Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO
daquele que joga, que brinca e que se diverte. Por sua vez, a função educativa do
jogo oportuniza a aprendizagem do indivíduo, seu saber, seu conhecimento e sua
compreensão de mundo.
Ao longo desta apostila estaremos definindo ludopedagogia ou ludoeducação,
bem como iremos descobrir e construir os conceitos propostos para criança e
infância ao longo dos séculos, além de dedicarmos um tópico especial ao
desenvolvimento psicossocial da criança e a importância das relações afetivas e
étnico-raciais na formação da criança.
Ressaltamos em primeiro lugar que embora a escrita acadêmica tenha como
premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um
pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados
cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar,
deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores,
incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma
redação original.
Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas
outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para
sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos.
Desejamos a todos uma boa leitura e relembrando que a educação também
se faz na formação continuada, em serviço, portanto sugerimos que sempre que se
fizer possível e necessário, montem grupos de estudo e discutam entre si as
dúvidas, as novidades, troquem experiências!
Outra justificativa plausível para a utilização do lúdico quem nos fornece são
Craidy e Kaercher (2001, p. 101) as quais questionam o seguinte, com relação aos
pais, mães e muito educadores:
“É comum ouvirmos queixas de pais, mães e educadores de que as crianças
hoje em dia não sabem mais brincar. Dizem que na hora do recreio, principalmente,
só correm e brigam. Mas quem para e brinca hoje com as crianças? Quem as ensina
a brincar?”
Outra questão pontual que relaciona lúdico com cultura vem dos Parâmetros
Curriculares Nacionais que pregam a utilização dos temas transversais, como por
exemplo, a pluralidade cultural, em que se leva o aluno a respeitar os diferentes
grupos e culturas. Envolve questões como discriminação e preconceito. Num país
como o nosso, em que convivem diferentes etnias e culturas, essa discussão é
relevante (TEIXEIRA, ROCHA E SILVA, 2007).
Os brinquedos, brincadeiras e jogos, além de favorecer que as crianças
venham a se divertir, venham a deixar de lado a forma agressiva como hoje se
apresentam nas brincadeiras na hora das atividades livres, favorecem também ao
professor um resgate da própria cultura do país, do folclore de todo um povo. Sendo
assim, pode-se levar o aluno ao conhecimento da história de seu povo, ao
conhecimento de sua cultura, seus valores, seus costumes.
A criança expressa-se pelo ato lúdico e é através desse ato que a infância
carrega consigo as brincadeiras. Elas perpetuam e renovam a cultura
infantil, desenvolvendo formas de convivência social, modificando-se e
recebendo novos conteúdos, a fim de se renovar a cada nova geração. É
pelo brincar e repetir a brincadeira que a criança saboreia a vitória da
aquisição de um novo saber fazer, incorporando-o a cada novo brincar
(CRAIDY E KAERCHER, 2001, p. 103).
O mesmo autor deixa claro que nem todo jogo é um material pedagógico.
propor a realização desses processos nos vários contextos em que essas práticas
ocorrem. Ela se constitui, sob esse entendimento, em um campo de conhecimento
que possui objeto, problemáticas e métodos próprios de investigação, configurando-
se como “ciência da educação”.
Essa visão da pedagogia fundamenta-se em um conceito ampliado de
educação. Para Libâneo (2005), as práticas educativas não se restringem à escola
ou à família. Elas ocorrem em todos os contextos e âmbitos da existência individual
e social humana, de modo institucionalizado ou não, sob várias modalidades. Entre
essas práticas, há as que acontecem de forma difusa e dispersa, são as que
ocorrem nos processos de aquisição de saberes e modos de ação de modo não
intencional e não institucionalizado, configurando a educação informal.
Há, também, as práticas educativas realizadas em instituições não
convencionais de educação, mas com certo nível de intencionalidade e
sistematização, tais como as que se verificam nas organizações profissionais, nos
meios de comunicação, nas agências formativas para grupos sociais específicos,
caracterizando a educação não formal.
Existem, ainda, as práticas educativas com elevados graus de
intencionalidade, sistematização e institucionalização, como as que se realizam nas
escolas ou em outras instituições de ensino, compreendendo o que o autor
denomina educação formal.
Conforme Libâneo (2005), são esses processos que constituem o objeto de
estudo da pedagogia, demarcando-lhe um campo próprio de investigação.
Ela estuda as práticas educativas tendo em vista explicitar finalidades,
objetivos sociopolíticos e formas de intervenção pedagógica para a educação. O
pedagógico da ação educativa se expressa, justamente, na intencionalidade e no
direcionamento dessa ação. Esse posicionamento é necessário, defende o autor,
porque as práticas educativas não se dão de forma isolada das relações sociais,
políticas, culturais e econômicas da sociedade. Vivemos em uma sociedade
desigual, baseada em relações sociais de antagonismo e de exploração. Por isso a
pedagogia não se pode eximir de se posicionar claramente sobre qual direção a
ação educativa deve tomar, sobre que tipo de homem pretende formar (LISITA,
2007).
um mundo mais justo, mas produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são
imprescindíveis.
Em palavras mais simples e voltando nosso foco para educação, podemos
dizer que existem muitas abordagens possíveis para propiciar o ato educativo. Na
intenção de transmitir informações e transformá-las em conhecimento, um professor
pode optar por diversas maneiras de comunicação com seus alunos. A pedagogia é
exatamente isso, a normatização das ações e dos instrumentos didáticos que devem
ser utilizados para qualquer nível de educação (COSTA, 2008).
Em outro momento do curso discutiremos mais detalhadamente a questão do
educador da Educação Infantil. Por hora, acreditamos que tenha ficado entendido a
importância da pedagogia enquanto área de conhecimento extremamente
necessária aos profissionais que cuidam da educação e formação dos nossos
pequenos cidadãos.
Falar em pedagogia nos remete quase que automaticamente para educação e
didática, portanto, vamos aos próximos conceitos.
2.2 Educação
Voltando à coleção Primeiros Passos, agora é Carlos Brandão (1993) quem
nos define de maneira clara o que seria educação.
A educação ajuda a pensar tipos de homens, mais do que isso, ela ajuda a
criá-los, através de passar uns para os outros o saber que o constitui e legitima.
Produz o conjunto de crenças e ideias, de qualificações e especialidades que
envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto constroem tipos
de sociedades (BRANDÃO, 1993, p. 11).
Brandão constrói o conceito de educação através da endoculturação como
sendo o processo onde a criança se transforma num adulto que assimila o conjunto
de crenças e hábitos da sociedade (BRANDÃO, 1993, p. 23).
A educação é apenas uma fração da experiência endoculturativa. Ela aparece
sempre que há relações entre pessoas e intenções de ensinar e aprender. São
como as intenções de “modelar” a criança para conduzi-la a ser o modelo social de
adolescente e, ao adolescente, para torná-lo mais adiante um jovem e, depois um
adulto.
2.3 Lúdico
Muitos pesquisadores denominam o século XXI como o século da ludicidade.
Vivemos em tempos em que diversão, lazer, entretenimento apresentam-se como
condições muito requeridas pela sociedade. E por tornar-se a dimensão lúdica alvo
de tantas atenções e desejos, faz-se necessário e fundamental resgatarmos a sua
essência, dedicarmos estudos e pesquisas no sentido de evocarmos seu real
significado (SÁ, 2007).
Para a mesma autora, viver ludicamente significa uma forma de intervenção
no mundo, indica que não apenas estamos inseridos no mundo mas, sobretudo, que
somos ele. Logo, conhecimento, prática e reflexão são as nossas ferramentas para
exercermos um protagonismo lúdico ativo.
Negrine (2000) afirma que a capacidade lúdica está diretamente relacionada a
sua pré-história de vida. Acredita ser, antes de mais nada, um estado de espírito e
um saber que progressivamente vai se instalando na conduta do ser devido ao seu
modo de vida.
O lúdico refere-se a uma dimensão humana que evoca os sentimentos de
liberdade e espontaneidade de ação. Abrange atividades despretensiosas,
Huizinga (1996) bem como Brougère (1998) entendem o jogo em seu aspecto
mais amplo, ou seja, levam o jogo a ser entendido de acordo com as diferentes
culturas.
Toda uma escola de pensamento, retomando os grandes temas românticos
inaugurados por Jean-Paul Richter e E. T. A. Hoffmann, vê no brincar o espaço da
criação cultural por excelência. Deve-se a Winnicott a reativação de um pensamento
segundo o qual o espaço lúdico vai permitir ao indivíduo criar e entreter uma relação
aberta e positiva com a cultura: “Se brincar é essencial é porque é brincando que o
paciente se mostra criativo” (WINICOTT, 1975 apud BROUGÈRE, 1998).
Brincar é visto como um mecanismo psicológico que garante ao sujeito
manter uma certa distância em relação ao real, fiel, na concepção de Freud, que vê
no brincar o modelo do princípio de prazer oposto ao princípio de realidade
(BROUGÈRE, 1998). Brincar torna-se o arquétipo de toda atividade cultural que,
como a arte, não se limita a uma relação simples com o real.
Mas numa concepção como essa, o paradoxo é que o lugar de emergência e
de enriquecimento da cultura é pensado fora de toda cultura como expressão por
excelência da subjetividade livre de qualquer restrição, pois esta é ligada à
realidade. A cultura nasceria de uma instância e de um lugar marcados pela
independência em face de qualquer outra instância, sob a égide de uma criatividade
que poderia desabrochar sem obstáculos. O retrato é, sem dúvida, exagerado, mas
traduz a psicologização contemporânea do brincar, que faz dele uma instância do
indivíduo isolado das influências do mundo, pelo menos quando a brincadeira real se
mostra fiel a essa ideia, recusando, por exemplo, qualquer ligação objetiva muito
impositiva, caso do brinquedo concebido exteriormente ao ato de brincar.
Encontramos aqui de volta o mito romântico tão bem ilustrado em L’enfant étranger
(A criança estrangeira), de Hoffmann, onde o brinquedo se opõe ao verdadeiro ato
de brincar. Alguns autores negam qualquer construção cultural estável até mesmo o
termo “brincadeira”, “jogo”. Seriam uma apropriação do “brincar”, essa dinâmica
essencial ao ser humano (BROUGÈRE, 1998).
Concepções como essas apresentam o defeito de não levar em conta a
dimensão social da atividade humana que o jogo, tanto quanto outros
comportamentos, não pode descartar. Brincar não é uma dinâmica interna do
indivíduo, mas uma atividade dotada de uma significação social precisa que, como
outras, necessita de aprendizagem (BROUGÈRE, 1998).
2.4 Ludopedagogia
Ludopedagogia se compõe de lúdico e educação.
1. Ludo vem de lúdico, que relaciona os jogos e as brincadeiras;
2. Pedagogia que é a ciência da instrução, reporta a educação.
3. Técnica é o conjunto de métodos e processos de uma arte.
Partindo dessas definições, e interagindo-as, percebemos a importância das
técnicas na arte de ensinar para as crianças, usando-se de jogos e brincadeiras e
tendo como retorno o desenvolvimento sensório motor e cognitivo.
Podemos enfatizar a importância da ludicidade enquanto técnica, pois as
percepções positivas pedagogicamente fazem com que os educadores tenham em
mente os objetivos e os fins da brincadeira desenvolvida, sua utilização lúdica,
cognitiva, sociocultural, diagnosticar, avaliar e elaborar estratégias de trabalho,
identificando, desta forma, as dificuldades e os avanços dos educandos, como
Vygotsky e Piaget defendiam em momentos raros (MOREIRA, 2010).
A brincadeira não é uma atividade inata, mas sim uma atividade social e
humana e que supõe contextos sociais, a partir dos quais as crianças recriam a
realidade através da utilização de sistemas simbólicos próprios com o auxílio das
técnicas da Ludopedagogia utilizada no processo de aprendizagem. É uma atividade
social aprendida através das interações humanas (CARNEIRO, 2011; ALVES,
2003).
Segundo Castro e Severo Filho (2008), a Ludopedagogia tem algumas
peculiaridades que desperta, para algumas competências, habilidades, estímulos
neuropsicológicos que agregam diferenciais que a valorizam como técnica de
ensino. Isso se dá pelo fato de que o lúdico torna-se uma estratégia de ensino, ou
seja, de uma forma prazerosa o aprendizado acontece, atingindo o sensório motor e
o cognitivo da criança.
De acordo com Kishimoto (2002), Froebel foi o primeiro educador que
justificou o uso do brincar no processo educativo. Ele via o brincar como um ato
também pedagógico e não só de entretenimento. Para que a brincadeira desenvolva
os aspectos físicos, moral e cognitivo, entre outros, há necessidade da orientação de
um adulto para que esse desenvolvimento ocorra.
Pode-se dizer então, que o ato de brincar (o lúdico) é uma ação importante
para o desenvolvimento humano, onde o imaginário e técnicas de aprendizagem,
relacionam-se a partir do trabalho do educador, conforme especificidade de cada
indivíduo. Nesse processo, a criança começa a ser inserida no mundo social, cheio
de regras, como os jogos e brincadeiras, daí tal importância e tal identificação do
lúdico na aprendizagem.
Surgem dessa técnica de ensinar, transformações no desenvolvimento da
criança em consequência do brinquedo, objetivando uma relação entre o significado
e a percepção visual, ou seja, o que se pensa ou se cria com situações reais
(MOREIRA, 2010).
Dessa forma, podemos dizer que um professor bem preparado pode mudar a
vida de um aluno. Neste caso específico, com o auxílio importantíssimo da
Ludopedagogia em prol de um desenvolvimento esplendoroso no que se diz respeito
ao desenvolvimento cognitivo e criativo do mesmo.
A ludopedagogia nos oferece a magia de ensinar, o aprender brincando,
diferente das aulas perturbadoras que afastam o aluno do conhecimento, e, como
em muitos casos, levam ao abandono escolar.
Por meio da ludopedagogia podemos oferecer ao aluno uma proximidade da
realidade na qual esta inserida, assim como já foi realizado em experiências
escolares as quais receberam premiações do Ministério da Educação, com o Prêmio
Professor do Brasil e que demonstram o aumento na frequência escolar, a
diminuição da violência dentro da escola, a socialização e a integração de todos os
alunos no grupo, a autoestima elevada e o respeito com as diferenças,
transformando o aluno, o professor, a escola, a família e a sociedade (MOREIRA,
2010).
Todos devem aprender de forma que seja prazeroso, que não sejam
reprimidos, ou estancados no processo ensino-aprendizagem, portanto, não
precisamos encarar a ludopedagogia como uma arte de brincar, limitados entre
brincadeiras e brinquedos, mas, em uma arte de ensinar, diferenciando do
tradicionalista das aulas expositivas, monótonas e improdutivas. O aluno não só
pode como deve ser estimulado com a criatividade do educador assumindo sua
natureza de mediador do conhecimento, oferecendo pontes novas a seu educando.
(...) a primeira idade é a infância que planta os dentes, e essa idade começa
quando nasce e dura até os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é
1
chamado de enfant (criança), que quer dizer não falante, pois nessa idade
a pessoa não pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras (...)
(ARIÉS, 1981, p. 36).
1
Infante (origem latina) ausência de fala “Por não falar, a infância não se fala e não se falando, não
ocupa a primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. (...) Por isso é sempre definida por fora”.
(Lajolo, 1997, p. 226).
Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de
direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios
eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e
recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
23
e age, com capacidade para alterar o mundo que o cerca; tal capacidade não seria
possível às crianças.
Observa-se que a passagem da vida infantil para a vida adulta seria uma
condição a ser superada: (...) a passagem da criança pela família e pela sociedade
era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a
memória e tocar a sensibilidade (...) (ARIÉS, 1981, p. 10).
A infância nesse contexto seria comparada à velhice, pois se, de um lado,
temos a infância constituída pela falta de razão, por outro, teríamos a velhice
marcada pela senilidade (..) porque as pessoas velhas já não têm os sentidos tão
bons como já tiveram, e caducam em sua velhice (...) o velho está sempre tossindo,
escarrando e sujando (...) (ARIÈS, 1981, p. 37).
As demais idades, no caso, a juventude e a vida adulta, caracterizar-se-iam
pela sua força, virilidade e principalmente pelas funções produtivas dentro da vida
social e coletiva. Entende-se que foi uma época voltada ao poder da juventude.
Considerando essa questão, percebemos que, ainda hoje, na nossa sociedade, essa
situação é recorrente, à medida que há uma ênfase na valorização do indivíduo
produtivo, excluindo-se crianças e idosos de diversos setores e espaços sociais.
Assim, a história da criança contada por Ariès, destaca que as crianças foram
tratadas como adultos em miniatura: na sua maneira de vestir-se, na participação
ativa em reuniões, festas e danças. Os adultos se relacionavam com as crianças
sem discriminações, falavam vulgaridades, realizavam brincadeiras grosseiras, todos
os tipos de assuntos eram discutidos na sua frente, inclusive a participação em jogos
sexuais. Isto ocorria porque não acreditavam na possibilidade da existência de uma
inocência pueril, ou na diferença de características entre adultos e crianças: (...) no
mundo das fórmulas românticas, e até o fim do século XIII, não existem crianças
caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido
(...) (ARIÈS, 1981, p. 51).
Dessa forma, as crianças eram submetidas e preparadas para suas funções
dentro da organização social. O desenvolvimento das suas capacidades se dá a
partir das relações que mantêm com os mais velhos. Portanto, percebe-se uma
distância da idade adulta e da infância em perspectiva cronológica e de
desenvolvimento biológico, pois a infância é retratada pelas afinidades que o adulto
estabelece com a criança, ou seja, tudo era permitido, realizado e discutido na sua
presença.
O autor destaca, ainda, que foram séculos de altos índices de mortalidade e
de práticas de infanticídio. As crianças eram jogadas fora e substituídas por outras
sem sentimentos, na intenção de conseguir um espécime melhor, mais saudável,
mais forte que correspondesse às expectativas dos pais e de uma sociedade que
estava organizada em torno dessa perspectiva utilitária da infância. O sentimento de
amor materno não existia, segundo o autor, como uma referência à afetividade. A
família era social e não sentimental.
Nessa passagem, é possível apreender tal ideia: (...) uma vizinha, mulher de
um relator, tranquilizar assim uma mulher inquieta, mãe de cinco “pestes”, e que
acabara de dar à luz: antes que eles te possam causar muitos problemas, tu terás
perdido a metade, e quem sabe todos (ARIÈS, 1981, p. 56). Assim, as crianças
sadias eram mantidas por questões de necessidade, mas a mortalidade também era
algo aceito com bastante naturalidade.
Outra característica da época era entregar a criança para que outra família a
educasse. O retorno para casa se dava aos sete anos, se sobrevivesse. Nesta
idade, estaria apta para ser inserida na vida da família e no trabalho.
No bojo dessas transformações, das relações sociais e da nova organização
familiar, temos também as mudanças no mundo do trabalho, que começam a
desenhar um novo modo de produção e o estabelecimento de uma nova
organização social. Essas transformações retiram a mulher do lar e da posição antes
ocupada por ela como mãe e responsável pela criação dos filhos e vai colocá-la nas
frentes de produção como operária, exigindo sua participação no mercado de
trabalho e impondo a necessidade da criação de formas de atendimento para suas
crianças (SARAT, 2001).
As transformações tecnológicas ocorridas na Europa na segunda metade do
século XVIII mudaram a relação do homem com o mundo e consigo próprio. Surge o
capitalismo. Os homens vão para o mercado de trabalho e a mulher cuida da família,
surgindo o ideal de amor materno. No entanto havia ainda forte influência das ideias
de Santo Agostinho, para quem a criança era vista como símbolo da força do mal,
um ser imperfeito e esmagado pelo peso do pecado original que precisava ser
corrigido.
Assim as crianças eram criadas por amas de leite. A primeira agência de
amas em Paris data do século XVIII. As famílias ricas consideravam o ato de
amamentar humilhante e um estorvo à vida conjugal. Logo que o bebê nascia
contratava-se uma mulher saudável para amamentar e criar a criança por quatro ou
cinco anos. As mães não tinham contato com os filhos durante esse período.
Nas famílias pobres, os filhos eram entregues a qualquer mulher e geralmente
eram mal tratados e criados em péssimas condições de higiene. Era comum a
criança voltar ao lar, raquítica, com algum defeito físico ou gravemente doente. A
mortalidade infantil nessa época era considerada banal.
Ao contrário do que pode acreditar o censo comum, a ideia da infância como
um período peculiar de nossas vidas, não é um sentimento natural ou inerente à
condição humana. Segundo Àries (1973), essa concepção, esse olhar diferenciado
sobre a criança teria começado a se formar com o fim da Idade Média, sendo
inexistente na sociedade desse período.
É interessante notar que as primeiras demonstrações são caracterizadas pela
paparicação, ou seja, a criança (principalmente da ‘elite’) era vista como um ser
inocente e divertido; servindo como meio de entreter os adultos. O ‘mimo’, tão
criticado na época por Montaigne e diversos educadores, não era sua única forma
de expressão, também observada em situações de morte infantil, antes considerada
inevitável, e até previsível, era agora recebida com muita dor e abatimento. É no
século XVII, com a intensificação das críticas, que as perspectivas e ações em
relação à infância começam a se deslocar para o campo moral e psicológico: é
preciso conhecê-la e não paparicá-la, para corrigir suas imperfeições. Embora esses
dois sentimentos de infância tivessem origens diferentes, um provindo da família e o
outro do meio eclesiástico e/ou intelectual, sob qualquer uma das visões, é possível
perceber que a criança perde seu anonimato e assume um papel central no meio
familiar (ARIÈS, 1973).
Nos dias de hoje, quando se comenta que uma criança já está na idade
escolar, entende-se facilmente que ela tem por volta de seis anos. Até os fins do
século XVIII, no entanto, a mesma afirmação não diria muito sobre a idade dessa
criança. Até então, a escola havia se mantido alienada dessas classificações etárias,
uma vez que seu objetivo era mais técnico, destinado a aprendizes de qualquer
idade ou cléricos, e não à educação infantil.
A disseminação das ideias de ‘longa infância’ (que deixava de considerar
adulto alguém com mais de sete anos de idade), e mais tarde, da adolescência
contribuíram para essa mudança. Contudo, o processo se deu gradualmente: os
meninos de onze anos que entravam no exército sem nenhuma formação, agora
(século XVIII) eram admitidos como oficiais somente com alguma instrução. As
meninas, desde o início, excluídas do convívio escolar, eram tratadas até o século
XVII como mulheres adultas a partir dos doze anos (de maneira geral) e sua
formação familiar condizia com esse comportamento (ARIÈS, 1973).
Durante a Era Moderna2, a escola, embora por muito tempo ignore as
diferenciações de idade, se concentra na disciplina, que tem uma origem religiosa e
extremamente rígida. Esse aspecto moral e de vigilância seria curiosamente
responsável pelo direcionamento das escolas (bem exemplificadas pelos internatos
e liceus do século XIX) à questão dos jovens e crianças (ARIÈS, 1973).
É preciso lembrar, contudo, que esse não era um fenômeno generalizado:
enquanto alguns tinham sua infância delimitada pelo ciclo escolar (o tempo da
disciplina, da vigilância separado do da ‘liberdade’ adulta), outros ainda se
“transformavam” em adultos e mal tinham condições físicas para isso (mais tarde, os
internatos seriam exclusivos de uma elite e o primário – ensino mais curto – seria
destinado ao ‘povo’).
Ironicamente, a utopia do ensino universal não era defendida pela grande
maioria dos iluministas do século XVIII, que propunham uma educação diferenciada
de acordo com o status social; condizente com o pensamento tradicional de
separação entre o trabalho manual/braçal e o intelectual; condenados a pertencerem
a mundos diferentes. Na realidade, o desenvolvimento acelerado do capitalismo e o
uso crescente da mão-de-obra infantil, principalmente nas fábricas, contribuíram
ainda mais para aumentar esse abismo (ARIÈS, 1973).
Assim como o olhar diferenciado em relação a criança não é algo comum na
Idade Média, o sentimento de família também começa a se desenvolver a partir dos
2
Compreende aproximadamente o período entre os séculos XVI e o XIX.
Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de
direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios
eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e
recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
27
séculos XV e XVI. Não se pode pensar que a família em si não existia; o que não se
observava era a visão dela como algo privado, reservado à intimidade. Nessa época,
as relações sociais e a vida pública eram tão presentes que se mesclavam, se
confundiam ao ambiente familiar (é a ideia da ‘casa aberta’, com a entrada e saída
de diversas pessoas, com cômodos comuns onde momentos íntimos eram muito
raros).
A preservação da família como algo privado, à parte da vida social é uma
ideia tipicamente burguesa, com o próprio desenvolvimento de noções modernas,
como por exemplo, o individualismo3. A vida profissional e a vida familiar abafaram
essa outra atividade, que outrora invadia toda a vida: a atividade das relações
sociais (ARIÈS, 1973).
Guedes, Santos e Andrade (2004) também fazem uma análise interessante
da criança a partir da Idade Moderna e ressaltam que foi nessa época que começou
a se perceber a criança, ela passou a ter importância, a família passou a valorizá-la
e a lhe dar uma atenção especial.
Postman (1999), no que diz respeito a infância, ressalta que ela é
3
A maior valorização do indivíduo em relação à comunidade, ao coletivo.
5.1 A afetividade
No que se refere à afetividade e à amabilidade no ambiente escolar, o
educador Paulo Freire também traz sua contribuição:
Ensinar exige querer bem aos educandos (...) preciso estar aberto ao gosto
de querer bem aos educandos e à própria prática educativa de que
participo. Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade, que,
porque professor, me obriga a querer bem a todos os alunos de maneira
igual. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de
autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, em uma
prática específica do ser humano. (...) A afetividade não se acha excluída da
cognoscibilidade. O que não posso obviamente permitir é que minha
afetividade interfira no cumprimento ético de meu dever de professor no
exercício de minha autoridade (FREIRE, 2003. p. 141).
Portanto, ser amável não significa ser permissivo nem tão somente autoritário,
mas consciente do papel de educador, capaz de beneficiar-se da heterogeneidade
para gerar mais confiança em si, e possa conduzir, de forma segura, seu
desenvolvimento integral.
Ainda em relação à afetividade como fator importante no desenvolvimento da
criança, Wallon (apud TAILLE, 1992) também considera a dimensão afetiva como
fundamental, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do
conhecimento.
Para ele, ambos se iniciam em um período denominado de impulsivo-
emocional que se estende ao longo do primeiro ano de vida.
Na concepção psicogenética de Henry Wallon, a dimensão afetiva ocupa
lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do
conhecimento (VIANA, 2010).
La TailIe (1992) enfatiza que a emoção ocupa o papel de mediadora. O
processo de desenvolvimento infantil se realiza nas interações, que objetivam não
só a satisfação das necessidades básicas, como também a construção de novas
relações sociais, com o predomínio da emoção sobre as demais atividades. As
interações emocionais devem se pautar pela qualidade, a fim de ampliar o horizonte
da criança e levá-Ia a transcender sua subjetividade e inserir-se no social (LA
TAILLE, 1992, p. 85).
Na concepção walIoniana, tanto a emoção quanto a inteligência são aspectos
fundamentais para o processo de desenvolvimento da criança. Quanto à dimensão
afetiva, o ponto importante na teoria psicogenética é a indissociabilidade do homem
social e biológico, considerando em uma dinâmica possível de serem identificadas
as etapas do desenvolvimento da criança, cada uma com suas características
próprias, atendendo aos diferentes interesses e às necessidades, sendo uma ponto
de partida para a outra.
Para WalIon (2005 apud GALVÃO, 2005, p. 39), a cada idade estabelece-se
um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente. Os aspectos físicos
do espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada
cultura formam o contexto do desenvolvimento.
Os trabalhos de WalIon dão grande ênfase às emoções como constituição
intermediária entre o corpo, sua fisiologia, seus reflexos e as condutas psíquicas de
adaptação, potencializam o homem para seu desenvolvimento positivo, pois, a
seus costumes, suas tradições e suas crenças; não omitindo sua história, suas lutas
e conquistas; evidenciando seus valores positivos e sua significativa importância na
constituição da nação brasileira, de modo que brancos e negros percebam que as
diferenças étnicas existentes não são fatores para a hierarquização das relações
nem motivo para manter as desigualdades sociais na sociedade.
Concordamos com Santos e Campos (2010) que diante dos conflitos étnico-
raciais estabelecidos no espaço escolar, muitas crianças negras acabam por
internalizar uma imagem negativa do seu grupo étnico, construída historicamente
por uma elite dominante. Essa interiorização acontece geralmente por meio dos
materiais didáticos utilizados e, em especial, por uma estrutura curricular que prima
por um padrão de beleza e de cultura do branco europeu, os quais arraigam valores,
formas de comportamento e crenças, fomentando os estereótipos, os estigmas e o
preconceito.
É preciso que a escola crie situações e estratégias que valorizem a
diversidade étnica, de modo que seus educandos percebam as diferenças existentes
na sociedade brasileira como algo positivo e não como justificativa para a
hierarquização das relações sociais. É preciso que a escola propicie às camadas
historicamente desfavorecidas – negros e índios – a participação igualitária e o
sentimento de pertencimento a esta sociedade, bem como a construção de uma
imagem positiva de si e de seus pares e isto desde a primeira infância!
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS BÁSICAS
CAMPOS, Gleisy; LIMA, Lilian. Por dentro da educação infantil: a criança em foco.
Rio de Janeiro: Wak, 2010.
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
A Criança e seus direitos: Declaração dos direitos da criança, Compor. 1999.
ALMEIDA, P.N. Educação Lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. 5. ed. São Paulo:
Editora Loyola, 1987.
ALVES, Rubem. Conversas sobre educação. São Paulo: Verus, 2003.
ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 3 ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
ARIÉS, P. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2.ed. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.KRAMER, Sonia. A política da Pré-
escola no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortez, 1995.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, Coleção
Primeiros Passos, 28 ed., 1993.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Resolução CEB
nº 01 de 7 de abril de 1999.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Resolução
CEB nº 02 de 7 de abril de 1998.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente de 13 de julho de 1990. Manual do
Inspetor Escolar e do Supervisor Pedagógico. Minas Gerais, 1996.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394, de 20 de
dezembro de 1996.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da
Educação e do Desporto. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília:
MEC/SEF, 1998. 3 v.
BROUGÈRE, Gilles. A criança e a cultura lúdica. Tradução de Ivone Mantoanelli.
Rev. Fac. Educ. vol.24 n.2 São Paulo July/Dec. 1998. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
25551998000200007&script=sci_arttext&tlng=e!n Acesso em: 12 abr. 2011.
CAILLOIS, Roger. Los juegos y los hombres: la máscara y el vertigo. México: Fondo
de Cultura económica, 1986.
CAMPOS, Gleisy Vieira. Entre bruxas príncipes e princesas: os contos de fadas e a
construção de uma identidade étnicoracial. Ilhéus: UESC, 2008.
Todos os direitos reservados ao Grupo Prominas de acordo com a convenção internacional de
direitos autorais. Nenhuma parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada seja por meios
eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou gravações, ou, por sistemas de armazenagem e
recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
62