Você está na página 1de 21

Notas sobre a forma do documentário

por Carolina Berger


Núcleo Visceral de Imagens Técnicas – Circuíto FDE
Roteirista, ME Cine Documental - UCINE
Diretora cinematográfica - SATED/APTC/ABD-RS – 010827/2006-81
Diretora de produção - SATED/APTC/ABD-RS – 010827/2006-81
http://nucleovisceral.com
www.myspace.com/svilova
http://olhareslapidados.blogspot.com
twitter: caroldiasberger
FB: Carolina Berger
carolinadiasberger@gmail.com
Cel: 11- 75375388
“What a document one could bring to the
eyes of humanity! I wanted to see it with
my camera. I had to film it."

Jonas Mekas
Marcos históricos e estilísticos do cinema do real

“O cinema começa sendo documental e o documentário sendo


cinematográfico.”

Jean Louis Comolli

Em 1895 o cinematógrafo surge como máquina de


registro e projeção de imagens em movimento. Os irmãos
Lumière, industriais da fotografia, criam o mecanismo de
arraste do filme e na mesma máquina criam o dispositivo de
projeção coletiva, em uma tela grande e retangular.

Em seus primeiros catálogos de filmes, surge o que


podemos chamar de “Protodocumentários”.

Seus dois registros mais célebres, projetados nas


primeiras sessões de um café em Paris são fitas de 53
segundos que capturam a vida em improviso.

Saída da fábrica e a Chegada do trem da Estação


Ciotat, filmes mais célebres da primeira exibição com
cinematógrafo Lumière, em 1895, são exemplos de um olhar
direcionado a uma sociedade industrial, mecanizada,
dialogando com o movimento nas grandes cidades.

O novo aparato capta a dinâmica de acontecimentos que


representam aquilo que é novidade em seu tempo. São
relatos do movimento das máquinas na interação com a
dinâmica humana nas cidades.

Os primeiros registros documentais incluídos nos


catálogos dos irmãos Lumiere também são tentativas de
capturar pequenos momentos “vívidos”, marcantes, situações
extraordinárias, ou outras corriqueiras, mas destacadas
como forma de atrair o olhar do espectador para eventos
com uma dinâmica dramática das realidades que cercavam seu
cotidiano. O trem que chega e aqueles que esperam; um muro
que é derrubado; crianças brincando ou tomando café da
manhã com seus pais; velhos amigos jogando carta; visitas
de pessoas ilutres; esquinas famosas de uma grande cidade;
ou um curioso personagem, encontrado no percurso por
alguma remota floresta da Indochina.

O espaço e o tempo eram revelados pelo movimento e


com ele os espectadores sentiam-se parte do movimento do
mundo, recebendo outras formas de percepção, aguçando um
imaginário mecanizado, transformado pela tecnologia.

A novidade era o movimento, fruto da nova velocidade


do mundo industrial!

Uma das formas de nomear estas primeiras imagens era


“vistas” (prises de vues ou simplesmente vues). Nos
primeiros catálogos de filmes, cenas da vida cotidiana da
burguesia nas grandes cidades, viagens a outros paises
(filmes de viagem ou travelogues), entre outros. Nos
travelogues uma linguagem cinematográfica ia sendo
esboçada. Filmando de dentro de barcos ou de trens, os
cameramen dos primórdios do cinematógrafo criavam o
movimento de câmera conhecido como travelling1.

Depois viriam as atualidades (incluindo cenas de


reconstituição encenada de fatos, nas “atualidades
reconstituídas”), registros de eventos políticos e
cívicos, promovidos pelas mais diversas realezas e
governos de todo o mundo, que contratavam equipes para
filmar.

Ver, numa tela plana, bidimensional e em preto e


branco, o que acontece na rua por onde se passa - ao mesmo
tempo que um contato visual com territórios e povos tão
distantes, seus imaginários e seus costumes - começava a
criar, definitivamente, uma nova forma de percepção da
realidade. As imagens em movimento começam a servir para
relatar de forma única, com a autenticidade do movimento,
a História, desde o cotidiano até os grandes
acontecimentos de seu tempo.

O Documentário – principais autores fundacionais

Robert Flaherty e o tratamento criativo da realidade

Robert Flaherty, um norte-americano nascido na


fronteira com o Canadá, explorador de terras remotas, é
considerado um dos pais do documentário. É a partir de
suas obras que surge a idéia de “tratamento criativo da
realidade”, definição que terá a palavra documentário como
1
Neste movimento “a câmera inteira se move – para cima, para baixo, para frente, para o lado ou para trás, ou
em uma combinação. Os movimentos de travelling transmitem uma série de sensações cinestésicas associadas
ao ato de andar, correr, se aproximar, escalar, subir, descer, se afastar e assim por diante (...) designa qualquer
movimento horizontal da câmera.” Trabalham com a idéia de afastar-se, seguir, se aproximar daquilo que nos
interessa. Associado com ações de correr, andar, andar de bicicleta, dirigir um carro, velejar, voar, ser levado
por uma correnteza, etc. En RABIGER, Michael. Direção de Cinema: técnicas e estética. Rio de Janeiro :
Elsevier, 2007.
tradução.

Em 1916, Flaherty já exibia suas filmagens das


inóspitas terras do extremo norte do Canadá. Mas antes de
começar a distribuir seus registros, os 9 mil metros de
películas sobre as terras geladas e sobre a vida de seus
habitantes (esquimós), incendeiam em seu laboratório.

Flaherty não desiste. Durante anos busca fontes de


financiamento para produzir um dos mais seminais
documentários da história: Nanook, o esquimó (1922).

O resultado é uma etnoficção, construída em 15 meses


de convivência entre Flaherty e uma família de esquimós. O
autor baseia as cenas e molda a direção dos personagens a
partir de suas experiências anteriores, de ações feitas
com freqüência por Nanook e também resgata costumes
antigos já não praticados no cotidiano, pelos esquimós. O
filme centra sua narrativa nas aventuras de Nanook - um
guerreiro Inuit - pela sobrevivência de sua família.2
Logo, com uma espécie de roteiro, Flaherty “dirigiu” os
acontecimentos que seriam incluídos no filme. Entre eles,
algumas coisas que Nanook fazia com freqüência, algumas
que nunca fizera antes e outras que costumava fazer, mas
que há muito não fazia.

Suas características ficcionais são destacadas por


ser uma obra em que a realidade é dramatizada (personagens
caracterizados, cenário e seus conflitos cotidianos
colocados em cena linguagem gramatical do cinema
clássico). Na premissa, o olhar ao cotidiano dos
personagens é trabalhado para tratar a relação do homem
com a natureza. Nanook e sua família encenam para a
câmera, são interpretes de suas próprias vidas
cinematográficas, mostrando que neste tipo de documentário
é fundamental o pacto de colaboração entre os envolvidos.

Nanook é um filme de ação, no qual a rodagem é um


momento privilegiado de sua exploração, em que a
composição da imagem está centrada mais na intensidade do
momento que no significado da ação.

Uma série de vinhetas que detalham a vida de Nanook e


sua família no decorrer dos meses que ficam juntos,

2
As situações cotidianas mostrados no filme foram pensadas a partir das lembranças do que havia registrado
antes do incêndio de seu material fílmico em um acidente em seu laboratório, quando a cinza de um cigarro
queima mais de 9 mil metros de imagens rodadas em expedições, em 1916.
constroem uma história que é uma espécie de ode romântica
à coragem e resistência humanas diante de uma natureza
hostil. Ambos aspectos ficam muito claros no uso subjetivo
(carregado de adjetivos e poesia) dos intertítulos,
recurso comumente utilizado de forma objetiva, para passar
informações ou para descrever diálogos.

Encenadas ou não, as ações, os gestos, os personagens


e cenários que vemos em Nanook são um importante documento
etnográfico, e uma forma eficiente de buscar restituir a
vida cotidiana de personagens reais em uma realidade
singular.

Pouco depois do filme ser concluído, em uma violenta


nevasca, a família de Nanook morre. No final do filme a
família busca abrigo de uma tempestade, o que deu ao filme
uma enorme projeção.

Filmografia principal Robert Flaherty:

1922: Nanook, o Esquimó (Nanook of the North) - 50'.

1925: O Oleiro (The Pottery-Maker) - 14'.

1926: Moana (Moana: A Romance of the Golden Age) - 85'

1931: Tabu (Tabu, a story of the south seas), co-


realização com F. W. Murnau - 81’.

1948: História de Louisiana (Louisiana Story) - 77'.

O “Cinema-olho” de Dziga Vertov

A vida em improviso, o Cine-olho e a montagem

Eis outro autor que criou não só um pensamento sobre


lógicas e métricas da montagem em obras documentais mas
uma forma seminal de pensar o cinema, arte silenciosa das
imagens em movimento. Pensador de um cinema puro, sem usar
exatamente este termo, o líder dos Kinoks, grupo de
pesquisa e realização de obras revolucionarias, criou a
expressão “Cinema Verdade”, que depois seria tomada por
antropólogos cineastas como Jean Rouch para nomear um
cinema do real calcado nas tramas do imaginário.
Dziga Vertov passou pela Revolução Soviética, quando
trabalhava nos Agit Trains (trens de agitação), comboios
de propaganda política que levavam a cultura
revolucionaria pelos trilhos da grande União Soviética.
Ele cria também o cine jornal Kino-Pravda (Cine-Verdade),
com uma concepção revolucionaria sobre a captação da vida
em improviso com a câmera cinematográfica.

Desde antes de trabalhar com cinema tinha interesse


em som e poesia, dois elementos que são fundamentais na
sua obra: a poesia da vida em improviso e o ritmo e outras
características da construção sonora na montagem das
imagens.

Em sua corrente de pensamento, colocada em prática


pelo grupo dos Kinoks, adeptos do aparato cinematográfico
como um olho mais perfeito que o humano, o Kino-Glaz (Cine
olho), o cinema deveria ser uma prática separada das
influências do teatro e da literatura, sem encenações,
focando na vida tal como ela é, mostrando suas dinâmicas,
buscando cenas cinematográficas no aparente movimento
aleatório da realidade. As potencialidades da câmera – ver
o que olho humano não vê, poder estar e registrar de forma
única - e o processo de montagem seriam os dois elementos
fundamentais de criação de uma estética revolucionária, de
movimentos rápidos, de várias formas de movimento como
recurso para enaltecer a eficiência e a rapidez do mundo
mecanizado.

Em “O Homem com uma câmera” (1929), Vertov explora


todos os recursos possíveis de filmagem e montagem, entre
eles: sobreposição, câmera lenta, animação, imagem fixa
(uma espécie de “congelamento da imagem em movimento”),
fora de foco, zoom, split screen (tela dividida em várias
imagens de momentos diferentes, o que é uma técnica
narrativa contemporânea que Vertov adianta com imagens do
real), imagens múltiplas, etc.

Como outros cineastas soviéticos, como Serguei


Eisenstein e Lev Kulechov, o estudo e a crença na montagem
se dá por essa ser um elemento que diferencia a arte das
imagens em movimento de outras artes, incluindo outros
dispositivos de criação de imagem técnica. Como outras
correntes do cinema russo, Vertov acreditava na criação de
sentido pela associação, pela confrontação e aproximação
de instantes de realidade. Diferentes espaços colocados no
mesmo tempo, seja em paralelo, seja pela sobreposição de
imagens, criam novos sentidos, só possíveis com a máquina
que poderia captar imagens não percebidas pelo homem e
organizar seu movimento a partir de uma lógica mais
próxima à do pensamento. O cinema soviético mostrava ações
mas não as caracterizava como movimentos simplesmente
dramatúrgicos, humanos, desprovidos de significados
ideológicos; pelo contrário, na montagem, as ações tomavam
significado através de contextos a partir dos quais
entravam em cena. Eram pensadas como parte de uma
mensagem, como frases de um discurso político, dialético.

Em sua obra, o registro serve para provar que a


verdade pode estar incorporada nas figuras, nos objetos,
no movimento, e é a montagem articula os sentidos, através
da construção das relações entre elas para criar uma
“cine-sensação do mundo”.

Na obra que sintetiza sua linguagem (do “Cinema-


Olho”, do “Cinema Verdade”), Um homem com uma câmera
(1929), “a câmera penetra profundamente no tecido da
realidade e se aproxima do objeto para tirar sua casca. A
mobilidade da câmera e a visão sobre-humana revela
verdades sobre a essência dos objetos”.3

Em síntese, a obra e a ideologia de Vertov sintetizam


concepções que permanecem na prática da não ficção. Entre
elas, a idéia de encenação (hoje um tanto ingênua) de que
a câmera não deve alterar a singularidade dos gestos, deve
revelar caráter único do gesto graças à consciência
mecânica (câmera-olho) e às possibilidades da montagem.

Há uma premissa muito simples e atualmente quase


irrealizável na obra de Vertov, na autenticidade e na sua
forma de criar com as imagens em movimento: ele cria um
movimento do mundo, concretizando um olhar profundo
direcionado não à realidade, mas ao encontro que o
realizador tem com ela.

Filmografia principal Dziga Vertov:

1919: Kino Nedelia, A Semana no Cinema

Aniversário da Revolução

1922: História da Guerra Civil

3
Manovich, Lev. El Lenguaje de los Nuevos Medios de Comunicación. La imagen en la era digital, Lev
Manovich, Paidós, Buenos Aires, 2006.
1924: Brinquedos Soviéticos

Cine-Olho

1925: Kino-Pravda

1926: A Sexta Parte do Mundo

1929: Um Homem com uma Câmera (br)/O Homem da Câmara de


Filmar (pt)

1931: Entusiasmo

1934: Três Canções para Lênin

Características do território documentário: definições e


os universos de referência

Que nada seja mudado,

mas tudo seja diferente.

Prefira o que a intuição sussura em seu ouvido

ao que você já fez e refez (…).

Torne visível aquilo que, sem você, talvez nunca chegasse a ser visto.

Seja o primeiro a ver o que você vê quando está vendo.

Tenha olhos de pintor. O pintor cria ao olhar.

(Robert Bresson: Notas sobre o cinematógrafo)

Em primeiro lugar, documentários são formas de organizar


nossas percepções em relação a realidades que estão ali,
latentes, suspensas ao olhar. Quem perceber antes, trasmitirá
um olhar!
E ver de forma audiovisual é antes de tudo ter um olhar
analítico que possa tecer uma narrativa que surge de uma
série de conexões inerentes às realidades abordadas na obra.
Lembrando sempre que na análise da realidade um pouco de
imaginação é uma forma de transformar os registros em
construções autênticas, pois pertencem a um autor, a um
universo de pensamento e percepção do mundo.
Neste território as fontes são inúmeras mas as
verdades acabam sempre sendo subjetivas. De qualquer
forma, são obras em que o interesse é de registrar a
impressão da realidade frente à simulação ficcional.

Algumas características que diferenciam os documentários


das ficções são:

- O “mundo” (universo) representado existe fora do filme,


na “realidade histórica material”;

- Os personagens são reais - atuam de si mesmos. Neste


caso o documentarista deve saber interpretar os códigos, o
catáter, a forma de se expressar e a vivência de seu
personagem real. Lembrando que é sempre importante
entender que a criação da obra é um momento de encontro e
de compartilhamento entre documentarista e personagem
real.

- As atualidade e arquivos servem como testemunho da


realidade, como provas, e são tidos como uma revelação de
momentos históricos.

- Ao ver as imagens em movimento, o espectador tem


“impressão de realidade” e sente-se presenciando os fatos
exatamente como aconteceram. São signos da presença que
lidam com o imprevisto e indício do instante.

- No documentário, um escrito empregado como prova ou


informação remete à concepção de uma verdade imanente à
imagem/olhar.

Forma - Estilos de documentários

Documentário expositivo

- Narrativa baseada na informação (fatos, temas). Formato


adotado em maioria dos canais de televisão.

- Forma discursiva/estrutura narrativa - Retórica

Tema + Problema - introdução da situação

Provas dos problemas - discussão dos fatos relevantes


Apresenta soluções, projeções para o futuro como conclusão

- Recursos expressivos: narração em voice over (locução),


entrevistas, imagens de arquivo, ações reais, encenações
(docudrama);

Objetivo – produzir conhecimento sobre um tema específico

EX: “A história do Jazz” (2002), de Ken Burns

Documentário Observacional – Cinema Direto

O “Dogma” do documentário

Nesta forma de abordagem do real, o documentarista


deve estar atento à dinâmica dos acontecimentos, à lógica
de seus movimentos e assim, ao perceber processos
latentes, cria seqüências e cenas. O objetivo destes
documentários é observar (neutralidade), estando junto à
ação, sem mediações. É o estilo de documentário com
linguagem que mais se aproxima à da ficção clássica.

Para isso, na década de 60, o realizador norte-


americano Robert Drew desenvolve uma técnica, incluindo
uma revolução tecnológica. Na técnica do Cinema Direto,
para não interferir na realidade observada, apenas duas
pessoas compõem a equipe: o cameramen e o técnico de som
direto. São utilizadas câmeras portáteis e com som
sincronizado (1958 – gravadores Nagra) e sem tripé (embora
muitas obras contemporâneas utilizem a técnica fazendo uso
de câmera no tripé).

Mas não basta a formação da equipe e equipamento


adequado, o realizador deve buscar um tipo de realidade
que seja compatível com essa forma de pensar o
documentário. A narrativa da maioria das obras feitas com
a técnica do cinema direto é baseada no drama realista, ou
seja, tendo como principio que cada personagem com um arco
dramático, passando por uma transformação. As realidades
buscadas são aquelas com conflitos latentes ou processos
em que os indivíduos são obrigados a fazer escolhas
cruciais. Por isso a gramática destes documentários pode
ser comparada com a da ficção clássica, pois em ambos os
casos estamos contando histórias, mostrando sujeitos em
transformação.

Os “advogados” do Cinema Direto sempre são rápidos em


codificar exatamente o que eles achavam a maneira certa de
fazer um documentário. Eles criaram uma espécie de 10
mandamentos de como fazer obras documentais:

Você não deve ensaiar nem encenar

Você não deve entrevistar

Você não deve usar comentário

Você não deve usar luz artificial

Você não deve organizar os eventos

Você não deve usar tripé

Principais obras:

Primarias (1960), de Robert Drew 25’50”

Titicut Follies (1967), de Frederick Wiseman (** toda


filmografia deste realizador é feita com técnica do cinema
direto)

Caixeiro viajante (1968), Albert e David Maysles

Grey Gardens (1975), de Albert e David Maysles

San Clemente (1982), de Raymond Depardon

Entre atos (2004),de João Moreira Salles

Cinéma Vérité – Cinema Verdade

Conceito que podemos dizer iniciado pelos Kinoks, de


Dziga Vertov, será a partir da década de 50, com o cinema
de Jean Rouch que o conceito voltará a ter
desenvolvimento. Entre as premissas principais deste
método de realização de documentários está a de revelar o
real imaginado, na qual a obra assume a parte necessária
do imaginário em sua construção e a relação intrínseca
entre real e ficção em qualquer processo de criação.
Algumas considerações importantes em relação ao Cinema
Verdade:
- Personagens – é um “cinema de encontro”, com a base na
interação entre personagem real e realizadora. Este
conceito parte da Antropologia Compartilhada, também
encabeçada por Jean Rouch.

- São reflexivos, ou seja, revelam, de alguma forma, o


processo de construção da obra. Esta premissa estética
pode estar na narrativa, integrando na obra o dispositivo
da própria rodagem. Indicam qual a situação que dispara a
obra, assumindo o documentário como um modo de intervenção
na realidade.

- Câmera participante - estar junto à ação e mostrar a


construção da ação para o espectador.

Eu, um negro (1959), de Jean Rouch

Crônica de um verão (1960), de Jean Rouch

O Fim e o princípio (2005), de Eduardo Coutinho

Manifestos - Documentário Político

Corrente documental que usa recursos expressivos


relacionados com o documentário expositivo mas com uma
atitude de resistência social e política inserida na obra.
São praticamente manifestos e geralmente afloram uma
perspectiva marxista do tema proposto.

Now (1965), de Santiago Álvares

La hora de los hornos (1973), de Fernando Solanas e Otávio


Getino

Tire Dié, de Fernando Birri (Entrevista Solanas 1:16:22)

Ensaio - visão crítica e analítica do mundo histórico

Serve aqui pensar a frase do filósofo Michel de


Montaigne que fala no gênero ensaístico como uma forma de
escritura em que a medida do olhar constrói a medida das
coisas.

Como ensaios escritos, os documentários ensaísticos


são obras analíticas e que buscam interrogar sobre seu
tempo. Formalmente, tem algumas características mas nao
podem ser pensados como um gênero estanque:

- Hibridez formal e narrativa.

- Uso de figuras de linguagem – metáforas.

- Narração vale-se de informação e imagens como prova para


apoiar textos que são argumentativos.

Sans soleil (Sem Sol, 1983), de Crhis Marker

Ilha das flores (1989), de Jorge Furtado

Experimentos – Conceito estético e poesia do real

Partindo das práticas das artes de vanguarda, a


partir da década de 20, nestas obras a imagem do real
também pode ser pensada através de conceitos e de uma
estética baseada na forma. Olhares atentos às texturas,
aos movimentos, ao trabalho com a abstração criam
tentativas de tradução de um real pouco visto na
cotidianidade. Sons e imagens criam um universo sensório
que emana interpretações mais formais que políticas ou
humanas. É neste território que o registro documental se
cruza com o terreno das artes visuais, na construção tanto
de formas como dispositivos de exibição, ultrapassando a
estética da tela retangular e da imagem pensada para o
formato monocanal. São obras em que a construção de
sentidos se dá por associações, metáforas, articulações
mais voltadas ao sensorial que ao narrativo.

Mas é importante destacar que o sentido poético e a


formalidade da estética nao se dá esclusivamente pela
abstração, se pode alcançar outros territórios de registro
e tranformá-los em uma poética do movimento cotidiano ao
desvendar suas formas e dinâmicas. Alguns criadores da
“Vanguarda Histórica” nomearam suas obras como “cinépoéme”
como Man Ray em Emak Bakia (1926).

A ponte (1929), de Joris Ivens

As estações (1975), de Artavazd Pelechian

Performáticos – a subjetividade assume a cena


Sim, documentário em primeira pessoa, ou simplesmente
alguma outra forma de autorreferencialidade. Nao
necessariamente uma primeira pessoa discursiva, mas um
personagem criador que pertence e assume sua subjetividade
na obra. Também pensado como “cinema subjetivo” ou
documentário autorreferencial, esta escolha estilística se
aproxima do ensaio pela possibilidade de hibridez
narrativa e forma. E pode ser pensado como um universo que
engloba vários “gêneros” como autoficção, diário, vídeo
confissão, autorretrato, ensaio autobiográfico,
videocarta, entre outros.

Esta forma de assumir-se na obra e criar estilos e


inspirar-se em estruturas narrativas da literatura
biográfica e autobiográfica vai sendo moldada através de
várias contaminações que incluem o “cinema experimental
pessoal” - de realizadores do New American Cinema como
Jonas Mekas e Stam Brakhage - e de autores mais recentes
do documentário cinematográfico autoral como Robert
Kramer, Crhis Marker e David Perlov.

As I was Moving Ahead, Occasionally I saw Brief Glimpses


of Beauty (2000), de Jonas Mekas

http://www.youtube.com/watch?v=XhmZ7C-oXDY&feature=related

Di Glauber (1977), de Glauber Rocha

Um passaporte húngaro (2001), de Sandra Kogut

33 (2002), de Kiko Goiffman

Yoman (1983), de David Perlov

Híbridos - Cinema digital

A hibridez no audiovisual é mais que uma tendência na


produção contemporânea. Ela se multiplica a cada obra e se
torna possível pela acessibilidade à equipamentos de alta
definição bem como vem da complexidade possível com as
tecnologias contemporâneas.

A obra síntese e que guarda uma solidez formal


incomparável neste terreno é “documentário animado”, ou a
animação documental Valsa com Bashir (2008), de Ari
Folman. De difícil e desnecessária classificação entre as
categorias globais da produção audiovisual (documentário,
ficção e animação), este filme une técnias das diferentes
categorias para tratar da complexidade subjetiva do olhar
lançado a acontecimentos históricos. Sem as técnicas de
animação o diretor, que narra o filme em primeira pessoa e
simula entrevistas/diálogos com pessoas que passaram pelo
mesmo conflito, nao haveria possibilidade de tradução de
um universo subjetivo fortemente traumático e histórico ao
mesmo tempo.

Valsa com Bashir surge como uma obra síntese do cinema


digital. Usando as palavras de Lev Manovich, pesquisador
dos novos meios tecnológicos de criação de imagem em
movimento,

“ O cinema digital é um caso particular de


animação que utiliza metragem de ação real como
um de seus múltiplos elementos. (...) Na
cinematografia digital, a metragem rodada já não
é o ponto final, senão numa mera matéria prima
que será manipulada em um computador, onde terá
lugar a autêntica construção da sequencia. A
produção (gravação) é uma etapa inicial da pós-
produção.”

Acima de tudo, Valsa com Bashir é um bom exemplo de


que a busca da forma do filme parte de dispostivos
articulados no roteiro, na força de cada camada de ação,
conflito e informação para a história.

O fato de ultrapassar fronteiras das principais


categorias da realização audiovisual surge de um olhar
subjetivo e, como conseqüência, autêntico, a uma realidade
que antes de ser pensada pelo diretor como um filme foi
uma experiência pessoal. Partindo disso, o roteiro e a
premissa da obra somam-se em uma complexa organicidade
dramática só possível com a liberdade de expressão
proporcionada pelos infindáveis recursos digitais.
Referências Bibliográficas gerais e específicas
Sites
Principais festivais de documentário

BIBLIOGRAFIA GERAL

INTRODUÇÃO À PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

MARQUES, Aída. Idéias em movimento. Rocco, Rio de Janeiro, 2007.

RODRIGUES, CHRIS. O Cinema e a produção. Rio de Janeiro, DP&A, 2007.

ROTEIRO

CARRIÈRE, Jean-Claude & BONITZER, Pascal. Prática do roteiro cinematográfico.


JSN Editora, São Paulo, 1996.

COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro: teoria e Prática. Summus. 2009.

FIELD, Syd. Manual do roteiro. Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 1995.

MOSS, Hugo. Como formatar o seu roteiro. Aeroplano, 2002.

TARKOVSKI, Andrei. Andrei Rubliev - Roteiro Literário. Martins Editora, 2008.

CANNITO, Newton; Saraiva, Leandro. MANUAL DE ROTEIRO: ou Manuel, o primo


pobre dos manuais de Cinema & TV. CONRAD, São Paulo, 2009.

DIREÇÃO

BONASIO, Valter. Televisão: manual de produção e direção. Belo Horizonte : Editora


Leitura, 2002.

BORDWELL, David. O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos. In:


RAMOS, Fernão Pessoa (org.) Teoria Contemporânea do Cinema: documentário e
narratividade ficcional. São Paulo : editora Senac, 2005.

CATAL`A, José Maria. La puesta en imágenes: conceptos de dirección


cinematográfica. Barcelona: Paidós, 2001.

GERBASE, Carlos. Cinema: direção de atores. Porto Alegre. Artes e Ofícios, 2003.

KELLISON, Cathrine. Produção e Direção para TV e Vídeo. São Paulo: Campus, 2006.

KIAROSTAMI, Abbas. Abbas Kiarostami. COSAC NAIFY, 2004.

MAMET, David. Sobre direção de cinema. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2002.

RABIGER, Michael. Direção de Cinema: técnicas e estética. Rio de Janeiro : Elsevier,


2007.

TARKOVSKY, Andrei. Esculpir o tempo. Martins fontes, 1998.


TRUFFAUT, Francois. El Placer de La Mirada, Paidós.

TRUFFAUT, Francois. Hitchcock/Truffaut: Entrevistas. Cia das Letras, 2004.

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA

MOURA, EDGAR. 50 anos Luz, Câmera e Ação. Senac, São Paulo, 1999.

MONCLAR, Jorge. O Diretor de Fotografia. Solutions Comunicações, RJ, 1999

WATTS, Harris. Direção de Câmera. Summus editorial, SP, 1999.


RABIGGER, MICHAEL. Direção de cinema: Técnicas e estética. Campus, 2006.

ARONOVICH, Ricardo. Expor uma história: a fotografia do cinema. Rio de Janeiro :


Editora Gryphus, 2005.

ÁUDIO

BERCHANS, Tony. A música do filme, Tudo o que você gostaria de saber sobre a
música de cinema.1° edição, São Paulo: Escrituras,2006

CARRASCO,Ney. Sygkhronos: a formação da poética musical do cinema. Ed.


Lettera, 2003.

CHION, Michel. La Audiovisión. Paidos, 1993.

___________. El sonido. Paidos, 1999.

COSTA, Fernando Morais. O som no cinema Brasileiro. 7 letras, 2008.

MANZANO, Luiz Adelmo. Som Imagem no Cinema. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2003.

ROBERT-BRESLIN, Jan. Produção de Imagem e som. Rio de Janeiro: Campus, 2009.

SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. São Paulo, UNESP, 1991

EDIÇÃO/ MONTAGEM

DANCYGER, Ken. Técnicas de ediçao para cinema e vídeo, Campus, 2003.

Eisenstein, Serguei. A forma do Filme. JORGE ZAHAR, 2002.


Eisenstein, Serguei. O sentido do filme. JORGE ZAHAR, 2002.

MOURÃO, Maria Dora, Leone, Eduardo. Cinema e montagem. São Paulo, Ática, 1987.

TEORIA/ESTETICA/IMAGENS TECNICAS

AUMONT, Jacques et Marie, Michel. Diccionario teórico e crítico de cinema. São


Paulo, Papirus Editora, 2003.

AUMONT, Jacques et al. A Estética do filme. São Paulo: Papirus Editora, 1995.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da
fotografia. Annablume, 2011.

LA FERLA, Jorge. El Cine (y) digital: aproximaciones a las posibles convergencias


entre el cinematógrafo y la computadora. Manantial, 2010.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas, Papirus Editora, 1997.

__________________. A arte do vídeo. São Paulo, Brasiliense,1988.

__________________. A televisão levada `a sério. São Paulo, Senac, 2000.

MANOVICH, Lev. El Lenguaje de los Nuevos Medios de Comunicación. La imagen en


la era digital. Paidós, Buenos Aires, 2006.

MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Brasiliense, 2009.

XAVIER, Ismail (org). O Discurso Cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3a


ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

__________________. A experiencia do cinema. Graal editora, 2008.

YOUNGBLOOD Gene. Expanded Cinema. (Internet – arquivos PDF)

DOCUMENTÁRIO

BARNOUW, Erik. El Documental. Historia y estilo. Gedisa: Barcelona.


BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do povo. São Paulo, Companhia das
Letras, 2003.
BRESCHAND, Jean. El Documental: la otra cara del cine. Coleção “Los pequeños
cuadernos do CAhiers du Cinéma.” Barcelona: Paidós, 2005.
COMOLLI, Jean-Louis. Filmar para ver: escritos de teoría y crítica de cine. Buenos
Aires, Ediciones Simurg y Cátedra La Ferla (FADU), 2002
DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário.
Azougue: Rio de Janeiro, 2006.
ESCUDERO, Nel. Las Claves del Documental. Madrid, IORTV, 2000.
GONÇALVES, Marco Antônio. O real imaginado: etnografia, cinema e surrealismo em
Jean Rouch. Topbooks, 2008.

LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e video.


Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2004.

LINS, Consuelo. Filmar o real: o documentário brasileiro contemporâneo. Jorge


Zahar Editor. Rio de Janeiro, 2008.

MOURÃO, Maria Dora; LABAKI, Amir (Orgs). O cinema do real. São Paulo: CosacyNaif,
2005.
NICHOLS, Bill, La representación de la realidad. Cuestiones y conceptos sobre el
documental, Barcelona, Paidós, 1997.
___________________., Introduction to Documentary, EEUU, Indiana University
Press, 2001
PIAULT, Marc-Henri. Antropología y Cine. Madrid, España, Editorial Cátedra, 2002. -
RENOV, Michael. The subject of documentary. Minneapolis, Minnesota University
Press, 2004.
RABIGER, Michael. Dirección de documentales. I.O.R.T.V. Madrid. 2006.
RENOV, Michael. The subject of documentary. Minneapolis, Minnesota University
Press, 2004.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal, o que é mesmo documentário. Editora Senac.
São Paulo, 2008.
SOUZA, Hélio Augusto Godoy de. Documentário, realidade e semiose: os sistemas
audiovisuais como fontes de conhecimento. São Paulo, Fapesp, 2001.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo (org.). Documentário no Brasil: tradição e
transformação. São Paulo, Summus Editorial, 2004.

SITES

Bases de dados com filmes e vídeos experimentais.


Estudos e prática do audiovisual.

Agencia Nacional de Cinema - http://www.ancine.gov.br/


DocuSeek – Filme & video finder - http://www.docuseek.com/
Karagarga – Experimental Cinema - http://www.expcinema.com/site/
Internet Movies Database - http://www.imdb.com
Roteiro de cinema - http://www.roteirodecinema.com.br/roteiros
Vídeo Art World - http://www.videoartworld.com/
UbuWeb - Film and Video Catalog - http://www.ubu.com/film/index.html
Mnemocine - www.mnemocine.art.br
Anthology Film Archives - http://anthologyfilmarchives.org/
Electronic Arts Intermix Catalog - http://www.eai.org/
http://www.filmmobile.org/
SOCINE Brasil - http://www.socine.org.br/
Video Data Bank - http://www.vdb.org/
Associação Brasileira de Cinematografia - http://abcine.org.br/site/
IMAGO – Associação Européia de Cinematografia - http://www.imago.org/ -
Film Sound - http://filmsound.org/
CurtaDoc - www.curtadoc.tv

FESTIVAIS DE DOCUMENTÁRIO/INTERNACIONAIS

DocLisboa www.doclisboa.org
É tudo verdade - www.itsalltrue.com.br/
Sunny side of the doc - http://www.sunnysideofthedoc.com/fr/
DocLeipzig http://www.dok-leipzig.de/
Cinéma du réel www.cinemadureel.org/
International Documentary Film Festival Amsterdam http://www.idfa.nl
Doc Buenos Aires - www.docbsas.com.ar
HotDocs Canadian International Documentary Festival http://www.hotdocs.ca/

Você também pode gostar