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Aprendizagem pós-pandemia

Com o fechamento das escolas por dois anos, estudantes e educadores


vivenciaram experiências completamente novas e inesperadas. Estratégias de
ensino remoto foram utilizadas, mas nem todos conseguiram ter acesso à
educação.

Mesmo com aquelas e aqueles que tiveram aulas remotas, o aprendizado não se
deu de maneira linear. Inseguranças, medo de contrair a doença e perdas
financeiras, atingiram diferentes famílias, afetando, sobretudo, as crianças mais
pobres e, claro, impactando a aprendizagem delas e deles.

Neste período de retomada das aulas presenciais, é necessário que gestores


escolares e secretarias de ensino somem esforços para garantir a retomada do
aprendizado. Para 57% dos professores, o principal desafio no retorno às
aulas presenciais será recuperar a aprendizagem dos estudantes. O dado é
da pesquisa “Desafios e perspectivas da educação: uma visão dos
professores durante a pandemia”, realizada pelo Instituto Península (2021).

Para recuperar essa aprendizagem, avaliação diagnóstica e flexibilização dos


currículos têm sido temas recorrentes entre os educadores. Para falar mais
sobre isso, conversamos com a Maria Alice Junqueira de Almeida,
Coordenadora de projetos do Cenpec.
Maria Alice Junqueira de Almeida. (Foto: acervo pessoal)

Futura: Com a retomada das aulas presenciais, especialistas falam da


importância da avaliação diagnóstica para ajudar a estabelecer um plano
justo ao estudante no período pós-pandemia. O que é a avaliação
diagnóstica e qual a sua importância?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Este é um assunto muito urgente. Após a


pandemia, tivemos um aumento de crianças entre 6-7 anos que não
aprenderam a ler, afetando ainda mais as crianças mais pobres e pretas. O
ensino fundamental também apresentou um número grande de alunos do 6º, 7º,
8º e até 9º ano que ainda não estão alfabetizados. A pandemia agravou muito a
desigualdade educacional no país.
Não se trata, portanto, só de recuperar aquilo que não foi corretamente
aprendido. Grande parte dos estudantes sequer aprendeu os conteúdos previstos
para os anos de 2020 e 2021. A situação é emergencial e requer uma ação
rápida, com estratégias para, mais do que recuperar, potencializar a
aprendizagem dos estudantes

“A situação é emergencial e requer uma ação rápida para ,


mais do que recuperar, potencializar a aprendizagem dos
estudantes.”
O primeiro passo é fazer um bom diagnóstico de aprendizagem. Para isso é
preciso ter bons instrumentos. O Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb) e a Prova Brasil ainda não foram adaptados para fazer o diagnóstico
das habilidades socioemocionais e matrizes curriculares. Atualmente,
o CAEd é o melhor instrumento, porque já faz esse diálogo com a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Precisamos identificar o que cada
estudante conseguiu aprender e o que não conseguiu.

As redes de ensino conseguiram fazer uma boa análise deste resultado. Agora, é
preciso que haja uma organização entre os gestores escolares educacionais,
diretores e coordenadores pedagógicos para que consigam mapear a
aprendizagem de cada turma. E eles precisam andar de mãos dadas com os
professores para elaborar um plano de trabalho – desde o Ensino Fundamental
até o Ensino Médio.

Futura: Feito esse diagnóstico, quais são os próximos passos para


potencializar a aprendizagem dos estudantes após 2 anos de escolas
fechadas?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Para recompor a aprendizagem dos


alunos é preciso diagnóstico, priorização das habilidades da BNCC e formação
dos professores e gestores.

Após o diagnóstico, o próximo passo é fazer a flexibilização curricular. É


preciso entender e se debruçar sobre as habilidades prioritárias da BNCC.
Elas são os conhecimentos necessários para o pleno desenvolvimento das
competências. Em outras palavras, ao desenvolver uma competência, estamos
mobilizando várias habilidades que juntas proporcionam o domínio em
determinado contexto. Sendo assim, algumas habilidades previstas para que um
aluno do 2º ano se desenvolva são extremamente importantes para o
aprendizado do 3º ano deste estudante, por exemplo.
“É preciso mapear as habilidades adquiridas pelos
estudantes e identificar quais não podem deixar de ser
construídas para não prejudicar o aprendizado do ano
seguinte.”
Em sala de aula, o professor vai ter que lidar com diferentes níveis de
conhecimento de cada aluno. Vai precisar de muito trabalho do professor para
entender e mapear o nível de conhecimento dos alunos. Por isso, a importância
da reorganização do tempo escolar e da reenturmação.

Futura: Pode explicar um pouco mais sobre esse conceito de


reenturmação?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Muito provavelmente, o diagnóstico vai


revelar turmas bem heterogêneas, com estudantes com diferentes níveis de
conhecimento. A reenturmação tem como objetivo agrupar os alunos por níveis
de conhecimento.

Em alguns casos, talvez seja preciso mexer na carga horária também. Algumas
redes estão trabalhando até em ensino integral, com turnos maiores. Muitas
soluções criativas estão sendo encontradas para potencializar esse aprendizado.

“O professor tem que estar de olho nas atividades dos anos


anteriores que não foram consolidadas, naquelas do período
letivo atual e no que terá que ser consolidado até o final do
ano.”
O professor tem um desafio enorme. Ele tem que estar de olho nas atividades
dos anos anteriores que não foram consolidadas, naquelas do ano letivo atual e
naquilo que terá que ser consolidado até o final do ano. Isso requer muito
conhecimento e trabalho técnico. Trabalhar com projetos que envolvam
metodologias ativas de aprendizagem, como sala de aula invertida, por
exemplo, pode ser uma ótima solução. A formação continuada dos professores
é imprescindível.

Futura: Existe uma estimativa de quanto tempo será necessário para


recuperar a aprendizagem que foi interrompida/prejudicada na
pandemia?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Vamos levar, pelo menos, mais de um


ano para recuperar essas perdas. Alguns estudos têm mostrado que vamos
recuperar, no mínimo, em dois anos. Em algumas cidades, as escolas ficaram
fechadas por mais de 2 anos.

Futura: Quais os desafios para os alunos mais vulneráveis?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Para elas e eles foi muito difícil ficar
numa casa, muitas das vezes, precária, com poucos cômodos, sem poder brincar
na rua, sem merenda e com muita dificuldade familiar para botar pão na mesa.
As crianças que já eram mais desfavorecidas. Por estarem em condições
precárias, ficaram ainda mais vulneráveis pós-pandemia. A desigualdade, que já
existia, só aumentou.

“As crianças, que já eram mais desfavorecidas por estarem


em condições precárias, ficaram ainda mais vulneráveis
pós-pandemia.”
Essas crianças, jovens e adolescentes estão voltando com muitas sequelas
emocionais da pandemia. Não só elas e eles, mas também a equipe escolar.

Por isso, criar espaços de acolhimento para discutir o que está sendo vivido
é muito importante, assim como o trabalho intersetorial, em parceria com a
Secretaria de Saúde e com psicólogos. As famílias também precisam ser
acolhidas. É uma reconstrução, não só do ponto de vista pedagógico, mas
também do emocional.

“É uma reconstrução, não só do ponto de vista pedagógico,


mas também do emocional.”
Nós, do CENPEC, entendemos que as habilidades socioemocionais estão
intimamente ligadas à educação integral no sentido do desenvolvimento de cada
estudante. O desenvolvimento cognitivo do estudante não pode ser visto de
forma separada do desenvolvimento emocional.

Futura: Os modelos de avaliação educacional também devem ser revistos?

Maria Alice Junqueira de Almeida: Não existe ensino sem avaliação através
de prova. É preciso acolher, sem caráter punitivo, em tom de conversa, e de
forma muito respeitosa.

A secretaria de educação precisa de instrumentos padronizados nos mesmo


moldes do Saeb, da Prova Brasil, para fazer uma avaliação em conjunto.
Precisamos ter séries históricas de resultados de avaliação para comparar se
estamos avançando ou retrocedendo na aprendizagem.

Precisamos nos comprometer com a Educação


Articulação com comunidade escolar, movimentos sociais, gestores públicos,
empresas e terceiro setor.

Todos os anos, durante o mês de abril, a Fundação Roberto Marinho e uma


aliança estratégica de parceiros unem esforços a partir da mobilização
institucional para causas relevantes na agenda educacional brasileira.
Em 2022, o foco da mobilização está no acompanhamento das medidas para
mitigação dos efeitos da pandemia.

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