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Visualizando Vertov
Tradução de Ana Sanz
Este projeto propõe a análise visual dos filmes The Eleventh Year (1928) e O
Homem com a Câmera (1929), ambos do famoso cineasta russo Dziga Vertov.
Utilizaremos de técnicas de visualização experimentais, que complementam os
já conhecidos gráficos de barras e de linhas, comumente utilizados em estudos
quantitativos sobre artefatos culturais. As cópias digitais dos filmes foram
fornecidas pelo The Austrian Film Museum (Vienna).
O uso das visualizações para o estudo e design de mídia pode ser creditado ao
trabalho de muitos cineastas, coreógrafos, arquitetos, compositores e artistas
visuais modernos, que criaram diagramas de seus projetos antes ou depois de
realizá-los. Vertov, em particular, criou muitos diagramas para trabalhar
produção, organização de conteúdo e edição em seus filmes. Sergei Eisenstein
diagramou uma pequena sequência de Alexander Nevsky (1938) depois que o
filme havia sido realizado. O coreógrafo e teórico Rudolf Laban desenvolveu
uma linguagem de diagramas para descrever e analisar a dança, que foi
amplamente utilizada por outros coreógrafos posteriormente. O cineasta
experimental austríaco Peter Kubelka expôs seu filme Arnulf Rainer, de 1960,
que consistia em frames de puro preto e branco, como uma instalação artística,
transformando assim um filme em sua própria visualização. Muitos artistas
desenvolveram composições, paletas de cores e outros aspectos de suas
pinturas em esquematizações antes de executá-las.
0.1 Sergei Eisenstein. Diagramação da montagem de uma sequência de seu filme Alexander
Nevsky (1938)
0.2 Peter Kubelka com a instalação artística Arnulf Rainer (1960)
Com exceção das visualizações 1.1 – 1.3, que foram produzidas em Excel, o
código utilizado para criar todas as outras visualizações foi desenvolvido por
mim mesmo. Ele foi implementado como macros que são executados no
programa ImageJ, uma conhecida plataforma de processamento de imagem de
domínio público utilizada nas ciências da vida, astronomia, geografia, e outros
campos científicos [10]. Em meu laboratório também desenvolvemos alguns
macros de documentação completa com interface de usuário gráficas; eles
estão disponíveis para download assim como os manuais que escrevi para sua
utilização na visualização de coleções de imagens e vídeos [11].
Notas:
2. Ver http://lab.softwarestudies.com/p/research_14.html.
3. Ver http://lab.softwarestudies.com/2012/11/peter-kubelkas-arnulf-rainer-
film-as.html.
Salt propôs que a análise fílmica deveria considerar uma série de outras
características como escala do plano, movimento de câmera e ângulo do
plano. No entanto, pelo fato de ele e subsequentes estudiosos do cinema
organizarem estes dados manualmente, houve uma limitação sobre a
quantidade de filmes que poderiam ser catalogados.
9. Dziga Vertov, A Sixth Part of the World / The Eleventh Year. DVD. Edition
Filmmuseum, 2009.
10. http://rsbweb.nih.gov/ij/.
11. http://lab.softwarestudies.com/p/software-for-digital-humanities.html.
1| panorama Todos os gráficos desse tópico analisam a média de duração de
planos (MDP) em relação ao ano em que os filmes foram lançados
1.1 Um gráfico de dispersão da média de duração de planos de mais de 1000 filmes criados
entre 1902 e 2008. Cada filme está representado por um pequeno círculo. Eixo “x” – ano.
Eixo “y” – média de duração do plano em segundos. (O eixo y utiliza escala logarítmica).
Preparação e análise de dados: William Huber (Software Studies Initiative), 2008. Fonte
dos dados: cinemetrics.Iv, 2008. Para alguns dos filmes, a base de dados cinemetrics.Iv
continha medidas específicas para cada rolo ou parte do filme; nestes casos, cada rolo ou
parte estão demonstrados separadamente.
Os pontos mais baixos no gráfico pertencem aos famosos filmes russos dos
cineastas de montagem na década de 1920: Dziga Vertov, Sergei Eisenstein,
Aleksandr Dovzhenko, Yakov Protazanov. Caso a cinemetrics.lv tivesse ao
invés incluído os filmes populares na audiência russa da época – comédias,
melodramas e filmes de aventura produzidos tanto no ocidente como no Rússia
– esta configuração dos pontos desapareceria e a curva apareceria com menor
acentuação.
No outro extremo, alguns dos filmes mais lentos encontrados na base de dados
da cinemetrics.lv também pertencem a um cineasta russo: Andrei Tarkovsky.
Em contraste com os filmes da década de 1920, de Vertov e outros diretores
russos que privilegiavam sequências com planos muito curtos a fim de
comunicar significados particulares, os filmes maduros de Tarkovsky consistem
de planos que podem durar até alguns minutos – uma forma de transferir o
controle aos espectadores, que ficam livres para navegar pelo espaço do
frame. (A maior média de duração de plano que não está demonstrada no
gráfico também pertence a um filme russo – Arca Russa, de Alexandr Sokurov,
2002. Este longa-metragem foi o primeiro na história mundial do cinema a ser
gravado como um único take).
O gráfico nos conta uma história diferente. A pequena MDP da maioria dos
filmes clássicos de montagem russos reproduz a tendência de mudança da
MDP longa para a curta, que se inicia ao final dos anos 1900. Nos anos 1910 o
cinema gradualmente deixa de ser uma simulação do teatro e passa a
desenvolver uma nova linguagem baseada no corte entre planos e nas
mudanças de pontos de vista. Como resultado, a duração dos planos diminuiu
substancialmente. Este desenvolvimento pode ser claramente verificado no
gráfico. Inseridos neste contexto maior, os filmes de montagem russos deixam
de representar uma oposição. Em vez disso observamos que eles exploraram
uma tendência generalizada que havia começado muito antes.
Detalhes:
MÉDIA DE
ANO DURAÇÃO TÍTULO DIRETOR
DO PLANO
(MDP)
Duração
Quantidade de planos
2.1 Duração dos planos em The Eleventh Year (primeira imagem) e O Homem com a Câmera
(segunda imagem). Cada barra representa um plano de um filme; a altura da barra representa
a duração do plano. A diferença entre os tamanhos das representações nos gráficos refletem a
diferença da quantidade de planos entre os dois filmes. (O Homem com a Câmera é composto
quase pelo triplo de planos presentes em The Eleventh Year).
Esta constatação faz sentido. Assistindo aos filmes de Vertov dos anos 1920 e
início dos anos 1930, temos a sensação de que o cineasta sempre se utiliza de
algum princípio claro para conectar vários planos em uma sequência (assim
como esperamos dos filmes da escola da montagem russos). Entretanto, estes
princípios variam ao longo do filme, e podem também estar combinados em
uma única sequência (as teorias da montagem eisensteinianas identificam uma
série destes princípios). Utilizar vários planos consecutivos de mesma duração,
ou variar suas durações de acordo com um sistema é apenas um princípio
organizacional dentre muitos outros. Quando visualizamos um filme como The
Eleventh Year em uma única dimensão na qual estes princípios operam (como
por exemplo as durações de planos), todas as outras partes dos filmes
organizadas de acordo com outros princípios podem parecer aleatórias, uma
vez que a visualização não pode demonstrar padrões nestas outras dimensões.
(A visualização abaixo nos mostra um exemplo de tal dimensão: a quantidade
de mudanças visuais em cada plano).
3.1. Uma visualização alternativa da duração de planos de The Eleventh Year. Cada plano está
representado por um círculo cujo tamanho representa a sua duração. Cada rolo de filme ocupa
uma fileira.
3.2. Um close-up da visualização. Um número indicando a duração de cada plano (em frames)
aparece no superior esquerdo do círculo que representa o plano.
Além do gráfico de barras utilizado na visualização anterior, podemos também
experimentar com muitas outras técnicas gráficas para demonstrar como os
dados mudam com o passar do tempo. Por exemplo, a visualização nesta
página utiliza círculos para representar a duração de planos em The Eleventh
Year. Ele enfatiza uma característica em particular que distingue este filme de
O Homem com a Câmera – a presença de uma grande quantidade de planos
muito longos (representados pelos círculos grandes). Estes longos planos
contradizem nossa presunção comum de que os filmes da escola de montagem
russa consistem apenas de planos curtos – criada pelo uso repetitivo de
sequências famosas (como a escadaria de Odessa em A Greve, de Eisenstein)
na representação deste movimento cinematográfico em livros e outros
materiais acadêmicos.
3.3 Visualização da duração de planos em The Eleventh Year (acima) e O Homem com a
Câmera (abaixo). Cada plano é representado por um retângulo cujo tamanho representa a
duração do plano.
4| 654 planos em uma única visualização
4.1. Cada um dos 654 planos de The Eleventh Year (Dziga Vertov, 1928) está representado
por seu segundo frame. Os frames estão ordenados da esquerda para a direita e de cima para
baixo, segundo a ordem dos planos no filme.
Esta visualização transforma o filme em uma única imagem. Ela utiliza uma
importante segmentação semântica e visual do filme – a sequência dos planos.
Cada plano está representado pelo seu segundo frame. (Escolhi utilizar o
segundo frame em lugar do primeiro porque estes são frequentemente muito
escuros devido à tecnologia limitada para impressão de filmes que Vertov e sua
esposa e editora, Svilova, tinham acesso). Podemos pensar nesta visualização
como um storyboard imaginário do filme construído ao contrário – um mapa
reconstruído de sua cinematografia, edição e narrativa.
4.2 Um close-up da visualização.
Também é fácil notar que Vertov repete alguns planos das pessoas olhando
para cima na mesma direção (isto é, para a direita, para a esquerda ou
diretamente ao centro) antes de mudar a direção.
4.3. 72 planos mostrando close-ups de rostos de The Eleventh Year, arranjados de acordo com
sua ordem de aparecimento no filme (da esquerda para a direita, de cima para baixo). Os
níveis de cinza de alguns frames foram ajustados para revelar mais detalhes.
Cada fileira corresponde a um rolo do filme (de baixo para cima). Durante a
projeção do filme nos anos 1920, havia um intervalo entre cada rolo. Vertov
considerou isto ao editar o filme – por este motivo faz mais sentido que se
disponham os rolos no gráfico separadamente em vez de colocá-los todos em
uma única representação.
4.4 Visualização de The Eleventh Year. Cada fileira corresponde a um rolo do filme (de baixo
para cima). Cada plano do filme está representado por seu segundo frame. O número dos
planos aparece abaixo de cada frame (canto direito). O comprimento das barras abaixo de
cada frame corresponde à duração do plano (1 frame = 1 pixel). O número abaixo da barra
mostra a duração do plano em frames.
5.1. Visualização de The Eleventh Year que compara os frames inicial e final de cada plano.
Cada coluna representa um plano do filme, utilizando o segundo frame inicial (fileira de cima) e
o penúltimo frame (fileira de baixo). Os planos estão organizados da esquerda para a direita de
acordo com sua ordem no filme.
Primeira imagem: A visualização completa de todo o filme.
Segunda imagem: Um close-up da visualização completa.
Veja a visualização em full resolution (60.000 pixels) no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/culturevis/5674891152/in/set-72157623326872241
5.2. Close-up mais aproximado, mostrando o começo e o fim de sete planos consecutivos.
5.3. Outro close-up mostrando o começo e o fim de outra sequência de sete planos
consecutivos.
6.1. Quantidade média de mudanças visuais em cada plano de The Eleventh Year. Cada barra
representa um plano. O comprimento de uma barra corresponde a quantidade média de
mudanças visuais no plano (detalhes sobre como isto foi calculado podem ser encontrados
abaixo em “método”). O segundo frame de cada plano se encontra acima da barra.
Primeira imagem: A visualização completa de todo o filme.
Segunda imagem: Close-up da visualização.
Terceira imagem: Close-up mais próximo, mostrando o padrão das mudanças graduais na
média de mudanças visuais do plano.
Veja a visualização em full resolution (60.000 pixels) no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/culturevis/4117658480/in/set-72157632441192048
6.2.
Vertov assim como vários outros cineastas russos (Lev Kuleshov, Sergei
Eisenstein, Vsevolod Pudovkin) defendia que a montagem é o princípio-chave
organizacional do cinema. Ao passo que eles propunham uma série de teorias
alternativas da montagem, comuns a estas teorias e aos seus filmes era a idéia
da colisão entre planos – isto é, a geração de significado e efeitos emotivos
através da justaposição em lugar da continuação. (Em contraposição à edição
comum de filmes, na qual a progressão dos planos serve ao propósito primário
de avançar a narrativa).
Detalhes:
6.4. Exemplos de imagens da diferença. Em cada fileira, estão dispostos frames subsequentes
de The Eleventh Year, e a terceira coluna demonstra suas imagens diferenciais.
Fileira superior: dois frames filmados de um navio movendo-se lentamente. Há pouca mudança
entre os frames, e a imagem diferencial correspondente contém apenas um pequeno número
de pixels não-pretos.
Fileira inferior: dois frames de um plano de um trabalhador operando maquinário. As partes dos
frames que mudam correspondem aos pixels não-pretos na imagem diferencial. Como pode-se
notar, neste exemplo, há mais mudanças significativas de um frame ao outro.
Notas:
2. http://www.gcsca.net/IJ/ImageCorrelationJ.html.
7.2. Todas as centenas de frames de O Homem com a Câmera. Os frames estão arranjados de
acordo com a claridade média (eixo x) e o número de formas (eixo y).
7.3. Um close-up da visualização de The Eleventh Year: planos com alto valor médio de escala
de cinza e pequena quantidade de formas.
7.4. Um close-up da visualização de O Homem com a Câmera: planos com tons de cinza
médios.
The Eleventh Year contém muitos planos curtos que são estáticos (ou quase
estáticos) como quadros. Eles contém uma única explosão de informação
apresentada em tela apenas tempo o suficiente para que o espectador a
absorva e então é substituída pela próxima. O filme também contém planos
dinâmicos mais longos que mostram alguma atividade que segue um ciclo.
Para além de comunicar informação semântica (uma pessoa ou uma máquina
desempenhando determinada ação), tais planos também comunicam a grande
temática do trabalho, central para o filme. Por serem movimentos
característicos, eles não apenas significam “trabalho” – em vez disso, eles
motivam os espectadores a se juntarem aos trabalhadores que vêem na tela.
Podemos também encontrar um terceiro tipo de planos mais longos que não
contém repetição; mas que comunica nova informação com o desenrolar do
plano. (Alguns destes planos são filmados de um trem; com o avançar do trem,
vemos novas partes da paisagem, ou novos objetos de passagem).
Esta adoração pelas máquinas era típica do projeto estético de muitos e muitos
grupos vanguardistas nos anos 1910 – 1920, incluindo artistas visuais, poetas,
arquitetos, fotógrafos e designers gráficos. Vertov adaptou este projeto geral
das vanguardas européias para o meio cinematográfico. O que ele “pega” das
máquinas é a precisão e regularidade de seus movimentos. (Vertov
aparentemente não conhecia os métodos de estudo do tempo de Taylor e os
estudos de movimento de Gilbreths, que já haviam sido desenvolvidos nos
anos 1920. Estes métodos foram utilizados para padronizar e racionalizar os
movimentos de trabalhadores, sintonizando-os para alcançar o ideal de
precisão maquinário. Na Rússia as idéias de Taylor tornaram-se populares no
começo dos anos 1920).
O plano que selecionei é formado por 167 frames e não contém humanos. Em
vez disso, a câmera observa um enorme guindaste, que se estende
perpendicularmente a ela. A geometria revelada contém uma parte horizontal
que ocupa a mesma área nos frames; duas partes verticais que rapidamente
cruzam os frames de 1 – 50 e depois novamente, de 100 – 167; e a parte longa
do guindaste, que está perpendicular à câmera. Devido ao movimento de
câmera panorâmico, a posição desta parte muda constantemente ao longo do
plano.
8.5. Gráfico das diferenças entre os frames do plano de The Eleventh Year. A medida da
diferença entre frames subsequentes usada é a Densidade Integrada Bruta de uma imagem
diferencial. Note-se os ocasionais picos no gráfico. A razão de sua existência são os pulos
entre certos frames, que são produto da gravação original do filme. Se o mesmo plano fosse
gravado com uma câmera contemporânea, estes picos desapareceriam.
Medições únicas de mudanças visuais entre pares de frames, como por
exemplo a escala de cinza de uma imagem diferencial, ou a densidade bruta do
pixel reduzem todas as mudanças visuais a apenas um número. Portanto, elas
não nos permitem rastrear dimensões separadas de um plano – movimentos
de objetos em particular, composição, posição de câmera, gestos e rostos de
pessoas, etc.
9| visualizando o movimento
Esta seção analisa três planos de O Homem com a Câmera – veja o clipe com
estes planos aqui: http://www.youtube.com/watch?v=PV-
FzvHi0lk&feature=share&list=UUQYMh3afEnBHnwcJ8y-e9Mg.
A prática, que veio posteriormente, condizia com estas declarações feitas muito
antes? Olhando para filmes como The Eleventh Year e O Homem com a
Câmera, percebemos que apenas algumas partes dos filmes usam movimentos
de objetos no espaço como princípio organizador. Outras partes contém
sequências de planos estáticos ou planos com poucos ou lentos movimentos.
9.4. Visualizações de movimento em três planos de O Homem com a Câmera, usando técnicas
de cálculo de média de planos. O vídeo dos planos está em 9.1.
Por fim das contas, a técnica é parcialmente exitosa em tornar visíveis grandes
movimentos que têm uma geometria simples (neste caso, trens em
movimento), mas a maioria dos movimentos pequenos (neste caso, pessoas na
rua, ou as mãos do datilógrafo) não são preservados. Tomo sua falta de
visibilidade nestas imagens como uma metáfora do desafio conceitual que os
descreve. O que faríamos com os rastros de todas as pessoas nos primeiros
dois planos se pudéssemos vê-los? Não é simples descrever isto
conceitualmente – e ainda assim penso que eles são tão importantes para
estes planos quanto os movimentos de grande escala dos trens. (As descrições
verbais de Gilles Deleuze de diferentes tipos de movimentos cinemáticos em
seu “Cinema 1: A Imagem-Movimento” são ao mesmo tempo fascinantes e
frustrantes de ler, ao passo que testemunhamos sua luta por expressar
linguisticamente a variedade de movimentos do universo do cinema [3]).
11/2008 – 01/2013
Notas: