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Resumo: As orientações curriculares para as ciências físicas e naturais, em Portugal, têm um foco
construtivista, valorizam uma abordagem CTS e o desenvolvimento de competências. Neste contexto,
as tarefas de investigação emergem como estratégias de ensino-aprendizagem encaradas com grandes
potencialidades. A finalidade deste artigo é conhecer como os alunos encaram uma nova situação de
aprendizagem, identificando que dificuldades encontram no desenvolvimento de tarefas de investigação
e o modo como as superam. Trata-se de uma investigação qualitativa, que adota uma orientação
interpretativa. Os participantes foram 39 alunos pertencentes a 8ª série do ensino fundamental. Os
resultados revelam que os alunos sentiram dificuldades em três domínios: modo de trabalho; natureza da
tarefa e tipo de linguagem.
Abstract: The curriculum guidelines for teaching science in Portugal focus on constructivism, valorises
STS perspective and the development of various competencies. In this context, inquiry tasks are looked
on as a teaching and learning strategy and seen with high concern. The aim of this study is to ascertain
how pupils handle a new learning situation, identifying the difficulties they find when getting involved in
inquiry tasks and how they overcome such obstacles. This is a qualitative research, with an interpretative
orientation. Thirty-nine 8th grade students were involved in this project. In conclusion, the results show
that students had three main difficulties: work mode; nature of the task; type of language.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos temos vindo a assistir a mudanças importantes na nossa
sociedade, e, logo, nos currículos de ciências. Hoje em dia, é reconhecido que a
Educação em Ciência deve contribuir para desenvolver indivíduos mais informados,
cientificamente cultos, o que implica desenvolver atitudes, valores e novas competências
capazes de ajudá-los a tomar uma posição relativamente a questões científicas e sócio
científicas (CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2002).
1 Universidade de Lisboa.
Caderno pedagógico, Lajeado, v. 10, n. 1, p. 137-151, 2013. ISSN 1983-0882 137
TAREFAS DE INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE FÍSICA: UM ESTUDO...
2 METODOLOGIA
Para conhecermos as perspetivas dos alunos em relação ao modo como viveram a
inclusão de tarefas de investigação nas suas aulas, bem como os modos como superaram
as dificuldades que foram encontrando, recorremos a uma metodologia qualitativa
(BOGDAN; BIKLEN, 1994), com orientação interpretativa (ERICKSON, 1986).
Neste estudo participam uma professora de Física e Química, com três anos
de experiência profissional, e as suas duas turmas da 8ª série (39 alunos no total). A
professora concebeu e implementou na sua sala de aula sete tarefas de investigação,
durante quatro meses.
Os dados foram recolhidos através de métodos de observação naturalista, entrevista
em grupo focado e documentos escritos (PATTON, 1990). A observação naturalista
das aulas envolveu dois tipos de registo: as notas de campo, retiradas no final de cada
aula pela professora, e as gravações áudio. Todas as aulas em que decorreram as tarefas
de investigação foram áudio-gravadas. No final da realização de todas as tarefas, foi
realizada uma entrevista em grupo focado aos alunos. Os participantes constituíram
um grupo homogéneo, a quem se pediu que refletissem sobre as questões colocadas.
Para a condução das entrevistas em grupo focado foram formados seis grupos, cada
um com oito elementos. Cada entrevista teve a duração de cerca de 45 minutos. Os
documentos escritos usados neste estudo envolveram as respostas dos alunos às tarefas.
A análise de dados consistiu no estudo repetido dos dados de forma a descobrir
padrões, singularidades e temas associados com as questões da investigação. Assim,
para identificar as categorias, codificaram-se e categorizaram-se os registos escritos
pelos alunos e as transcrições dos registos áudio e das entrevistas. As dificuldades foram
agrupadas em três domínios: modo de trabalho; natureza da tarefa; tipo de linguagem.
3 RESULTADOS
Uma outra dificuldade associada a esta forma de trabalhar prende-se com o novo
papel que os alunos são chamados a desempenhar, que exige uma forma de trabalho
mais autónomo. Os alunos resistem em assumir um papel mais ativo e perante algum
obstáculo imediatamente chamam a professora, tal como é evidente no seguinte excerto.
A29 – Não estou a perceber nada professora.
A30 – Eu também não.
A31 – Não estou a perceber nada professora. Venha cá professora, eu não estou a
perceber nada disto.
A29 – Oh professora, chegue aqui!
(Registo áudio, Tarefa 2)
Estes alunos não conseguiam desenvolver a tarefa sem a ajuda da professora, sendo
que a sua presença constante foi muito importante para que os alunos aumentassem a
confiança no trabalho que realizaram. É bem visível, nesta transcrição, sentimentos de
falta de controle sobre a situação.
Salienta-se que as dificuldades relacionadas com o modo de trabalho foram
diminuindo à medida que as tarefas decorriam. De fato, inicialmente as relações entre os
grupos eram tensas, os alunos criticavam-se e desvalorizavam-se. Trabalhar em grupo
não lhes permitia lidar com as dificuldades e, em vez de se voltarem para eles próprios,
reconhecendo-se como tendo no grupo os recursos potenciais para encontrar uma
solução, pediam ajuda à professora. À medida que aprenderam a confiar uns nos outros,
os alunos envolveram-se num processo consertado de construção de conhecimento, tal
como é evidenciado no seguinte excerto:
A7 – Vamos cá ver as questões.
A8 – Acho que pode ser: o que provoca o som? Por que é que alguns sons são mais
fortes ou mais fracos que outros? (…)
A7 – Olha esta aqui: por que é que os sons são mais fortes perto dos nossos ouvidos? É
capaz de ser fácil.
A8 – É a mesma coisa: por que é que os sons aumentam ou diminuem?
A7 – Também está bom.
A8 – Acho que estão englobadas uma na outra.
(Registo áudio, Tarefa 5)
Tal como evidenciado no excerto em cima, os alunos aprenderam a aprender uns
com os outros – questionando-se e confrontando-se, elaborando sobre as ideias uns dos
outros, clarificando as dúvidas uns dos outros.
Senti que os alunos tiveram dificuldades em “arrancar” (…) Não sabiam muito
bem que questões fazer, nem como é que podiam ligar o que ouviram com a Física”
(Notas de campo da professora, Tarefa 1).
4 DISCUSSÃO
As maiores dificuldades dos alunos prendem-se com o tipo de tarefa, uma tarefa de
investigação que exige que o aluno assuma um papel ativo na sua própria aprendizagem,
que desenvolva uma série de ações (tal como realizar observações, colocar questões,
planificar investigações, analisar e interpretar dados, fazer previsões, entre outras), e que
envolve o uso e compreensão de uma linguagem com a qual não estão familiarizados.
O fato deste tipo de tarefas ser extremamente aberto e de requerer grande
envolvimento por parte dos alunos criou inicialmente algumas dificuldades. Perante
a necessidade de terem que tomar decisões, por exemplo, sobre o material que vão
necessitar ou sobre uma questão que têm que escrever ou sobre onde procurar informação
relevante, os alunos chamam de imediato a professora, não tentando encontrar, no
seio do grupo, uma solução. Tomar decisões, fazer sem a ajuda da professora, fazer
de forma autônoma implica maior responsabilização e maior exposição dos seus erros
e dificuldades. Este parece ser um aspeto saliente neste caso, sendo igualmente um
aspeto mencionado na literatura (LOUGHRAN et al., 2006).
Outros elementos centrais deste tipo de tarefas é levar os alunos a construir
investigações, com base nas suas ideias, é levá-los a relacionar os conceitos explorados
com as suas experiências dentro e fora da escola; é levá-los a refletir sobre os resultados
e tirar conclusões (CARLSON et al., 2003). Ora estes elementos colocam exigências
cognitivas aos alunos muito distintas daquelas que lhe são colocadas num ensino
tradicional, no qual lhe é pedido apenas para ouvir, memorizar e reproduzir. Estas
exigências cognitivas podem constituir uma fonte de resistência a este tipo de tarefas
e uma barreira à própria aprendizagem. Assim, é essencial que o professor crie um
ambiente de confiança e de respeito para levar os alunos a se envolverem na superação
das dificuldades, ao invés de desistirem (CARLSON et al., 2003).
A literatura sobre o envolvimento cognitivo do aluno é clara ao afirmar que é
necessário que o aluno viva situações de sucesso e que se sinta competente de forma
a se envolver ativamente com as tarefas, analisando informação pertinente, propondo
explicações, usando conhecimento teórico relevante para dar um sentido aos tópicos
académicos e controlando o seu próprio processo de aprendizagem (ARCHAMBAULT;
JANOZ; MORIZOT; PAGANI, 2009; BLUMENFELD; KEMPLER; KRAJCIK,
2006). Neste caso, a presença constante da professora foi muito importante para que os
alunos aumentassem a confiança no trabalho que realizaram.
O medo de errar e insegurança surge num contexto em que é exigido ao aluno um
papel mais ativo no próprio processo de ensino-aprendizagem, e simultaneamente, num
contexto em que ele é colocado perante uma situação de aprendizagem nova, distinta
da que é habitual. Com efeito, é pedido aos alunos que realizem uma série de ações,
das quais não têm experiência (ou têm uma experiência reduzida). Assim, algumas
das dificuldades manifestadas pelos alunos resultam de competências científicas ainda
pouco desenvolvidas (de fato os alunos não sabem como como retirar conclusões ou
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Monica Luisa Mendes Baptista
5 CONCLUSÃO
Ao envolvermos os alunos neste tipo de tarefas estamos a ajudá-los a superar as
suas dificuldades, levando ao desenvolvimento de competências em vários domínios,
conhecimento sobre o tema o Som, raciocínio, comunicação e atitudes. Estas
competências são consideradas indispensáveis na promoção da literacia científica e têm
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TAREFAS DE INVESTIGAÇÃO EM AULAS DE FÍSICA: UM ESTUDO...
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