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dos-alunos-da-educacao-infantil-para-o-ensino-fundamental
Publicado em NOVA ESCOLA 25 de Outubro | 2022

Anos Iniciais

Como apoiar a transição


dos alunos da Educação
Infantil para o Ensino
Fundamental
Estratégias envolvem linearidade no processo, escuta ativa
das crianças, troca de informações entre os professores das
duas etapas e conversas com as famílias
Thais Paiva

Foto: Getty Images


Novos espaços, colegas, professores e rotina: mudar é sempre um processo
desafiador. E quando a transição é da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental, as novidades estão por todos os lados – dos momentos de
brincadeira, que passam a ser menos frequentes, até os materiais didáticos e a
disposição das carteiras na sala de aula.
Suporte e fluidez são noções-chave para que esse processo não represente
uma ruptura, o que exige planejamento e boas práticas por parte dos
professores e gestores. Além de apoiar as crianças para que elas se sintam
seguras ao longo dessa transição, os educadores precisam trocar informações
entre si para entender como acolher cada estudante em seu percurso de
aprendizagem e conversar com as famílias, alinhando expectativas e mitigando
preocupações.
“Na Educação Infantil, as brincadeiras e as interações são o eixo do currículo.
No Fundamental, é preciso haver uma continuidade: a rotina não é igual, mas é
importante preservar esses momentos, entendendo que as aprendizagens a
partir dali vão se construir de outras maneiras”, diz Angela Di Paolo Mota,
professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, em São Paulo
(SP).
Um bom começo nesse processo é ouvir as próprias crianças e como imaginam
que será o ano seguinte. “Essas conversas as ajudam a se organizar. Nessa faixa
etária, elas já conseguem se expressar bem, e podemos ir conversando com
elas na própria rotina para ouvir seus medos e expectativas”, recomenda
Angela.
Norminda Dela Costa, técnica pedagógica da Educação Infantil da rede de
Venda Nova do Imigrante (ES), endossa a importância dessa escuta ativa. “É
interessante fazer um levantamento das curiosidades que elas têm sobre o 1º
ano, falar sobre o que vão encontrar e como é a rotina, entre outros pontos.
Normalmente, elas querem saber se vai ser muito difícil, se vão poder brincar.”
Ela sugere convidar alunos do 1º ano para conversarem com a turma e
responderem a essas questões.
Familiarização com os novos espaços e a rotina
No caso das crianças que continuarão na mesma unidade escolar, a
organização do espaço pode ajudar a criar a ideia de continuidade. “Tem
escolas que colocam as salas do 1º ano do Ensino Fundamental próximas das
salas de Educação Infantil. Isso ajuda a criar uma linearidade”, aponta Angela.
“No caso dos alunos que irão mudar de prédio ou unidade escolar, uma ação
interessante para que comecem a se familiarizar com os novos espaços é levá-
los para fazer visitas. É importante que conheçam o outro lugar, os novos
ambientes, as professoras de referência”, afirma a pedagoga. Mesmo a
mudança para outra escola não impede a criação de estratégias para que
possam ir, gradativamente, se acostumando com o novo ambiente.
Essa é uma prática que acontece na EMEI Nelson Mandela, em São Paulo (SP). A
professora Lenize Cristina Riga conta que a escola procura fazer parcerias com
outras unidades da região para as crianças conhecerem os novos espaços. “Isso
traz acolhimento e mais segurança para elas. Se não for possível ir ao outro
prédio, é legal conversar sobre o assunto e mostrar fotos da escola.”
Continuidade das aprendizagens
Para Lenize, ainda que haja troca de escola, é essencial considerar o percurso
vivido pela criança até ali. “Quando se pensa em uma educação integral, se
pensa em linearidade para que os alunos possam fazer as assimilações do que
viveram na Educação Infantil”, diz. Por isso, outra estratégia indicada pela
educadora é reproduzir práticas e brincadeiras comuns dessa etapa na rotina
do 1º ano. Isso também ajuda a reforçar conceitos que são trabalhados na
Educação Infantil e que costumam perder espaço depois, como a noção de
coletividade.
“Na Educação Infantil, as crianças ficam em grupos de quatro a seis alunos. Já
no Fundamental, vão para um espaço onde se sentam sozinhas, na carteira
individual. Por isso, acho importante insistir na noção de turma. Tanto tempo
investindo nessa construção do coletivo e depois foca-se na individualidade.
Isso passa uma mensagem confusa para elas”, avalia.
Outro recurso utilizado pela professora para a adaptação é apresentar os
materiais com os quais as crianças passarão a trabalhar no Fundamental. “Às
vezes, elas ainda não tiveram contato com um livro didático. Então, na rotina,
tem dias que usamos caderno e manuseamos esses materiais para que elas
possam ir se apropriando [deles].”
E nada de reforçar noções como “agora vai começar a escola de verdade” ou
“acabou a brincadeira”. Além de desprestigiar as aprendizagens vividas na
Educação Infantil, esse discurso pode causar ansiedade nas crianças. “Às vezes
os próprios adultos fazem esse terrorismo. Essas falas não ajudam nada”,
completa Norminda.
BNCC e transição
Na passagem da Educação Infantil para o Fundamental, é essencial se basear
em documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela
reúne orientações para apoiar essa transição de modo a respeitar as
singularidades das crianças e as diferentes relações que elas estabelecem com
o conhecimento, assim como a natureza das mediações em cada etapa.
Uma das recomendações diz respeito à troca de materiais e conversas entre os
educadores dos dois segmentos. Segundo a BNCC, a escola deve promover
instâncias de intercâmbio para que os professores da etapa anterior
compartilhem o percurso vivido pela turma e por cada aluno com os novos
educadores. Para tanto, vale utilizar registros como portfólios e relatórios.
“Temos percebido que muitas escolas têm recorrido a uma qualificação desses
documentos. Vale detalhar quais são as dificuldades e potencialidades daquela
criança e fazer um mapeamento da turma. No entanto, a gente vê que muitas
vezes esses relatórios não são lidos”, observa Lenize.
Para Angela, vale também a realização de encontros entre os pares para que
observações pedagógicas mais específicas possam ser trocadas com mais
facilidade. “A coordenação pedagógica pode promover uma reunião conjunta
com os professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Assim, todos os
relatórios, portfólios e projetos que foram feitos podem ser compartilhados
com os professores de 1º ano, favorecendo que a passagem aconteça de forma
coerente.”
Outra orientação da Base indica a importância da formação continuada para
lidar com o momento da transição de etapas e prevê que ela seja uma pauta
constante nas reuniões pedagógicas. Além disso, o documento descreve uma
síntese das aprendizagens esperadas para cada um dos cinco campos de
experiências da Educação Infantil.
Na rede de Venda Nova do Imigrante (ES), esse trabalho envolve a formação de
grupos de estudo. “Procuramos discutir o que a Base traz sobre como fazer
essa síntese das aprendizagens. Realizamos um estudo sobre isso e planejamos
um roteiro para leitura dos professores. É preciso entender a teoria para que a
prática aconteça de forma natural”, conta Glauciqueli Brambila Bernabé,
também técnica pedagógica da rede.
Parceria com as famílias
Ao lado dos educadores, as famílias desempenham um papel crucial nessa
transição. Com o fechamento do ano se aproximando, é indicado convidar os
responsáveis para uma conversa sobre essa passagem e como eles podem
auxiliar no processo. “É importante que as famílias se sintam seguras e
acolhidas. Então vale convidá-las para mostrar os ambientes e o dia a dia das
crianças, nem que seja por meio de vídeos e fotos”, aconselha Glauciqueli.
Nessas horas, é comum os pais perguntarem se o filho deveria ter a leitura e a
escrita mais desenvolvidas. As especialistas lembram que a alfabetização é um
processo que se inicia ainda na Educação Infantil, por meio do contato com o
mundo letrado, e que começa a ser sistematizado a partir do Fundamental, o
que não significa que deve ser apressado ou cobrado. “Por mais que a gente
não tenha essa obrigação de alfabetizar no 1º ano, precisamos criar boas
oportunidades para que as crianças tenham contato com o mundo letrado. À
medida que ela vai participando do cotidiano onde aparecem a leitura e escrita,
ela vai se apropriando”, explica Norminda.
Lenize compartilha essa visão. Para a professora, a transição já traz muitas
mudanças a serem assimiladas, e colocar pressão na alfabetização pode deixar
as crianças inseguras. “É necessário trazer leveza para esse momento tendo em
vista que é uma mudança muito grande. Não pode haver uma cobrança
excessiva. Já é algo que vai mexer muito com elas.”
Nesse sentido, também é importante apresentar para os pais e responsáveis o
novo currículo, os objetivos de aprendizagem e a proposta pedagógica da
escola, além de falar sobre a função social da alfabetização. “Quanto mais
informada a família estiver sobre como acontece esse processo, mais
encorajador vai ser o seu papel”, resume Norminda.

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