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curriculo-para-2023-que-considere-os-desafios-atuais
Publicado em NOVA ESCOLA 11 de Janeiro | 2023

Currículo

Como pensar em um
currículo para 2023 que
considere os desafios
atuais?
Apesar do fim do continuum curricular, muitas escolas
ainda precisarão criar estratégias para recompor as
aprendizagens e garantir o direito de todos à Educação
Ingrid Yurie

Crédito: Getty Images


Embora o continuum curricular tenha se encerrado em 2022, muitas escolas e
redes de ensino terão que seguir desenvolvendo e implementando estratégias
para atender às diferentes demandas das turmas. "Trabalhamos intensamente
para as crianças aprenderem no ensino remoto, mas não foi suficiente por uma
série de razões, e o período presencial que tivemos desde então também não
deu conta de recompor todas as aprendizagens”, diz Marlucia Brandão, diretora
da EMEF Profª Laurea Freire Brumana, em Marataízes (ES). “Por isso, vamos
continuar com a flexibilização do currículo este ano para que as crianças
possam avançar em sua trajetória escolar."
Vigente entre 2020 e 2022, o continuum curricular foi uma política pública
proposta pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) que permitiu a priorização
de habilidades e competências essenciais da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e seu desenvolvimento ao longo desse biênio, flexibilizando os
currículos das redes e garantindo um desenvolvimento contínuo das
aprendizagens dos estudantes. Seu objetivo era dar conta dos impactos do
ensino remoto emergencial, como as aprendizagens que não aconteceram ou
não se consolidaram remotamente.
"Foi uma política importante para que as escolas criassem estratégias para
recompor aprendizagens e não penalizassem as crianças com possível
retenção", avalia Amábile Pacios, presidente da Câmara da Educação Básica do
CNE e vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP).
Agora, o esforço de recompor e promover aprendizagens, levando em conta a
bagagem dos alunos, precisa continuar. Isso não significa, contudo, fazer mais
do mesmo. "Podemos aproveitar esse momento para pensar um currículo que
não seja conteudista, mas que desenvolva os estudantes integralmente e
permita que eles sejam autônomos, com seus projetos de vida, colocando em
prática a BNCC", aponta Mozart Ramos Neves, diretor de articulação e inovação
do Instituto Ayrton Senna e ex-membro do CNE.
Como estruturar o currículo para 2023?
Bruna Albieri Cruz da Silva, coordenadora pedagógica na EMEF Maria Chaparro
Costa, da rede municipal de Bauru (SP), conta que para 2023 foi preparado um
currículo ancorado na BNCC e no currículo da cidade, mas com espaço para
alterações. O plano é acolher os alunos e promover um diagnóstico das turmas
logo no início do ano letivo para, então, voltar ao documento e adaptá-lo às
demandas identificadas. "Temos liberdade para trabalhar em cima do que o
estudante realmente precisa, com flexibilização. Assim conseguimos avançar
mais onde é possível e retomar o que é necessário".
Adotar essa postura diante do currículo, que privilegia o estudante e seus
conhecimentos, também é a recomendação do professor Francisco Thiago Silva,
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB). Ele é responsável
pela formulação do chamado currículo de transição, que pensa a Educação no
pós-pandemia, pautada no papel social da escola pública em democratizar o
acesso ao conhecimento a todos e todas. "O currículo de transição propõe
adaptar toda a organização do trabalho pedagógico de acordo com o contexto
de cada escola: desde a busca ativa, até repensar tempos, espaços e
metodologias de trabalho e implantar formas de avaliação mais humanas. É
respeitar a singularidade, a subjetividade de cada espaço escolar", explica o
docente.
Francisco Thiago reforça que não se trata de um currículo mínimo, mas de
priorizar o que não foi trabalhado com as turmas e aproveitar o que rendeu das
aulas remotas e engajou os alunos para recompor as aprendizagens.
Metodologias ativas e interdisciplinaridade estruturante, transversal e presente
ao longo de todo o ano também estão entre as recomendações. "Um dos
maiores desafios é garantir a autoria curricular, ou seja, que cada escola tenha
seu próprio currículo com o DNA pedagógico da escola. Ele também deve
reverberar em práticas mais humanizadas, ainda que o documento seja
norteado pela BNCC, pelas Diretrizes e pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais", destaca o especialista.
Diferentes necessidades e realidades
Outro ponto importante, segundo Francisco Thiago, é criar um currículo que dê
conta de turmas de um mesmo ano com níveis de aprendizagem muito
diferentes entre si e entre os estudantes de cada uma. "É preciso descobrir, por
meio de provas, sondagens, conversas com os alunos e com as famílias, como
foi o período da pandemia, como está a consolidação dos conteúdos essenciais
daquele ano e o que os estudantes não conseguiram aprender. E, então, trazer
tudo isso para o currículo", indica.
Para lidar com esse cenário de desigualdades de aprendizagem, comum nas
escolas, mas agravado desde o início da pandemia, a coordenadora Bruna
comenta que os professores vêm propondo diferentes planejamentos para
uma mesma turma. Assim, o mesmo conteúdo é trabalhado com a turma toda,
mas com objetivos pedagógicos diferentes para cada grupo de estudantes, de
acordo com as suas necessidades. Também são usados atividades e materiais
complementares específicos.
Para a diretora Marlucia, durante todo esse processo, é importante garantir que
os alunos não sejam responsabilizados por suas defasagens. "Se tiver uma
turma com menos carga de conhecimento do que a outra, não é olhar para ela
como a que não sabe, a que vai dar trabalho, mas a que vai precisar de mais
apoio e cuidado de toda a escola", orienta. Ela também ressalta a necessidade
de avaliar o desenvolvimento de cada um de diferentes formas e em momentos
variados, e não esperar o final do período para corrigir rotas e promover
aprendizagens.
No planejamento do currículo, Mozart convoca os educadores a irem além do
que já sabem fazer e refletirem sobre o que faz sentido manter e onde há
espaço para mudanças. “O ano de 2023 é de experimentação, trazer a
pesquisa-ação, fazer com que os estudantes trabalhem em grupo e busquem
soluções para problemas reais, fora da escola, com criatividade, pensamento
crítico e o uso de tecnologias digitais. Tudo isso, conectado às aprendizagens
curriculares e ao desenvolvimento integral”, sugere.
Trabalho em equipe para um currículo significativo
Para que um currículo ganhe vida na escola e efetivamente seja implementado,
é essencial que seja construído coletivamente, por toda a comunidade escolar,
inclusive as famílias. Para tanto, é possível reservar algumas datas para rodas
de conversa e pequenas reuniões para apresentar as ideias iniciais e ouvir a
opinião de todos e todas sobre a proposta, as dúvidas e o que gostariam de
acrescentar. Fazer perguntas mais específicas, como pedir indicações de livros
para as aulas de Língua Portuguesa ou questionar qual problema do bairro
seria interessante a escola abordar, pode ajudar a incentivar a participação de
todos.
“Além do trabalho colaborativo para construir o currículo no começo do ano,
temos diálogo constante com os professores no dia a dia para acompanhar
como estão as aulas e o desenvolvimento dos estudantes”, afirma a
coordenadora pedagógica Bruna. “A elaboração do currículo não pode se
encerrar só nesse planejamento inicial, pois faz parte de implementá-lo estar
perto dos docentes o tempo todo para intervir e apoiá-los.”
Nesse processo, vale incentivar que eles troquem experiências, que expressem
seus desejos e receios, e que formem grupos para se auxiliarem ao longo do
ano, independentemente da área e do ano para o qual lecionam. “Isso traz a
oportunidade de um currículo interdisciplinar, que articule conhecimentos de
Biologia e Geografia, por exemplo”, acrescenta Mozart. “Para ter essa visão
integrada do todo, é preciso que os professores trabalhem juntos e criem
pontes entre os temas que vão abordar e pensem em maneiras criativas de
levar isso para as turmas.”

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