantes apresentaram na sua
aula ou se é algo que também aparece nos demais componentes. Assim, a
equipe pensa em projetos para garantir o avanço de cada turma em todos os
componentes. 
Consultoria pedagógica: Priscila Almeida, professora e integrante do Time de
Formadores de NOVA ESCOLA.

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