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criterios-adotar-para-aprovar-ou-reprovar-os-alunos
Publicado em NOVA ESCOLA 09 de Novembro | 2022

Avaliação

Fechamento de ano: quais


critérios adotar para
aprovar ou reprovar os
alunos?
Escolas devem identificar os avanços e as dificuldades dos
estudantes e garantir o direito de todos à Educação,
sobretudo após um ano de recomposição de aprendizagens
Dimítria Coutinho

Foto: Getty Images


Depois de um difícil momento para a Educação por conta da pandemia de
Covid-19, 2022 foi o ano da retomada. Com o período letivo completo no ensino
presencial, as escolas tiveram a oportunidade de se aprofundar ainda mais na
recomposição das aprendizagens, que tinha ficado para trás no ensino remoto.
Apesar de representar o retorno a uma certa normalidade, 2022 ainda teve
muitos desafios. Nesse contexto, quais critérios devem ser usados neste final de
ano para aprovação ou retenção dos alunos?
Durante a pandemia, muitas redes de ensino mudaram suas estratégias e
adotaram ou ampliaram modelos de progressão continuada. Embora essas
alterações pontuais já tenham sido encerradas, o Brasil não tem uma diretriz
única desde antes da pandemia.
Enquanto algumas redes adotam a avaliação por desempenho, outras têm
algum tipo de progressão continuada. No primeiro caso, a escola decide, por
meio de processos avaliativos, se o aluno deve ser retido ou aprovado ao final
de cada ano. No segundo, estabelecem-se ciclos nos quais os alunos não
podem ser reprovados, ou seja, avançam automaticamente. Esses ciclos variam
de acordo com a estratégia de cada rede de ensino.
A progressão continuada, porém, não pode ser confundida com a aprovação
automática. Ela consiste em uma estratégia usada para organizar a
aprendizagem em ciclos, mais amplos do que os anos ou séries, construindo
formas de constantemente recompor as aprendizagens. No entanto, se ela for
mal implementada, recai na aprovação automática, e o aluno passa de um ano
ao outro, mas sem orientação, avaliação e acompanhamento adequado das
aprendizagens.
Os problemas da reprovação
A progressão continuada existe, sobretudo, para evitar altos índices de
reprovação, já que há consequências na retenção. Pesquisas apontam que a
reprovação pode desestimular os alunos em seus estudos, causando um efeito
contrário ao esperado, ou seja, fazendo com que o estudante aprenda menos, e
não mais.
Ocimar Munhoz, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo (USP), coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação
Educacional e aponta três aspectos negativos da reprovação:
A forma como o estudante retido é tratado do ponto de vista pedagógico, já que
geralmente se desconsidera o aprendizado que ele teve no ano anterior;
A diferenciação de idade, sobretudo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
etapa na qual um ano pode gerar uma grande diferença em relação aos
colegas;
A autoimagem da criança reprovada, já que a retenção culturalmente carrega
uma sensação de fracasso.
Rodrigo Fonseca, sócio-diretor da consultoria educacional Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Consultoria (Nipec), na qual atua na área
de metodologia, planejamento e avaliação, afirma que, idealmente, a retenção é
uma estratégia usada pela escola para garantir o direito das crianças à
aprendizagem. Se um aluno não conseguiu aprender tudo o que tem direito em
um ano, uma nova oportunidade deve ser dada no ano seguinte.
Na prática, porém, a retenção é vista como sinônimo de fracasso. “Muitas vezes,
os instrumentos avaliativos acabam tendo uma função muito mais de colocar
um selo de fracasso no aluno, sendo usados como uma estratégia de exclusão”,
comenta Rodrigo.
Diante dos problemas da retenção, a defesa dos especialistas não é por uma
aprovação geral e sem acompanhamento, mas sim pela implementação de
processos capazes de garantir as aprendizagens. “Dizer que o aluno está sendo
promovido não é o mesmo que dizer que ele não tem dificuldades”, alerta
Ocimar.
Para criar esses processos, a avaliação tem papel crucial, no sentido de permitir
a identificação de dificuldades que podem ser trabalhadas ao longo do ano. “Se
eu quero o sucesso de todos, tenho de desenvolver experiências escolares para
isso. Então, vamos tentar detectar as dificuldades das crianças o quanto antes, e
não descobri-las e sistematizá-las no final do ano”, reforça o docente.
Rodrigo diz que, no momento atual, de volta ao ensino presencial após anos
turbulentos, as estratégias de recomposição das aprendizagens precisam ser
reforçadas. Elas devem permitir que “essa conta da pandemia seja paga a
prazo”, sem que a retenção precise atingir níveis altos dentro das escolas.
Aprovar ou reprovar?
Apesar dos problemas da reprovação, os próprios especialistas admitem que há
casos em que, sim, a retenção é necessária. Ela não pode ser a única estratégia
de garantia das aprendizagens adotada pelas escolas, mas, em determinadas
situações, pode ser uma delas.
Nas escolas, a decisão por aprovar ou reprovar é tomada nos conselhos de
classe, envolvendo tanto os professores quanto a equipe gestora. “O professor
tem a sua visão da sala de aula, e, do nosso lado, temos a visão dos contextos
social e familiar”, destaca Bruna Albieri, coordenadora pedagógica da EMEF
Maria Chaparro Costa, em Bauru (SP), que atende alunos do 1º ao 5º ano do
Fundamental.
Bruna conta que a escola tem liberdade para decidir pela retenção de alunos,
exceto do 1º para o 2º ano. Neste ano, o critério adotado pela instituição, por
orientação da rede de ensino, está sendo o de verificar se os estudantes
conseguiram ao menos aprender os conteúdos mínimos de cada ano. Isso
porque 2022 ainda foi marcado por adaptações no currículo, priorizando
algumas habilidades.
Priscila Terencio, coordenadora pedagógica da EE Ângelo Scarabucci, em Franca
(SP), que atende alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Médio,
também está levando em consideração as dificuldades que os estudantes
carregam devido à pandemia. No ensino remoto, a escola percebeu que os
alunos viveram realidades muito diversas.
“A gente oferece toda a possibilidade de recuperação, então é necessário
considerar se um aluno teve evolução em relação a ele mesmo. Temos de levar
em conta todo o esforço dele e as suas limitações”, salienta Priscila. “E já preciso
pensar no ano que vem, no que eu vou oferecer de recuperação para esse
aluno. Ele está em um ciclo, não em um ano”, continua.
Na rede de ensino do Estado de São Paulo, na qual a escola está inserida, é
adotada a progressão continuada no Ensino Fundamental em três ciclos: do 1º
ao 3º ano, do 4º ao 6º ano e do 7º ao 9º ano. No Ensino Médio, a retenção pode
acontecer em qualquer série.
Direito à aprendizagem
Rodrigo defende que, nos conselhos de classe, os professores e gestores
sempre se façam a seguinte pergunta: “Se eu decidir pela retenção dessa
criança, qual é o benefício que ela terá no sentido da garantia dos seus direitos
à Educação?”. Para responder a essa pergunta, muitas vezes é necessário ir
além dos muros da escola. É por isso que uma conversa franca com a família é
sempre importante.
“Vamos supor que, em um diálogo da escola com a família, a escola informe que
um aluno não aprendeu e que a possibilidade mais interessante, do ponto de
vista da aprendizagem, é que ele fique mais um ano na mesma série. Aí a
família fala: ‘Olha, se a gente repetir essa criança, isso vai ser uma facada nela,
emocionalmente, e ela vai desmoronar’. Então a escola tem de levar isso em
conta”, exemplifica o especialista. “Tem toda uma uma discussão em benefício
do direito dessa criança à Educação que tem a ver com cuidado e afeto”,
completa.
Bruna comenta que, na sua escola, é comum essa conversa com as famílias e
que algumas até chegam a pedir que os alunos sejam retidos. A coordenadora
reforça, porém, que apesar desse equilíbrio de expectativas ser necessário, é
importante ter em mente que a decisão final é sempre da escola, que tem a
visão técnica da situação. “A gente pesa na balança se vai haver benefício para o
aluno ficar mais um ano ou se é melhor ele passar de ano e continuar com uma
recuperação paralela.”
Planos de recomposição
Quando o conselho opta por reprovar um aluno, Bruna diz que deve haver
empatia na comunicação dessa decisão, deixando claro para o estudante e para
a família que se trata de uma nova oportunidade de aprendizagem, e não de
uma punição.
Para garantir essa nova oportunidade, é essencial que a escola tenha um plano
de ação para recompor as aprendizagens desse aluno no ano seguinte, com
reforços paralelos ao novo ano escolar. “Se a escola entende que não vai ter
condição de fazer nada para esse aluno, então não tem por que segurá-lo”,
observa Rodrigo.
Para escolas que estão inseridas em redes que adotam a progressão
continuada, a orientação é fazer a análise de cada aluno no final de ano da
mesma forma. Se o estudante encerra um ano dentro do ciclo com dificuldades,
mas não pode ser retido, é necessário reforçar o trabalho de recomposição das
aprendizagens no ano seguinte - isso para que a progressão continuada não se
transforme em aprovação automática.
Rodrigo enfatiza que é importante usar o ciclo estabelecido pela rede de ensino
para garantir as aprendizagens do aluno sem tratá-lo como uma pessoa que já
fracassou e só está esperando o fim do ciclo para ser reprovado.
Pensando em 2023
Olhando desde já para o próximo ano, as escolas devem ter planos para
garantir as aprendizagens tanto dos alunos que foram aprovados com
dificuldades quanto daqueles que foram retidos.
Na escola em que Priscila é coordenadora, houve duas estratégias ao longo de
2022 para ajudar no avanço dos alunos: momentos semanais de recuperação
de habilidades do ano anterior e momentos em sala de aula para a retomada
de conteúdos do currículo nos quais os estudantes apresentaram dificuldades.
As estratégias foram combinadas com uma conversa franca com os alunos a
respeito do processo avaliativo, estimulando a autonomia, e com tutorias, nas
quais cada docente apadrinhava um estudante para estimulá-lo nos estudos.
Tudo isso permitiu que a escola avançasse e tivesse menos retenções.
Esse processo de avaliar e intervir repetidamente ao longo do ano é ideal para
manter as aprendizagens, sem deixar que a avaliação do final do ano apenas
classifique os alunos entre aqueles que passaram ou não de ano.
Registros e documentação da turma
Para 2023, é importante planejar as ações de recuperação que serão oferecidas
aos alunos, sobretudo aos que têm mais dificuldades. Assim, é essencial que o
ano feche com uma boa documentação que indique para os professores do ano
seguinte como determinada turma está. De acordo com Ocimar, uma das
maiores dificuldades é conseguir chegar ao final do ano com informações
realmente pedagógicas dentro dos índices avaliativos, e não apenas notas
impossíveis de serem interpretadas pelo professor do ano seguinte.
Na escola onde Bruna trabalha, um modelo de relatório foi implementado no
ano passado e, após ter tido sucesso, será mantido neste ano. Nele, os
professores preenchem as principais dificuldades e avanços de cada aluno,
dando ao docente do ano seguinte um diagnóstico completo do nível da turma.
Isso ajuda nos processos de recomposição das aprendizagens, sem a
necessidade de novas avaliações diagnósticas.
Além de documentos como esse, é muito importante que a coordenação
pedagógica estimule a troca de experiências entre os professores, que podem
conversar sobre turmas ou determinados alunos.
“Nós precisamos deixar a ideia de que é por meio das restrições que
conseguiremos fazer com que o aluno tenha sucesso e virar a chave para uma
pedagogia da aprendizagem. Ao invés de sermos aqueles que estrategicamente
colocam os obstáculos, devemos ser aqueles que pedagogicamente criam
mecanismos para que o aluno consiga se desenvolver”, ressalta Rodrigo. “A
escola não acaba quando termina o ano; pelo contrário, a gente tem de dar
continuidade ao trabalho”, acrescenta Priscila.
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