Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Uma das principais críticas a seu trabalho foi o facto deste tipo de cinema se
pautar por “fazer uma reconstituição encenada de uma situação anterior”, pois Flaherty,
no filme do Nanook, devido à falta de luz, criou a ideia de que algumas cenas se
passavam dentro do igloo de Nanook. Quando, na verdade, estas foram gravadas ao ar
livre, usando apenas metade de um igloo maior como plano de fundo. A cena exigiu que
os personagens atuassem como se estivessem no interior de um igloo verdadeiro, isto é,
tratava-se de uma reconstrução da realidade (Costa, 2012: 151). O filme de Flaherty
daria lugar a uma estreita relação entre a realidade e a ficção e por esse motivo não seria
considerado por muitos ainda filme etnográfico, mas não fará também uso da ficção o
filme etnográfico?
Jean Rouch utilizou a câmara pela primeira vez, enquanto método de registar a
realidade, aquando de uma viagem de canoa que efectuou pelo rio Niger. Desde então,
são variados os filmes realizados pelo cineasta: Bataille sur la Grand Fleuve (1951),
Les maîtres fous (1953), Moi, un Noir (1957), La Chasse au lion à l’arc et aux fleches
(1957-65), ou o tão conhecido Chronique d’ un été (1960). Rouch tanto elaborou um
cinema focado na captação da realidade, como na ficção, como referia o cineasta: “para
mim a ficção é tão verdade como a realidade” (Ribeiro, 2007: 33).
Para além de defender esta ideia do “cinema vérité”, Rouch propõe um cinema
participante à moda de Flaherty, como esse havia feito para o filme Nanook [1922]
(Ribeiro, 2004: 55). Deste modo, o cineasta francês defende uma interacção com o
nativo, regressando aos locais onde havia filmado para mostrar aos seus “objectos de
filmagem” os resultados do seu filme, finalizado ou ainda em fase de montagem
(Coelho, 2012: 759). Rouch denomina este diálogo entre o observador e os observados
de “antropologia partilhada”, referia este que “já havia refletido muito sobre o absurdo
de escrever livros inteiros sobre pessoas que nunca teriam acesso a eles, e aí, de repente,
o cinema permitia ao etnógrafo partilhar a antropologia com os próprios objetos de sua
pesquisa”. (Rouch, 1975 apud Coelho, 2012: 759). No fundo, Rouch ao fazer esta
“antropologia partilhada”, acaba por construir uma personagem de si próprio e dos
outros, criando assim uma “etnoficção”.
Com o “cinema vérité” quem filma e está a ser filmado constroe o filme e
investiga ao mesmo tempo e em conjunto, sendo este um dos maiores pontos de
divergência entre este tipo de cinema e o “cinema directo”. Ainda, para Rouch, é
necessário que a câmara não fique estática, esta deve “adaptar-se à acção em função do
espaço, penetrar na realidade mais do que deixá-la desenrolar-se diante do observador”
(Rouch, 1979). Deste modo, em Rouch a câmara abandona o tripé e anda na mão do
operador, sendo que como refere o cineasta, “este improviso dinâmico é a harmonia de
um travelling andado em perfeita adequação com os movimentos dos homens filmados”
(Rouch, 1979). Quanto à montagem, para este, também essa deve, tal como em Vertov,
ser efectuada logo desde a observação, como uma espécie de câmara activa: “faço a
montagem quando escolho o meu tema [por entre os milhares de temas possíveis], faço
a montagem quando observo [filmo] o meu tema [realizo a escolha útil por entre mil
observações possíveis]”, sendo que a outra condição da montagem é o som síncrono e
directo (Citado por Rouch, 1979, p. 64).
Bibliografia:
HENLEY, P. (2009). The Adventure of the Real, Chicago and London: The University
of Chicago Press.
Filmografia: