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RESUMO: Acompanhamos o trabalho de professores de química de cinco escolas nos municípios de Ilhéus e
Itabuna durante o ano letivo de 2007. Participando das reuniões de acompanhamento contínuo, do
planejamento e execução de atividades em sala de aula, do movimento de paralisação dos professores
procuramos traçar um retrato do ensino de química nestas escolas. Um retrato que nos faz repensar a
formação inicial e continuada de professores de química.
INTRODUÇÃO
O Ensino Médio nas escolas públicas, em geral, apresenta deficiências no Ensino de
Química, que passam, desde a má formação do professor, a falta de material didático, a péssima
infra-estrutura, como também a falta de laboratório, além de superlotação de salas e do baixo
salário pago aos professores.
O Ensino de Química de boa qualidade no Brasil ainda é um ideal a ser colocado em
prática. Um recente levantamento realizado pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado pela revista “Educação” de março de 2005,
sobre o Ensino de Ciências e Matemática, mostrou que entre 37 países, o Brasil foi o último
colocado. A pesquisa fez parte do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) e
tinha como propósito verificar o conhecimento destes.
No Brasil ensina-se ciência de forma abstrata e esse tipo de ensino não promove a
alfabetização científica, muito menos, alunos com pensamentos críticos capazes de participarem
ativamente da sociedade. Antes de iniciar o ensino de ciências, é necessário investir na formação
docente, bem como dispor de aparelhamento das escolas, reformas curriculares, prêmios de
incentivo ou programas de intercâmbio entre escolas e centros de pesquisa. Caso contrário, nos
deparamos com a atual realidade do país, que segundo Sampaio e Marin (2004), os problemas
ligados à precarização do trabalho escolar não são recentes, mas cons tantes e crescentes, e cerca
as condições de formação e de trabalho dos professores, processo esse sempre precário, na
dependência das priorizações em torno das políticas públicas.
Tal realidade é um retrato da falta de compromisso dos governos municipal, estadual e
federal para com a educação básica. Dessa forma, torna-se difícil para o professor promover
Especificar a Área do trabalho
XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ)
(CA, EA, HC, EF, EX, FP, LC, MD, TIC, EC)
próximos dos 20%. Este percentual influencia na taxa de escolaridade da população e, também,
nos índices de distorção idade-série em casos de abandono temporário. A rede estadual possui
índices de distorção idade-série que estão entre os mais elevados do País, tanto no ensino
fundamental (49,5%) quanto no ensino médio (69,8%). Há, pois, claros indícios de que a cultura
da reprovação ainda é muito arraigada em nossas escolas, levando as crianças e os jovens a
repetências sucessivas e, por este e/ou outros motivos, a abandonarem os estudos, provisória ou
definitivamente.
Dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Ministério da Educação (MEC), revelam que, na
Bahia, um estudante dos quatro anos iniciais do ensino fundamental conclui uma série em um
tempo médio de 1,51 ano, ou seja, o estudante leva um ano e meio para concluir cada série. Este
dado situa o Estado na última posição no Brasil. Considerando a segunda fase do ensino
fundamental (5ª a 8ª série), o tempo médio de conclusão de cada série é de 1,55 ano e a posição
da Bahia é a penúltima no País, perdendo apenas para o Estado de Alagoas. Acrescentem-se a
este cenário as baixas médias obtidas pelos estudantes da Bahia na Prova Brasil e no Sistema de
Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicados a cada dois anos pelo MEC/INEP, para avaliar
o desempenho acadêmico dos estudantes das redes públicas, em Língua Portuguesa e
Matemática. Os resultados mostram que a Bahia obteve médias sempre inferiores à média
nacional, em todas as séries e nas duas disciplinas avaliadas. Estes resultados sugerem a
existência de deficiências na aprendizagem dos estudantes, relacionadas à qualidade do ensino.
Associando o desempenho dos estudantes em exames padronizados (Saeb e Prova Brasil)
com os dados sobre o fluxo escolar, o INEP criou, em 2006, e divulgou, em 2007, o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), um indicador de resultado que possibilitou a
comparação entre regiões, estados, redes (municipais e estaduais e federal) e escolas. Com os
problemas de fluxo, anteriormente apontados, e com o baixo desempenho nos exames de
proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, não é de surpreender que a Bahia tenha
ocupado a 25ª posição no IDEB, em comparação com os demais estados e o Distrito Federal.
Entre os 1.242 municípios brasileiros com mais baixo IDEB, 211 encontram-se na Bahia. O
panorama descrito é preocupante, porque todos sabemos que uma educação deficiente nos níveis
observados compromete a dignidade humana, a qualidade de vida, a sustentabilidade social e a
competitividade da economia, por conta dos obstáculos que representa ao desenvolvimento do
Estado. Fica evidenciado que o direito à educação – acesso e permanência, com aprendizagem –
não está assegurado na Bahia.
M ETODOLOGIA
Num primeiro momento realizamos visitas nas escolas de Ilhéus e de Itabuna onde
procuramos conversar com os professores de química de uma maneira informal. Esta etapa de
nosso trabalho geralmente era realizada na sala dos professores. Escolhemos este local, primeiro
pelo fato de encontrarmos vários professores, de várias disciplinas e, segundo por ser conhecido
como “o murro das lamentações”, onde de tudo se fala, de tudo se reclama. Fazíamos isto várias
vezes durante o ano letivo. Num segundo momento, a partir do que tínhamos registrado e
identificado realizamos entrevistas semi-estruturadas com os professores de química. Aplicamos
um questionário com quatro questões, cada uma contendo em torno de cinco alternativas, nas
quais se abordavam dados gerais, currículo e programas, textos ou livros didáticos adotados e o
processo de avaliação.
RESULTADOS E D ISCUSSÃO
10
8
n° de professores
7 15
n° de professores
5 10
4
3 5
2
1 0
0 Menos de 100 - 300 Mais de 300
Mínimo (5-7) Médio (8-13) Máximo ( = 14)
100
n° de turmas n° de alunos
Para o professor significa menor disponibilidade de tempo para o preparo das aulas,
correção de trabalhos e provas e, principalmente, apoio aos alunos nas atividades em sala de
aula, sem contar que salas superlotadas geralmente geram indisciplina. Para o aluno, tais
condições causam desinteresse, evasão e, sobretudo um baixo aprendizado decorrente da menor
qualidade do ensino. Neste caso, o professor não consegue visualizar uma saída tornando refém
n° de professores
15
10
5
0
Menos de 20% - 50% Mais de 50%
20%
reprovação
Como já di entificado pelo INEP estes índices altos de reprovação acabam por causar
também, altos índices de evasão. Este é um dado que causa muita tensão dentro das escolas, pois
os professores denunciam que são “forçados” a aprovar alunos sem condições mínimas de ir para
a série seguinte, simplesmente pelo fato de que se não atingirem determinadas metas a escola
não receberá determinados recursos.
Por outro lado, encontramos entre a maioria dos professores de química entrevistados
uma vontade em querer implementar mudanças nos programas de química, tais como inclusão de
atividades experimentais (36,3%), ensino contextualizado (27,3%), exclusão de assuntos
irrelevantes (18,2%). Entretanto, estes se deparam com inúmeras dificuldades (figura 4), que na
sua maioria não podem ser solucionadas no seu nível de decisão, ou seja, soluções que estão nos
níveis hierárquicos superiores ao do professor.
N° de professores 6
0
Falta de Tempo curto Falta de Superlotação Despreparo Resistênicia
laboratório material de salas dos dos alunos às
didático professores mudanças
A despeito dos resultados do diagnóstico indicarem a falta de laboratório como uma das
principais dificuldades na implementação de mudanças no ensino de química, constatamos in
loco a existência de laboratórios na maioria das escolas, em condições adequadas de
funcionamento, quer seja na parte estrutural como de equipamentos e reagentes. Dessa forma
cabem as indagações: qual o motivo que teria levado os professores a omitir a veracidade de um
dado tão relevante? Talvez para encobrir a sua formação acadêmica deficiente? Ou desestimulo
por desvalorização profissional (baixo salário, baixo poder de decisão, falta de atualização, etc)?
Cabe salientar que a experimentação no ensino de química é fundamental, nas palavras de
Goulart:
A experiência é um recurso capaz de assegurar uma transmissão eficaz dos
conhecimentos escolares, porém a falta de preparo dos professores faz
com que essa não seja uma prática constante nas escolas e o ensino de
ciências acaba se tornando algo distante da realidade e do cotidiano do
aluno. A experimentação pode proporcionar momentos de reelaboração do
conhecimento, possibilitando o contato do aluno com os fenômenos
químicos e, a partir desses fenômenos, conseguirem criar modelos
explicativos com base em suas observações, seu sistema lógico e na sua
linguagem (Goulart, 1995).
30
n° de professores (%) 25
20
15
10
5
0
Linguagem de
Contextualização
compreensão
Ilustração
Abordagem dos
Acesso ao livro
conteúdos
fácil
Porém a maioria adota livros tradicionais, os quais apresentam uma concepção distorcida
ou inadequada para o termo contextualização como indicado nos estudos de Wartha e Faljoni-
Alario (2005). O entendimento do significado da contextualização é fundamental para que se
possam desenvolver estratégias de ensino que favoreçam o preparo para o exercício da
cidadania. O livro didático é importante por seu aspecto político e cultural, na medida em que
reproduz os valores da sociedade em relação à sua visão da ciência, da história, da interpretação
dos fatos e do próprio processo de transmissão do conhecimento. E, também, por serem estes
materiais, os principais norteadores das práticas de muitos professores.
Na figura 6 estão indicados os livros adotados pelos professores:
30
n° de professores(%)
25
20
15
10
0
ela
q
er
pe
is
nto
im
nto
Re
rd
Ge
or
Ca
ort
Sa
ad
Sa
ha
M
oe
alv
art
e
ol
eS
Tit
M
M
rco
be
Us
Os professores adotam estes livros simplesmente pelo fato de estarem disponíveis nas
escolas e, de certo modo, são os mesmos que utilizaram quando alunos. Por outro lado
verificamos livros com abordagens e proposta de ensino de química diferente vem ganhando
espaço entre estes professores, mesmo com uma série de ressalvas e reclamações da quantidade
excessiva de atividades experimentais, da dificuldade de responder algumas questões e da
demora em se trabalhar alguns conceitos.
Quanto a avaliação realizado por estes professores verificamos que a maioria deles avalia
os alunos através de provas e testes (figura 7).
50
n° de professores
40
30
20
10
0
Teste e prova Atividades Atividade prática Participação e
(pesquisas, (relátorio) freqüência
projetos,
seminários)
80
70
n° de professores (%)
60
50
Não
40
Sim
30
20
10
CONCLUSÃO
Com salas superlotadas e fazendo jornada de trabalho dupla para aumentar a renda e
pagar as contas no fim do mês, os professores de Ilhéus e de Itabuna têm, em média, três minutos
por dia para se dedicar a cada um dos seus alunos, incluindo o trabalho de corrigir provas e a
atenção dispensada durante a aula. Os educadores lecionam para até 300 alunos e passam mais
de 40 horas semanais - 25% de 160 horas - em atividades relacionadas à escola.
O retrato da escola pública de ensino médio nos municípios de Ilhéus e de Itabuna, de
acordo com o quadro que retratamos só pode ser qualificado como “alarmante”, “preocupante”,
“dramático”, “trágico”, adjetivos estes empregados pelas próprias autoridades por ele
responsáveis. No entanto, este retrato não é novo: é apenas mais um em um álbum antigo, que se
teima em colecionar, repleto de imagens que se caracterizam pela semelhança e por uma
estabilidade desconcertante às quais alguns de nós nos acostumamos como se fosse algo
perfeitamente “natural” dentro do atual contexto brasileiro.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BAHIA, 2006, apud FREITAS, 2003; SOUSA, 1997. Por uma escola pública de qualidade .
Disponível em: www.isp.ufba.br/relatório%20SEPLAN.pdf . Acessado em 09 de abril de 2008.
BAHIA, 2006, apud LIPSKY, 1980. Por uma escola pública de qualidade.
Disponível em: www.isp.ufba.br/relatório%20SEPLAN.pdf . Acessado em 09 de abril de 2008.
CORREIO DO POVO (27/04/07). A educação brasileira tem média 3,8. Disponível em:
http://www.sinepe-
rs.org.br/crm/ba/arquivos/correio_do_povo__seminario_inclusao__27_04_pg_7.pdf. Acessado
em 01 de abril de 2008.
SAMPAIO, M. das M. F. e MARIN, A. J. Educ.. Soc., Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1203-
1225, Set./Dez. 2004.