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Orientador Educacional: o

mediador da escola
Elo entre educadores, pais e estudantes, esse
profissional atua para administrar diferentes pontos de
vista
POR:
Daniela Almeida
01 de Março | 2009

Antes tido como o responsável por encaminhar os estudantes considerados


"problema" a psicólogos, o orientador educacional ganhou uma nova função,
perdeu o antigo e pejorativo rótulo de delegado e hoje trabalha para intermediar
os conflitos escolares e ajudar os professores a lidar com alunos com dificuldade
de aprendizagem.

Regulamentado por decreto federal, o cargo é desempenhado por um pedagogo


especializado (nas redes públicas, sua presença é obrigatória de acordo com leis
municipais e estaduais). Enquanto o coordenador pedagógico garante o
cumprimento do planejamento e dá suporte formativo aos educadores, ele faz a
ponte entre estudantes, docentes e pais.

Para ter sucesso, precisa construir uma relação de confiança que permita
administrar os diferentes pontos de vista, ter a habilidade de negociar e prever
ações. Do contrário, passa a se dedicar aos incêndios diários. "Garantir a
integração dos atores educacionais e avaliar o processo evita a dispersão",
explica Sônia Aidar, titular do posto na Escola Projeto Vida, em São Paulo.

É também seu papel manter reuniões semanais com as classes para mapear
problemas, dar suporte a crianças com questões de relacionamento e estabelecer
uma parceria com as famílias, quando há a desconfiança de que a dificuldade
esteja em casa. "Antes, o cargo tinha mais um enfoque clínico. A rotina era ser o
responsável por encaminhar alunos a especialistas, como médicos,
fonoaudiólogos etc.", explica Sônia.

Recentemente, o orientador passou a atuar de forma a atender os estudantes


levando em conta que eles estão inseridos em um contexto social, o que
influencia o processo de aprendizagem. "Essa mudança tem a ver com a
influência de teóricos construtivistas, como Jean Piaget (1896-1980), Lev
Vygostky (1896-1934) e Henri Wallon (1879-1962), nos projetos pedagógicos
das escolas, cada vez mais pautados pela psicologia do desenvolvimento - o
estudo científico das mudanças de comportamento relacionadas à idade durante a
vida de uma pessoa."

Em algumas redes, como em Guarulhos, na Grande São Paulo, essa ajuda vem de
fora. A organização não-governamental Lugar de Vida, por exemplo, foi
contratada pela prefeitura para prestar o serviço de orientação. O programa foi
pensado para que a equipe da escola tenha encontros quinzenais, de duas horas
cada um, com o pessoal da entidade para falar sobre dificuldades diversas.

As primeiras reuniões geralmente se iniciavam com um longo silêncio, mas


terminavam com os participantes contando experiências muitas vezes
traumáticas. "Percebi logo que não se costuma falar sobre esses problemas. Os
docentes têm dificuldade em compartilhá-los com seus pares e, com isso, acabam
por não resolvê-los", conta Fernando Colli, psicanalista e coordenador da Lugar
de Vida.

Quando essa dinâmica está incorporada à unidade de ensino, o trabalho flui de


forma mais contínua. Para mostrar como isso funciona, ouvimos três orientadores
com perfis distintos. Todos foram convidados a narrar seu dia-a-dia em textos em
primeira pessoa - você confere o resultado abaixo.

Maria Eugênia de Toledo, da Escola Projeto Vida, fala sobre como é lidar
diretamente com crianças e jovens. O relato de Lidnei Ventura, da EBM
Brigadeiro Eduardo Gomes, em Florianópolis, é um bom exemplo da rotina de
quem trabalha lado a lado com os professores. E Suzana Moreira Pacheco, titular
do posto na EMEF Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, em Porto
Alegre, conta como é ser o elo com a comunidade.

Convívio e parceria com os estudantes

Foto: Rodrigo Erib

"Meu nome é Maria Eugênia Toledo e, desde 2002, sou orientadora responsável
por sete turmas do 6º e do 7º ano da Escola Projeto Vida, em São Paulo. A
demanda de acompanhamento dos jovens é grande. O desafio é não descuidar
do coletivo, ao mesmo tempo que desenvolvemos uma série de intervenções
individuais.

Recentemente, precisei sentar e conversar com um aluno que fez uma coisa
errada. Os professores reclamavam que ele dava trabalho e provocava os
colegas. Em nossa conversa, ele chorou muito e desabafou: ninguém enxergava
suas qualidades. Eu disse: 'Você tem de mostrar seu lado bom. É sua meta.
Combinado?' Ele respondeu que sim. Estávamos de acordo. Uma semana
depois, a escola promoveu um passeio à exposição
Diálogos no Escuro (ambiente em que se simula o cotidiano dos deficientes
visuais) , na cidade de Campinas, a 98 quilômetros de São Paulo. Esse estudante
foi. Para minha surpresa, quando estávamos no escuro para conversar com os
guias cegos, ele fez as melhores perguntas. Queria saber se os guias eram
vaidosos, como era o dia-a-dia deles etc. No fim do programa, um deles
perguntou o nome do aluno e disse: 'Eu enxergo muitas coisas boas em você'. A
reação do estudante foi incrível. Ele me disse, comovido: 'Puxa, o cara não
enxerga, mas viu minhas qualidades'. Essas situações trazem um efeito positivo
para toda a vida da pessoa.

Para fazer parte do convívio dos estudantes, chego meia hora antes do início das
aulas, às 7 da manhã. Acho que o orientador não pode atuar só em classe, por
isso acompanho a circulação no pátio, nos intervalos e nas atividades de grupo
fora de sala. Estou sempre circulando entre eles.

Além disso, temos um encontro semanal com cada uma das turmas. Funciona
como se fosse uma aula dentro da grade curricular, mas tem uma especificidade
de temas. Por exemplo, do 6º ao 9º, eles passam pelo Projeto Vida e Saúde, no
qual discutimos questões como alimentação, drogas, sexualidade, mídia e
relação com o corpo.

No 7º ano, trabalhamos a entrada na adolescência. Nesses encontros,


elaboramos cartazes com três colunas (eu critico, eu solicito, eu quero discutir)
em que os estudantes, de forma anônima, colocam os fatos - sempre os fatos.
Então, conversamos sobre cada assunto por categoria (respeito entre eles, uso
inadequado do espaço etc.). As soluções vêm do grupo.

Todos pensam sobre como têm administrado os próprios conflitos. Incentivamos


a formação de uma pessoa crítica, sempre em conjunto com o professor e a
família."
Ponte entre a turma e os professores
Foto: Danisio Silva/Tempo Editorial

"Sou Lidnei Ventura, orientador da EBM Brigadeiro Eduardo Gomes. Aqui, na


rede pública de Florianópolis, a portaria nº 6 de 2006 estabelece uma
proporção entre os orientadores educacionais e o número de alunos por escola.
Muitas vezes, como no meu caso atualmente, esses profissionais acumulam a
função com a coordenação pedagógica.

Moderamos as relações na unidade de ensino, verificando problemas e


buscando soluções conjuntas. Tudo isso sem perder de vista o desenvolvimento
cognitivo dos estudantes. Por isso mesmo, nosso contato com os professores tem
de ser muito próximo.

Como temos 750 alunos na unidade, a demanda é bem grande. Recebo diversos
tipos de situação, como casos de indisciplina, dificuldade de aprendizagem e
baixa frequência. Às vezes, observo um descompasso entre o docente e a história
das famílias. Nesses casos, cabe a mim fazer a ponte.

No ano passado, por exemplo, os educadores vieram me avisar, preocupados,


sobre um aluno que estava vivenciando a separação dos pais: 'Lidnei, ele parou
de vir à escola'. Acontece. A criança fica perdida nessa hora. Não está pronta
para passar por aquilo e pode até desistir dos estudos por causa disso.

Eu e os professores nos juntamos para estimular o estudante a voltar para as


aulas - afinal, estávamos perto do fim do ano escolar. Ligamos para os pais,
pedindo que eles continuassem a trazê-lo. Conversamos individualmente com os
amigos mais chegados ao rapaz para que eles pudessem de alguma forma
ajudar. Queríamos, além de tudo, incentivar a solidariedade entre eles.

O resultado foi incrível. Pouco a pouco, o aluno foi voltando à escola. Se não
fossem os educadores atuantes, fazendo essa ponte com a orientação,
perderíamos o jovem. E ele ficaria atrasado nos estudos.

Toda essa interação com os professores é feita no dia-a-dia ou durante as


reuniões pedagógicas trimestrais e de planejamento (mensais), quando
discutimos também as temáticas que têm a ver com o cotidiano educacional na
escola, sempre buscando ajudar o docente a encontrar o melhor caminho para o
aluno.

Do 1º ao 5º ano, o professor é quem passa para o orientador as informações


sobre os alunos, já que é possível manter um contato mais individualizado com a
turma. Do 6º ano em diante, existe uma dificuldade maior. Até o docente
conseguir identificar os problemas de aprendizagem, leva tempo. Por isso,
preciso ajudá-lo, contando a história de cada aluno, as dificuldades ou
habilidades, quem é a família e quem devemos chamar à escola em caso de
complicações. São dados que levanto em conversas que tenho com cada jovem
em outros momentos.

Outra questão é que acredito ser fundamental o contato dos professores com os
pais. Nossa unidade não é uma ilha. É preciso discutir em conjunto o
desenvolvimento das crianças. Com esse objetivo, programamos alguns eventos
de interação - previstos para esse ano. Queremos chamá-los para alguns ciclos
de palestras sobre as problemáticas da adolescência. É o nosso desafio em
2009: desenvolver projetos que tragam a comunidade para dentro do espaço da
unidade de ensino de forma planejada e produtiva."
Os pais como aliados no ensino dos filhos

Foto: Tamires Kopp/Print Maker

"A EMEF Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, em Porto Alegre, foi
uma conquista da comunidade do Morro Alto - que se mobilizou pela construção
da escola junto à prefeitura. Por isso, o entorno está muito presente em nosso
dia-a-dia. Tudo isso representa uma satisfação para mim, Suzana Moreira
Pacheco, orientadora da unidade.

Como forma de perpetuar essa relação, sempre busco prestar apoio ao


professor, ao estudante e à família. Junto aos pais, particularmente, promovo
entrevistas e acolhimento de alunos que estejam chegando. Participamos ainda
de fóruns ligados à proteção da criança e do adolescente e realizamos grupos de
reflexão com a comunidade.

Tenho muitos casos interessantes que mostram o sucesso do trabalho. Um deles


é o de uma família bastante carente que chegou à comunidade. Eles viviam em
situação muito precária, num ambiente de dois cômodos com cinco filhos, uma
matriculada em nossa unidade. Além disso, a mãe, Lusia Flores Machado (que
aparece comigo na foto), nem sempre se entendia com a gente.

Em poucos dias, a aluna começou a faltar. Não pensei duas vezes: fui até a casa
da família buscá-la. Às vezes, chegava e eles me diziam: 'Ela se atrasou hoje...'
Eu respondia que não tinha importância. Esperava que eles a aprontassem e
levava a menina para a aula, mesmo atrasada. Cansei de ir buscar essa aluna
em sua residência.

Depois, o problema virou o material escolar. Vira e mexe, ela chegava sem nada
para anotar. O fato é que todas as pessoas da família utilizavam o caderno. Ela,
com 7 anos, não conseguia se organizar naquele espaço. Cheguei a sugerir que
ela guardasse as coisas em uma caixa. Aos poucos, consegui pontuar com a
família a importância de cuidar do material.

Ao mesmo tempo, acionei um trabalho em rede com outras instâncias, como o


posto de saúde e a assistência social. Consegui que a família participasse de um
programa de auxílio do governo. Isso para que eles tivessem uma estrutura
mínima para que as crianças pudessem frequentar a escola.

Recentemente, essa mãe me procurou, avisando que tinha conseguido um


trabalho e que não conseguiria mais levar um dos filhos, um aluno com
deficiência, ao serviço da prefeitura para a educação inclusiva. Para ela, a
prioridade era colocar dinheiro em casa, mas juntas encontramos uma
alternativa, conciliando os dias da semana e os horários do serviço com o novo
emprego. Nesse caso, ela fez tudo o que podia. Cabe ao orientador, dentro dos
seus limites e com cuidado, ajudar a pessoa a enxergar a saída e acionar os
recursos disponíveis."
Reportagem sugerida por seis leitores: Ana Paula Menezes de Freitas,
Mesquita, RJ, Danielle Meireles, Salvador, BA, Francini Sayonara Versiani,
Montes Claros, MG, Leonardo Ferreira dos Santos, São Paulo, SP, Patrícia
Knak, Campo Bom, RS, e Waldete Salem Mestrinho da Rocha, Manaus, AM
Quer saber mais?
CONTATOS
EBM Brigadeiro Eduardo Gomes, Av. Pequeno Príncipe, 2939, 88063-100,
Florianópolis, SC, tel. (48) 3237-4780
EMEF Professor Gilberto Jorge Gonçalves da Silva, R. Morro Alto, 433,
91751-650, Porto Alegre, RS, tel. (51) 3246-4603
Escola Projeto Vida, R. Waldemar Martins, 148, 02535-000, São Paulo, SP, tel.
(11) 2236-1425
Lugar de Vida, R. Miragaia, 174, 05511-020, São Paulo, SP, tel. (11) 3097-
9365

BIBLIOGRAFIA
Orientação Educacional e Intervenção Psicopedagógica, Isabel Solé, 260
págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 49 reais

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