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Lev Manovich

Visualizando Vertov
Tradução de Ana Sanz

"Para representar um estudo da dinâmica em uma folha de


papel, nós precisamos de símbolos gráficos de movimento."

Dziga Vertov, "We: the variant of the manifesto" (1920), in


Kino-Eye: the writings of Dziga Vertov, ed. Annette
Michelson, trans. Kevin O’Brien (University of California
Press, 1984), p.7.

Versões em alta resolução de todas as imagens presentes neste texto estão


disponíveis no Flickr para download:
http://www.flickr.com/photos/culturevis/sets/72157632441192048/with/8349174
610/

Este projeto propõe a análise visual dos filmes The Eleventh Year (1928) e O
Homem com a Câmera (1929), ambos do famoso cineasta russo Dziga Vertov.
Utilizaremos de técnicas de visualização experimentais, que complementam os
já conhecidos gráficos de barras e de linhas, comumente utilizados em estudos
quantitativos sobre artefatos culturais. As cópias digitais dos filmes foram
fornecidas pelo The Austrian Film Museum (Vienna).

A visualização nos provém de novas formas para se estudar e ensinar o


cinema, assim como outras mídias visuais baseadas no tempo, como a
televisão, vídeos caseiros, motion graphics e jogos de computador. O projeto é
apenas uma parte de um programa de pesquisa mais amplo, que pretende
desenvolver técnicas para o estudo de imagens de massa e coleções de vídeo,
o qual eu atualmente dirijo na Software Studies Initiative (softwarestudies.com),
desde 2007. Neste projeto, eu investigo como as técnicas de “visualização de
mídias” que desenvolvemos podem nos ajudar a assistir a filmes de novas
maneiras, suplementando os métodos e ferramentas para os estudos de filme e
mídias já bem desenvolvidos. Seu outro propósito é fazer uma ponte entre dois
campos que, todavia ainda não se conectaram: o campo das humanidades
digitais, que está interessado por novas técnicas de visualização de dados,
mas que não estuda o cinema, e as pesquisas dos estudos fílmicos
quantitativos, que até agora se utilizaram de gráficos de forma limitada.

O uso das visualizações para o estudo e design de mídia pode ser creditado ao
trabalho de muitos cineastas, coreógrafos, arquitetos, compositores e artistas
visuais modernos, que criaram diagramas de seus projetos antes ou depois de
realizá-los. Vertov, em particular, criou muitos diagramas para trabalhar
produção, organização de conteúdo e edição em seus filmes. Sergei Eisenstein
diagramou uma pequena sequência de Alexander Nevsky (1938) depois que o
filme havia sido realizado. O coreógrafo e teórico Rudolf Laban desenvolveu
uma linguagem de diagramas para descrever e analisar a dança, que foi
amplamente utilizada por outros coreógrafos posteriormente. O cineasta
experimental austríaco Peter Kubelka expôs seu filme Arnulf Rainer, de 1960,
que consistia em frames de puro preto e branco, como uma instalação artística,
transformando assim um filme em sua própria visualização. Muitos artistas
desenvolveram composições, paletas de cores e outros aspectos de suas
pinturas em esquematizações antes de executá-las.

0.1 Sergei Eisenstein. Diagramação da montagem de uma sequência de seu filme Alexander
Nevsky (1938)
0.2 Peter Kubelka com a instalação artística Arnulf Rainer (1960)

O cinema e a televisão comerciais do século XX dependiam de storyboards –


esquemas desenhados à mão que guiariam a produção. Mais recentemente,
muitos longas-metragens começaram a ser totalmente planejados em sua pré-
produção usando modelos de animação em 3D (este método é chamado
previs).

Outros importantes precursores do uso da visualização para a análise de


mídias podem ser encontrados no século XIX. O desenvolvimento de
tecnologias de gravação, fotografia e filme, motivaram o trabalho sobre as
técnicas de diagramação automática do mundo visível, e em particular, do
movimento. (Isto é particularmente relevante para a visualização dos filmes de
Vertov, pois, assim como discorrerei mais adiante, no começo de sua carreira
ele identificou a estética do cinema como o movimento de objetos e pessoas no
espaço). Nos anos 1880, Étienne-Jules Marey descobriu como usar a fotografia
para esquematizar em duas dimensões o movimento de humanos e animais.
(Anteriormente, nos anos 1860, ele já havia desenvolvido muitos instrumentos
para registrar graficamente batimentos cardíacos, respiração, movimentos
musculares, e outras funções fisiológicas.) Nas décadas de 1910 e 1920, Frank
e Lillian Gilbreth apresentaram novos métodos para o registro e estudo dos
movimentos de trabalhadores utilizando fotografias e filmes.
03. Exemplo dos estudos de movimento dos Gilbreth, utilizando sua invenção, o
Chronocyclegraph.

Na década de 1990, as produções de longas-metragens e videogames


adotaram o motion capture para gravar corpos em movimento como diagramas
em 3D que são posteriormente usados para animar personagens criados por
computador. O motion capture é também comumente empregado para capturar
os movimentos faciais de atores e a partir deles criar rostos animados (por
exemplo, em Avatar, de James Cameron).
E expressões faciais de
atores
04. Ghostcatching, uma instalação de arte digital de Paul Kaiser e Shelley Eshkar, que utiliza a
captação de movimentos da coreografia de Bill T. Jones.

A análise computacional dos filmes combinada com a técnica da visualização


pode nos permitir fazer uma “engenharia reversa” de alguns aspectos do
cinema e de outras mídias de base temporal, revelando padrões interessantes
em qualquer escala – desde um único plano a bilhões de vídeos do YouTube.
Assim como todos os métodos computacionais, estes têm seus méritos e
fraquezas. Um computador não tem as mesmas percepções acerca do
significado e da estrutura de um filme como o seu diretor e editor. No entanto,
ele pode nos ajudar a perceber padrões sutis de edição, composição,
movimento e outros aspectos da cinematografia e narrativa que podem passar
despercebidos. Computadores também nos permitem comparar um grande
número de filmes, nos ajudando a compreender o que é usual e o que é
singular em uma determinada configuração, e identificar características comuns
e padrões similares. Resumidamente, ao passo que eles não podem produzir
facilmente os diagramas analíticos como aquele criado por Sergei Eisenstein
(na ilustração acima), eles podem realizar outras tarefas que seriam muito
difíceis ou despenderiam de muito tempo para um observador humano.

Um dos conceitos-chave de Vertov era o Cinema-Olho (Kino-Glaz em Russo),


que alcançou sua concretude em O Homem com a Câmera, criado em 1929
(muitos outros projetos de filme de Vertov igualmente radicais não foram
realizados). Em um artigo de 1924, “O nascimento do Cinema-Olho”, ele
escreve:

O Cinema-Olho é compreendido como “aquele que o olho não vê”,


como o microscópio e o telescópio do tempo,
como a negação do tempo,
como a possibilidade de ver sem limites e distâncias,
como o controle remoto de câmeras de cinema,
como o tele-olho,
como o raio-x,
como a vida pega de surpresa, etc., etc.

Cinema-Olho como a possibilidade de tornar o invisível visível. [4]

Atualmente designers de visualização de dados recorrentemente utilizam a


mesma frase “fazer o invisível visível” para descrever como a visualização pode
revelar padrões sobre os dados. Para Vertov, este objetivo pedia por novas
técnicas de cinematografia, edição e logística. A visualização apresentada por
este projeto almeja reverter o cinema-olho, apontando-o aos filmes de Vertov.

O grande escopo de pesquisas em estudos empíricos de filmes já havia


explorado detalhadamente uma dimensão quantitativa dos filmes – a duração
dos planos. [5] Esta é uma dimensão simples de ser quantificada: apenas
precisamos contar o número de frames entre os limites do plano. A análise dos
padrões de duração de planos também se justifica porque Vertov e muitos
outros cineastas do século XX criaram quadros e diagramas para planejar a
duração exata dos planos que comporiam as sequências de seus filmes. [6]
Barry Salt, Yuri Tsivian, e outros estudiosos demonstraram que trabalhar com
dados sobre a duração de planos pode conduzir a novas e importantes
percepções acerca de um único filme, da obra de um único diretor e também
de períodos inteiros da história do cinema.

Um dos objetivos do meu projeto é demonstrar como outras dimensões de


filmes podem também ser exploradas com a utilização de técnicas particulares
de visualização. Em alguns casos, usamos softwares de processamento digital
de imagens para medir propriedades visuais de cada frame do filmes, como o
valor da escala média de cinza, contraste, número de formas, número de
arestas, as proporções relativas de diferentes cores, propriedades de textura, e
assim por diante. (Começamos esta pesquisa em 2008; nosso método é similar
ao do psicólogo James Cutting e seus colegas [5], mas nós exploramos um
conjunto maior de características das imagens, utilizando técnicas da visão de
computadores). Em outros casos, não medimos ou contabilizamos nada. Em
vez disso, nós dispomos amostras de frames de um filme em uma única
visualização em alta resolução em disposições particulares. Este uso da
visualização sem medidas, contagens, ou incorporação de notas é o aspecto
crucial do método de trabalho com conjunto de dados de mídias do meu
laboratório e eu espero que isto possa acrescentar a outros métodos já
utilizados nos estudos quantitativos de filmes e humanidades digitais.

O portfólio das visualizações com comentários abaixo, começa com três


visualizações que traçam a já familiar medida quantitativas de filmes, isto é, a
duração de planos (1-3). Depois partimos para ilustrar outras estratégias
possíveis (4-9) utilizando o método de “visualização de mídias”. A fim de criar
visualizações de mídia, amostras de frames de um filme são rearranjadas pelo
software em diferentes disposições utilizando meta-dados existentes (isto é,
números de frames, limites dos planos, anotações manuais de conteúdos do
plano, etc.) e/ou medidas de propriedades visuais das imagens, planos, ou
filmes inteiros criados automaticamente. Não incluí nenhuma medida numérica
dos filmes em minha análise principal a fim de enfatizar que as técnicas de
visualização podem ajudar-nos a explorar os filmes e identificar padrões além
de meras estatísticas [7]. (Algumas das medidas estão referenciadas na seção
“Detalhes”).

As visualizações estão organizadas em uma sequência que se inicia com a


perspectiva da “janela de um avião” dos artefatos culturais (centenas de filmes
do século XX) e se aproxima gradualmente – semelhante ao que nos possibilita
o Google Earth, de começar pela visão geral da Terra e aproximar a escala até
eventualmente visualizarmos uma rua. (Pensemos também no exemplo do
filme Powers of Ten, de Ray e Charles Eames). Começamos com o panorama
de milhares de filmes do século XX, dentre os quais os filmes de Vertov
apresentam-se apenas como pequenos pontos (1). Então nos aproximamos
destes filmes, cujos planos são representados como as barras de um gráfico
(2-3). No próximo nível de aproximação, começamos a ver imagens (um frame
que represente cada plano – visualizações 4-7). Finalmente nos aproximamos
de um único plano a fim de perceber mais detalhes (8-9). Em minha concepção
o uso interativo ideal para explorar qualquer área da cultura visual seria
organizado de maneira semelhante, no qual as visualizações demonstrariam
diferentes níveis de detalhamento e diferentes aspectos dos produtos gerados
em tempo real, conforme o usuário aproxima e afasta o conjunto de dados. [8]

Esta apresentação é experimental. Normalmente um artigo acadêmico consiste


em um texto e um pequeno número de ilustrações. No entanto, esta
apresentação é um portfólio de uma série de visualizações, as quais o texto
encarrega-se de comentar. Tampouco desenvolvemos um único argumento ou
conceito. Em vez disso, no aproximamos progressivamente do cinema,
explorando maneiras alternativas de visualizar mídias em diferentes escalas, e
notar interessantes observações e descobertas. Podemos comparar seu
gênero de escrita com um diário de viagem, cujo princípio organizador é a
movimentação do escritor no espaço.

Com exceção das visualizações 1.1 – 1.3, que foram produzidas em Excel, o
código utilizado para criar todas as outras visualizações foi desenvolvido por
mim mesmo. Ele foi implementado como macros que são executados no
programa ImageJ, uma conhecida plataforma de processamento de imagem de
domínio público utilizada nas ciências da vida, astronomia, geografia, e outros
campos científicos [10]. Em meu laboratório também desenvolvemos alguns
macros de documentação completa com interface de usuário gráficas; eles
estão disponíveis para download assim como os manuais que escrevi para sua
utilização na visualização de coleções de imagens e vídeos [11].

Presto aqui meus agradecimentos à pesquisadora de cinema e membro da


equipe do Austrian Film Museum, Adelheid Heftberger, por iniciar e possibilitar
este projeto em 2009, e fornecer um parecer detalhado sobre este trabalho
durante seu desenvolvimento. Algumas das visualizações se utilizam de suas
listagens manuais acerca dos planos dos filmes de Vertov. Apesar de nós de
fato utilizarmos softwares para a identificação de planos em outros projetos,
neste caso se mostrou mais sensato apoiar-nos nas anotações manuais dos
planos. Este método é mais preciso em registrar vários planos de curtíssima
duração, os quais são característicos dos filmes de Vertov.
Algumas das visualizações apareceram anteriormente como material
complementar nos DVDs de dois filmes de Vertov publicados pelo Austrian Film
Institute [9]; outros têm sua primeira aparição neste trabalho.

Notas:

1. Para a análise detalhada das técnicas de visualização utilizadas neste


projeto, ver Lev Manovich, “Media Visualization: Visual Techniques for
Exploring Large Media Collections, Media Studies Futures”, ed. Kelly
Gates (Blackwell, 2012),
http://softwarestudies.com/cultural_analytics/Manovich.Media_Visualizatio
n.web.2012.v2.doc. Estas técnicas foram desenhadas a partir de projetos
anteriores de artistas digitais e designers discutidos em Lev Manovich,
"What is Visualization?" Visual Studies (Routledge, 2011),
http://lab.softwarestudies.com/2010/10/new-article-is-visualization.html.

2. Ver http://lab.softwarestudies.com/p/research_14.html.

3. Ver http://lab.softwarestudies.com/2012/11/peter-kubelkas-arnulf-rainer-
film-as.html.

4. Dziga Vertov, “The Birth of Kino-Eye” (1924), in Kino-Eye: the writings of


Dziga Vertov, ed. Annette Michelson, trans. Kevin O’Brien (University of
California Press, 1984), p. 41.

5. Esta pesquisa começou por “The Statistical Style Analysis of Motion


Pictures” Film Quarterly, 28, 1 (1974), pp. 13-22, de Barry Salt. Para seu
trabalho atual, ver os artigos em http://www.cinemetrics.lv/articles.php;
“What is cinema? An Agnostic Answer”, Critical Inquiry 34 (Summer
2008), PP. 754-776, de Yuri Tsivian.

Salt propôs que a análise fílmica deveria considerar uma série de outras
características como escala do plano, movimento de câmera e ângulo do
plano. No entanto, pelo fato de ele e subsequentes estudiosos do cinema
organizarem estes dados manualmente, houve uma limitação sobre a
quantidade de filmes que poderiam ser catalogados.

Mais recentemente, James E. Cutting da Cornell University, iniciou uma


nova série de estudos quantitativos que utilizam-se de métodos
automáticos para medir outras propriedades dos filmes para além das
estatísticas sobre seus planos. Ver “Attention and Hollywood Films”,
Psychological Science vol. 21, no. 3 (Março 2010), pp. 432-439, de
James Cutting, Jordan DeLong e Christine Nothelfer; “Quicker, faster,
darker: Changes in Hollywood film over 75 years”, i-Perception (2011)
volume 2, pp. 569-576, de Cutting, Brunick, DeLong, Iricinschi e Candan,
http://people.psych.cornell.edu/~jec7/pubs/iperception.pdf.
Um projeto pioneiro do designer Frederic Brodbeck (2011) nos mostra a
quantidade de dimensões de filmes que podem ser visualizadas
criativamente: http://cinemetrics.fredericbrodbeck.de/.

6. Exemplos destes diagramas e quadros estão referenciados por Yuri


Tsivian em seu site de introdução a cinemétrica,
http://www.cinemetrics.lv/.

7. O trabalho desenvolvido em meu laboratório enfatiza o que chamamos


de “visualização exploratória” para trabalhar com um grande conjunto de
dados de mídias visuais. Adotamos este termo da abordagem estatística
“análise exploratória de dados”. Para a discussão acerca da análise
exploratória de dados como método em estudos de filmes, ver
“Exploratory data analysis and film form: The editing estructure of slasher
films”, de Nick Redfern,
http://nickredfern.files.wordpress.com/2012/05/nick-redfern-the-editing-
structure-of-slasher-films.pdf, 2012.

8. Nós fizemos um protótipo deste modelo de interface em 2008:


http://lab.softwarestudies.com/2008/12/cultural-analytics-
hiperspaceand.html.

9. Dziga Vertov, A Sixth Part of the World / The Eleventh Year. DVD. Edition
Filmmuseum, 2009.

10. http://rsbweb.nih.gov/ij/.

11. http://lab.softwarestudies.com/p/software-for-digital-humanities.html.
1| panorama Todos os gráficos desse tópico analisam a média de duração de
planos (MDP) em relação ao ano em que os filmes foram lançados

1.1 Um gráfico de dispersão da média de duração de planos de mais de 1000 filmes criados
entre 1902 e 2008. Cada filme está representado por um pequeno círculo. Eixo “x” – ano.
Eixo “y” – média de duração do plano em segundos. (O eixo y utiliza escala logarítmica).
Preparação e análise de dados: William Huber (Software Studies Initiative), 2008. Fonte
dos dados: cinemetrics.Iv, 2008. Para alguns dos filmes, a base de dados cinemetrics.Iv
continha medidas específicas para cada rolo ou parte do filme; nestes casos, cada rolo ou
parte estão demonstrados separadamente.

Iniciaremos a partir de uma perspectiva panorâmica dos cinemas do século XX


e princípios do século XXI, e então gradualmente nos aproximaremos de
Vertov. No gráfico acima, cada ponto representa um filme. O eixo “x” é o
tempo, e o eixo “y”, a média da duração de planos (MDP). Os dados foram
retirados da plataforma cinemetrics.lv, um importante web site utilizado por
estudiosos do cinema para coletar informações sobre a duração de planos de
filmes e discutir o trabalho de análise que se utiliza destes dados. O gráfico
mostra todos filmes que estavam no conjunto de dados do cinemetrics.lv em
2008 (atualmente ele conta com muito mais registros).

Veremos o que este gráfico pode mostrar-nos sobre Vertov. Primeiramente,


disporei 28 filmes russos separadamente (eles constavam no registro de dados
da cinemetrics.lv quando obtivemos os dados em 2008).
1.2 28 filmes russos contidos na base de dados da cinemetrics.lv em 2008. Eixo “x” – ano.
Eixo “y” – média de duração de planos.

A curva acentuada reflete as turbulentas guinadas da história russa, as


mudanças nas políticas culturais do Estado, a linguagem cinematográfica, e os
filmes que adentraram a história do cinema. A edição super-rápida dos filmes
de montagem dos anos 1920 dá lugar à lenta narração clássica dos anos 1950
– 1970. (Neste contexto, até filmes mais lentos de Tarkovsky como Solaris, de
1972 não aparecem à exceção, mas sim à continuação desta tendência). Após
o início da Perestroika (1986), a influência cultural ocidental leva a filmes de
ritmo bastante acelerado, como observamos na última parte do gráfico.

Os pontos mais baixos no gráfico pertencem aos famosos filmes russos dos
cineastas de montagem na década de 1920: Dziga Vertov, Sergei Eisenstein,
Aleksandr Dovzhenko, Yakov Protazanov. Caso a cinemetrics.lv tivesse ao
invés incluído os filmes populares na audiência russa da época – comédias,
melodramas e filmes de aventura produzidos tanto no ocidente como no Rússia
– esta configuração dos pontos desapareceria e a curva apareceria com menor
acentuação.

No outro extremo, alguns dos filmes mais lentos encontrados na base de dados
da cinemetrics.lv também pertencem a um cineasta russo: Andrei Tarkovsky.
Em contraste com os filmes da década de 1920, de Vertov e outros diretores
russos que privilegiavam sequências com planos muito curtos a fim de
comunicar significados particulares, os filmes maduros de Tarkovsky consistem
de planos que podem durar até alguns minutos – uma forma de transferir o
controle aos espectadores, que ficam livres para navegar pelo espaço do
frame. (A maior média de duração de plano que não está demonstrada no
gráfico também pertence a um filme russo – Arca Russa, de Alexandr Sokurov,
2002. Este longa-metragem foi o primeiro na história mundial do cinema a ser
gravado como um único take).

Olhemos agora os clássicos “filmes de montagem” de Vertov e Eisenstein em


contraposição a todos os outros filmes produzidos no primeiro terço do século
XX. Os filmes de Vertov e Eisenstein demonstrados no gráfico abaixo como
retângulos são Cinema Olho (1924), A Greve (1925), O Encouraçado Potemkin
(1925), Outubro (1928), The Eleventh Year (1928) e O Homem com a Câmera
(1929).

1.3 Os filmes de Vertov e Eisenstein de 1924-1930 (retângulos) em contraposição a todos os


filmes da base de dados da cinemetrics de 1900-1925. Eixo “x” – ano. Eixo “y” – média de
duração do plano.

Como já era de se esperar, estes filmes correspondem a alguns dos pontos


mais baixos nos gráficos (isto é, eles têm a menor MDP; ver “Detalhes” abaixo
para o contingente numérico). Em particular O Homem com a Câmera tem a
menor média de duração de plano dentre os filmes feitos na primeira parte do
século XX catalogados pela cinemetrics.lv. É também o mais “rápido” dentre
todos os outros filmes famosos dirigidos por outros cineastas russos da escola
da montagem.

Entretanto há algo mais de inusitado no gráfico. Os diretores de montagem


russos rejeitavam fortemente o cinema praticado por outros, alegando que se
tratava apenas de teatro e literatura filmados. Em vez disso eles tinham na
justaposição dos planos o princípio organizador do seu cinema. Para pôr isto
em prática eles frequentemente utilizavam planos curtíssimos que eram
estáticos, quase estáticos, ou continham uma simples ação. Cada plano
singular deveria agir como um átomo básico e um elemento indivisível; a
sequência, com seu significado e efeito emocional pré-determinados, deveria
ser constituída destes elementos, como um muro de tijolos. Se nos atentarmos
a estas sequências de maior representatividade da teoria da montagem dos
filmes de Eisenstein e Vertov e as compararmos com os filmes narrativos
populares dos anos 1920, as diferenças tornam-se imediatamente claras.

O gráfico nos conta uma história diferente. A pequena MDP da maioria dos
filmes clássicos de montagem russos reproduz a tendência de mudança da
MDP longa para a curta, que se inicia ao final dos anos 1900. Nos anos 1910 o
cinema gradualmente deixa de ser uma simulação do teatro e passa a
desenvolver uma nova linguagem baseada no corte entre planos e nas
mudanças de pontos de vista. Como resultado, a duração dos planos diminuiu
substancialmente. Este desenvolvimento pode ser claramente verificado no
gráfico. Inseridos neste contexto maior, os filmes de montagem russos deixam
de representar uma oposição. Em vez disso observamos que eles exploraram
uma tendência generalizada que havia começado muito antes.

Se estivéssemos apenas considerando as estatísticas básicas de duração de


planos em vez de analisar todos os dados, os resultados seriam diferentes. A
média separada das MDPs de seis filmes de Vertov e Eisenstein é de 3,13
segundos; isto é quase três vezes menos que a média de 7,91 segundos de
todos os outros filmes de 1921 a 1930 na base de dados da cinemetrics.

Como compreendemos nossa descoberta de que os filmes de montagem


russos estão compatíveis com os outros filmes como vimos no gráfico de
MDP? Isto não significa que a linguagem dos filmes de montagem de cineastas
russos não seja diferente de outras linguagens fílmicas dos anos 1920 – elas
eram (ou pelo menos as partes destes filmes estruturadas de acordo com os
princípios da montagem). No entanto, talvez seja necessário medirmos e
analisarmos outras informações sobre os planos (para além de apenas sua
duração) para que esta diferença seja realmente evidenciada.

(Agradecimentos a Yuri Tsivian por prover-nos o acesso à base de dados da


Cinemetrics).

Detalhes:

Os filmes de Vertov e Eisenstein demonstrados no gráfico 1:

MÉDIA DE
ANO DURAÇÃO TÍTULO DIRETOR
DO PLANO
(MDP)

1924 4.0 Cinema-Olho Dziga Vertov


1925 3.0 A Greve Sergei Eisenstein
1925 2.9 Encouraçado Potemkin Sergei Eisenstein
1927 2.3 Outubro Sergei Eisenstein, Grigori Aleksandrov
1929 2.6 O Homem com a Câmera Dziga Vertov
1928 4.0 The Eleventh Year Dziga Vertov

A MDP mostra a média de duração dos planos em segundos. Em vez de


usarmos a média, poderíamos usar alternativamente a mediana da duração do
plano. A mediana é uma representação da tendência média em determinado
conjunto de dados que é menos sensível às dissidências (no caso dos dois
filmes de Vertov, alguns poucos e incomuns planos longos são verdadeiras
dissidências).

Se utilizarmos a mediana em vez da média, o filme de Vertov é mais “rápido”


que todos os outros filmes famosos de seus companheiros diretores de
montagem russos.
MÉDIA DE
ANO DURAÇÃO TÍTULO DIRETOR
DO PLANO
(MDP)

1925 2.3 A Greve Sergei Eisenstein


1926 2.0 Mother Pudovkin
1927 2.0 Outubro Sergei Eisenstein, Grigori Aleksandrov
1929 1.6 O Homem com a Câmera Dziga Vertov
1928 2.8 The Eleventh Year Dziga Vertov

As medições utilizadas para os filmes de Vertov utilizam o desarranjo manual


dos planos de Adelheid Heftberger, que registrou a informação utilizando o
software Anvil e utilizou os arquivos de fotografias dos filmes no Austrian Film
Museum.

As medições utilizadas para os outros filmes são da cinemetrics.lv. Devido aos


métodos de medição utilizados para submeter os dados para este site, eles
podem não ser totalmente precisos.

2| comparando a duração de planos de


dois filmes

Duração

Quantidade de planos

2.1 Duração dos planos em The Eleventh Year (primeira imagem) e O Homem com a Câmera
(segunda imagem). Cada barra representa um plano de um filme; a altura da barra representa
a duração do plano. A diferença entre os tamanhos das representações nos gráficos refletem a
diferença da quantidade de planos entre os dois filmes. (O Homem com a Câmera é composto
quase pelo triplo de planos presentes em The Eleventh Year).

Agora nos aproximaremos do “panorama de dados” formado por centenas de


filmes, para examinarmos mais de perto dois filmes de Vertov. Combinadas, as
durações de todos os planos revelam uma série de diferenças interessantes
entre eles que vão além da óbvia constatação de que The Eleventh Year
contém mais planos de maior duração do que O Homem com a Câmera. O
filme mais recente e “teórico” (isto é, uma visualização mais sistemática das
teorias de Vertov) é também melhor estruturado. Cada um destes padrões
repete-se diversas vezes ao longo do filme. Os gráfico a seguir demonstra
exemplos de três destes padrões (identificados por números) em determinada
parte do filme.

Percepção de padrões a partir de um close no gráfico da duração de


planos

2.2 Um close-up na visualização de O Homem com a Câmera demonstrando três padrões de


duração de planos:
1) Uma longa sequência de planos extremamente curtos de mesma duração.
2) Planos longos e curtos que se alternam.
3) Planos longos e curtos que se alternam, e cujas durações decrescem gradualmente ao
mesmo tempo.

Talvez a descoberta mais interessante seja a de que tais padrões sistemáticos


são responsáveis por apenas uma parte relativamente pequena de O Homem
com a Câmera, com as durações dos planos do resto do filme variando sem
qualquer sistematização aparente. Em The Eleventh Year as partes com
variação sistemática das durações de planos aparecem ainda menores. (A
análise de tempo seriado, uma técnica de estatística utilizada para analisar
dados temporais, confirma a observação de que The Eleventh Year em toda a
sua duração contém durações de planos menos estruturadas do que O Homem
com a Câmera).

Esta constatação faz sentido. Assistindo aos filmes de Vertov dos anos 1920 e
início dos anos 1930, temos a sensação de que o cineasta sempre se utiliza de
algum princípio claro para conectar vários planos em uma sequência (assim
como esperamos dos filmes da escola da montagem russos). Entretanto, estes
princípios variam ao longo do filme, e podem também estar combinados em
uma única sequência (as teorias da montagem eisensteinianas identificam uma
série destes princípios). Utilizar vários planos consecutivos de mesma duração,
ou variar suas durações de acordo com um sistema é apenas um princípio
organizacional dentre muitos outros. Quando visualizamos um filme como The
Eleventh Year em uma única dimensão na qual estes princípios operam (como
por exemplo as durações de planos), todas as outras partes dos filmes
organizadas de acordo com outros princípios podem parecer aleatórias, uma
vez que a visualização não pode demonstrar padrões nestas outras dimensões.
(A visualização abaixo nos mostra um exemplo de tal dimensão: a quantidade
de mudanças visuais em cada plano).

3| visualizações alternativas das durações


de planos

3.1. Uma visualização alternativa da duração de planos de The Eleventh Year. Cada plano está
representado por um círculo cujo tamanho representa a sua duração. Cada rolo de filme ocupa
uma fileira.

3.2. Um close-up da visualização. Um número indicando a duração de cada plano (em frames)
aparece no superior esquerdo do círculo que representa o plano.
Além do gráfico de barras utilizado na visualização anterior, podemos também
experimentar com muitas outras técnicas gráficas para demonstrar como os
dados mudam com o passar do tempo. Por exemplo, a visualização nesta
página utiliza círculos para representar a duração de planos em The Eleventh
Year. Ele enfatiza uma característica em particular que distingue este filme de
O Homem com a Câmera – a presença de uma grande quantidade de planos
muito longos (representados pelos círculos grandes). Estes longos planos
contradizem nossa presunção comum de que os filmes da escola de montagem
russa consistem apenas de planos curtos – criada pelo uso repetitivo de
sequências famosas (como a escadaria de Odessa em A Greve, de Eisenstein)
na representação deste movimento cinematográfico em livros e outros
materiais acadêmicos.

Esta visualização a seguir compara os padrões de duração de planos ao longo


dos filmes The Eleventh Year (acima) e O Homem com a Câmera (abaixo)
utilizando retângulos no lugar de círculos:

3.3 Visualização da duração de planos em The Eleventh Year (acima) e O Homem com a
Câmera (abaixo). Cada plano é representado por um retângulo cujo tamanho representa a
duração do plano.
4| 654 planos em uma única visualização

4.1. Cada um dos 654 planos de The Eleventh Year (Dziga Vertov, 1928) está representado
por seu segundo frame. Os frames estão ordenados da esquerda para a direita e de cima para
baixo, segundo a ordem dos planos no filme.

Esta visualização transforma o filme em uma única imagem. Ela utiliza uma
importante segmentação semântica e visual do filme – a sequência dos planos.
Cada plano está representado pelo seu segundo frame. (Escolhi utilizar o
segundo frame em lugar do primeiro porque estes são frequentemente muito
escuros devido à tecnologia limitada para impressão de filmes que Vertov e sua
esposa e editora, Svilova, tinham acesso). Podemos pensar nesta visualização
como um storyboard imaginário do filme construído ao contrário – um mapa
reconstruído de sua cinematografia, edição e narrativa.
4.2 Um close-up da visualização.

Tal close-up funciona como uma nova “montagem” da montagem original do


filme de Vertov. Devido à proporção de close-up ele não demonstra uma única
sequência de planos. Em vez disso vemos uma sequência de seis planos
(fileira superior) e depois pulamos para outra sequência de seis planos
(segunda fileira), e assim repetidamente, nove vezes. Cada sequência está
separada da próxima pelo mesmo número de planos (não visíveis na
visualização).

Originalmente, incluí este close-up simplesmente para auxiliar os leitores a


enxergarem melhor as imagens de toda visualização. Posteriormente, percebi
que sua estrutura semelhante à montagem também nos auxilia a compreender
melhor diversos padrões na edição do filme. Por exemplo, notamos as
repetições de planos de diferentes pessoas olhando para cima
(presumivelmente ao futuro Comunista). Ao passo que este padrão destaca-se
por si só em toda a visualização, o close-up nos mostra padrões adicionais. Os
planos de pessoas olhando para cima estão combinados com outros planos de
diversas maneiras. Os dois métodos revelados pelo close-up são a montagem
paralela (fileiras 1, 4, 5 e 9) e uma sequência que consiste apenas destes
planos (fileira 8). A repetição pode apresentar planos da mesma pessoa
(fileiras 1, 4 e 9) ou de diferentes pessoas na mesma posição (fileiras 5 e 8).
Evidentemente que um estudo cuidadoso do filme utilizando ferramentas
padrão de vídeo digital como o QuickTime ou o Premiere também revelarão
estes padrões – no entanto isto demandará algum tempo, enquanto a
visualização os demonstra instantaneamente e também nos permite compará-
los.

Também é fácil notar que Vertov repete alguns planos das pessoas olhando
para cima na mesma direção (isto é, para a direita, para a esquerda ou
diretamente ao centro) antes de mudar a direção.

Para melhor percebermos este padrão de repetição e reversão ao longo de


todo o filme, selecionei todos os planos que mostram close-ups de rostos e
organizei sua visualização na sequência de seu aparecimento no filme (mais
uma vez, cada plano está representado por seu segundo frame).

4.3. 72 planos mostrando close-ups de rostos de The Eleventh Year, arranjados de acordo com
sua ordem de aparecimento no filme (da esquerda para a direita, de cima para baixo). Os
níveis de cinza de alguns frames foram ajustados para revelar mais detalhes.

Geralmente um conjunto de planos de uma ou algumas pessoas olhando na


mesma direção pertencem a uma única sequência. Estes planos estabelecem
uma estrutura de repetições, justapostas a um conjunto de diferentes planos
montados entre os planos dos rostos. Entretanto, a visualização também
mostra um meta-padrão: ao longo de todo o filme, uma sequência de planos de
rostos olhando para uma determinada direção é seguida por uma sequência de
planos de rostos que olham na direção oposta; a próxima sequência reverte a
direção novamente e assim por diante.

Podemos também combinar a representação dos planos por seus frames


selecionados com um gráfico de barras, representando algumas propriedades
destes planos. Na seguinte visualização de The Eleventh Year, cada plano do
filme está representado pelo seu segundo frame; o comprimento das barras
abaixo dos frames representa a duração do plano.

Cada fileira corresponde a um rolo do filme (de baixo para cima). Durante a
projeção do filme nos anos 1920, havia um intervalo entre cada rolo. Vertov
considerou isto ao editar o filme – por este motivo faz mais sentido que se
disponham os rolos no gráfico separadamente em vez de colocá-los todos em
uma única representação.

4.4 Visualização de The Eleventh Year. Cada fileira corresponde a um rolo do filme (de baixo
para cima). Cada plano do filme está representado por seu segundo frame. O número dos
planos aparece abaixo de cada frame (canto direito). O comprimento das barras abaixo de
cada frame corresponde à duração do plano (1 frame = 1 pixel). O número abaixo da barra
mostra a duração do plano em frames.

Os dois close-ups da visualização 4.4 a seguir ilustram diferentes padrões de


edição do filme. Um (acima) é uma sequência de planos todos com a mesma
duração – começando pelo plano 590. O outro (abaixo) é uma sequência que
alterna entre os planos de legendas, de mesma duração (frames 13, 15, 17 e
19), e os planos de duração decrescente (14, 16, 18). (Cada close-up mostra
apenas uma parte de uma sequência maior).
4.5 Dois close-ups do começo (abaixo) e do fim do filme (acima).

5| comparando começo e fim de cada


plano

5.1. Visualização de The Eleventh Year que compara os frames inicial e final de cada plano.
Cada coluna representa um plano do filme, utilizando o segundo frame inicial (fileira de cima) e
o penúltimo frame (fileira de baixo). Os planos estão organizados da esquerda para a direita de
acordo com sua ordem no filme.
Primeira imagem: A visualização completa de todo o filme.
Segunda imagem: Um close-up da visualização completa.
Veja a visualização em full resolution (60.000 pixels) no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/culturevis/5674891152/in/set-72157623326872241

5.2. Close-up mais aproximado, mostrando o começo e o fim de sete planos consecutivos.

5.3. Outro close-up mostrando o começo e o fim de outra sequência de sete planos
consecutivos.

Para criar esta visualização, criei um programa que selecionava os frames do


começo e fim de casa plano de The Eleventh Year e os juntei na ordem dos
planos. Cada plano está representado por um frame de seu começo na parte
superior, e um frame de seu fim, na parte inferior.

“Vertov” é um neologismo inventado pelo diretor que o utilizou como seu


sobrenome desde o começo de sua carreira. Advém do verbo russo “vertet”,
que significa “girar”. “Vertov” pode aludir ao gesto manual básico que a
filmagem nos anos 1920 exigia – girar a manivela da câmera. Pode também
referir-se ao dinamismo da linguagem desenvolvida por Vertov que, ao lado de
vários outros cineastas, designers e fotógrafos russos e europeus daquela
década, propunha “desfamiliarizar” a realidade através do uso de composições
diagonais dinâmicas e de filmar pontos de vista inusitados. No entanto, esta
visualização sugere um retrato bastante diferente de Vertov. Quase todos os
planos de The Eleventh Year começam e terminam praticamente com a mesma
composição e objeto. Em outras palavras, os planos são bastante estáticos.

Voltando ao filme e estudando estes planos mais a fundo, percebemos que


alguns deles são de fato completamente estáticos – por exemplo, os close-ups
de rostos olhando em várias direções sem se moverem. Outros planos
empregam uma câmera estática, que enquadra algum movimento – por
exemplo, as máquinas operando, ou trabalhadores trabalhando – confinado ao
mesmo espaço. Vale a pena lembrar que vários planos do filme mais famoso
de Vertov, O Homem com a Câmera (1929) foram especificamente pensados
como opostos: filmar de dentro de um carro em movimento enquanto os
objetos cruzavam o olhar da câmera constantemente. Contudo, tais planos
constituem apenas uma pequena parte até mesmo deste filme mais
experimental de Vertov.

6| quantidade média de mudanças visuais


em cada plano

6.1. Quantidade média de mudanças visuais em cada plano de The Eleventh Year. Cada barra
representa um plano. O comprimento de uma barra corresponde a quantidade média de
mudanças visuais no plano (detalhes sobre como isto foi calculado podem ser encontrados
abaixo em “método”). O segundo frame de cada plano se encontra acima da barra.
Primeira imagem: A visualização completa de todo o filme.
Segunda imagem: Close-up da visualização.
Terceira imagem: Close-up mais próximo, mostrando o padrão das mudanças graduais na
média de mudanças visuais do plano.
Veja a visualização em full resolution (60.000 pixels) no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/culturevis/4117658480/in/set-72157632441192048

Esta visualização utiliza-se de um algoritmo muito simples (descrito abaixo)


para calcular a quantidade média de mudanças visuais em cada plano do filme
de Vertov. Cada coluna corresponde a um plano. O segundo frame (do
começo) de um plano está acima; a barra que representa a medição da
quantidade média de mudanças visuais está abaixo. Um plano em que haja
poucas mudanças será representado por uma barra menor; um plano com
muitas mudanças (sejam movimentos de câmera, os objetos, ou ambos) será
representado por uma barra maior. Um plano estático de duas pessoas
conversando é um exemplo do primeiro caso; um plano filmado de um veículo
movendo-se velozmente é um exemplo do segundo caso.

A visualização destas medidas revela dois padrões que já poderíamos prever,


assim como padrões que são bastante surpreendentes. O close-up da
visualização do filme completo mostrada abaixo (6.2.) ilustra um padrão que
podemos esperar de uma sequência de cortes cruzados: dois planos curtos
alternando-se, cada um com seu nível de atividade visual.

6.2.

O próximo close-up demonstra um padrão diferente, que parece contradizer


completamente as nossas expectativas acerca de um filme de montagem:
inicialmente a quantidade média de mudança visual em cada plano decresce
gradualmente, e depois torna a crescer gradualmente. Este padrão de
decrescimento/ crescimento graduais na quantidade de atividade ocorre
diversas vezes ao longo do filme.
6.3.

Vertov assim como vários outros cineastas russos (Lev Kuleshov, Sergei
Eisenstein, Vsevolod Pudovkin) defendia que a montagem é o princípio-chave
organizacional do cinema. Ao passo que eles propunham uma série de teorias
alternativas da montagem, comuns a estas teorias e aos seus filmes era a idéia
da colisão entre planos – isto é, a geração de significado e efeitos emotivos
através da justaposição em lugar da continuação. (Em contraposição à edição
comum de filmes, na qual a progressão dos planos serve ao propósito primário
de avançar a narrativa).

Entretanto, assim como o exemplo acima nos mostra, oposição e continuidade


não são necessariamente inimigas. Neste exemplo os close-up e os planos
médios alternados opõem-se graficamente. Ao mesmo tempo, a quantidade de
mudança visual em ambos os planos decresce gradualmente e depois torna a
crescer com o passar do tempo.

Quando Vertov e seus colaboradores Mikhail Kaufamn e Yelizaveta Svilova


perceberam este padrão sutil? O fato de os planos de uma sequência seguirem
um padrão não é surpreendente. Os teóricos da montagem russos defendiam
que os planos deveriam estar arranjados em uma sequência segundo algum
sistema (por exemplo, Eisenstein fazia distinção entre “montagem métrica”,
“montagem rítmica”, “montagem intelectual”, etc.). No entanto, devido ao fato
de eles não terem ferramentas computacionais, eles não podiam analisar
precisamente as mudanças visuais de frame para frame ou de plano para
plano, e assim, planejar sistematicamente padrões sutis de mudanças em tais
dimensões como “a quantidade média de mudanças visuais por plano”,
utilizada em nossa visualização. Isto não impediria Vertov e seus
colaboradores de criar tais padrões “à mão” – mesmo que eles não pudessem
ser nomeados e esquematizados até agora.

Detalhes:

Neste filme de Vertov não há correlação entre a duração de planos e a média


de mudanças visuais, como apontou nosso método descrito abaixo (correlação
= - 0,06). Apesar, de maneira geral, que muitas coisas possam resultar em
“mudanças visuais” (pensemos nos filmes experimentais do século XX ou nos
motion graphics contemporâneos), nos filmes de Vertov as mudanças visuais
entre frames devem-se a movimentos (objetos, câmera, ou ambos juntos). Se
fizermos esta substituição podemos constatar que a quantidade de planos em
movimento e a duração dos planos não têm conexão entre si. (Isto é
comparável à descoberta geral de Cutting e seus colaboradores acerca dos
filmes pré Segunda Guerra Mundial que eles estudaram)

A análise de tempo seriado (autocorrelação e autocorrelação parcial calculadas


usando http://www.wessa.net/rwasp_autocorrelation.wasp) dos dados de
duração de planos e de movimentos nos planos demonstra forte estruturação
(isto é, o oposto de aleatoriedade). Isto significa que ambos os valores mudam
sistematicamente em uma porção significativa dos filmes.

Comparativamente, os dados acerca da duração de planos têm mais


estruturação do que aqueles acerca da quantidade de movimento nos planos
(assim como medi – veja abaixo). Isto faz sentido: enquanto Vertov podia
planejar a duração exata de cada plano, ele não poderia fazer o mesmo
movimento. Examinando os gráficos visualmente, também percebemos que a
proporção do filme que tem a duração de planos variando sistematicamente é
maior do que a parte que tem padrões de movimento sistemáticos.

O método para medir a quantidade média de mudanças visuais em um


plano:

Para calcular a quantidade média de mudanças visuais em um plano,


implementei o seguinte método em software. A cada dois frames subsequentes
subtraímos um do outro, pixel por pixel. Depois, o programa calcula a média de
todos os valores da escala de cinza na imagem gerada pela diferença. A
seguir, os valores médios de todas as imagens geradas pela diferença são
somados, e o total dividido pela quantidade de frames no plano.

A ilustração a seguir demonstra as imagens diferenciais geradas por dois


frames consecutivos:

6.4. Exemplos de imagens da diferença. Em cada fileira, estão dispostos frames subsequentes
de The Eleventh Year, e a terceira coluna demonstra suas imagens diferenciais.
Fileira superior: dois frames filmados de um navio movendo-se lentamente. Há pouca mudança
entre os frames, e a imagem diferencial correspondente contém apenas um pequeno número
de pixels não-pretos.
Fileira inferior: dois frames de um plano de um trabalhador operando maquinário. As partes dos
frames que mudam correspondem aos pixels não-pretos na imagem diferencial. Como pode-se
notar, neste exemplo, há mais mudanças significativas de um frame ao outro.

Acredito que nosso método para medir as mudanças visuais é comparável


àquele usado por Cutting e seus colaboradores em sua série de estudos
acerca de 160 filmes de Hollywood [1] – ao menos no caso destes dois filmes
de Vertov. Em seu métodos, eles calcularam a mediana das correlações entre
frames vizinhos adjacentes (1 e 3, 2 e 4, etc.). Em meu método, calculo a
média da escala de cinza da imagem diferencial produzida por dois frames
subsequentes (1 e 2, 2 e 3, etc.). A fim de investigar se os dois métodos são
comparáveis, eu processei diversos planos de The Eleventh Year para calcular
tanto as correlações entre frames, e as médias das escalas de cinza nas
imagens diferenciais, e organizei seus gráficos correspondentes. Também
testei outras medições: número de pixels que mudam de frame para frame,
mediana da escala de cinza das imagens diferenciais, e também a soma dos
valores de todos os pixels de uma imagem diferencial (visualizações na seção
9 abaixo utilizam deste último método). Em todos os casos os resultados foram
semelhantes.

Para calcular as correlações entre frames subsequentes utilizei ImageJ com o


plugin ImageCorrelationJ [2].

Notas:

1. Cutting, Brunick, DeLong, Iricinschi, and Candan, “Quicker, faster, darker:


Changes in Hollywood film over 7 years”, i-Perception (2011), volume 2,
pp. 569 – 576, http://people.psych.cornell.edu/~jec7/pubs/iperception.pdf.
Os detalhes acerca do método estão descritos em Cutting, DeLong,
Brunick 2011b “Visual activity in Hollywood film: 1935 to 2005 and
beyond”, Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts 5 (2011), pp.
115 – 125.

2. http://www.gcsca.net/IJ/ImageCorrelationJ.html.

7| frames escolhidos por suas


propriedades visuais
7.1. Visualização de The Eleventh Year contendo o segundo frame de cada plano. Os frames
foram escolhidos de acordo com suas propriedades visuais. Eixo “x” – valor da média da escala
de cinza do frame. Eixo “y” – quantidade de formas no plano. Note-se que devido à
sobreposição nem todos os 654 frames estão visíveis.

Nesta visualização temos os frames representantes dos 654 planos de The


Eleventh Year posicionados em duas dimensões de acordo com suas
características visuais, medidas automaticamente pelo software. Muitas
características visuais podem ser usadas em combinações diferentes, cada
uma criando um “mapa” diferente do filme. Aqui os frames estão posicionadas
de acordo com seus valores médios da escala de cinza (eixo x), e seu número
de formas (eixo y). Os frames escuros estão à esquerda, e os claros, à direita.
Os frames que contém apenas algumas poucas formas estão abaixo, enquanto
os frames com muitos objetos estão acima.

Em termos de valores da escala de cinza (eixo x), os planos do filme estão


divididos quase em igualdade entre tons de cinza muito escuros, médios e
muito claros. A oposição entre grandes proporções de planos muito escuros e
muito claros é específica de The Eleventh Year. No último caso tratam-se de
planos externos, nos quais o céu ocupa grande parte do plano. (Como já
havíamos comentado anteriormente, muitos destes planos mostram pessoas
olhando para cima. Não é difícil de compreender o simbolismo de tais planos –
pessoas olhando ao futuro Comunista). Os planos mais escuros representam a
industrialização, mostrando pessoas operando maquinário e forja.
Contrastando, O Homem com a Câmera se passa em uma cidade, cujo tempo
encobre um dia inteiro, desde a manhã até a noite. Desta forma, a distribuição
de seus planos é mais igual, com cada tonalidade de cinza sendo igualmente
representada.

7.2. Todas as centenas de frames de O Homem com a Câmera. Os frames estão arranjados de
acordo com a claridade média (eixo x) e o número de formas (eixo y).

7.3. Um close-up da visualização de The Eleventh Year: planos com alto valor médio de escala
de cinza e pequena quantidade de formas.
7.4. Um close-up da visualização de O Homem com a Câmera: planos com tons de cinza
médios.

8| frame a frame: anatomia de um plano


Esta seção analisa um plano de The Eleventh Year – veja o clipe aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=_0bE9suAIDQ&feature=share&list=UUQYMh
3afEnBHnwcJ8y-e9Mg.

A ilustração abaixo demonstra amostras de frames deste plano:


8.1. Um plano de The Eleventh Year constituído por 167 frames. Esta visualização é formada
de todo 21º frame; os frames estão dispostos da esquerda para a direita, de cima para baixo.

A escola de montagem russa distinguia o plano como a unidade básica do


cinema. Entretanto, se olharmos a seus filmes em lugar de seus textos teóricos
e manifestos, descobrimos que a realidade nem sempre corresponde à teoria.

The Eleventh Year contém muitos planos curtos que são estáticos (ou quase
estáticos) como quadros. Eles contém uma única explosão de informação
apresentada em tela apenas tempo o suficiente para que o espectador a
absorva e então é substituída pela próxima. O filme também contém planos
dinâmicos mais longos que mostram alguma atividade que segue um ciclo.
Para além de comunicar informação semântica (uma pessoa ou uma máquina
desempenhando determinada ação), tais planos também comunicam a grande
temática do trabalho, central para o filme. Por serem movimentos
característicos, eles não apenas significam “trabalho” – em vez disso, eles
motivam os espectadores a se juntarem aos trabalhadores que vêem na tela.
Podemos também encontrar um terceiro tipo de planos mais longos que não
contém repetição; mas que comunica nova informação com o desenrolar do
plano. (Alguns destes planos são filmados de um trem; com o avançar do trem,
vemos novas partes da paisagem, ou novos objetos de passagem).

Como podemos visualizar o desenvolvimento de um único plano? Como


exemplo, selecionei um plano que exemplifica a estética vertoviana em sua
forma pura: formas geométricas de máquinas em movimento. Em seu primeiro
texto publicado “We: The variant of the manifesto” (1920) (Nós, a variante do
manifesto em tradução livre), o jovem Vertov afirma categoricamente:
As máquinas fazem o homem envergonhar-se da inabilidade
humana de controlar a si mesmo.

Por sua inabilidade de controlar seus movimentos, NÓS


excluímos temporariamente o homem como objeto do cinema.

Esta adoração pelas máquinas era típica do projeto estético de muitos e muitos
grupos vanguardistas nos anos 1910 – 1920, incluindo artistas visuais, poetas,
arquitetos, fotógrafos e designers gráficos. Vertov adaptou este projeto geral
das vanguardas européias para o meio cinematográfico. O que ele “pega” das
máquinas é a precisão e regularidade de seus movimentos. (Vertov
aparentemente não conhecia os métodos de estudo do tempo de Taylor e os
estudos de movimento de Gilbreths, que já haviam sido desenvolvidos nos
anos 1920. Estes métodos foram utilizados para padronizar e racionalizar os
movimentos de trabalhadores, sintonizando-os para alcançar o ideal de
precisão maquinário. Na Rússia as idéias de Taylor tornaram-se populares no
começo dos anos 1920).

O plano que selecionei é formado por 167 frames e não contém humanos. Em
vez disso, a câmera observa um enorme guindaste, que se estende
perpendicularmente a ela. A geometria revelada contém uma parte horizontal
que ocupa a mesma área nos frames; duas partes verticais que rapidamente
cruzam os frames de 1 – 50 e depois novamente, de 100 – 167; e a parte longa
do guindaste, que está perpendicular à câmera. Devido ao movimento de
câmera panorâmico, a posição desta parte muda constantemente ao longo do
plano.

Aqui seguem algumas maneiras possíveis de se visualizar um plano (há muitas


outras possíveis). Na primeira visualização abaixo, todos os frames do plano
estão postos juntos, pixel por pixel. Nesta visualização, os objetos que
aparecem brevemente no plano não estão mais visíveis. Os objetos que
aparecem na mesma posição por determinados períodos de tempos aparecem
como esboços escuros e delineados (por exemplo, uma linha escura na parte
de baixo). E os objetos em movimento? Neste plano, a câmera faz um
movimento de panorâmica para mostrar uma longa parte do guindaste que se
estende perpendicularmente a ela. Devido à panorâmica, a posição desta parte
muda constantemente ao longo do plano. Na visualização este movimento se
traduz em um borrão em formato de triângulo; quanto mais rápido o
movimento, mais embaçada se torna a representação.
8.2. Sobreposição dos 167 frames que compõem o plano. Devido à tendência destas imagens
compostas terem baixo contraste, aumentei a escala de cinza no Photoshop.

Em vez de somar todos os frames, podemos somar subconjuntos de frames,


gerando muitas imagens. Na visualização a seguir, cada imagem é o resultado
da adição de 10 frames subsequentes:
8.3. Cada umas destas 16 imagens demonstra a soma de 10 frames subsequentes do plano.

Esta visualização nos permite ver mais claramente a mudança de velocidade


do movimento relativo do guindaste (digo relativo porque na realidade o
guindaste permanece imóvel, e a câmera faz um movimento panorâmico). As
imagens muito embaçadas correspondem a movimentos mais rápidos (partes
de começo e fim de planos); as imagens mais delineadas correspondem a um
movimento mais lento (meio do plano).

Outro modo de rastrear o que acontece dentro do plano é através do uso de


gráficos. Anteriormente (na visualização 6) representamos graficamente a
quantidade de mudanças visuais a cada plano do filme. Podemos usar este
mesmo método para medir e diagramar as mudanças de frame a frame em um
único plano.

Primeiro, geramos imagens diferenciais a cada dois pares de frames. A


“imagem diferencial” representa as mudanças entre dois frames consecutivos.
No exemplo abaixo, os pixels correspondentes que não mudaram entre dois
frames estão pretos; os pixels que mudaram têm tons mais claros.

Você pode ver um vídeo de imagens diferenciais de um plano inteiro online:


http://www.youtube.com/watch?v=zCcQq3J7OLA&list=UUQYMh3afEnBHnwcJ
8y-e9Mg&index=2.

A ilustração abaixo mostra os três frames do vídeo:


8.4. Imagens diferenciais selecionadas, geradas a partir da subtração de frames subsequentes
do plano. De cima para baixo: imagens diferenciais dos frames 37-38, 77-78, 133-134.

As imagens do topo e do fim correspondem a partes do plano nas quais a


câmera passa pelas partes verticais do guindaste. Devido a estas partes
estarem próximas da câmera, seu movimento gera diferenças grandes entre
frames subsequentes. A imagem diferencial do meio corresponde à parte do
plano de quando a câmera passa a parte do guindaste à qual está
perpendicular. Devido a esta extensa parte estar distante da câmera, as
mudanças em sua posição se traduzem em menos pixels que mudam entre os
frames.

Depois de gerarmos estas imagens diferenciais a cada dois frames em um


plano, medimos as informações da escala de cinza de cada imagem
diferencial, e organizamos estas medidas ao longo do tempo. Diferentes
medições podem ser utilizadas, mas em geral elas tendem a produzir
resultados semelhantes. Na seção 6, utilizamos a média da escala de cinza de
uma imagem diferencial, aqui usaremos uma medida alternativa: a soma da
quantidade de pixels em cada imagem (O software ImageJ que usei para fazer
estas medições automaticamente chama isto de Densidade Integrada Bruta:
http://imagej.nih.gov/ij/docs/menus/analyze.html - set).

O gráfico abaixo dispõe as medições de todos os 167 frames do plano. A fim


de tornar o gráfico mais compreensível, coloquei 9 frames-chave do plano
abaixo. Cada frame-chave foi retirado de um intervalo de 20 frames,
começando pelo frame 1.

8.5. Gráfico das diferenças entre os frames do plano de The Eleventh Year. A medida da
diferença entre frames subsequentes usada é a Densidade Integrada Bruta de uma imagem
diferencial. Note-se os ocasionais picos no gráfico. A razão de sua existência são os pulos
entre certos frames, que são produto da gravação original do filme. Se o mesmo plano fosse
gravado com uma câmera contemporânea, estes picos desapareceriam.
Medições únicas de mudanças visuais entre pares de frames, como por
exemplo a escala de cinza de uma imagem diferencial, ou a densidade bruta do
pixel reduzem todas as mudanças visuais a apenas um número. Portanto, elas
não nos permitem rastrear dimensões separadas de um plano – movimentos
de objetos em particular, composição, posição de câmera, gestos e rostos de
pessoas, etc.

O mesmo se aplica a todas as outras dimensões visuais de um plano. A não


ser que estejamos lidando com um plano extremamente “estrutural” no qual a
mudança visual esteja confinada a um único parâmetro (pensemos em
Rhyhmus 21 de Hans Richer, ou em partes de Wavelenght, de Michael Snow),
nenhum gráfico é capaz de capturar todas as mudanças que podemos ver com
nossos olhos. Apesar de podermos construir muitos gráficos que mostram
padrões de diversas dimensões separadas de um único plano, eles ainda não
são capazes de capturar a gestalt completa que experienciamos quando
assistimos ao plano.

Contudo, os gráficos têm sua própria vantagem: ao representar mudanças em


dimensões visuais distintas através de curvas, eles nos provêm de uma
linguagem visual para falarmos sobre padrões temporais. No gráfico acima
vemos dois picos (no entorno dos frames 37 e 137) que correspondem aos
momentos em que as partes verticais do guindaste passam pelo frame.
Podemos ver também que o movimento de varredura da parte longa e
perpendicular do guindaste (a parte entre os dois picos) se converte em
aproximadamente a mesma proporção de mudança visual. O gráfico também
confirma que a proporção de mudanças na primeira parte de plano (0-37) é
maior que a da última parte (137-168). (Os pulos nos valores de frame a frame
refletem as condições da gravação do filme).

9| visualizando o movimento
Esta seção analisa três planos de O Homem com a Câmera – veja o clipe com
estes planos aqui: http://www.youtube.com/watch?v=PV-
FzvHi0lk&feature=share&list=UUQYMh3afEnBHnwcJ8y-e9Mg.

A ilustração abaixo mostra frames selecionados destes planos.


9.1. Três planos consecutivos de O Homem com a Câmera. As durações dos planos são de 94
frames, 115 frames e 138 frames. A demonstração usa todo 21º frame desta sequência.

No mesmo manifesto “We” (1920) (“Nós”, em tradução livre), o qual citei no


começo, o jovem Vertov define seu cinema (que ainda viria a ser criado) como
a arte da organização dos movimentos:

Kinochestvo é a arte de organizar os movimentos necessários


de objetos no espaço como um ritmo artístico inteiro.

O cinema, igualmente, a arte de inventar os momentos de


coisas no espaço em resposta à demanda da ciência.

A prática, que veio posteriormente, condizia com estas declarações feitas muito
antes? Olhando para filmes como The Eleventh Year e O Homem com a
Câmera, percebemos que apenas algumas partes dos filmes usam movimentos
de objetos no espaço como princípio organizador. Outras partes contém
sequências de planos estáticos ou planos com poucos ou lentos movimentos.

Esta impressão se confirma se analisarmos os filmes. Adelheid Heftberger tem


anotadas as informações de movimento de cada plano destes filmes usando
vários rótulos. Em The Eleventh Year ela rotulou apenas 7% dos planos como
contendo “movimento rápido”; ela rotulou 22% como “sem movimento”. Como
podemos imaginar quando conhecemos estes dois filmes, em O Homem com a
Câmera, a porcentagem de planos rotulados como “movimentos rápidos” era
muito maior (30%) – mas seus planos estáticos representam apenas um terço
do filme.
Organização do movimento e da ausência de
movimento nos planos em porcentagens
Ainda assim, a idéia inicial de Vertov acerca do filme como uma organização de
“movimentos de objetos no espaço” é importante. Podemos encontrar esta
técnica sendo utilizada posteriormente em muitos filmes do século XX, além
dos momentos-chave dos filmes do próprio Vertov. Mas a fim de estudar
movimentos mais precisamente e em uma escala maior, precisamos de
técnicas automáticas de rastreamento, análise e visualização de movimentos.
Por onde começamos?

Na introdução eu observei que o desenvolvimento de meios de registros visuais


no século XIX passou de mão em mão com técnicas inventivas de captação de
movimentos para as análises de Marey, os Gilbreths e outros. No século XX, a
rotoscopia – traçado manual de movimentos filmados de atores – tornou-se
uma das principais técnicas na indústria da animação. Nas últimas décadas
deste século, mais métodos para a captação e análise de movimentos
automáticas, que se utilizam de computadores e expandem as técnicas
originais de Marey e os Gilbreths, foram desenvolvidas e adotadas em muitos
campos. Estes campos vão desde esportes e produção de vídeogames à
vigilância e navegação automática de carros. Devido ao fácil acesso à câmeras
de vídeo e à detecção, rastreamento e identificação de atividade baseada em
movimento (incluindo análise de comportamento), a utilização da gravação de
vídeo tornou-se uma área de pesquisa em ciências computacionais
particularmente expressiva.

Cientistas da computação desenvolveram uma série de técnicas para


estimativa e rastreamento automáticos de movimentos, e estas técnicas são
construídas de acordo com as tecnologias mais básicas de meios digitais. Por
exemplo, os codecs de vídeo em MPEG usam estimativa automática de
movimento para comprimir o vídeo.
9.2. “Rastreamento planar” em NUKE 6.3, um dos softwares mais populares usado na
produção de motion tracking para cinema e TV.

9.3. Típico uso de captação de movimento para cinema e videogames: os movimentos de um


ator são captados e usados para mover um personagem animado.

A maioria dos softwares para animação, composição e efeitos visuais também


oferece uma série de técnicas que utilizam métodos automáticos ou manuais
ou suas combinações. (Uma visão geral acerca do rastreamento na produção
de cinema/ vídeo está disponível em [1]). Todos os personagens animados de
videogames e longas-metragens atualmente usam captação de movimento e
expressão facial de atores. Filmes e comerciais também dependem do
rastreamento do movimento de objetos e de câmera a fim de combinar
filmagem em live action com gráficos de computadores. De fato, o
rastreamento e captação de movimento podem ser tão fundamentais ao
cinema e à produção de vídeo do princípio do século XXI quanto o
desenvolvimento da edição foi há cem anos. (A respeito disto, a idéia acerca do
cinema como a arte de coisas que se movem no espaço, antecipada por um
Vetov com 24 anos de idade em 1920, previu tanto a principal tecnologia do
cinema dos princípios do século XX quanto à estética de muitos filmes de ação
e fantasia que se tornaram possíveis graças a esta tecnologia. Imaginem o que
Vertov teria feito caso tivesse acesso a estas tecnologias em seu tempo!).

Geralmente, na atual produção profissional de cinema e vídeo, rastrear os


movimentos de um único plano requer algum tempo, e a qualidade dos
resultados e o tempo necessário dependem do tipo de plano. [2] Entretanto, a
questão mais desafiadora posta pelo uso de qualquer método de análise de
movimentos para os filmes de Vertov ou de qualquer outro diretor não é
técnica, mas sim teórica. Imaginemos que conseguimos rastrear cada
movimento de cada objeto de todas as centenas ou milhares de planos de todo
um filme: como visualizamos, analisamos e interpretamos estes dados? No
caso da duração média de planos, os dados estão em uma dimensão (uma
sequência de números representando as durações dos planos de uma
sequência) – mas agora, pode ser que tenhamos centenas de números para
cada segunda representação de movimentos de dezenas de possíveis objetos
em cada plano.

Para ilustrar este desafio conceitual, utilizarei um método “de brinquedo”


extremamente simples para visualizar um movimento que já vimos na seção
anterior (8.2): calcular a média de todos os frames de um plano juntos. Este
método funciona apenas parcialmente, mas é suficiente para uma ilustração.
Aqui estão as média de três planos de um clipe criado acima utilizando o
método descrito na seção 6.

9.4. Visualizações de movimento em três planos de O Homem com a Câmera, usando técnicas
de cálculo de média de planos. O vídeo dos planos está em 9.1.

Como expliquei anteriormente, quando aplicamos esta técnica para mapear um


plano em uma única imagem, os objetos que aparecem no plano apenas por
alguns instantes ou movem-se rapidamente pelo espaço desaparecem; os
objetos que movem-se mais devagar ou por períodos mais longos de tempo se
traduzem nas partes embaçadas da imagem.

Na visualização do primeiro plano (9.4, à esquerda), o principal movimento do


trem está bem representado. Na visualização do segundo plano (9.4, ao
centro), os resultados são menos bem sucedidos: o movimento em arco do
trem está preservado, mas o carro que se move mais rapidamente quase
desaparece. Na visualização do terceiro plano (9.4, à direita), tudo que
podemos perceber é que algum movimento ocorreu onde a imagem está
embaçada, mas não se pode afirmar mais nada.

Por fim das contas, a técnica é parcialmente exitosa em tornar visíveis grandes
movimentos que têm uma geometria simples (neste caso, trens em
movimento), mas a maioria dos movimentos pequenos (neste caso, pessoas na
rua, ou as mãos do datilógrafo) não são preservados. Tomo sua falta de
visibilidade nestas imagens como uma metáfora do desafio conceitual que os
descreve. O que faríamos com os rastros de todas as pessoas nos primeiros
dois planos se pudéssemos vê-los? Não é simples descrever isto
conceitualmente – e ainda assim penso que eles são tão importantes para
estes planos quanto os movimentos de grande escala dos trens. (As descrições
verbais de Gilles Deleuze de diferentes tipos de movimentos cinemáticos em
seu “Cinema 1: A Imagem-Movimento” são ao mesmo tempo fascinantes e
frustrantes de ler, ao passo que testemunhamos sua luta por expressar
linguisticamente a variedade de movimentos do universo do cinema [3]).

Este artigo ilustrou apenas alguns de muitos outros modos possíveis de se


visualizar o cinema – desde a escala de milhares de filmes a um único plano.
Novas linguagens e formas cinematográficas que se desenvolveram a partir de
meados dos anos 1990 como resultado da adoção de ferramentas de software
e workflow digital clamam por suas próprias técnicas de visualização. Vídeos
de motion graphic que frequentemente não têm objetos distintos ou conteúdo
representacional permitem abordar visualizações particularmente interessantes
as quais descreverei em um artigo futuro. Devido ao movimento ser ainda mais
crucial para os motion graphs (assim como o próprio nome indica) do que para
os longas-metragens, desenvolver técnicas adequadas para a visualização do
movimento nestes trabalho deverá possibilitar sua reutilização nos filmes de
Vertov. Idealmente, iremos além de seu desejo de “símbolos gráficos para o
movimento”, criando ferramentas analíticas e de visualização mais precisas,
expressivas e ricas, que nos permitam enxergar o cinema de novas maneiras.

11/2008 – 01/2013

Notas:

1. A visão-geral compreensível dos conceitos e tecnologias relatados e


suas aplicações podem ser encontrados nesta série de artigos da
Wikipedia:
http://en.wikipedia.org/wiki/Camera_tracking
http://en.wikipedia.org/wiki/Match_moving
http://en.wikipedia.org/wiki/Motion_estimation
http://en.wikipedia.org/wiki/Motion_capture

2. Para uma breve história do rastreamento da produção de efeitos visuais


desde 2004, ver “Art of Tracking Part 1: History of Tracking”,
fxguide.com, 24/08/2004, de Mike Seymour:
http://www.fxguide.com/featured/art_of_tracking_part_1_history_of_tracki
ng/.

3. Gilles Deleuze, “Cinema 1: A Imagem-Movimento” (Athone Press, 1983),


traduzido do original publicado em 1983.
Versão do livro completo em português: http://escolanomade.org/wp-
content/downloads/deleuze-a-imagem-movimento.pdf

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