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Capitulo 13

A Escola e o Desenvolvimento na Segunda Infância


OS CONTEXTOS NOS QUAIS AS HABILIDADES SÃO ENSINADAS
ALFABETIZAÇÃO E ENSINO NOS TEMPOS MODERNOS
Adquirindo habilidades acadêmicas
A organização social do ensino em sala de aula
CONSEQÜÊNCIAS COGNITIVAS DO ENSINO
Usando a estratégia da admissão à escola
Pesquisa intercultural sobre os efeitos do ensino
APTIDÃO PARA A APRENDIZAGEM
As origens do teste de inteligência
O legado de Binet e Simon
Barreiras pessoais e sociais ao sucesso na escola
FORA DA ESCOLA

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Passei aquele primeiro dia fazendo buracos no papel e depois fui para casa com um
humor péssimo.
"O que aconteceu, querido? Você não gostou da escola?"
"Eles nunca me deram o presente."
"Presente? Que presente?"
"Eles disseram que iam me dar um presente."
"Bem, olhe, eu tenho certeza de que eles não disseram isso."
"Disseram1. Disseram: Você é Laurie Lee, não é? Sente-se ali para receber presente. Eu
me sentei ali o dia todo, mas
não consegui ganhar nada. Não vou voltar lá de novo amanhã."
Laurie Lee, Cider with Rosie

Em muitas partes do mundo moderno, a lei exige que as crianças freqüentem a


escola dos 6 aos 16 anos. Durante nove ou mais meses do ano, cinco ou seis dias por
semana, elas passam entre cinco e sete horas ouvindo os professores, respondendo
perguntas, lendo livros, escrevendo redações, resolvendo problemas de aritmética
nos cadernos de lição, fazendo provas e, em geral, "sendo educadas". Antes de
assumirem seus lugares como trabalhadores adultos, a maior parte dos jovens
americanos terão passado mais de 15.000 horas em salas de aula, e, em alguns países, a
quantidade de tempo que as crianças passam na escola é ainda maior (Stevenson e
Stigler, 1992). Por isso, não surpreende que o contexto da escola desempenhe um
papel fundamental na definição das características das crianças na segunda infância
e na moldagem de suas vidas posteriores.

Para determinar as influências específicas que o ensino tem sobre o desenvolvi-


mento das crianças, precisamos lidar com uma série de questões:

- Qual é a natureza da escola como um contexto para o desenvolvimento das


crianças, e sob que condições históricas surge a escola?

- Como o ensino na escola difere da aprendizagem em outros contextos?


- Como o ensino influencia o desenvolvimento cognitivo?

- Que habilidades especiais o ensino requer, e que fatores são responsáveis pelo sucesso
na escola?

As respostas a essas perguntas têm um significado de longo alcance nas sociedades


modernas. As crianças que não conseguem sucesso na escola ou que saem da escola
podem, como adultos, serem confinadas a trabalhos menos interessantes, menos seguros
e menos bem pagos do que as crianças que correspondem às expectativas da sociedade,
terminando o ensino médio e níveis mais elevados de educação (U.S. Bureau of the
Census, 1995) (ver a figura 13.1). Apesar da ênfase que a sociedade coloca na educação,
muitos milhões de jovens nos Estados Unidos não obtêm sucesso na escola. Na opinião
dos formuladores de políticas, os baixos níveis de alfabetização e habilidades
matemáticas resultantes prejudicam a capacidade do país de competir eficientemente na
arena internacional (U.S. Department of Education, 1983). Essas preocupações têm
tornado o estudo da aprendizagem e o desenvolvimento nas escolas uma das áreas de
pesquisa mais ativas na psicologia do desenvolvimento.

FIGURA 13.1
O relacionamento entre os anos de ensino e a renda nos Estados Unidos.
Observe que, em todos os níveis de ensino, as mulheres tiveram salários inferiores aos
dos homens em 1998, (Extraída do U.S. Bureau of the Census, 1999, p. 28.)

Conceitos:
Educação: Uma forma de socialização em que os adultos se envolvem no ensino
deliberado dos jovens para garantir que eles adquiram conhecimento e habilidades
especializados.

Aprendizado: Uma forma de atividade que combina ensino e trabalho produtivo,


intermediária entre a socialização implícita da vida familiar e comunitária e a instrução
explícita da educação formal.

Os arranjos de aprendizagem em que as crianças aprendem observando os adultos e


trabalhando junto com eles são ainda uma importante forma de educação, apesar da
difusão das escolas formais.

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OS CONTEXTOS NOS QUAIS AS HABILIDADES SÃO ENSINADAS

No Capítulo 10, examinamos a socialização na família, concentrando-nos nas maneiras


como as crianças pequenas são criadas para adquirir o conhecimento, as habilidades e as
crenças básicas essenciais na sua sociedade. A socialização é um processo humano
universal que tem sido sempre uma parte da experiência humana em todo lugar. Além
da socialização que ocorre dentro da família, como discutimos no Capítulo 12, mais ou
menos em torno do sexto ou sétimo ano de vida, todas as sociedades começam a
socializar as crianças em novas tarefas que são planejadas para lhes proporcionar as
habilidades necessárias para a vida adulta. O que não é universal é o conteúdo
específico das novas tarefas, ou as maneiras como essas novas atividades são
socialmente organizadas.
Uma maneira de conseguir que as crianças adquiram habilidades e conhecimento
de adulto é através da educação. Educação é uma forma de socialização em que os
adultos se envolvem no ensino deliberado dos jovens para garantir sua aquisição de
conhecimento e habilidades especializadas. Não se sabe se existia educação entre
os povos caçadores e coletores que viveram na terra centenas de milhares de anos
atrás, mas o ensino deliberado não é uma parte conspícua da socialização nas sociedades
contemporâneas de caça e coleta (Rogoff, 2000). Entre os kung do deserto africano
de Kalahari, por exemplo, o treinamento básico nas habilidades esperadas dos adultos
está incorporado nas atividades cotidianas, e incluir as crianças nas atividades do
adulto é o meio básico pelo qual os adultos garantem que as crianças adquiram
habilidades e conhecimento culturalmente valorizados.

Há ... muito pouco ensino explícito ... O que a criança sabe, ela aprende através de
interação direta com a comunidade de adultos, seja aprendendo a dizer a idade do
antílope macho envenenado observando seu rastro endireitar o cabo de uma flecha,
fazer uma fogueira, ou tirar uma lebre da sua toca ... Está tudo implícito. (Bruner, 1966,
p. 59)

Quando as sociedades atingem um certo grau de complexidade e especialização


nos papéis desempenhados pelas pessoas, nas ferramentas que usam e nas maneiras
como conseguem alimentos e habitação, é provável que o preparo para algumas
ocupações assuma a forma de aprendizado, uma forma de atividade intermediária
entre a socialização implícita da vida familiar e comunitária e a instrução explícita
da educação formal. Um jovem aprendiz aprende uma arte ou uma habilidade
passando um período de tempo grande trabalhando para um mestre adulto (Coy,

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1989; Lave e Wenger, 1991). Os locais em que os aprendizes aprendem não são
organizados fundamentalmente com o propósito de ensino.

Em vez disso, a instrução e o trabalho produtivo são combinados; desde o início, os


aprendizes contribuem para o processo de trabalho. Os pesquisadores descobriram que
os aprendizes novatos recebem relativamente pouca instrução explícita em sua arte
(Rogoff, 2000). Em vez disso, têm uma ampla oportunidade para observar trabalhadores
hábeis e para praticar tarefas específicas. Em muitas sociedades, o relacionamento do
aprendiz com o mestre faz parte de uma rede mais ampla de relacionamentos familiares.
Freqüentemente, o aprendiz vive com o mestre e trabalha na terra, ou faz serviços
domésticos para ajudar a pagar pelo seu aprendizado. Dessa maneira, as tarefas de
educação e de desenvolvimento da comunidade estão interligadas (Goody, 1989).

As primeiras formas de ensino formal remontam a cerca de 4000 a.C, no Oriente Médio,
quando mudanças na tecnologia possibilitaram que um setor da população plantasse
alimentos suficientes para sustentar um número grande de pessoas além deles próprios.
Essa mudança possibilitou uma divisão substancial de trabalho e o desenvolvimento de
cidades-estados. Também suscitou a necessidade de criação de sistemas de escrita e
aritmética (Damerow, 1998; Schmandt-Besserat, 1996). Os lugares em que as pessoas
se reuniam para aprender a ler e escrever foram as primeiras escolas (ver a Figura 13.2).
Como tem-se desenvolvido desde então, o ensino difere do ensino informal na
família e do treinamento do aprendizado de quatro maneiras principais (Lave e
Wenger, 1991; Singleton, 1998).

1. Motivação. Os alunos devem trabalhar durante anos para aperfeiçoar suas habilidades
antes de poderem pôr em prática o seu conhecimento no trabalho adulto. Nesse meio
tempo, são solicitados a se envolver em tarefas que, em geral, acham monótonas.

2. Relações sociais. Diferentemente dos mestres dos aprendizes, os professores das


escolas, em geral, têm um papel cuidadosamente restrito na formação dos seus pupilos,
que separa a educação das obrigações de parentesco e das contribuições econômicas.

3. Organização social. Os aprendizes têm maior probabilidade de aprender em um


ambiente de trabalho entre pessoas de diversas idades e níveis de habilidade, de modo a
terem mais de uma pessoa para recorrer em busca de ajuda. Na escola, as crianças são
colocadas, tradicionalmente, em uma sala grande na companhia de outras crianças mais
ou menos da mesma idade e apenas um adulto. Via de regra, espera-se que trabalhem
individualmente, e não cooperativamente, na maior parte das salas de aula do mundo
ocidental.

4. Meio de ensino. A aprendizagem é, em geral, conduzida oralmente no contexto


da produção. A fala é também importante para o ensino formal, mas ela é,
freqüentemente, uma fala de um tipo especial, que requer que as crianças adquiram
habilidades e conhecimento através da manipulação de símbolos escritos.

Consideradas juntas, essas diferenças transformam o ensino como um contexto


cultural especial e que pode ter profundas implicações para o desenvolvimento das
crianças.

ALFABETIZAÇÃO E ENSINO NOS TEMPOS MODERNOS

Só no século XIX, em resposta à Revolução Industrial e ao movimento das pessoas


de suas fazendas para as grandes áreas urbanas, as sociedades começaram a instituir

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o ensino obrigatório e se esforçar para difundir a alfabetização. Quando a freqüência
obrigatória à escola estava em seus primórdios, havia dois tipos de educação. A
educação em massa era destinada à grande maioria das crianças da classe trabalhadora.

Ela lhes permitia recitar desde um texto religioso, como a Bíblia ou o Alcorão, até
escrever para propósitos simples e calcular pequenas somas. Essa instrução obvia-
mente não se destinava a dar às crianças uma educação geral como entendemos o
termo hoje. Ela enfatizava o "domínio do básico", porque não esperava que a classe
trabalhadora usasse a alfabetização ou a numeração para propósitos complexos. Os
professores do sistema de educação em massa ficavam caracteristicamente na frente
dos alunos e baseavam seu ensino em grande parte no exercício e na prática,
combinados com a exposição em grupo (Gallego e Cole, 2000).
Em contraste, as crianças da elite política e econômica e um número crescente
de crianças entre as classes profissionais de crescimento rápido recebiam uma educação
liberal, em que o ensino individual era ministrado por um tutor ou acontecia em
pequenos grupos. Esperava-se que essas crianças fossem além do "básico" e
dominassem temas mais complexos, incluindo história, artes e ciências. O Presidente
Woodrow Wilson articulou os diferentes propósitos das duas formas de educação
em 1910, quando escreveu: "Queremos que uma classe de pessoas tenha uma educação
liberal e que outra classe de pessoas, uma classe muito maior, abstenha-se do
privilégio de uma educação liberal e se ajuste para desempenhar tarefas manuais
específicas, difíceis" (citado em Lucas, 1972, p. 42).

Um aspecto singular da educação na maior parte das nações modernas é que se


espera que todos tenham a "educação liberal", que um dia foi restrita às classes
superiores. Como declarou um relatório recente do National Research Council, "Para
se empregarem na economia moderna, os indivíduos formados no ensino médio
precisam ser mais do que apenas alfabetizados. Precisam saber ler textos difíceis,
realizar cálculos sofisticados e resolver problemas independentemente" (Snow et
al., 1998, p. 20). Em resumo, a vida contemporânea requer que todas as crianças
atinjam um nível de educação igual ou superior aos níveis antigamente reservados
às pequenas elites.

Nenhuma sociedade contemporânea atingiu esse ideal; muitas crianças não conseguem
terminar o número de anos de ensino prescritos e muitos fracassam no domínio até das
habilidades básicas que, freqüentemente, dependem da aprendizagem adicional. O
fracasso na escola é mais que um problema pessoal para as crianças cujo
desenvolvimento é restrito devido ao desempenho acadêmico deficiente. É, também, um
problema político e econômico, devido às suas implicações para a sociedade como um
todo. O primeiro passo para remediar esse problema é entender os processos através dos
quais as crianças adquirem habilidades acadêmicas.

FIGURA 13.2

Os primeiros escritos, que datam de cerca de 4000 a.C, foram na forma de tábuas de
barro gravadas com símbolos cuneiformes. Esse tipo de escrito originou-se dos
pictogramas, desenhos dos contornos básicos dos objetos a que se estava referindo. Com
o tempo e o uso, os pictogramas tornaram-se simplificados e se transformaram em
símbolos com forma de cunha (cuneiforme) que podiam transmitir sons e conceitos
abstratos, assim como objetos. A tábua aqui mostrada, de Telos, no sul da antiga
Mesopotâmia, é um registro sobre carneiros e gansos.

Conceito:
Ensino: Uma forma de educação caracterizada por formas especiais de motivação,
relações sociais, organização social e comunicação usando a linguagem escrita.

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Figura de uma professora em uma sala de aula.


"Agora vocês provavelmente estão se perguntando, 'Por que eu preciso aprender a ler e
escrever?'."
Desenho de Bernard Schoenbaum; 1994, The New Yorker Magazine, Inc.

ADQUIRINDO HABILIDADES ACADÊMICAS


Desde as primeiras escolas do Oriente Médio até as escolas de bairro de todo o
mundo ocidental, o ensino na escola tem se concentrado em dois sistemas simbólicos,
a linguagem escrita e a matemática, as "ferramentas básicas do intelecto" requeridas
para toda educação suplementar. Entretanto, devido ao fato de muitas crianças não
conseguirem adquirir os níveis da alfabetização e conhecimento de números que a
sociedade determina como sendo o seu padrão, tem havido muita controvérsia sobre
a maneira de planejar mais eficientemente o ensino.

Uma escola de pensamento começa com a suposição de que a instrução deve


proceder do simples para o complexo, ou seja, deve partir das habilidades básicas e,
depois dessas dominadas, passar a ensinar como elas devem ser usadas para resolver
várias tarefas mais complexas que requerem habilidades de ordem mais elevada. A
outra escola de pensamento declara que um enfoque exclusivo na aquisição de
habilidades básicas faz com que as crianças percam a visão do objetivo mais amplo -
como usar a leitura, a escrita e a aritmética para realizar tarefas interessantes e
importantes. A conseqüência disso para muitas crianças, segundo essa visão, é a
perda de motivação e o fracasso em desempenhar bem na escola. Essa diferença
fundamental de opinião sobre a organização adequada do ensino baseado na escola
pode ser vista claramente nas diferentes estratégias propostas para o ensino de
leitura e aritmética.

Aprendendo a ler
Há um amplo acordo entre psicólogos e educadores de que a leitura não é uma
habilidade unitária, mas um sistema complexo de habilidades e conhecimentos
coordenados (Snow et al., 1998). Sabe-se muito sobre a maneira como os leitores

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transformam as marcas realizadas em uma página em mensagens significativas.
Mas, apesar de esforços de pesquisa intensos, durante todo o século passado, e em
especial nas duas últimas décadas, os processos usados para a aprendizagem da
leitura ainda não são bem compreendidos (Bransford et al., 1999).

Os elementos específicos que devem ser dominados para a aquisição da habilidade de


leitura dependem da maneira como a ortografia da linguagem escrita (seus símbolos
gráficos) está relacionada com a linguagem falada. A maior parte dos países usa um
sistema alfabético, em que cada letra ou grafema corresponde a um som significativo
variante (fonema) na linguagem falada. Outros usam sistemas que proporcionam um
símbolo gráfico para cada sílaba (um sistema silábico), ou mesmo para cada idéia (um
sistema ideográfico). Vamos nos concentrar aqui no alfabeto (que tem esse nome em
homenagem aos dois primeiros caracteres do sistema de escrita grego, alfa e beta)
(Olson, 1994).

Conceito:
Consciência fonêmica: A capacidade para "ouvir fonemas" (por exemplo, para
reconhecer que "balão" começa com um b).

Pré-leitura O primeiro passo que as crianças devem dar ao aprender a ler é compreender
que há uma correspondência entre as marcas na página impressa e a linguagem
falada. Quando elas entendem que cada palavra é representada por um grupo de
sinais gráficos, ainda têm que descobrir o significado do texto escrito. De início, a
maior parte das crianças acredita que há um símbolo para cada palavra. Elas, então,
começam a se concentrar nas sílabas, agrupamentos mínimos da linguagem falada.
Finalmente, percebem que as letras devem corresponder a cada um dos fonemas de
uma palavra (Tolchinsky e Teberosky, 1998).

Além de entender a idéia básica de que as letras do alfabeto correspondem aos


sons que compõem as palavras, as crianças devem também aprender a "ver as letras".
Ou seja, elas precisam reconhecer quais são os sons que correspondem a letras ou
combinações de letras. O processo de estabelecimento de correspondência entre a
letra e o som é chamado de decodificação. As crianças precisam também aprender
a compreender o que lêem - a usar seu conhecimento das correspondências entre as
letras e os sons e o seu conhecimento da língua falada para daí derivar o significado
do texto como um todo.

Decodificação Para aprender as correspondências entre as letras e os sons requeridos


para ler, as crianças precisam ter habilidade para analisar os sons (Thompson e
Nicholson, 1999), ou seja, elas precisam aprender a "ouvir os fonemas" (por exemplo,
reconhecer que "balão" começa com um b). Esse processo é denominado de consciência
fonêmica. A capacidade para ouvir os fonemas não parece ocorrer sem instrução
deliberada: adultos não-alfabetizados de várias partes do mundo não parecem ter
consciência deles (Scholes, 1998).

Peter Bryant e seus colegas conduziram muitas pesquisas para demonstrar que
as crianças de diferentes países que acham difícil fragmentar as palavras em suas
sílabas e fonemas constituintes em uma tarefa puramente oral têm dificuldade
para ligar sons e letras (Bryant, 1993; Bryant e Nunes, 1998; Ho e Bryant, 1997).

Essa pesquisa produziu programas de educação especial que proporcionam às


crianças experiências enriquecidas em análise de linguagem oral, antes de serem
ensinadas a ler ou quando experimentam dificuldade de leitura. As lições incluem
prática em rimar, fragmentar palavras em sílabas e jogos especiais de linguagem,
como "pig Latin", em que o primeiro fonema de cada palavra é movido para o final
da palavra e depois seguido por um "ay" (como em "igpay atinlay").

Os resultados dessa instrução especial podem ser dramáticos (para críticas, ver
Adams et al., 1998, e Snow et al., 1998). Por exemplo, Benita Blachman (1987;
Blachman et al., 1997) implementou um programa desse tipo em duas escolas do
interior durante a primeira e segunda séries (e na terceira série para as crianças que
ainda estavam experimentando dificuldade de leitura). Depois, as crianças foram
testadas na quarta série. Antes do programa de Blachman ser introduzido, o desempenho
de leitura na quarta série nas escolas estava sete meses atrasado em relação à norma
nacional. As crianças do programa experimental, em compensação, estavam sete meses
à frente da norma nacional e os ganhos foram ainda maiores um ano

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mais tarde. Esses resultados não somente corroboram o vínculo teórico entre a análise
da linguagem e a aquisição da leitura, mas também mostram que a teoria pode ser
proveitosamente aplicada na prática.
Mesmo depois de terem adquirido a capacidade para segmentar a linguagem falada em
fonemas, as crianças que estão aprendendo a ler e escrever em inglês enfrentam uma
dificuldade adicional: não há um relacionamento único entre as letras do alfabeto e os
fonemas que compõem as palavras inglesas. Em vez disso, as 26 letras do alfabeto
inglês representam 52 fonemas básicos. Então, por exemplo, uma criança que se está
alfabetizando em inglês precisa perceber o fato que o í é pronunciado diferentemente
nas palavras "tea" e "both", e letras aparentemente tão diferentes como o^e o podem ser
usadas para produzir um único som, como em "muff" e "rough". Lições similares devem
ser dominadas para todo o alfabeto.

Outra dificuldade do ensino da leitura da língua inglesa consiste no fato de os


fonemas em uma palavra serem corretamente expressos isoladamente, como quando
c de "cat" é separado do a, e o a do t. Diante desse problema, os professores podem
recorrer a uma estratégia chamada combinação. No caso de "cat", primeiro tentam
pronunciar o fonema que corresponde a cada letra ("cuh", "ah", "tuh"). Observe
que, mesmo que as crianças tenham aprendido os nomes das três letras, "cee",
"ay" e "tee", essa demonstração pode não ajudar muito, porque nem os sons "cuhah-tuh"
nem "cee-ay-tee" parecem muito com "cat". Não importa a rapidez com
que as crianças pronunciem os nomes dessas letras em seqüência, o resultado não
combinará os sons para transformarem c-a-t em "cat". Essa circunstância dificulta
ensinar as crianças que não "captam a idéia" espontaneamente.

Processamento de baixo para cima versus de cima para baixo Até agora descrevemos o
processo de aprender a ler como se as crianças começassem a ler as palavras primeiro
decodificando as letras que compõem as palavras, ou seja, "de baixo para cima".
N. de .R. Em português, temos o exemplo do x, pronunciado diferentemente em
"sintaxe" e "praxe" e das letras c e s em "cerco" e "selo", que produzem o mesmo som.

Um exemplo famoso da relação complexa do alfabeto com o inglês falado é atribuído ao


escritor britânico George Bernard Shaw (1963). Shaw sugeriu que a palavra "fish
deveria ser escrita 'ghoti': como em 'cough', o como em 'women' e ti como em 'nation'."

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Procedendo dessa maneira, poderíamos conceber a aprendizagem da leitura como
um processo em que a criança decodifica as letras individuais de uma palavra para
obter acesso ao seu significado e, depois, une as palavras em frases, daí em parágrafos
e assim por diante.

Muitos professores concordam com alguma versão dessa abordagem de baixo


para cima. Nas séries iniciais, eles enfatizam as "habilidades para capturar a palavra" e
usam várias tarefas do livro de exercícios para estimular a capacidade para
decodificar automaticamente (ver a Figura 13.3). Os textos usados nessa abordagem
são especialmente designados para proporcionar uma prática intensiva em análise
fonêmica. Embora possam ser bastante bem-sucedidos nesse aspecto, muitas vezes
não funcionam para alcançar uma leitura muito interessante. A fábula de Esopo
da tartaruga e do coelho, por exemplo, foi apresentada da seguinte maneira em
uma forma de ataque à palavra:

O coelho disse: "Eu posso correr. Eu consigo correr depressa. Você não consegue correr
depressa.".

A tartaruga disse: "Olhe, Coelho, veja o parque. Você e eu vamos correr. Vamos correr
para o parque.".

O Coelho disse: "Eu quero parar. Eu paro aqui. Eu consigo correr, mas a Tartaruga não
consegue. Eu chego mais depressa no parque.".

A Tartaruga disse: "Eu não consigo correr depressa. Mas não vou parar. O Coelho não
consegue me ver. Eu vou chegar no parque.". (Citado em Grecn, 1984, p. 176.)

Embora o ensino da leitura seja freqüentemente realizado dessa maneira, uma


boa parte da pesquisa realizada nos últimos anos tem demonstrado que esses processos
de decodificação de baixo para cima representam apenas metade da história da
aprendizagem da leitura (Hulme e Joshi, 1998). Quando os adultos lêem em busca
de significado, as informações fornecidas pelas palavras e expressões devem ser
simultaneamente integradas com o conhecimento importante que eles já têm. A
interpretação baseada no conhecimento anterior é chamada de processo "de cima
para baixo", porque começa com o conhecimento geral que se vai tornando cada
vez mais concentrado à medida que o leitor o combina com as informações de baixo
para cima obtidas das letras e das palavras.

Para considerar a outra metade da história da aprendizagem da leitura, foram


propostas várias alternativas à abordagem de cima para baixo. Essas alternativas de
cima para baixo, ou a partir da compreensão, baseiam-se na idéia de que a leitura é
um caso especial de compreensão do mundo através de símbolos, uma capacidade que
as crianças adquirem quando começam a aprender a língua. Os defensores da
abordagem a partir da compreensão declaram que a leitura para a compreensão não deve
ser adiada até as crianças serem decodificadores fluentes. Desde que as crianças chegam
na escola, ansiosos para "conhecer o mundo", a principal exigência de um bom
currículo de leitura consiste em oferecer muitas oportunidades ricas para experimentar a
linguagem escrita como um instrumento útil para explorar e resolver problemas. A
ênfase na codificação correta e automática é substituída por uma crença de que as
crianças devem ser encorajadas a descobrir o significado geral do que estão lendo, antes
de concentrar a atenção nos detalhes. De início, sua interpretação do texto pode não
estar estritamente correta, segundo os padrões convencionais, mas essa não deve ser
uma matéria de preocupação. O que importa é que as crianças percebam a leitura como
uma boa maneira para atingir objetivos importantes, seguindo a isso o domínio gradual
das formas convencionais. Kenneth e Yetta Goodman referem-se a essas alternativas
baseadas na compreensão como um currículo da linguagem como um todo,

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porque a leitura não é ensinada em lições isoladas. Em vez disso, a alfabetização é


tornada parte da vida intelectual contínua da classe. Esses teóricos declaram que,
quando as crianças começam a experimentar a leitura e a escrita como úteis, elas
naturalmente a incorporam em seu repertório das habilidades cognitivas (K. Goodman,
1998).
A principal questão na organização do processo de aprendizagem da leitura é como
equilibrar bem os processos de cima para baixo e de baixo para cima. Voltaremos
a discutir a pesquisa sobre as abordagens de ensino eficientes para a leitura depois
de considerarmos a outra habilidade básica que está no cerne do ensino, ou seja, a
matemática. Como veremos, a questão de coordenar os aspectos de cima para baixo
e de baixo para cima surge na matemática da mesma maneira que na leitura, e
estratégias educacionais similares são freqüentemente usadas em ambos os domínios
para determinar as condições ideais para a aprendizagem.

Figura de uma criança imitando um desenho mostrado pela professora:


Aprender que os sons correspondem às letras é uma das tarefas essenciais enfrentadas
pelos leitores iniciantes.

Figura de uma criança lendo uma revista:


Uma vez que as crianças compreendem a leitura, essa pode tornar-se uma fonte
de prazer. A revista em quadrinhos desse menino promete não somente as aventuras do
Tarzan, mas também conhecimento de zoologia.

FIGURA 13.3

Grande parte das instruções de leitura na escola fundamental é realizada por


meio de exercícios em livros especializados, como esse, destinado a
desenvolver as habilidades de decodificação. Descobrir todas as letras com o mesmo
som final.

Aprendendo matemática
Aprender matemática requer que as crianças adquiram um conjunto distinto de
conceitos e que dominem um sistema de notação especial para lidar com a quantidade e
a forma.

Tipos de conhecimento matematicamente relevantes Rochel Gelman e seus colegas


(Gelman et al., 1986) identificam três tipos de conhecimento que devem ser adquiridos
e coordenados para o desenvolvimento de habilidades matemáticas de ordem mais
elevada:

1. Conhecimento conceitual, a capacidade para entender os princípios que sustentam o


problema.

2. Conhecimento procedimental, a capacidade para realizar uma seqüência de ações


para resolver um problema.

3. Conhecimento da utilização, a capacidade para saber quando aplicar os diferentes


procedimentos.

Um exemplo do desenvolvimento do conhecimento conceitual das crianças é


proporcionado pelo estudo de Jeffrey Bisanz e Jo-Anne Lefevre (1990) sobre a
compreensão da inversão por parte das crianças. Inversão é o princípio aritmético
segundo o qual adicionar e subtrair o mesmo número deixa a quantidade original
inalterada. Bisanz e Lefevre apresentaram problemas da forma a + b-b (por exemplo,
10 + 8-8) para indivíduos com idades que variavam entre seis anos e a idade
adulta. Eles descobriram que o cálculo tornou-se progressivamente mais rápido
entre os seis e os nove anos de idade, mas que algumas das crianças não pareciam
captar a inversão. Em vez de criar um atalho baseado no princípio da inversão, elas
obedientemente adicionariam o segundo número ao primeiro e, depois, subtrairiam o
terceiro número da soma. Quanto maior o segundo e o terceiro números, mais
tempo elas demoravam para conseguir uma resposta (requeria mais tempo descobrir
a resposta para 4 + 9-9, por exemplo, do que resolver 4 + 5-5). Em contraste, a
maior parte das crianças de 11 anos de idade e, virtualmente, todos os adultos
responderam muito rapidamente, não importa o quão grande fosse o segundo e o
terceiro números, uma indicação de que eles haviam dominado o princípio da in-
versão e o estavam usando para cancelar o segundo e o terceiro números.

Os investigadores também documentaram o desenvolvimento do conhecimento


procedimental das crianças durante a instrução matemática (Donlan, 1998). Robert
Siegler e seus colegas, por exemplo, aplicaram sua teoria do desenvolvimento da
estratégia "tipo onda"para estratégias que eram essenciais ao domínio dos procedi-
mentos sobre a adição, a subtração e outras operações matemáticas (Siegler, 1996;
Siegler e Stern, 1998). Para adicionar um par de números, como 4 e 3, os alunos de
primeira e segunda série podiam contar nos dedos, começando com "um" (1-2-3-4 .. 5-
6-7). Finalmente, podiam chegar à estratégia de segurar os dedos corresponden-
tes ao primeiro do par e contar (4 ... 5-6-7). Se solicitados a adicionar 2 + 9, os

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alunos de primeira série podiam começar com o 2 e, então, usar seus dedos para
acrescentar mais 9; mais ou menos um ano mais tarde, as crianças mais provavelmente
transformariam 2 + 9 em 9 + 2, uma estratégia que tanto simplifica a tarefa, quanto
mostra seu entendimento do princípio de que a ordem não altera o resultado da soma. E,
é claro, se acham que sabem a soma "de cor", as crianças diretamente lembrarão a
resposta (ou o que acreditam ser a resposta). À medida que as crianças ficam mais
velhas e adquirem mais conhecimento, a lembrança direta passa a dominar a adição de
pequenos números, e vários procedimentos de lápis e papel substituem os dedos como
instrumentos estratégicos na maior parte das circunstâncias.

A importância da utilização do conhecimento - saber quando usar o conhecimento


matemático segundo o contexto dos problemas encontrados - foi tornada clara
por Terezinha Nunes e seus colegas (1993), que estudaram a resolução de problemas
matemáticos entre estudantes brasileiros que trabalhavam como vendedores nas
ruas e nos mercados na cidade de Recife. Nunes e seus colegas em um primeiro
momento colocaram os problemas aritméticos para as crianças "aplicados ao trabalho",
como parte do processo de compra dos produtos que as crianças estavam vendendo.

Uma conversa típica com uma criança de 12 anos era a seguinte:

Entrevistador: Quanto custa um coco?


Criança: 35.
Entrevistador: Eu gostaria de dez. Quanto vai custar?
Criança: (Pausa) Vai ser 105; com três mais, vai ser 210. (Pausa) Eu preciso de mais
quatro. Pronto ... (pausa) ... acho que é 350. (Nunes et al., 1993, p. 18-19).
Nessas condições, as crianças acertavam em 98% das vezes. Os entrevistadores
deram-lhes, então, um lápis e um papel e lhes pediram para resolver problemas
idênticos. Mais uma vez, as crianças acertaram em 98% das vezes.
Mais tarde, em uma entrevista de acompanhamento, os pesquisadores testaram
as crianças em dois diferentes conjuntos de problemas de matemática, um apresentado
estritamente como operações matemáticas ("Quanto é 10 vezes 35?") e o outro
apresentado como problemas orais da vida real. Nessa entrevista, as crianças estavam
corretas nos problemas orais em 74% das vezes, mas só conseguiram resolver 37%
dos problemas que requeriam estritamente computação matemática sem qualquer
conexão com a vida real.

A análise revelou que, na segunda entrevista formal, as crianças não conseguiram


usar com sucesso as estratégias computacionais que haviam aplicado na sua atividade
de vender. No mercado, por exemplo, uma criança de nove anos de idade calculou o
preço de 12 limões a, digamos, 5 reais cada, contando "10, 20, 30, 40, 50, 60",
enquanto separava dois limões de cada vez. Mas, quando foi solicitada a resolver o
problema 12 x 5 na entrevista formal, ela "abaixou" primeiro o dois, depois o cinco
e finalmente o um, e surgiu com uma resposta de 152. Ela não conseguiu empregar
uma estratégia que sabia ser eficiente e produzia uma resposta que, em outras
circunstâncias, ela teria reconhecido como ridícula.

Conceitos:
Conhecimento: conceitual A capacidade para entender os princípios que
sustentam o problema.

Conhecimento procedimental: A capacidade para realizar uma seqüência de ações para


resolução de um problema.

Conhecimento da utilização: A capacidade para saber quando aplicar determinados


procedimentos para a resolução de problema.

Figura de uma criança contando nos dedos:


Contar nos dedos é uma estratégia universal para as crianças que estão começando a
aprender matemática.

Aprendendo os sistemas de notação matemática Aprender a ler e a escrever os números


em sistemas de notação matemática é uma das habilidades básicas ensinadas na
segunda infância. Uma das primeiras tarefas que as crianças enfrentam quando se
deparam com a matemática na escola é aprender a escrever os 10 primeiros dígitos.
Como é apenas uma convenção cultural que o símbolo 9 represente a palavra falada
"nove", o primeiro estágio desse processo requer a memorização.

Uma vez que as crianças aprenderam os 10 primeiros dígitos, elas precisam


aprender as convenções para escrever quantidades maiores e o conceito do valor
que sustenta o sistema da notação decimal. As correspondências requeridas não
são intuitivamente óbvias. Alguns alunos da primeira série, por exemplo, escreveram
23 como 203 (Ginsburg, 1977). Essa representação, embora errônea, segue as
convenções da nossa maneira de falar (20-3) e do nosso sistema de representar a
linguagem falada no papel ("vinte e três"). Infelizmente, do ponto de vista da criança, as
convenções para representar o valor do preço na aritmética não seguem as convenções
532

da linguagem falada. Embora números como 203 ("duzentos e três") sejam, digamos
assim, pronunciados da esquerda para a direita, eles são, na verdade, construídos da
direita para a esquerda a partir do ponto decimal, que é normalmente escrito apenas
quando alguma fração de um número inteiro deve ser indicada. Então, por exemplo,
"Duzentos e três e quarenta e cinco centésimos" é escrito 203,45. (Ver a Figura 13.4
para um tipo muito diferente de sistema de notação.)

A maior parte das crianças precisa de vários anos para dominar essa complexidade, um
fato que influencia sua capacidade para realizar no papel operações básicas como a
adição e a subtração. Erros comuns são adicionar números na ordem em que são ditos -
da esquerda para a direita - e alinhar os números a partir da esquerda. Confusões desse
tipo produzem erros como escrever 123 + 1 como 123 + 1

As crianças que produzem essas respostas estão aplicando, de maneira inadequada,


habilidades básicas previamente adquiridas. Seu enfoque no processo de baixo para
cima produz respostas absurdas contrárias ao seu próprio bom-senso, mas elas
em geral, não conseguem perceber o erro porque não estão prestando atenção ao
significado geral do problema.

Organizando o ensino As recomendações para o ensino eficiente da matemática se


agrupam em dois extremos polares, análogos à dicotomia entre as abordagens de
baixo para cima (primeiro o código) e de cima para baixo (primeiro o significado)
da interpretação das instruções. Em uma das extremidades estão aqueles que acreditam
que a aprendizagem é melhor realizada através do exercício e da prática intensivos dos
blocos de construção básicos do sistema geral. Em sua opinião, as crianças precisam
aprender os procedimentos corretos para somar, subtrair, multiplicar e dividir, antes de
poderem começar a resolver os tipos de problemas em que eles devem, por exemplo,
calcular onde dois trens que viajam um em direção ao outro em velocidades diferentes
vão se encontrar (Stone e Clements, 1998). Na outra extremidade estão aqueles que
acreditam que a aprendizagem deve começar com problemas que se baseiam na
experiência da vida real das crianças e que incluem a exposição a princípios
matemáticos necessários para o desenvolvimento continuado das crianças no domínio
da matemática (Cobb et al., 1997; Davydov, 1999). Mais uma vez, como no caso da
aprendizagem da leitura, a solução consensual é garantir

533

que os processos básicos, de baixo para cima, e os processos de ordem mais elevada,
de cima para baixo, sejam adequadamente integrados, mas conseguir o equilíbrio
certo é um desafio difícil (Sfard, 1999).

FIGURA 13.4

Os oksapmin da Nova Guiné realizam sua aritmética usando um conjunto básico de 29


números que correspondem a uma seqüência convencional das partes do corpo.
(Extraída de Saxe, 1981.)

Conceitos:
Discurso instrucional: Uma maneira particular de falar e de pensar característica na
escola, mas raramente encontrada nas interações cotidianas na comunidade ou no lar.

Seqüência pergunta-resposta-avaliação: Um padrão do discurso instrucional em que o


professor inicia um intercâmbio, em geral fazendo uma pergunta; o aluno responde e,
então, o professor proporciona o retorno.

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO ENSINO EM SALA DE AULA

Quando voltamos a nossa atenção para os processos básicos da leitura e da escrita


para investigar sobre os contextos em que essas habilidades básicas são ensinadas,
imediatamente enfrentamos um constrangimento encarado por todos os educadores.
A média das salas de aula da escola pública nos países mais prósperos tem cerca de
25 a 40 crianças e um adulto. Essa proporção é freqüentemente muito mais elevada
nos países mais pobres. O resultado é muito diferente das formas anteriores de ensino e
aprendizagem, em que poucas crianças de várias idades e níveis de competência
participavam de uma atividade praticamente importante que freqüentemente incluía
vários adultos.

O formato-padrão da sala de aula


Escavações de salas de aula do mundo antigo, assim como os pisos planos das salas
de aula americanas durante o final do século XX, mostram uma notável semelhança
com a sala de aula típica encontrada nas escolas do mundo todo. Sem sombra de
dúvida, o arranjo mais comum é o professor sentar diante de uma mesa ou ficar de
pé na frente de um quadro-negro, olhando para as crianças que se sentam em filas
paralelas, "olhando para a frente" (Gallego e Cole, 2000). Essas circunstâncias físicas,
combinadas com a suposição de que o professor é uma figura de autoridade que
está ali para ensinar e de falar, enquanto as crianças estão ali para ouvir e aprender,
rotineiramente dão lugar a um discurso instrucional, uma maneira particular de
falar e de pensar que é característica da escola, mas raramente encontrada nas
interações cotidianas na comunidade ou no lar. Os objetivos fundamentais do discurso
instrucional são proporcionar às crianças informações estipuladas pelo currículo
e um retorno dos seus esforços para aprendê-lo, embora proporcionando aos professores
informações sobre o seu progresso como alunos (Cazden, 1988; Wells, 1996).

Sem dúvida, a forma mais comum de discurso instrucional encontrado nas


salas de aula segue o que é comumente referido como "aula expositiva" (Mehan,
1998). Uma característica particular do discurso instrucional que acompanha a aula
expositiva é a seqüência pergunta-resposta-avaliação, demonstrada na Tabela
13.1. Nesse padrão, o professor inicia um intercâmbio, em geral, fazendo uma
peRgunta; um aluno responde; e, então, o professor proporciona o retorno, nesse caso,
uma avaliação. A seqüência pergunta-resposta-avaliação usa a "pergunta com resposta
conhecida" - uma forma de perguntar raramente encontrada na conversa cotidiana entre
adultos. Quando o professor pergunta a Beth "O que essa palavra significa?", o
professor já sabe a resposta e está, na verdade, buscando informação sobre a capacidade
de interpretação de Beth, de forma que a pergunta é, na realidade, uma maneira de
avaliar o progresso de Beth. Aprender a responder com facilidade a perguntas com
respostas conhecidas, além de aprender o conteúdo acadêmico do currículo, é uma
importante forma de ensino (Mehan, 1997).
A seqüência pergunta-resposta-avaliação pode ser bastante flexível. Quando
Ramona hesita (Tabela 13.1), o professor imediatamente chama Kim, que dá a resposta.

Esse arranjo permite que Ramona aprenda com a resposta de Kim e com a
resposta do professor a ela, ao mesmo tempo em que permite ao professor avaliar a
necessidade de Ramona de mais estudo. Em outras ocasiões, o professor poderia
usar a avaliação como um meio para incluir novos aspectos do tópico que está
ensinando, ou envolver outra criança na discussão (Nassaji e Wells, 2000).

Outra faceta especial do discurso instrucional é a ênfase dada à forma lingüística


das respostas dos alunos, mostrada na lição sobre o uso das preposições na Tabela
13.2. Observe que o professor, pouco a pouco, constrói um entendimento da forma
lingüística que ele considera adequada, usando as regras da aula expositiva. Em

534

segundo lugar, observe que, para os propósitos dessa lição, a correção do que as
crianças dizem é menos importante do que a maneira como a dizem. Cindy deu a sua
resposta na forma que o professor estava desejando, mas, como Richard percebeu,
Cindy disse a cor errada. Ela estava correta nos termos da escola, mas violou claramente
as normas do uso cotidiano da linguagem.

Nas conversas do cotidiano, em geral, tem-se muita oportunidade de verificar a


interpretação de uma pessoa sobre o que está sendo dito em contraposição à realidade.
Mas, no mundo fechado da sala de aula, os objetos e eventos da vida real que
constituem o conteúdo da conversa, freqüentemente, não estão disponíveis para
ajudar as crianças a interpretarem o que está sendo dito. Conseqüentemente, para
dominar o conhecimento especializado que é ensinado na escola, as crianças precisam
aprender a se concentrar na própria linguagem como o veículo da informação.

TABELA 13.1
SEQÜÊNCIA PERGUNTA-RESPOSTA-AVALIAÇÃO

Iniciação - P (Professor): O que essa palavra significa? Beth


Resposta - Beth: Um.
Avaliação - P: Muito bem.

Iniciação - P: O que essa palavra significa? Jenny.


Resposta - Jenny: Um.
Avaliação - P: Certo.

Iniciação - P: Agora, olhe aqui. O que essa palavra significa? Ramona.


Resposta - Ramona: Hmmm.
Avaliação – não tem

Iniciação - P: Kim.
Resposta - Kim: Primeiro
Avaliação - P: Certo.

Fonte: Mehan, 1979.

Formas alternativas da organização do ensino em sala de aula

Embora o uso da aula expositiva esteja disseminado nas salas de aula do mundo
todo, muitos estudiosos do desenvolvimento declaram que essa não é a melhor
maneira de organizar o ensino. Por exemplo, Marilyn Adams estimou que cerca de
aproximadamente 25% das crianças que aprendem a ler usando uma estratégia de
"primeiro decodificar" não obtêm sucesso (Adams, 1990). Entre outros insucessos,
as crianças que aprendem dessa maneira são colocadas no papel de receptores passivos
de informação pré-digerida. Elas obtêm muito pouca prática na formulação de
problemas para si mesmas. Mas expandir o conhecimento da criança sobre as

535

funções da linguagem, incluindo a linguagem da matemática, é uma das importantes


tarefas do ensino (Lampert e Blunk, 1998).

Meios alternativos da organização do ensino em sala de aula podem ser localizados em


um continuum. Em uma extremidade estão as lições dadas em aula expositiva
ao grupo todo, combinadas com trabalho, em que as crianças, sentadas, praticam
partes da lição. Na outra extremidade, estão as salas de aula orientadas para o projeto,
baseadas na atividade, em que os professores passam pouco tempo falando para a
classe como um todo e passam a maior parte do dia letivo movendo-se de um pequeno
grupo para outro, proporcionando estímulo e recursos intelectuais e materiais na
medida em que parecerem ser necessários. A eficácia dessa última abordagem é
ilustrada por dois programas - um concentrado na leitura e o outro na matemática.

TABELA 13.2
AULA SOBRE O USO DAS PREPOSIÇÕES

Pergunta:
P (Professor): Coloque uma flor vermelha sob a árvore, (pausa) Certo, vamos observar a
flor vermelha. Você sabe me dizer onde está a flor vermelha?
Resposta:
Crianças: Aqui, aqui.

Pergunta: P: Dora?
Resposta: Dora: Sob a árvore.

Pergunta: P: Diga isso com uma frase.


Resposta: Dora: Ela está sob a árvore.

Pergunta: P: O que está sob a árvore, Dora?


Resposta: Crianças: A flor.

Pergunta: P: Diga-me, a flor ...


Resposta: Dora: A flor está sob a árvore.
Pergunta: P: Onde está a flor vermelha, Richard?
Resposta: Richard: Sob a árvore.

Pergunta: P: Você sabe me dizer isso em uma frase?


Resposta: Richard: A flor está sob a árvore.

Pergunta: P: Cindy, onde está a flor vermelha?


Resposta: Cindy: A flor vermelha está sob a árvore.

Richard: [percebendo que Cindy, na verdade, desenhou a flor "vermelha" com um lápis
amarelo] Ei, essa não é vermelha.

Fonte: Mehan, 1 979.

Conceito:
ensino recíproco: Um método de ensinar leitura em que os professores e as
crianças se alternam em ler um texto de tal maneira que integrem as habilidades
de decodificação e compreensão.

Ensino recíproco O ensino recíproco foi projetado por Ann Brown e Annemarie
Palincsar (1984) como uma maneira de integrar as habilidades de decodificação e
as habilidades de compreensão. Tinha como alvo as muitas crianças que "aprenderam
a ler" no sentido em que conseguiam decodificar textos simples, mas que tinham
dificuldade para extrair sentido do que liam.

No procedimento de ensino recíproco, um professor e um pequeno grupo de


alunos lê silenciosamente um parágrafo de texto e, depois, alternam-se conduzindo
uma discussão sobre o seu significado. O líder da discussão (adulto ou criança)
começa fazendo uma pergunta sobre a idéia principal e, depois, resume o conteúdo
em suas próprias palavras. Se os membros do grupo discordam do resumo, o grupo
torna a ler a passagem e a discutir seu conteúdo para esclarecer o que ele diz.
Finalmente, o líder pede previsões sobre o que virá no próximo parágrafo.

Observe que cada um dos elementos principais do ensino recíproco - formular


perguntas sobre o conteúdo, resumir, esclarecer e prever - pressupõe que o propósito
da atividade seja a compreensão: descobrir o que o texto significa. E, pelo fato de
essas estratégias envolverem falar (e argumentar) sobre o significado textual, as
crianças são capazes de ver e ouvir o professor e outras crianças exemplificarem
comportamentos metacognitivos que ajudam à compreensão. Por exemplo, o
professor pode indicar informações importantes em um parágrafo anterior que
precisem ser consideradas, ou pode relacionar uma idéia no texto para ver alguma
experiência comum que todas as crianças tenham tido, como uma maneira de extrair
sentido do que está sendo lido. Segundo Brown (1997), o ensino recíproco é uma
aplicação da noção de Vygotsky de uma "zona de desenvolvimento proximal" (Capítulo
5), que permite às crianças participar do ato de leitura em busca de significado, mesmo
antes de terem adquirido o conjunto completo de habilidades requeridas
para a leitura independente.
Vários estudos (resumidos em Brown, 1997, e Rosenshine e Meister, 1994) descobriram
que o ensino recíproco pode produzir aumentos rápidos e duráveis nas habilidades de
leitura das crianças. A Figura 13.5 mostra os achados de um estudo em que o ensino
recíproco foi usado para melhorar a capacidade de leitura de um grupo de alunos do
início do ensino médio que conseguia decodificar adequadamente as palavras, mas que
tinha dificuldade na interpretação do significado. Nesse caso, a leitura recíproca foi
usada em uma classe de ciências e em uma classe de estudos sociais, não como uma
"aula de leitura", mas como uma maneira de estimular o domínio da matéria do curso.
Usada dessa maneira, a atividade da leitura recíproca supera o ensino da leitura em si
para atingir o aumento do conhecimento da matéria, ao mesmo tempo que aperfeiçoa as
habilidades de leitura.

536

DESTAQUE 13.1
COMPUTADORES NAS ESCOLAS

Nas duas décadas passadas, o aumento do uso do computador nas escolas foi
fenomenal. Em 1983, havia aproximadamente um computador para cada 168 alunos nas
escolas norte-americanas. Em 1998, havia um computador para cada seis alunos. Além
disso, espera-se que o uso dos computadores nas escolas aumente nas próximas décadas
(Anderson e Ronnkvist, 1999).

Esse aumento na quantidade de computadores foi acompanhado pela queda dos custos
pelo incrível aumento da velocidade de processamento e de capacidade da memória e
pelo advento da Internet e do World Wide Web, que coletivamente permitiram que os
computadores se tornassem um meio de comunicação poderoso. Essas mudanças no
custo, na capacidade e na função permitiram que os computadores tivessem impacto nas
salas de aula de todo o mundo industrializado.

As mudanças reais que ocorrem no ambiente da sala de aula quando os computadores


são introduzidos dependem muito do seu número, da sua capacidade e de como eles são
usados. Em muitas salas de aula há apenas um computador, que é empregado para
recompensar as crianças bem-comportadas com uma oportunidade de jogar um jogo de
computador. Mas, em algumas escolas, os computadores transformaram toda a
organização da educação (Kafai e Resnick, 1996; Littleton e Light, 1999).

Charles Crook (1996) identifica quatro abordagens no planejamento das atividades


educacionais baseadas no uso do computador, cada uma delas usando uma metáfora
diferente, relacionando os computadores ao processo de ensino.

O computador como tutor

O primeiro uso dos computadores na educação foi baseado na idéia de que o


computador desempenharia o papel de um professor humano. O espírito e as esperanças
dessa abordagem foram estabelecidas desde o início da revolução dos computadores por
Patrick Suppes, um líder no uso dos computadores digitais na educação:
Dentro de mais alguns anos, milhões de estudantes terão acesso ao que Alexandre, filho
de Felipe da Macedônica, desfrutou como uma prerrogativa real: os serviços pessoais de
um tutor tão bem informado e compreensivo quanto Aristóteles (Suppes, 1966, p. 207).

A aplicação prototípica usada nessa abordagem é a IAC – instrução auxiliada pelo


computador. Ela se inicia apresentando ao aluno as informações a serem aprendidas,
juntamente com questões que testem se a aprendizagem aconteceu. O computador
registra, então, as respostas dos alunos e dá o retorno apropriado. As habilidades básicas
de leitura e matemática, assim como várias matérias, como geografia e história, têm sido
ensinadas dessa maneira (Ravaglia et al., 1995).

Uma vantagem que a IAC tem sobre os livros didáticos de exercício e prática é a
capacidade de acompanhar o desempenho exato de cada criança e reagir em
conformidade com isso. Em um programa planejado por Patrick Suppes (1988), por
exemplo, o computador repete as matérias em que o aluno tem dificuldades e apresenta
"lembretes" organizados das matérias anteriormente aprendidas para, garantir que o
aluno retenha todas as informações a serem aprendidas.

Esse ensino individualizado é impossível em uma sala de aula com um professor e 30


alunos sentados em suas carteiras - um argumento importante para a aplicação de
computadores na educação.

Com os avanços nos campos da inteligência artificial e da ciência cognitiva, os


pesquisadores continuaram a aperfeiçoar a abordagem do computador como tutor. Por
exemplo, Kenneth Koedinger e John Anderson criaram "tutores cognitivos" em
matemática (Koededinger e Anderson, 1998). Esses tutores computadorizados
acumulam um banco de dados das estratégias de resolução de problemas e dos erros
comuns dos usuários e, depois, usam esses dados para apresentar problemas
especificamente relevantes, que são sensíveis aos pontos fortes e fracos dos usuários.

Esse e outros programas de "tutoria inteligente" têm-se mostrado eficazes em várias


circunstâncias e estão sempre em processo de modificação e aperfeiçoamento (Van
Biljon et al., 1999). Entretanto, até agora ainda não foi possível criar um tutor
computadorizado que tenha a flexibilidade e a sutileza dos professores humanos. Até
essa data, pelo menos, os programas de computador têm sido incapazes de prever aquilo
em que as crianças terão dificuldade ou encontrar maneiras alternativas de colocar um
problema, ou estimular a curiosidade das crianças com sugestões adequadas
circunstancialmente.

O computador como aluno

A abordagem do computador como tutor permite aos aprendizes pouca oportunidade


para guiar o curso da sua própria aprendizagem; eles podem apenas responder aos
problemas que lhes são formulados. Influenciados pela teoria de Piaget de que, para
atingir um entendimento profundo, as crianças devem construir sua compreensão por
meio de exploração ativa dos seus ambientes, Seymour Papert e seus colegas do
Laboratório da Mídia do MITdesenvolveram uma linguagem de computador
simplificada chamada LOGO (Kofoi e Resnick, 1996; Papert, 1980).
Usando LOGO, as crianças controlam os movimentos de uma tortoruga-robô que, na
verdade, move-se pelo chão do aposento, seguindo explicações explícitas que a criança
"ensina", programandoas na memória do computador. Aprendendo a "ensinar a
tartaruga" para realizar suas instruções, as crianças adquirem idéias e procedimentos
que são fundamentais não somente para a programação de computador mas para a
matemática em geral. Por exemplo, para ensinar a tartaruga a correr em torno de um
círculo ou construir uma casa, as crianças adquirem princípios básicos tanto de álgebra
quanto de geometria. Os colegas de Papert estenderam essa linguagem de computador
simples com objetos programáveis, como os blocos Lego, permitindo às crianças
construir robôs Lego e manobrá-los pelos ambientes que elas criam para eles (Resnick,
1998).

A pesquisa sobre a eficiência de tratar os computadores como alunos mostrou que a


abordagem construcionista de Papert pode produzir atividades educacionais úteis para
as crianças (Kafai e Resnick, 1996). Entretanto, a pesquisa também mostra que, para
serem eficazes, as aplicações do LOGO precisam ser uma parte fundamental da vida na
sala de aula em que os professores estão envolvidos com as crianças, proporcionando
apoio e orientação contínuos para a aprendizagem das crianças (Pea et al., 1987).

O computador como recurso

A terceira abordagem sobre uso dos computadores na escola enfatiza o fato de que,
apesar de tudo que possa colocá-lo separado das outras tecnologias desenvolvidas pelos
humanos, o computador é, no fundo, um instrumento que pode ser usado para
proporcionar uma ampla extensão de recursos aos aprendizes. Essa idéia, que sustenta
grande parte do atual entusiasmo pelo uso dos computadores na sala de aula, supõe que,
se for possível proporcionar informações abundantes aos aprendizes ativos, certamente
a aprendizagem acontecerá. Não há dúvida de que os computadores, com suas atuais
habilidades multimídia, podem proporcionar enormes quantidades

537

de informações em formatos interessantes. Mas como acontece no caso de cada um dos


outros usos dos computadores, há uma tendência daqueles que defendem os
computadores como recursos de informações a perder de vista o fato de que é
improvável que esses recursos sejam usados se a escola não tiver um sistema social que
encoraje e apoie as iniciativas das crianças.

O computador como transformador

Vários pesquisadores do desenvolvimento argumentam que uma das maiores


capacidades dos computadores de sala de aula é reorganizar toda a estrutura da
experiência educacional, íntercambiando as interações das crianças não apenas com os
materiais a serem aprendidos mas também com o professor e uma com a outra, com a
escola como instituição e com o mundo em geral (Crook, 1996; Koschman, 1996;
Papert, 1996; Zechetal., 1998). Alguns exemplos dão o tom dessa abordagem.

Pesquisadores associados com o Grupo de Cognição e Tecnologia da Universidade


Vanderbilt tiraram vantagem das combinações recém-emergentes de vídeo-discos
interativos e tecnologia de CD-ROM para criar um currículo que comece com uma série
de histórias de aventuras e de mistério televisionadas para as crianças (Cognition and
Technology Group, 1996; Zech et al., 1998). Em um desses Díogramas, chamado "The
River Adventure", os aprendizes assistem a um vídeo sobre uma viagem em uma casa
flutuante em que os protagonistas devem levar em conta fatores como os alimentos e
cgasolina que serão necessários, as instalações de ancoragem que vão requerer, e assim
por diante. As crianças, então, determinam quando e por que usarão vários tipos de
dados para atingir objetivos como aportar em uma determinada marina e voltar para
casa rapidamente sob várias condições.

Os alunos que se envolvem nesse tipo de resolução de problemas de multimídia


adquirem muitos tipos de especialização no uso de computadores, além de várias
habilidades acadêmicas. Outro resultado importante revela que o interesse na escola e a
autoconfiança desses alunos têm aumentado.

Vários grupos de pesquisa têm usado redes de computador para forjar relacionamentos
entre as escolas em diferentes partes do mundo, permitindo aos alunos engajar-se em
projetos de aprendizagem conjunta em que, por exemplo, eles medem e registram os
níveis de chuva ácida ou comparam as histórias de seus grupos culturais em relação um
ao outro (Levin et al., 1990; Riel, 1998). O uso das redes de computador também
permite aos alunos participarem de projetos que acham genuinamente interessantes. Por
exemplo, eles conseguem interagir on-line com cientistas engajados em atividades
interessantes como explorar o espaço, as regiões polares ou os desfiladeiros submarinos,
ficando diretamente envolvidos na análise de dados importantes e na descoberta do que
significam.

Esses projetos, naturalmente, promovem o trabalho em grupos pequenos, o domínio de


muitos aspectos do uso do computador e o desenvolvimento de habilidades acadêmicas
múltiplas. Os professores acham que não precisam estimular as crianças a realizar esses
estudos; ao contrário, é comum as crianças pedirem permissão para continuar a
trabalhar em seus projetos durante o intervalo de almoço e o recreio.

Vários estudos têm mostrado que os computadores podem realizar uma diferença
positiva na sala de aula quando adequadamente usados. O desafio atual é entender o seu
potencial, fazendo usos efetivos da nova tecnologia, como uma parte rotineira da
educação espaço de toda criança.

Educação realística da matemática Reconhecendo as limitações das aulas expositivas


e da abordagem de baixo para cima, o Conselho Nacional de Professores de

538

Matemática adotou um conjunto de padrões para melhorar a educação da matemática


que desloca o enfoque do ensino de matemática de treinamento em habilidades básicas,
procedimentos e memorização para compreensão conceitual e vínculos entre a
Matemática e os problemas da vida real (National Council of Teachers of Mathematics,
1995). Um exemplo de um programa de matemática que procura implementar
esses objetivos é proporcionado pelo trabalho de Paul Cobb e seus colegas, que se
baseiam na teoria da "educação realística da matemática", amplamente usada na

Holanda (Cobb et al., 1997). Esses pesquisadores oferecem três idéias básicas como
o cerne da sua educação realística da matemática:

1. As atividades usadas para introduzir os conceitos matemáticos devem ser


significativas para os alunos. Assim, por exemplo, um professor de primeira série pode
introduzir a contagem até 20, criando uma situação de faz-de-conta na qual um condutor
de um ônibus de dois andares com 10 lugares em cada andar tem que manter o controle
do número de pessoas que estão no ônibus. Como já aprendemos com a pesquisa
experimental sobre a resolução de problemas das crianças nos capítulos anteriores, essas
histórias de faz-de-conta ajudam a proporcionar um contexto significativo para realizar
operações cognitivas.

2. Embora essas atividades introdutórias devam estar conectadas com a experiência de


vida real das crianças, elas também devem ser escolhidas para dar apoio ao
desenvolvimento de importantes conceitos matemáticos. No caso do ônibus de dois
andares, por exemplo, o professor queria que as crianças aprendessem como agrupar
números para o cálculo, entender que há oito pessoas no ônibus se houver quatro em
cima e quatro embaixo, ou seis em cima e duas embaixo, ou duas em cima e seis
embaixo etc. Cada configuração é uma maneira diferente de representar um total de
oito.

3. À medida que as crianças se adiantam nas lições, espera-se que usem modelos para
representar quantidades e realizem ações matemáticas. Cobb descreve vários estudos
que usam uma "estante aritmética", com duas prateleiras contendo 10 contas cada. Para
o contexto do condutor no ônibus, a estante aritmética proporciona um modelo espacial
bastante preciso, com cada uma de suas prateleiras correspondendo a um andar do
ônibus. Mas as contas na estante também podem ser usadas para representar os doces
colocados ou retirados de um pote de doces e vários outros contextos de uma loja que
tenham propriedades matemáticas equivalentes.

FIGURA 13.5
O ensino recíproco (a) não apenas se mostrou mais eficaz do que a instrução explícita
ou a modelagem, (b) mas também produziu uma melhora marcante no sucesso da leitura
das crianças em estudos sociais e ciências. Tanto a instrução explícita quanto o ensino
recíproco conduziram a uma melhora da leitura, mas o ensino recíproco foi o
procedimento mais eficaz. Os alunos aos quais foi proporcionada uma prática na leitura
recíproca mostraram melhoras maiores mais prolongadas em suas aulas de estudos
sociais e ciências, enquanto os alunos que não receberam ensino especial em leitura
tiveram um desempenho bastante deficiente. (Extraída de Brown et al., 1992.)

Com o tempo, as crianças, pouco a pouco, dominam as estruturas conceituais que as


histórias e os modelos inicialmente sustentam e podem realizar os cálculos necessários
sem ajuda. Como no caso da leitura recíproca, a criação de normas de sala de aula que
corroborem a mistura do conhecimento de baixo para cima com o conhecimento
conceitual e de utilização de cima para baixo é fundamental. Os professores trabalham
para estabelecer uma cultura de sala de aula, em que se espera que as crianças
justifiquem seu raciocínio quando respondem uma pergunta e que tentem entender o
raciocínio que está por trás das respostas de outras crianças. Além disso, espera-se que
as crianças ajudem o grupo. Quando trabalham sozinhas, são encorajadas a solicitar
ajuda de outros e a compartilhar o que aprenderam.
As abordagens "voltadas para o problema", que enfatizam os processos de raciocínio
sobre problemas matemáticos,

539

comprovaram-se bem-sucedidas bem além dos anos do ensino fundamental (Boaler,


1997; Lampert e Blunk, 1998). Jo Boaler observou alunos de duas classes de ensino
médio na Inglaterra. Uma sala de aula seguia uma abordagem tradicional da aula
expositiva ao ensino da matemática, enquanto a outra usava uma abordagem de
pequeno grupo, voltada para o problema. Na sala de aula tradicional, o professor
começava as aulas apresentando um problema padronizado e o método-padrão para
resolvê-lo ("Eis como determinar a área de um paralelograma"). Os alunos observavam
o método da solução e, depois, praticavam usando-o sozinhos. O professor não
explicava por que o método funcionava, nem encorajava os alunos a inventar seus
próprios métodos. Na sala de aula centralizada na atividade, o professor começava
a aula apresentando um problema para toda a classe destinado a intrigar os alunos.

Em um caso, por exemplo, os alunos foram apresentados a um problema chamado


"36 estacas de uma cerca". Foi descrita uma cerca com 36 apoios e foi solicitado aos
alunos que descobrissem todas as diferentes formas que eles poderiam fazer com
esses materiais. Depois que o problema foi apresentado, os alunos foram encorajados
a fazer perguntas como uma maneira de se orientarem para a tarefa. Depois, trabalharam
em grupos pequenos, enquanto o professor andava pela sala proporcionando
ajuda, quando solicitada.

Os professores de ambas as classes acreditavam piamente que suas abordagens


eram superiores e transmitiam seu entusiasmo para seus alunos. Também relataram
que os problemas de disciplina eram virtualmente não-existentes, mas os pesquisadores
observaram que a sala de aula orientada para o projeto era um pouco mais
barulhenta e que os alunos mais freqüentemente se envolviam em atividades "fora
da tarefa" como conversar com os amigos.

Quando os alunos foram testados no final do ano, tanto em testes padronizados


quanto em testes que avaliavam sua capacidade para aplicar a matemática a novos
problemas, houve diferenças notáveis entre os alunos das duas classes. Os alunos
que participaram do formato de ensino tradicional tiveram uma pontuação melhor
no conhecimento dos procedimentos matemáticos pré-especificados, mas os alunos
da classe baseada no projeto tiveram um desempenho significativamente melhor
nas questões conceituais e naquelas que requeriam que eles aplicassem o seu
conhecimento a um problema novo, como projetar um apartamento.

No geral, a evidência indica que, quando adequadamente organizados, os métodos de


ensino que induzem os alunos a serem colaboradores ativos do discurso da sala de aula
podem ser muito eficientes. Mas esses métodos são mais complexos de organizar e
ainda são encontrados apenas em uma minoria de salas de aula.

CONSEQÜÊNCIAS COGNITIVAS DO ENSINO

O sucesso contrastante dos diferentes modos de ensino devem deixar claro que o
que as crianças aprendem na escola depende, de certa forma, do tipo de ensino que
recebem. Entretanto, como comentamos anteriormente, uma proporção muito elevada
de escolas seguem métodos expositivos para a classe inteira, de forma que os
psicólogos do desenvolvimento podem, grosso modo, tratar a escola como um tipo
uniforme de experiência, procurando avaliar como o conhecimento sobre o mundo
através da leitura e da escrita nas escolas afeta o desenvolvimento cognitivo durante
a segunda infância e além. Independente da abordagem instrucional, o ensino
expande a base de conhecimento das crianças, proporciona-lhes experiência maciça na
lembrança deliberada e as treina na resolução sistemática dos problemas. As últimas
décadas de pesquisa demonstram que essas experiências afetam as crianças,
mas que os efeitos dependem dos processos cognitivos particulares em questão.

Há várias maneiras de avaliar o impacto cognitivo do ensino (Christian et al., 2000).


Uma maneira é comparar as crianças de seis anos de idade que experimentaram ensino
formal com crianças da mesma idade que ainda não o experimentaram.

Outra maneira é conduzir a pesquisa em sociedades, em que o ensino não seja

540

universal, comparando crianças que freqüentaram a escola com companheiros da


mesma idade que não a freqüentaram.

USANDO A ESTRATÉGIA DA ADMISSÃO À ESCOLA

Em muitos países, os conselhos escolares requerem que para começar a freqüentar


a escola a criança tenha uma certa idade em uma determinada data. Para entrar na
primeira série em setembro de um dado ano, as crianças de Edmonton, Alberta, no
Canadá, por exemplo, precisam ter completado seu sexto aniversário em lü de março
daquele ano. As crianças de seis anos de idade nascidas depois daquela data devem
freqüentar a pré-escola de forma que sua educação formal é atrasada um ano. Essas
políticas permitem aos pesquisadores avaliar o impacto do ensino precoce, enquanto
mantêm a idade virtualmente constante: eles simplesmente comparam os desempenhos
intelectuais das crianças que fazem seis anos em janeiro ou fevereiro, com
aquelas que fazem em março ou abril, testando ambos os grupos no início e no final
do ano escolar. Esse procedimento é conhecido como estratégia da admissão à
escola (Morrison et al, 1995).

Os pesquisadores que usaram essa estratégia acham que a primeira série de ensino
proporciona um aumento marcante na sofisticação de alguns processos cognitivos, mas
não de outros. Frederick Morrison e seus colegas (1995), por exemplo, compararam a
capacidade dos alunos de primeira série da educação infantil para lembrar as gravuras
de nove objetos comuns. Os alunos de primeira série eram, em média, apenas um mês
mais velho que aqueles da pré-escola, e no início do ano escolar os desempenhos dos
dois grupos eram virtualmente idênticos. No final do ano escolar, no entanto, os alunos
de primeira série conseguiam se lembrar do dobro de gravuras que se lembravam no
início do ano, enquanto os alunos da pré-escola não mostraram melhora na memória.
Significativamente, os alunos de primeira série envolveram-se em repetição ativa
durante a testagem, o que não ocorreu com os alunos da pré-escola. Evidentemente, um
ano de ensino produziu marcantes mudanças nas estratégias e no desempenho. O
mesmo padrão de resultados foi obtido para os testes padronizados de leitura e
matemática (Morrison et al., 1997).

Há uma exceção interessante a esses achados. Jeffrey Bisanz e seus colegas testaram as
respostas das crianças a um teste piagetiano padronizado de conservação dos números
(ver o Capítulo 12) e também pediu às crianças para adicionar números pequenos
(Bisanz et al., 1995). Descobriram que o desempenho na tarefa de conservação
melhorou muito como conseqüência da idade, mas que a aritmética mental
melhorou quase exclusivamente como uma conseqüência do ensino. Esses achados
tanto confirmam a importância do ensino na promoção de várias habilidades
cognitivas relativamente específicas, quanto corroboram a crença de Piaget de que
a capacidade para conservar a quantidade se desenvolve sem nenhuma instrução
especial em algum momento entre os cinco e os sete anos de idade.

Conceito:
Estratégia da admissão à escola: Um meio de avaliar o impacto da educação,
controlando pela idade, pela comparação de crianças que são quase da mesma idade,
mas que entram na escola com um ano de diferença, devido às regras de admissão da
escola.

EFEITOS DO ENSINO

Embora a estratégia de admissão à escola proporcione uma maneira excelente de


avaliar as conseqüências cognitivas de pequenos períodos de escolarização, ela é,
por definição, limitada à primeira série. Para um quadro de alcance mais amplo da
contribuição da educação formal para o desenvolvimento cognitivo, os pesquisadores
conduziram estudos em sociedades em que o ensino está disponível apenas a uma
parte da população. Vamos resumir as evidências de três domínios cognitivos que
têm aparecido muito na nossa discussão sobre o desenvolvimento cognitivo:
pensamento lógico, memória e habilidades metacognitivas.

Pensamento lógico

Grande número de estudos interculturais foram realizados para determinar se a


participação no ensino formal melhora o desempenho nas tarefas de conservação

541

piagetianas e em outras tarefas criadas para revelar o pensamento operatório concreto


(Rogoff, 1981; Segall et al., 1999). Os resultados ficaram divididos de maneira mais
ou menos igual entre aqueles que verificam o desempenho melhorado entre crianças
que freqüentaram a escola e aqueles que não o evidenciam. Consistente com os
resultados apresentados no Capítulo 12, quando as crianças que freqüentam a escola
desempenham melhor que seus pares que ainda não estão na escola nos testes
piagetianos padronizados, seu maior sucesso parece ter menos a ver com a aquisição
rápida de pensamento operatório concreto do que com sua maior familiaridade
com as circunstâncias de realização do teste. Esse conhecimento especializado da
realização do teste inclui familiaridade com as formas em que as perguntas são
formuladas, uma maior facilidade para se comunicar com adultos com quem não
se está familiarizado e fluência na linguagem em que esse teste é formulado quando
não é conduzido na língua nativa da criança. Quando esses fatores são considerados,
o padrão geral dos resultados indica que o desenvolvimento do pensamento operatório
concreto aumenta com a idade e praticamente não é afetado pelo ensino.

FIGURA 13.6

(a) Cartões usados para testar a memória de curto prazo. Sete cartões são escolhidos e,
depois, virados de face para baixo. É, então, mostrado à pessoa que está sendo testada
uma duplicata de um dos cartões e ela é solicitada a escolher o cartão correspondente
dentre os sete que estão de face para baixo, (b) Que cartão tem uma figura
correspondente? (Extraída de Wagner, 1978.)

Memória

No Capítulo 12, vimos que, ao contrário das crianças norte-americanas, as crianças


de algumas culturas não exibem um aumento nas tarefas de memória de lembrança
livre quando se tornam mais velhas. Em outras sociedades, a pesquisa comparando
crianças que freqüentam a escola com aquelas que não freqüentam a escola, assim
como os dados comparativos sobre os alunos de primeira série e aqueles da educação
infantil apresentados acima, mostraram que a escolarização é a experiência fundamental
subjacente a essas diferenças culturais. Quando as crianças de outras culturas tiveram
uma oportunidade de ir para a escola, seu desempenho de memória foi mais semelhante
àquele das crianças norte-americanas do mesmo grau do que aquele das crianças da
mesma idade e da mesma aldeia que não foram à escola (Cole et al., 1971).

Um estudo realizado por Daniel Wagner (1974) sugere o tipo de habilidades de


processamento de informação que melhora a memória que as crianças adquirem
como uma conseqüência do ensino. Wagner conduziu seu estudo entre maias
educados e não-educados em Yucatan, no México. Ele pediu a 248 pessoas de idades
variadas, entre os seis anos e a idade adulta, para lembrarem as posições de cartas
dispostas de uma maneira linear (ver a Figura 13.6). (Para garantir que os itens
descritos nas cartas seriam familiares a todos os indivíduos, os itens foram retirados
de uma versão local de bingo chamada loteria, que usa gravuras em vez de números.)
Em cada teste, cada uma das sete cartas foi exibida durante dois segundos e, depois,
virada com a face para baixo. Assim que todas as sete cartas foram apresentadas,
foi mostrada a duplicata de uma dessas gravuras e o indivíduo foi solicitado a indicar
a figura idêntica a essa. Selecionando diferentes gravuras duplicadas, Wagner
manipulou a duração de tempo entre a apresentação de uma gravura e o momento em
que sua localização devia ser lembrada.

Da mesma maneira que aconteceu em uma pesquisa semelhante realizada nos Estados
Unidos (Hagen et al., 1970), Wagner descobriu que o desempenho das

542

crianças que estavam freqüentando a escola melhorou marcantemente com a idade


(ver a Figura 13.7). Entretanto, as crianças mais velhas e os adultos que não
freqüentavam a escola não se lembraram melhor do que as crianças menores, o que
levou Wagner a concluir que foi o ensino que causou a diferença. Análises adicionais
dos dados revelaram que o uso de treinamento por aqueles que freqüentavam a escola
era responsável pela melhora no seu desempenho.

Evidências como essa não significam que a memória simplesmente deixa de se


desenvolver entre as crianças que não freqüentam a escola. A diferença entre o
desempenho das crianças instruídas e não-instruídas nas experiências Ínterculturais
de memória é mais perceptível após vários anos de ensino e quando o material a ser
aprendido não está relacionado com outro, segundo qualquer roteiro cotidiano.

Quando os materiais a serem lembrados fazem parte de um conjunto significativo, como


os tipos de animais encontrados em um celeiro ou a mobília colocada em uma casa de
brinquedos, os efeitos do ensino no desempenho da memória desaparece (Rogoff e
Wadell, 1982). Parece que o ensino ajuda as crianças a desenvolverem estratégias
especializadas para lembrar e, por isso, melhora a sua capacidade para comprometer
material abrangente à memória para propósitos de testagem posterior. Não há evidência
que corrobore a conclusão de que o ensino aumenta a capacidade da memória em si.

FIGURA 13.7
O desempenho na memória de curto prazo como uma função da idade e do número de
anos de escolarização. Na ausência de educação adicional (como entre os povos rurais
testados nesse estudo), o desempenho não melhoro com a idade. Por isso, o ensino
parece ser um fator fundamental na capacidade de uma pessoa para desempenhar bem
essa tarefa. (Os números entre parênteses representam o número médio de anos de
escolarização para o grupo designado.) (Extraída de Wagner, 1974;

Habilidades metacognitivas

O ensino parece influenciar a capacidade para refletir e falar sobre os próprios processos
de pensamento (Luria, 1976; Rogoff, 1981; Tulviste, 1991). Quando as crianças foram
solicitadas a explicar como chegaram à resposta de um problema lógico, ou o que
fizeram para conseguir se lembrar de algo, aquelas que não freqüentavam a escola
provavelmente disseram algo como "fiz o que minha cabeça mandou", ou não
ofereceram nenhuma explicação. As crianças que freqüentavam a escola, por outro lado,
provavelmente falaram sobre as atividades mentais e lógicas subjacentes às suas
respostas. Os mesmos resultados aplicam-se ao conhecimento metalingüístico. Sylvia
Scribner e Michael Cole (1981) pediram a pessoas instruídas e não-instruídas do povo
Vai da Libéria para julgar a correção gramatical de várias frases faladas em vai.
Algumas frases eram gramaticais;

543
outras, não. O ensino não teve efeito sobre a capacidade dos entrevistadores para
identificar as frases não-gramaticais; mas as pessoas instruídas conseguiam, em
geral, explicar o que tornava uma frase não-gramatical, enquanto as não-instruí-
das não conseguiam.

O impacto do ensino em uma segunda geração

Uma das linhas de evidência mais intrigantes para a maneira como o ensino afeta o
desenvolvimento vem da pesquisa realizada por Robert LeVine e seus colegas, que
estudaram o impacto da escolarização nas práticas de educação dos filhos de pais
que freqüentaram ou não a escola (LeVine et al., 1996). Esses pesquisadores
descobriram que as mães que tiveram vários anos de escolarização conversavam
mais com seus filhos e usavam métodos de educação menos diretivos, um padrão
similar àquele dos pais de classe média na América do Norte. Mais significativo
ainda, seus filhos exibiam um melhor desempenho na escola e nos testes padronizados
de desenvolvimento cognitivo.

Uma visão geral das evidências

No geral, a pesquisa extensiva sobre as conseqüências cognitivas da escolarização


produziu um quadro misto. Por um lado, há apenas um apoio mínimo para a idéia
de que o ensino é diretamente responsável por amplas mudanças na maneira como
a mente trabalha "em geral". De algumas maneiras, como foi mostrado pelas evidências
de crianças que se concentram muito estreitamente nos procedimentos matemáticos
ensinados na escola, o ensino pode realmente ter um impacto negativo no
desenvolvimento das habilidades mentais. Quando se percebe que a instrução
melhora o desempenho cognitivo, o efeito parece funcionar de uma entre três maneiras:
(1) aumentando a base de conhecimento da criança, incluindo as formas de usar a
linguagem; (2) ensinando estratégias específicas de processamento da informação
que são importantes fundamentalmente à escola em si; e, (3) modificando as situações
gerais de vida e as atitudes das crianças, que, por sua vez, transmitem para
seus filhos sob a forma de novas práticas de educação de filhos, que promovem o
desenvolvimento cognitivo.

Talvez o aspecto mais importante do ensino para a maioria das pessoas seja
social; o ensino é um portão de entrada para o poder econômico e para a posição
social. Como já observamos anteriormente nesse capítulo (Figura 13.1), as associações
entre os anos de escolarização, a renda e a situação no emprego são fortes (U.S.
Census Bureau, 1995). Na média, quanto mais anos de ensino as pessoas recebem,
maior a sua renda e maior a probabilidade de obterem empregos especializados.
Nas sociedades desenvolvidas, o sucesso na escola é um contribuinte tão importante
para o bem-estar econômico posterior das crianças que os psicólogos do
desenvolvimento e os educadores estão muito interessados em entender os fatores
que o promovem ou o inibem. Uma crença popular comumente compartilhada reza
que muitas crianças que têm sucesso simplesmente possuem uma especial "aptidão para
a aprendizagem" que as outras carecem. Mas, como veremos, há mais
fatores responsáveis pelo sucesso na escola do que a aptidão acadêmica. Vários
fatores físicos, psicológicos e socioculturais desempenham um papel essencial no
sucesso das crianças na escola.

APTIDÃO PARA A APRENDIZAGEM

Embora as pessoas necessitem de habilidades básicas de alfabetização e aritmética


para atuar bem em muitas sociedades modernas, muitos jovens deixam a escola
sem tê-las adquirido. Estima-se que até 22% dos adultos nos Estados Unidos lê tão
mal que não consegue enfrentar adequadamente as demandas da vida cotidiana
(National Center for Educational Statistics, 1993). O que provoca esse alto índice
de fracasso e o que pode ser feito para promover um sucesso maior nos tipos de

544
aprendizagem que ocorrem na escola? Durante todo o século passado, as respostas
a essas perguntas têm sido influenciadas pela idéia de que as pessoas variam em
uma aptidão chamada "inteligência" e que essas variações explicam as diferenças
em seu desempenho na escola.

O conceito de inteligência é amplamente aceito. Todas as linguagens têm


termos que descrevem as diferenças individuais na capacidade das pessoas para resolver
vários tipos de problemas (Segall et al., 1999; Serpell, 1993). Mas os significados
precisos desses termos variam entre as culturas e tem-se mostrado difícil - algumas
pessoas dizem que é impossível - definir a inteligência de tal forma que ela possa ser
medida de maneira tão precisa quanto o peso ou a altura.

Por exemplo, Robert Serpell (1993) relata que o equivalente mais próximo à
expressão "inteligência" entre os chewa de Zâmbia enfatiza qualidades como a
cooperação e a obediência. Pierre Dasen e seus colegas relatam que entre os baoulé da
Costa do Marfim, o conceito de ríglouelê, que parece funcionar como a palavra
"intelligence" em inglês, inclui duas dimensões (Dasen et al., 1985). Uma dimensão
envolve os componentes sociais (obediência, honestidade, responsabilidade, polidez,
reflexão, sabedoria), enquanto a outra envolve componentes tecnológicos (observação,
aprendizagem rápida, destreza manual, capacidade de memorização). Uma ênfase na
dimensão social da "inteligência" parece bastante disseminada nas sociedades mais
tradicionais (Segall et al., 1999, p. 145ff), mas é a dimensão tecnológica que domina os
conceitos de inteligência na Europa e na América do Norte.

Apesar das incertezas sobre o que "realmente é" inteligência, quase todas as
crianças que estão crescendo hoje na América do Norte realizarão um teste de
inteligência, em algum momento, antes de completarem sua educação. Esses testes são
usados para decidir que tipo de educação vão receber e o tipo de trabalho que realizarão,
o que, por sua vez, vai influenciar suas vidas quando adultas. Por isso, é importante
entender a natureza da inteligência incorporada nesses testes, assim como a
natureza da testagem em si como um fator importante no desenvolvimento das crianças.

AS ORIGENS DO TESTE DE INTELIGÊNCIA

O interesse em medir a inteligência tornou-se disseminado no início do século XX,


quando a educação em massa tornou-se a norma nos países industrializados. Embora
a maior parte das crianças parecesse capaz de tirar proveito da educação que recebia,
algumas pareciam incapazes de aprender na escola. Os profissionais de educação
ligados a isso tentaram determinar as causas dessas dificuldades e encontrar soluções
para elas.

Em 1904, o ministro francês do ensino público nomeou uma comissão para


garantir os benefícios do ensino para o que ele chamou de crianças "deficientes". A
comissão solicitou a Alfred Binet, professor de psicologia na Sorbonne e a Théophile
Simon, um médico, que criassem um meio de identificar aquelas crianças que
precisavam de educação especial. Binet e Simon começaram a construir um exame
psicológico para diagnosticar a subnormalidade mental que teria toda a precisão e
validade de um exame médico. Eles queriam, especialmente, evitar diagnosticar
incorretamente as crianças como "mentalmente subnormais" (Binet e Simon, 1916).
A estratégia de diagnóstico adotada por Binet e Simon era apresentar às crianças
de diferentes idades uma série de problemas cuja resolução era indicativa da inteligência
na cultura de sua época. Os problemas foram moldados para diferenciar
crianças de cada idade, de forma que as crianças apresentassem mais problemas
fossem identificadas e recebessem educação especial. Binet e Simon conjeturaram,
por exemplo, que um aspecto da inteligência é a capacidade para seguir instruções
para a execução de uma tarefa ao mesmo tempo em que se mantém em mente
vários componentes da tarefa. Para testar essa capacidade, eles apresentaram a
crianças entre quatro e seis anos tarefas como a seguinte:

545

Está vendo essa chave? Você deve colocá-la sobre aquela cadeira (apontando para a
cadeira); depois, feche a porta; depois, vá ver perto da porta uma caixa que está sobre
uma cadeira. Vá pegar essa caixa e trazer para mim. (p. 206)

Aos quatro anos de idade, poucas crianças conseguiram realizar todas as partes
dessa tarefa sem ajuda. Aos cinco, cerca de metade das crianças responderam
adequadamente e, aos seis, quase todas as crianças completaram toda a tarefa. Esse
padrão de realização ligado à idade proporcionou a Binet e Simon as características do
teste que eles precisavam. Uma criança de quatro anos de idade que passasse no
teste era considerada precoce, enquanto uma de seis que não conseguisse realizá-lo
era considerada atrasada com relação a essa capacidade.

Outras tarefas requeriam que as crianças identificassem as partes de uma gravura


que estavam faltando, dar nome às cores, copiar figuras geométricas, lembrar séries
de dígitos ditos ao acaso, contar em ordem decrescente começando pelo número
20, e assim por diante. Depois de um pré-teste extenso, Binet e Simon testaram
pouco mais de 200 crianças que variavam em idade de 3 a 12 anos, dando a cada
grupo de idade um conjunto diferente de questões. Como eles haviam esperado,
quase precisamente 50% dessas crianças tiveram uma pontuação no nível de idade
esperado. Dos restantes, 43% estavam dentro de um ano da expectativa e somente
7% desviaram-se acima ou abaixo da norma em até dois anos.

Binet e Simon concluíram que tinham obtido sucesso na construção de uma


escala de inteligência. Identificaram o índice básico de inteligência através dessa
escala e o chamaram de idade mental (IM). Uma criança que se desempenhasse
no teste com uma média de sete anos de idade, dizia-se ter um IM de 7; uma criança
que se desempenhasse com uma média de nove anos de idade, dizia-se ter um IM
de 9; e assim por diante. O índice IM proporcionava a Binet e Simon uma maneira
conveniente de caracterizar a subnormalidade mental. Uma criança com dificuldades, de
sete anos de idade, era aquela que tivesse o desempenho de uma criança
normal com um ano ou menos que ela.

Para comprovar que sua escala refletia mais que uma seleção fortuita de itens
de teste, Binet e Simon testaram seus achados em comparação aos julgamentos do
professor sobre a inteligência das crianças. Os resultados obtidos pelas crianças em
sua escala coincidiu em alto grau com as avaliações dos professores.
Voltando sua atenção para as causas do fracasso na escola, Binet e Simon sugeriram que
uma criança poderia carecer da "inteligência natural" (a "natureza") necessária para ela
ser bem-sucedida na escola ou da "origem cultural" (a "criação") proporcionada pela
escola. Uma criança muito inteligente podia ser privada de ensino por circunstâncias
estranhas. Ela pode ter vivido distante da escola; ela pode ter tido uma doença
prolongada ... ou talvez alguns tivessem preferido manter seus filhos em casa, fazer com
que eles lavassem garrafas, servissem os clientes de uma loja, cuidassem de um parente
doente, ou pastoreassem o rebanho. Nesses casos, ... basta desconsiderar um pouco os
resultados dos testes que têm um caráter notavelmente escolástico e dar maior
importância àqueles que expressam a inteligência natural, (p. 253-254)

Essa abordagem pode parecer intuitivamente plausível mas, na verdade, ela


contém uma ambigüidade crucial: em parte alguma Binet e Simon oferecem uma
definição de "inteligência natural" que lhes permita separar os testes de inteligência
natural dos testes de "caráter escolástico". Em vez de definir a inteligência natural
de uma maneira que a distingüa da experiência cultural (que eles chamam de um
problema de "complexidade temerosa"), eles se contentavam em indicar que
qualquer que seja a inteligência natural, ela não é equivalente ao sucesso na escola. Na
sua opinião, não somente há outras razões para a inteligência do que o ensino; há
também mais para o ensino - e para a vida - do que a inteligência.

Nosso exame da inteligência não pode levar em conta todas essas qualidades, atenção
desejo, regularidade, continuidade, docilidade e coragem que desempenham um papel

546
tão importante no trabalho escolar e, também, na vida posterior; pois a vida não é tanto
um conflito de inteligências quanto um combate de caracteres, (p. 256)

O LEGADO DE BINET E SIMON

Muitos aperfeiçoamentos do teste de Binet e Simon foram realizados e vários novos


testes foram criados. Alguns seguem a abordagem de Binet e Simon, incluindo
muitos tipos de itens diferentes para extrair uma amostra de uma ampla extensão
de possíveis capacidades. Esses testes contêm "subescalas" que solicitam àqueles
que o estão realizando a dar o significado de palavras, a resolver problemas aritméticos,
a montar um quebra-cabeça, a completar uma série de gravuras, a indicar
qual de uma série de palavras não pertence ao grupo das outras, e assim por diante
(ver a Figura 13.8). Essa ampla abordagem foi seguida por Lewis Terman, professor
da Universidade de Stanford, que modificou as escalas originais de Binet-Simon
para criar a Escala de Inteligência Stanford-Binet (Terman, 1925) e David Wechsler,
que criou testes para serem usados tanto com adultos quanto com crianças (Wechsler,
1939). Outros testes concentram-se em apenas um tipo de habilidade. Por exemplo, o
Peabody Picture Vocabulary Test procura medir a amplitude do vocabulário, fazendo
com que as crianças nomeiem itens em gravuras, e as Matrizes Progressivas de Raven
destinam-se a avaliar o raciocínio sobre os padrões perceptuais (ver a Figura 13.9).

Da idade mental ao QI

William Stern (1912), psicólogo do desenvolvimento, introduziu um importante


aperfeiçoamento na maneira como os testes de inteligência eram pensados e aplica-
dos. Ele sugeriu que a inteligência deveria ser a razão da idade mental das crianças
em relação à sua idade cronológica (IC). Assim nasceu a unidade de medida que
usamos hoje, o quociente de inteligência (QI):

QI = (IM/IC) 100

A estratégia de multiplicar a magnitude relativa de IM/IC por 100 é simples-


mente uma conveniência. O cálculo do QI dessa maneira garante que, quando as
crianças estão apresentando um desempenho exatamente como se espera para a
sua idade, a pontuação resultante será 100; assim, 100 é um "QI médio" por definição
(ver a Figura 13.10). Por exemplo, a uma criança de nove anos de idade com uma
idade mental de 10 é atribuído um QI de 111 (10/9 x 100 = 111), enquanto a uma
criança de dez anos de idade com uma idade mental de 10 é atribuído um QI de 100
(10/10 x 100 = 100).

Nas últimas décadas, o método para o cálculo do QI foi aperfeiçoado para levar
em conta o fato de que o desenvolvimento mental é mais rápido no início da vida da
pessoa. Por exemplo, as pontuações brutas do QI não levavam em consideração o
fato de que a diferença entre o funcionamento mental das crianças de quatro e
cinco anos de idade fosse maior do que a diferença entre os adolescentes de 14 e 15
anos de idade. Para superar essa dificuldade, os psicólogos usam atualmente uma
pontuação chamada de "desvio de QI" (Wechsler, 1974). O cálculo das pontuações
do QI como desvios tira proveito do fato estatístico, ilustrado na Figura 13.10, de
que as pontuações de QI bruto calculadas para uma amostra grande constituem uma
distribuição aproximadamente normal. Quando os psicólogos baseiam as pontuações de
QI atribuídas a crianças, nas diferenças entre suas pontuações brutas e a média
padronizada de 100, eles têm um padrão estatístico que é o mesmo para todas as
crianças.

Apesar de várias revisões, a lógica dos procedimentos criados por Binet e Simon
ainda é a base dos testes de inteligência padronizados. As tarefas fundamentais na
criação de um teste de QI são as seguintes:

1. Selecionar um conjunto de itens que produza uma amplitude de possibilidades


de desempenho entre crianças da mesma idade.

547

2. Dispor os itens em ordem de dificuldade, de tal forma que à medida que as crianças
vão ficando mais velhas elas tenham maior probabilidade de responder corretamente a
mais itens.

3. Certificar-se de que os itens sejam delineados de modo que o desempenho no teste


corresponda ao desempenho na escola.

A adoção e o aperfeiçoamento de seus métodos de testagem representam apenas


uma parte do legado de Binet e Simon. Têm sido igualmente importantes as questões
que eles trazem à tona, três das quais, desde então, dominaram a pesquisa sobre a
inteligência. A primeira questão concentra-se na natureza da própria inteligência:
Como deve ser definida a inteligência? Ela é uma característica geral de toda a vida
mental de uma pessoa ou é um conjunto de habilidades relativamente específicas?
Em segundo lugar, temos a questão da natureza versus a educação: Qual delas provoca
variações nas pontuações do teste de inteligência? A terceira questão concentra-se
no relacionamento entre as pontuações dos testes e o sucesso na escola: Por que as
variações nas pontuações de QI prevêem variações no desempenho na escola?

FIGURA 13.8
Itens simulados da Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças. (Copyright 8
1948, 1974, 1991 da Psychological Corporation. Reprodução autorizada. Todos os
direitos reservados.)

Conceito:
Quociente de inteligência (QI): A razão da idade mental em relação à idade
cronológica, calculada como QI = (IM/ IC) 100. O cálculo do QI dessa maneira
garante que, quando as crianças estão tendo um desempenho precisamente como é
esperado para a sua idade, a pontuação resultante será 100; assim, 100 é, por definição,
um "QI médio".

FIGURA 13.9
Um item de amostra de um teste de inteligência amplamente usado destinado a avaliar a
capacidade para perceber padrões. Observe que, embora esses itens do teste não
requeiram uma formulação verbal elaborada, eles supõem que aquele que está sendo
submetido ao teste esteja familiarizado com representações bidimensionais das figuras,
uma convenção que não existe em muitas culturas. (Extraída de Raven, 1962, Publicada
com autorização de J.C. Raven Limited)

FIGURA 13.10
Uma curva idealizada em forma de sino com distribuição das pontuações do QI.
uma curva em forma de sino é uma distribuição das pontuações em um gráfico em que o
valor mais freqüente, a média, está no centro e os valores menos freqüentes estão
distribuídos simetricamente em cada lado. Por definição, a pontuação do QI modal é
100.

A natureza da inteligência: geral ou específica?


Embora Binet e Simon fossem cépticos com relação à possibilidade de definir a
inteligência, eles tentaram especificar a qualidade da mente que estavam tentando testar
com a seguinte caracterização:

Parece-nos que, na inteligência, há uma faculdade fundamental, a alteração ou a falta do


que é de primordial importância para a vida prática. Essa faculdade é o julgamento,
também chamado de bom senso, senso prático, iniciativa, a capacidade de se adaptar às
circunstâncias. Julgar bem, compreender bem, raciocinar bem, essas são as atividades
essenciais da inteligência, (p. 43)

548

Referindo-se à inteligência como "uma capacidade fundamental", Binet e Simon


assinalaram sua crença de que a inteligência é uma característica geral. Muitos
outros têm seguido essa abordagem, embora tenham variado as suas opiniões sobre
exatamente que tipo de capacidade é a inteligência (Mackintosh, 1998). Por exemplo,
Charles Spearman (1927), psicólogo inglês, demonstrou uma importante correlação
entre as pontuações individuais nas diferentes subescalas e itens usados por Binet
e Simon e nos subseqüentes testes de QI. Ele argumentou que o fato de as pessoas
que têm uma pontuação alta (ou baixa) em uma tarefa tenderem a ter uma pontuação
alta (ou baixa) nas outras indicava a existência de uma capacidade geral que ele chamou
deg - "inteligência geral". Ele acreditava queg mede a capacidade para enxergar
relacionamentos entre objetos, eventos e idéias. Arthur Jensen (1998), que redespertou o
interesse na testagem de inteligência na década de 1970, apoiou a idéia do fator g,
declarando que a velocidade do processamento neural é a "capacidade fundamental" que
sustenta e resulta em diferenças na inteligência.

Entretanto, muitos psicólogos rejeitam a idéia da inteligência geral. O próprio Spearman


observou que, embora houvesse uma correlação positiva entre as pontuações nos itens
de leste separados, a correlação estava longe de ser perfeita. Ele sugeriu que g é
suplementado por capacidades secundárias específicas. L. L. Thurstone (1938),
psicólogo americano, declarou subseqüentemente que há sete "capacidades mentais
primárias". Ele criou um Teste das Capacidades Mentais Primárias, que continha
subescalas para medir a capacidade verbal, raciocínio indutivo, velocidade
perceptual, facilidade com números, relações espaciais, memória e íluência verbal.
Outros, desde então, propuseram até 120 tipos de inteligências específicas (Guilíord,
1967).

Atualmente, duas abordagens que descrevem a inteligência em termos de capa-


cidades distintas têm sido particularmente proeminentes. Howard Gardner (1983,
2000) propôs uma teoria de inteligências múltiplas, cada uma delas coincidindo
com um módulo cognitivo diferente e seguindo seu próprio caminho desenvolvimental
(ver a Tabela 13.3). Por exemplo, a inteligência musical freqüentemente aparece em
tenra idade; a inteligência matemática lógica parece atingir seu pico no final da
adolescência e início da idade adulta; e o tipo de inteligência espacial, em
que os artistas se baseiam, pode atingir seu ápice muito mais tarde. Gardner declara
que a expressão de cada tipo de inteligência depende de uma combinação de três
fatores: (1) estruturas cerebrais biológicas inatas; (2) as formas particulares de
inteligência que uma determinada cultura enfatiza; e, (3) a estimulação que uma criança
recebe por meio de instrução em atividades associadas com as várias formas de
inteligência.

Robert Sternberg (1985, 1999) propôs o que ele chama de uma teoria "triárquica" da
inteligência, governada por três princípios distintos. Segundo Sternberg, os três tipos de
inteligência são:

1. Analítica - as habilidades que usamos para analisar, julgar, avaliar, comparar e


contrastar.

2. Criativa - as habilidades que usamos para criar, inventar, descobrir, imaginar


e supor.

3. Prática - as habilidades para aplicar o conhecimento, colocando-o em prática.


Sternberg relata que o nível de desempenho de um indivíduo pode variar de um
tipo de inteligência para outro e declara que somente a inteligência analítica é medida
pelos testes de QI padronizados.
A distinção entre a inteligência analítica e prática tem sido feita por vários psicólogos,
que vinculam a inteligência analítica com a inteligência "acadêmica" (Ceei e
Hembrooke, 1995; Neisser, 1976). Várias características parecem distinguir os
problemas analíticos, exigidos pelas escolas, dos problemas encontrados nos ambientes
cotidianos:

549

- Os problemas escolares são formulados para o aprendiz por outra pessoa, enquanto os
problemas do cotidiano requerem que os próprios aprendizes reconheçam ou formulem
problemas.

-Os problemas escolares, em geral, têm pouco ou nenhum interesse intrínseco para os
aprendizes, enquanto as tarefas do cotidiano são intrinsecamente
importantes para eles.

- Os problemas escolares são claramente definidos, enquanto os problemas do


cotidiano são, em geral, mal definidos.

- Os problemas escolares, habitualmente, têm uma única resposta certa e que só pode ser
alcançada por um único método, enquanto os problemas do cotidiano têm várias
soluções aceitáveis e que podem ser alcançadas por vários caminhos.

- Os problemas escolares vêm com todas as informações necessárias para se lidar com
eles, enquanto os problemas do cotidiano requerem que as pessoas busquem novas
informações.

- Os problemas escolares são desvinculados da experiência ordinária enquan-


to os problemas do cotidiano estão incorporados nas experiências rotineiras.

TABELA 13.3
INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS DE GARDNER
Tipos de inteligência e Características

Lingüística = Sensibilidade especial para a linguagem, que permite escolher


precisamente a palavra certa ou o caráter da expressão e captar novos significados com
facilidade.

Musical = Sensibilidade para a altura e a entonação, que permite detectar e produzir


estrutura musical.

"' Lógico-matemática = Capacidade para se engajar em raciocínio abstrato e manipular


símbolos.

Espacial = Capacidade para perceber relações entre os objetos, transformar mentalmente


o que vê e recriar imagens visuais de memória.

Corporal-cinestésica = Capacidade para representar idéias em movimento; característica


de grandes dançarinos e mímicos.
Pessoal = Capacidade para obter acesso aos próprios sentimentos e para entender as
motivações de outras pessoas.

Social = Capacidade para entender os motivos, os sentimentos e os comportamentos das


outras pessoas.

Fonte: Gardner, 1983.

Diferenças entre as populações e controvérsias entre a natureza e a educação


Associado aos desacordos sobre o que significa a inteligência e se ela é específica ou
geral, os teóricos também discordam com relação a por que os desempenhos das
pessoas no teste de inteligência variam. O debate atual remonta ao início da Primeira
Guerra Mundial, quando Robert Yerkes propôs que todos os recrutas militares
fossem submetidos a um teste de inteligência para determinar sua adequação para
servir em instalações militares. A testagem também gerou dados sobre a inteligência
da população masculina norte-americana como um todo (Yerkes, 1921).
Aproximadamente 1,75 milhão de homens fizeram testes de QI em grupos - testes
escritos para aqueles que sabiam ler e escrever em inglês, e um teste de completar
figuras para aqueles que não sabiam (ver a Figura 13.11). Os testes de QI nunca haviam

550

sido administrados a grupos tão grandes de pessoas ao mesmo tempo, ou a pessoas


para as quais a língua dos testes não era a sua língua nativa.

A pesquisa de Yerkes iniciou uma controvérsia que continuou até a época atual.
Dois resultados pareciam ser particularmente problemáticos. Em primeiro lugar, a
idade mental média dos anglo-americanos nativos foi avaliada como sendo de 13
anos. Como, pelos padrões da época, uma idade mental de 8 a 12 anos era considerada
subnormal para um adulto, parecia que uma parte substancial da população anglo
consistia de "idiotas". Em segundo lugar, havia uma diferença substancial entre as
pontuações conseguidas pelos recrutas de origem euro-americana e afro-americana.
Em geral, a média para os recrutas de origem européia foi uma idade mental de
13,7 anos, enquanto os afro-americanos obtiveram em média pouco mais de 10 anos.

Vários dos pioneiros na aplicação de testes de inteligência interpretaram esses


dados como o resultado de diferenças inatas e imutáveis na inteligência natural
("natureza"). Segundo essa hipótese inatista da inteligência, algumas pessoas
nascem em geral mais espertas que outras e nenhuma quantidade de treinamento
ou variação no ambiente pode alterar esse fato. As pontuações, em geral baixas, nos
testes de membros dos grupos de minoria étnica e dos pobres (que em geral, mas
não sempre, são as mesmas pessoas) foram amplamente interpretadas como signifi-
cando que esses grupos são inata e irrevogavelmente inferiores (Herrnstein e Murray,
1994).

Durante as décadas de 1930 e 1940, a posição inatista da inteligência geral foi


comparada com uma hipótese ambientalista de inteligência, que afirmava que
a inteligência é ao mesmo tempo específica e bastante dependente da experiência
(Klineberg, 1980). Foi demonstrado, por exemplo, que, depois que as pessoas
passaram das áreas rurais para a cidade, suas pontuações no teste de inteligência
aumentaram (Klineberg, 1935) e que, quando os órfãos foram removidos de ambientes
muito restritos, suas pontuações no teste de inteligência aumentaram muito
(ver o Capítulo 7).

Uma das linhas de evidência mais notáveis para a hipótese ambiental da inteligência é o
fato de que, no mundo todo, tem havido um aumento constante no desempenho nos
testes de QI desde que a testagem teve início (Flynn, 1999). Embora essa quantidade
seja diferente segundo o tipo de teste usado e o país particular em que ele é
administrado, o resultado geral para os 20 países em que essa testagem tem sido
amplamente realizada, há muitas décadas, indica que as pontuações de QI
têm aumentado em uma média de 10 a 20 pontos para cada geração. Isso significa,
por exemplo, que o adulto afro-americano médio, em 1990, tinha um QI mais alto
que um adulto euro-americano médio em 1940, e que a pessoa inglesa média, em
1900, teria uma pontuação em um nível atualmente considerado como indicador
de deficiência mental.

Não há consenso claro sobre que fatores ambientais estão fazendo com que as
pontuações de QI aumentem, mas é certo que a mudança é ambiental em sua origem,
pois não pode provir de uma mudança rápida na constituição genética das pessoas
do mundo todo. Como declara Flynn (1999), é quase impossível determinar como o
ambiente contribui para o desenvolvimento da inteligência, porque todos os fatores
causais possíveis estão intimamente conectados uns com os outros e todos conduzem
a mudanças que seguem na mesma direção. A lista dos fatores causais possíveis
varia desde uma nutrição melhor e mais anos de escolaridade, até um aumento na
complexidade da vida e, até mesmo, a disseminação de videogames interativos.
(Para discussões mais detalhadas dos fatores ambientais que podem estar atuando
na elevação das pontuações de QI, ver Neisser, 1998.)

Hipótese inatista da inteligência; A hipótese de que algumas pessoas nascem em geral


mais espertas que outras e de que nenhuma quantidade de treinamento ou variação no
ambiente pode alterar esse fato.
Hipótese ambientalista da inteligência; A hipótese de que a inteligência é ao mesmo
tempo específica e bastante dependente da experiência.

FIGURA 13.11
Itens do teste de completar figuras usado por Robert Yerkes e seus colegas para
testar os recrutas durante a Primeira Guerra Mundial. Cada figura está de alguma
maneira incompleta; a tarefa é identificar o que está faltando. (Extraída de Yerkes,
1921.)

Desempenho no QI e a natureza da testagem


Atualmente, nenhum estudioso responsável acredita que a variação nas pontuações
do teste de inteligência de pessoa para pessoa possam ser atribuídas inteiramente a

551

fatores ambientais ou genéticos. Como comentamos no Capítulo 2, vários estudos


em grande escala relatam uma herança importante no desempenho no teste de QI.
Ao mesmo tempo, mesmo aqueles que acreditam que a variação genética desempenha
um papel importante nas variações no QI reconhecem, prontamente, que o
ambiente também desempenha um papel significativo (Ceei e Hembrooke, 1995;
Mackintosh, 1998). Aqueles que dizem que a herança genética dá uma grande
contribuição ao sucesso acadêmico concordam que todo comportamento, incluindo o
desempenho nos testes de QI e na escola, é um aspecto do fenótipo de uma pessoa
(isto é, as características observáveis de uma pessoa) e que o fenótipo surge da ação
conjunta do genótipo (o conjunto de genes que uma pessoa herda) e do ambiente.

Como mostramos no Capítulo 2, a tentativa de separar as interações específicas


entre o gene e o ambiente que moldam os seres humanos é especialmente difícil em
relação a traços, como a inteligência, que são poligênicos - isto é, traços moldados
por vários ou muitos genes, que atuam em combinação, em um dado conjunto de
condições ambientais. Por isso, mesmo quando tem sido possível estimar a

552

contribuição genética para um traço, pouco pode ser dito sobre precisamente
que genes estão interagindo com o ambiente e de que maneira. Os esforços para separar
as várias influências da natureza e da educação sobre o fenótipo são mais complicados
ainda pelo fato de que os pais contribuem tanto para a constituição genética dos seus
filhos quanto para o ambiente em que eles crescem. E, então, surge o elo final na análise
da interação entre o gene e o ambiente: em resposta às influências genéticas e
ambientais, as crianças moldam ativamente seus próprios ambientes.

As tentativas para entender como os fatores genéticos e ambientais combinam-se para


criar o comportamento fenotípico chamado "inteligência" enfrentam outra dificuldade
ainda maior. Como observamos anteriormente, os psicólogos discordam muito sobre o
que, precisamente, eles estão medindo quando administram um teste de inteligência.
Tudo o que eles podem dizer com alguma confiança é que esses testes prevêem em um
grau moderado o desempenho escolar posterior. (A correlação típica entre o
desempenho no teste e o desempenho na escola é 0,50 [Neisser et al., 1996].) Podemos
entender esse problema melhor se compararmos as interações entre o gene e o ambiente,
que determinam a inteligência, com aqueles que determinam a altura de uma pessoa.

Para determinar como a variação ambiental influencia a altura, podemos estudar


conjuntos de gêmeos monozigóticos (idênticos) e heterozigóticos (fraternos).
Suponhamos que os gêmeos a serem estudados fossem todos nascidos em Minnesota.
Suponhamos, também, que alguns dos gêmeos fossem separados, com um membro
de cada par sendo enviado a viver entre os kung do deserto de Kalahari. Os ambientes
de Minnesota e do deserto de Kalahari não representam as variações mais extremas
compatíveis com a vida humana, mas são suficientemente diferentes no clima, na
dieta, nas atividades diárias e em outros fatores importantes para representar um
teste plausível da relativa importância das contribuições genética e ambiental para
o desenvolvimento da altura.

Se, dentro dessa variação ambiental, os fatores genéticos dominam a expressão


do fenótipo (altura medida), então, poderíamos esperar que dois fatos emergissem:
- As alturas de gêmeos idênticos devem ser mais ou menos as mesmas se os
gêmeos são criados separados ou criados na mesma família.
- A similaridade entre as alturas de gêmeos idênticos deve ser maior do que a
similaridade entre as alturas de gêmeos fraternos. Na verdade, a similaridade
das alturas de gêmeos idênticos criados em ambientes muito diferentes pode
ser maior do que aquela de gêmeos fraternos criados no mesmo ambiente.

Observe que, quer as crianças estejam em Minnesota ou no deserto de Kalahari,


podemos ser bastante confiantes com respeito à nossa avaliação da altura. Quer
usemos uma medida em jardas ou uma escala métrica, temos um padrão válido
para medir as alturas dos gêmeos, independente do contexto em que o fizermos.

À primeira vista, os testes de QI podem parecer medidas padronizadas logicamente


semelhantes a uma medida em jardas. Mas essa aparência é uma ilusão. Justamente
porque os testes de inteligência derivam sua validade da sua correlação com a realização
acadêmica, eles têm suas raízes na sociedade instruída na qual foram desenvolvidos e
ligados aos sistemas de representação gráfica fundamentais a todo ensino. Mas esses
modos de representação estão, em geral, ausentes nas sociedades não-alfabetizadas.
Para ser administrado a uma criança kung, todo teste de inteligência existente requeriria,
portanto, algumas modificações - e não apenas tradução do inglês para o kung. Por
exemplo, se uma das questões do teste pergunta quantos dedos há nas duas mãos, os
aplicadores do teste devem supor que o teste poderia ser adaptado aos !kung com uma
modificação mínima - mas essa suposição

553

estaria errada. O sistema de números usado pelos Ikung não é o mesmo que aquele
usado pelas pessoas de Minnesota e representa um papel diferente em suas vidas.
Na sociedade kung, a importância relativa de saber o número de dedos de uma
mão é menos importante do que saber como fazer nós com esses dedos.

Quando se trata de testes que requeiram interpretação de figuras ou alguma


forma de resposta escrita, surgem dificuldades até mais sérias. Os !kung não têm
tradição de desenho ou de escrita e a pesquisa realizada com povos não-alfabetizados
em várias partes do mundo (Segallet al., 1997) e com crianças pequenas nos Estados
Unidos (Píck, 1997) mostra que as pessoas sem experiência não interpretam
automaticamente representações bidimensionais de objetos como interpretariam os
próprios objetos. Para eles, interpretar as figuras requer um trabalho mental adicional.
Em vista disso, os testes que usavam figuras ou requeriam copiar as figuras
graficamente seriam inadequados, assim como quaisquer testes que dependessem da
capacidade para ler. Por isso, não podemos supor que um teste de QI seja semelhante a
uma medida em jardas, produzindo medições equivalentes em todos os ambientes
culturais.

Várias tentativas têm sido feitas para criar testes "independentes da cultura",
mas ainda não foi encontrada uma solução em geral satisfatória: todos os testes de
inteligência baseiam-se em uma origem da aprendizagem que é específica da cultura
(Cattell, 1949; Davis, 1948). (Tentativas mais recentes para lidar com as dificuldades
de se comparar a inteligência entre linhas raciais e culturais estão descritas em
Irvine e Berry, 1987, e em Neisser et al., 1996.)
O fato de que a inteligência não pode ser testada independentemente da cultura
que dá origem ao teste limita muito as conclusões que podem ser extraídas da testagem
do QI em diferentes grupos sociais e culturais. Vários estudos têm usado comparações
de gêmeos idênticos e fraternos para distinguir as contribuições genéticas das
contribuições ambientais para a inteligência, mas esses estudos têm uma limitação
importante. Segundo a lógica dos estudos de gêmeos, os ambientes dos "gêmeos" deve
diferir bastante para ser possível detectar com o teste suas distintas contribuições. Mas,
se a variação ambiental é muito grande, como no caso de uma criança transportada de
Minnesota para o deserto de Kalahari, a inteligência de ambos os gêmeos não pode ser
medida de uma maneira válida pelo mesmo teste.

Apesar dessas dificuldades, muitos estudos tem-se desenvolvido em torno do


desempenho de gêmeos em testes de QI, juntamente com estudos de crianças
nascidas de casamentos inter-raciais e de crianças adotadas em diferentes grupos
raciais e étnicos (revistos em Mackintosh, 1998). A controvérsia continua a cercar
esse trabalho, mas as conclusões que se seguem parecem ser as mais defensáveis.

1. Uma parte das diferenças individuais no desempenho nos testes de QI é atribuída à


herança. O grau de hereditariedade está sendo discutido: alguns investigadores acham
que ele é muito alto (Herrnstein e Murray, 1994); outros dizem que é muito baixo ou
indeterminado (Bronfenbrenner e Ceei, 1993). Uma análise influente estima que talvez
50% da variação no desempenho no teste dentro de grupos populacionais sejam
controlados por fatores genéticos (Plomin et al., 1997).

2. Há diferenças significativas entre os grupos étnicos em suas pontuações médias de


QI. Americanos de origem européia têm cerca de 15 pontos a mais que os
afroamericanos, enquanto os ásio-americanos têm uma pontuação alguns pontos mais
elevada que os euro-americanos. Outros grupos étnicos dos Estados Unidos, como os
nativos americanos e os hispânicos, têm uma pontuação mais ou menos intermediária
entre os afro-americanos e os euroamericanos (Herrnstein e Murray, 1994; Mackintosh,
1998).

3. Não há evidência de que a diferença média nas pontuações entre os grupos


étnicos nos Estados Unidos seja o resultado de diferenças herdadas, apesar
dos resultados encontrados.

554

À primeira vista, os dois primeiros fatos podem parecer entrar em conflito com
o terceiro: se a herança é responsável por uma parte das diferenças entre os grupos
na inteligência testada, por que não seria razoável concluir que a fonte das diferenças
entre os grupos é a mesma fonte das diferenças entre os indivíduos?

Há duas respostas para essa questão: uma lógica e a outra empírica. A resposta
lógica foi proporcionada por Richard Lewontin (1976). Pode ser ilustrada por um
exemplo da genética das plantas (veraFigura 13.12). Suponhamos que um
fazendeiro tenha dois campos, um fértil e o outro desprovido de nutrientes. Ele pega
sementes de milho ao acaso de um saco contendo várias variedades genéticas e as planta
nos dois campos. Cuida delas da mesma maneira. Quando as plantas atingiram a
maturidade, ele vai descobrir que em cada campo algumas plantas cresceram mais alto
do que outras. Como todas as plantas dentro de um dado campo experimentaram mais
ou menos o mesmo ambiente, sua variação pode ser atribuída a fatores genéticos.
Mas o fazendeiro também vai descobrir variação entre os campos: as plantas crescidas
no campo fértil vão, em média, ser mais altas que as plantas crescidas no campo
pobre em nutrientes. A explicação para essa diferença média nas alturas das plantas
estão em seus ambientes, ainda que os graus de hereditariedade nos dois campos
possam ser iguais.

Esse mesmo argumento pode ser aplicado a variações no desempenho do teste


entre grupos étnicos e raciais. Mesmo que a hereditariedade da inteligência dentro
dos grupos étnicos ou raciais possa ser a mesma, a diferença média no desempenho
entre os grupos pode ainda ser causada não por seus dotes genéticos, mas por diferenças
nos ambientes em que as crianças foram criadas.

O exemplo de Lewontin também ilustra outro ponto importante sobre a hereditariedade


que pode ser aplicado ao QI. Como foi comentado no Capítulo 2, a hereditariedade é um
dado estatístico da população: aplica-se a grupos, não a indivíduos. Se a hereditariedade
estatística para a altura em um campo de milho ou em um conjunto de pontuações de QI
é 0,50, isso não significa que 50% da altura de cada pé de milho ou cada pontuação de
QI seja determinada por fatores genéticos. Significa, isso sim, que 50% da variação na
altura de todo o campo de milho ou da variação nas pontuações de todo o conjunto de
pontuações de QI podem ser atribuídas a diferenças genéticas. Os outros 50% da
variação deve ser de algum modo explicada em termos de fatores ambientais.

As evidências sugestivas relacionadas aos fatores ambientais que são responsáveis por
diferenças étnicas, raciais e de classe no QI testado vêm de um estudo de etnicidade e
QI entre uma amostra grande de crianças de cinco anos de idade afro-americanas e euro-
americanas, que nasceram prematuras e com baixo peso, oiginárias, a maior parte delas,
de famílias relativamente pobres (Brooks-Gunn et al., 1996). Os pesquisadores
estudaram essas crianças desde o nascimento e, além de aplicar às crianças testes de QI
quando elas tinham cinco anos de idade, coletaram dados sobre a pobreza familiar e do
bairro, a estrutura social das famílias, as características maternas como educação e QI e
o grau de estimulação cognitiva no ambiente doméstico. Assim como a pesquisa
anterior, as pontuações de QI das crianças afro-americanas foram significativamente
mais baixas que as pontuações das crianças brancas (85 versus 103). Entretanto, quando
foram feitos os ajustes relacionados à variável pobreza entre os grupos étnicos, a
diferença na pontuação do QI foi reduzida em mais da metade. Quando as diferenças na
estimulação cognitiva proporcionadas no ambiente doméstico foram também
controladas estatisticamente, o diferencial étnico no QI foi reduzido em mais 28%.
Como observam os autores, esses resultados não implicam que a hereditariedade não
desempenhe um papel no QI porque não são baseados nos estudos de gêmeos que
permitem estimativas de hereditariedade. No entanto, eles mostram

555

claramente que, quando as diferenças socioeconômicas nas vidas das crianças afro-
americanas e euro-americanas são levadas em conta, as diferenças de QI entre os grupos
são quase eliminadas.
Figura de dois homens conversando:
"Você não consegue construir uma cabana, não sabe como encontrar raízes comestíveis
e não sabe nada sobre previsão do tempo. Em outras palavras, você teve um
desempenho horrível no seu teste de QI."

FIGURA 13.12
A diferença nas alturas das plantas de cada caixa reflete as variações genéticas
nas sementes plantadas nela. A diferença entre as alturas médias das plantas nas duas
caixas é melhor explicada pela qualidade do solo, um fator ambiental. As diferenças nas
pontuações dos grupos humanos nos testes de QI são explicadas pelo mesmo princípio.
(Adaptada de Gleitman, 1963.)

Conceito:
Deficiências específicas de aprendizagem: Um termo usado para nomear as dificuldades
acadêmicas de crianças que têm um mau desempenho na escola, apesar de possuírem
inteligência normal.

BARREIRAS PESSOAIS E SOCIAIS AO SUCESSO NA ESCOLA

As evidências de fortes influências familiares e comunitárias sobre o sucesso das


crianças na escola confirmam a declaração de Binet e Simon de que há mais aspectos
responsáveis pelo sucesso na escola do que pode ser captado por um teste de
inteligência. Nas seções que se seguem, examinamos diferentes fatores relacionados à
falta de sucesso na escola entre crianças cuja aptidão intelectual testada está dentro
da variação normal. Alguns desses fatores parecem estar claramente relacionados
às propensões individuais das crianças; outros relacionam-se a fatores sociais.

Deficiências específicas de aprendizagem


Deficiências específicas de aprendizagem é um termo usado para referir as dificuldades
acadêmicas de crianças que têm um mau desempenho na escola, apesar de um
resultado normal no teste de QI. O governo dos Estados Unidos definiu da seguinte
maneira as deficiências específicas de aprendizagem:

As crianças com deficiências específicas de aprendizagem exibem uma desordem em


um ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou no uso
da linguagem falada ou escrita. Esses podem ser manifestados em desordens de audição,
pensamento, fala, leitura, escrita, soletração ou aritmética. Eles incluem condições que
têm sido referidas como deficiências perceptuais, lesão cerebral, disfunção cerebral
mínima, dislexia, afasia desenvolvimental, etc. Não incluem problemas de
aprendizagem devidos fundamentalmente a deficiências visuais, auditivas ou motoras, a
retardo mental, distúrbio emocional ou a desvantagem ambiental (U.S. Office of
Education, 1977).

Identificar as crianças com deficiências de aprendizagem apresenta desafios


especiais aos psicólogos do desenvolvimento. Diferentemente de deficiências físicas
como cegueira ou surdez, as deficiências específicas de aprendizagem só se tornam
aparentes quando as crianças entram na escola. Mesmo então, às vezes, é impossível
identificar as crianças com deficiências específicas de aprendizagem até elas
começarem a usar os símbolos gráficos como um instrumento de comunicação.
Dificuldades ainda maiores na identificação de crianças com deficiência de
aprendizagem estão refletidas na definição oficial de deficiência de aprendizagem. Há
tantos fatores incluídos na lista dos critérios de identificação! O que, por exemplo,
distingue uma criança que tem uma deficiência de "audição, pensamento, fala,
leitura, escrita, soletração ou aritmética" de uma criança que é deficiente? Como
sabemos se uma deficiência específica surge de características do cérebro ou das
conseqüências de viver em um "ambiente desvantajoso"? Disputas sobre a melhor
maneira de isolar os critérios críticos para as deficiências específicas de aprendizagem
tornaram difícil estimar o número de crianças que sofrem dessas deficiências (Stanovich
e Stanovich, 1996; Wong, 1996).

O método mais amplamente usado para distinguir as crianças com uma deficiência
específica de aprendizagem de seus colegas de classe é analisar seu desempenho
tanto em um teste de inteligência quanto em um teste de desempenho acadêmico
que abranja muitas partes do currículo. Segundo essa abordagem, para ser qualificada
como especificamente portadora de deficiência de aprendizagem (e não deficiente),
uma criança deve ter uma pontuação geral no teste de QI dentro da variação normal,
mas uma grande discrepância entre diferentes partes do teste (por exemplo, uma
pontuação elevada em um subteste ligado à capacidade verbal, mas pontuações
baixas em subtestes ligados à capacidade de compreensão de quantidades). O perfil
do desempenho acadêmico das crianças deve corresponder ao padrão no teste de
QI. Ou seja, esperaríamos que uma criança com uma baixa capacidade verbal e alta
capacidade de compreensão de quantidades fosse capaz de aprender aritmética

556

normalmente, mas que tivesse dificuldade para aprender a ler. Esse padrão de
desempenho, chamado dislexia, é a forma mais freqüente de deficiência de
aprendizagem específica. Outras crianças exibem um padrão de desempenho chamado
discalculia, em que o QI verbal é elevado e o QI quantitativo é baixo. Sendo assim, sua
capacidade para ler é normal, mas elas têm grande dificuldade para aprender aritmética.
Outro padrão, ainda, caracteriza a disgrafia ou dificuldades especiais para aprender a
escrever, e assim por diante. Nós concentramos a nossa discussão na dislexia, que é a
deficiência específica de aprendizagem mais freqüentemente encontrada e aquela
sobre a qual mais se sabe.

As crianças que são consideradas disléxicas podem ter dificuldade de leitura


por várias razões diferentes (Siegel, 1993, 1998). Entre as razões primárias está a
dificuldade no processo fonológico. Como já vimos anteriormente, a consciência
fonológica - capacidade para entender as regras que relacionam os símbolos gráficos
do sistema de escrita (grafemas) aos fonemas - é importante para a aprendizagem
de leitura de uma linguagem alfabética. Como se poderia supor, atrasos graves no
desenvolvimento das habilidades de processamento fonológico são um dos indicadores
fundamentais de dislexia (Hulme e Joshi, 1998).

O principal teste das habilidades de processamento fonológico emprega pseudo-


palavras, combinações de letras que não constituem palavras reais, mas que podem
ser lidas seguindo as regras de conversão de grafemas em fonemas. "Shum", "laip"
e "cigbet" são pseudopalavras. Embora elas não sejam palavras reais (e daí sua
pronúncia não poder ter sido aprendida antes da experiência), essas combinações
de letras podem ser lidas por qualquer um que conheça as regras de decodificação
das palavras, no caso, em inglês.

Para demonstrar o elo entre o processamento fonológico deficiente e a dislexia,


Linda Siegel e Ellen Ryan estudaram a capacidade para ler pseudopalavras em leitores
normais e portadores de deficiência entre 7 e 14 anos de idade (Siegel e Ryan,
1988). Aos nove anos de idade, os leitores normais eram bastante proficientes na
leitura de pseudopalavras, mas os leitores de 14 anos de idade portadores de deficiência
não conseguiam realizar a tarefa de leitura das pseudopalavras melhor que os leitores
normais que tinham sete anos de idade. Mesmo quando comparados em relação ao nível
de leitura em um teste padronizado (e por isso os leitores portadores de deficiência eram
consideravelmente mais velhos que os leitores normais), os leitores portadores de
deficiência tiveram um desempenho muito pior quando solicitados a ler pseudopalavras.

As teorias dominantes sobre as causas da dislexia supõem que as dificuldades


surgem devido a anomalias no desenvolvimento cerebral, mas ainda há grande
incerteza sobre como vincular as dificuldades específicas de leitura a anormalidades
específicas em áreas específicas do cérebro. Uma linha de pesquisa promissora sugere
que o córtex auditivo está envolvido no problema (Miller e Tallal, 1995; Tallal et al.,
1993). Paula Tallal e seus colegas descobriram essa possibilidade quando estudaram
crianças que estavam experimentando dificuldade na aquisição de uma primeira
língua. As crianças pareciam incapazes de processar componentes sutis de informações
auditivas que lhes fossem apresentadas em rápida sucessão. Tallal e seus colegas
começaram uma experiência pedindo a um grupo de crianças com deficiência
de linguagem e a um grupo de crianças normais para julgar se dois sons, apresentados
um logo após o outro, eram iguais ou diferentes. Quando o intervalo entre os sons foi de
meio segundo ou mais, as crianças de ambos os grupos sempre julgaram corretamente;
mas quando o intervalo foi menor que meio segundo, o desempenho das crianças com
deficiência de linguagem piorou vertiginosamente.

Em seguida, esses pesquisadores demonstraram que as crianças com deficiência


de linguagem tinham a mesma dificuldade com os fonemas da linguagem falada e,
na verdade, com qualquer seqüência rápida de estímulos em qualquer modalidade
sensorial. Também apresentaram resultados de pesquisa de imagem por ressonância
magnética (RM), mostrando que as crianças com deficiência de linguagem têm
menos células nas áreas cerebrais que dão suporte à linguagem.

557

Tallal e seus colegas descobriram que as crianças disléxicas podiam ser divididas
em dois grupos - aquelas que exibiam atrasos gerais no desenvolvimento da linguagem
oral e aquelas que não o exibiam. Parece muito provável que a razão para as
dificuldades de leitura das crianças com deficiência na linguagem oral seja uma
incapacidade para processar informações críticas com bastante rapidez. As razões
para as dificuldades das crianças disléxicas que não têm deficiências na linguagem
oral permanecem incertas.

Foram planejados programas tanto para as crianças disléxicas com déficit na


linguagem oral quanto para aquelas sem esse déficit. Para as crianças cujo
desenvolvimento da linguagem está atrasado, Tallal criou jogos de computador que
proporcionam uma prática rica na realização de discriminações precisas entre sons
muito breves, que mudam rapidamente. Com apenas 16 horas dessa terapia, as crianças
aprenderam a reconhecer sons de fala sutis e rapidamente mutáveis (Merzinich et
ai., 1996; Tallal et al., 1998). Programas de capacitação para crianças disléxicas cuja
linguagem oral não está atrasada em geral concentram-se em estimular a consciência
fonêmica, usando técnicas de rimas e jogos de palavras que têm demonstrado bons
resultados em promover a aquisição de leitura.

Foto de uma menina:


Essa aluna parece ser a personificação da motivação acadêmica: se ela der
uma resposta incorreta dessa vez, ela não vai desistir e, provavelmente, vai se esforçar
mais ainda para acertá-la da próxima vez.

Conceito:
Motivação acadêmica: A capacidade para se esforçar muito e persistir nas tarefas
escolares diante das dificuldades.

Motivação para aprender


Como observamos anteriormente, um aspecto distinto da educação formal é que se
espera que as crianças prestem atenção e se esforcem bastante, embora o material
que são solicitadas a aprender possa ser difícil de dominar e seja de pouco interesse
para elas. Elas, também, precisam aprender a lidar com o fato de que nem sempre
serão bem-sucedidas em seus trabalhos didáticos. Nessas circunstâncias, uma proporção
importante de crianças perde sua motivação acadêmica - a capacidade para
se esforçar muito e persistir nas tarefas escolares diante das dificuldades.

Durante um período de muitos anos, Carol Dweck e seus colegas estiveram


estudando a razão pela qual algumas crianças são motivadas a se esforçar muito na
escola diante das dificuldades e até do fracasso, enquanto outras param de tentar
assim que encontram dificuldade (Dweck, 1999; Heyman e Dweck, 1998). Dweck e
seus colegas formularam a hipótese de dois padrões de motivação que podem ser
observados no início da infância e que se tornam especialmente proeminentes quando as
crianças entram na escola, onde seus fracassos e sucessos são visíveis para
seus colegas de classe.

Segundo essa hipótese, algumas crianças desenvolvem um padrão motivacional


que esses pesquisadores referem como uma orientação para a superação do desafio.
Mesmo que essas crianças tenham tido um mau desempenho ou fracassado em uma
tarefa, elas permanecem otimistas e dizem a si mesmas, "eu posso conseguir se me
esforçar mais da próxima vez.". Como um resultado desse tipo de pensamento, elas
tendem a persistir diante das dificuldades e a buscar desafios similares àqueles
contra os quais estão lutando. Com o tempo, esse tipo de padrão motivacional permite
que essas crianças melhorem seu desempenho acadêmico. Em contrapartida, outras
crianças desenvolvem um padrão motivacional impotente. Quando fracassam em
uma tarefa, dizem a si mesmas, "não consigo fazer isso.", e desistem totalmente de
continuar tentando. Quando encontram tarefas similares no futuro, tendem a evitá-
las. Essa orientação impotente com relação à dificuldade e ao fracasso diminui as
oportunidades das crianças de conquistarem sucesso acadêmico.

Dweck testou suas hipóteses apresentando vários quebra-cabeças a crianças de


quatro e cinco anos de idade. Desconhecidos para as crianças, só um dos quebra-
cabeças realmente pôde ser completado. Algumas das crianças não ficaram irritadas
quando não conseguiram completar os quebra-cabeças impossíveis e encararam a
tarefa como um desafio, mostrando um padrão motivacional de superação; outras
ficaram irritadas e desistiram, exibindo o padrão impotente, como Dweck havia
previsto. Quando, em uma data posterior, essas mesmas crianças foram novamente
convidadas a brincar com os quebra-cabeças, aquelas que não persistiram nos quebra-

558

cabeças impossíveis só queriam brincar com o quebra-cabeça que elas haviam


terminado com sucesso, enquanto as crianças mais orientadas para o domínio quiseram
tentar novamente resolver os quebra-cabeças que os haviam confundido (Dweck, 1991;
Smiley e Dweck, 1994).

Pode ser sugerido que os alunos mais capazes seriam aqueles a exibir
caracteristicamente o padrão orientado para a superação do desafio ou conquista, e que
os alunos menos capazes seriam aqueles que rapidamente desistiriam diante da
dificuldade e evitariam os desafios. Mas Dweck e seus colegas descobriram que esses
dois padrões não estavam relacionados às pontuações de QI das crianças ou ao seu
desempenho acadêmico. Eles relatam que muitos alunos capazes desistem diante da
dificuldade e muitos alunos mais fracos exibem uma orientação para a conquista
(Dweck, 1999; Licht e Dweck, 1984).

Em torno dos 12 anos de idade, quando as crianças fazem a transição do ensino


fundamental para o ensino médio, os dois padrões motivacionais começam a se
relacionar ao sucesso na escola. Dweck atribui esse efeito não apenas a uma
intensificação das exigências que são feitas às crianças nesse período de transição mas
também ao aumento da complexidade no modo de pensar das crianças sobre conceitos
como inteligência, esforço e sucesso. Mais ou menos aos 12 anos de idade, as
crianças norte-americanas começam a articular teorias sobre o que significa "ser
inteligente". Algumas crianças têm um modelo estático de inteligência. Elas enxergam
a inteligência como uma qualidade estabelecida da qual cada pessoa possui uma
certa quantidade. Outras crianças, ao contrário, têm um modelo dinâmico de
inteligência. Elas enxergam a inteligência como algo que pode aumentar, enquanto a
pessoa aprende e tem novas experiências.

As teorias das crianças do ensino médio sobre a inteligência também incluem idéias
sobre como o esforço está relacionado ao resultado. Algumas crianças acreditam que o
sucesso acadêmico depende, fundamentalmente, da capacidade, que eles acreditam ser
uma categoria estabelecida; outras acreditam que o sucesso acadêmico depende do
esforço, e que despender esforço pode conduzir a uma maior inteligência.

Dweck descobriu que as crianças que desenvolvem o padrão impotente, em geral,


têm uma concepção da inteligência como sendo uma entidade estática. Elas acreditam
que fracassam porque carecem de capacidade e que nada que possam fazer vai mudar
isso. Como encaram a inteligência como algo estabelecido, tentam evitar situações
que as coloque em risco de fracasso e se sentem impotentes quando são confrontadas
com tarefas desafiadoras. As crianças que desenvolvem um padrão de orientação
para a superação do desafio adotam justamente a maneira oposta de interpretar situações
desafiadoras, porque encaram a inteligência como dinâmica. Acreditam que, se
elas se aplicarem e se esforçarem bastante, obterão sucesso e se tornarão mais
inteligentes. Quando essas crianças falham, sua resposta é se esforçar mais da próxima
vez. Quando encontram o ambiente mais desafiador do ensino médio, essas maneiras
particulares de interpretar e reagir ao fracasso causam notáveis diferenças no
desempenho entre os alunos que adotam um ou outro dos dois padrões motivacionais.

Achados como esses desafiam os psicólogos do desenvolvimento a criar maneiras


para ajudar as crianças que desenvolvem um padrão motivacional impotente. Uma
abordagem tem sido treinar os professores para proporcionar retorno aos alunos
estimulando-os para a orientação de superação. Outra forma tem sido treinar novamente
as próprias crianças, para que elas atribuam seus fracassos à falta de esforço e não à
falta de capacidade (Dweck, 1999).

Discrepâncias culturais entre o lar e a escola

Cada um dos fatores discutidos até agora aplica-se ao desempenho escolar das crianças
de todas as origens familiares. Agora, afastamos o nosso enfoque dos processos
psicológicos universais "na criança" e passamos às circunstâncias culturais e
econômicas que estruturam a experiência de ensino da criança. Vários fatores culturais
gerais foram identificados, alguns concentrados em padrões culturais amplos, outros

559

na linguagem e outros, ainda, na junção entre a linguagem e a cultura, quando elas


se interligam nas interações cotidianas. (Para uma visão mais ampla do ensino em
diferentes nações, ver o Destaque 13.2.)

Estilos culturais Vários estudiosos têm proposto que toda cultura pode ser descrita
em termos da sua própria visão particular de mundo, uma maneira de pensar dominante
sobre o mundo que surge e relaciona a ele uma experiência histórica comum de um
povo (Greenfield e Cocking, 1994; Kagitçabasi, 1997). Uma dessas descrições situa as
culturas em um contínuo em termos da sua ênfase na importância do indivíduo versus o
grupo. Algumas culturas, como a dominante nos Estados Unidos, por exemplo,
enfatizam a independência e a importância do indivíduo, enquanto outras, como a
cultura japonesa, por exemplo, enfatizam mais a interdependência e a importância das
relações entre os indivíduos.

Patrícia Greenfield e seus colegas propuseram que as práticas culturais das salas
de aula americanas favorecem as crianças que vêm de culturas domésticas que
enfatizam a independência, com o objetivo de socializar as crianças para se tornarem
indivíduos autônomos, que entram nas relações sociais por escolha pessoal (uma
orientação individualista). Da mesma forma, acreditam que a cultura das
escolas americanas representam uma desvantagem para crianças de culturas que
enfatizam a interdependência, com o objetivo de socializar as crianças para se tornarem
adultos que valorizem bastante as redes sociais, especialmente a família, e que reduzem
a importância da realização pessoal (uma orientação coletivista). (A Tabela 13.4 resume
as diferenças entre os modelos culturais independente e interdependente.) Segundo
Greenfield e seus colegas, na sala de aula, é improvável que as crianças de lares
orientados para interdependência reajam bem quando escolhidas para fazer um elogio
ou uma crítica diante das outras crianças e podem engajar-se em comportamentos de
ajuda que os professores interpretam como tal.

Outros pesquisadores descobriram que, mesmo que as crianças venham de famílias que
adotem um modelo cultural interdependente que entre em conflito com as normas
culturais da sala de aula, a família pode desempenhar um papel positivo forte no sucesso
da instrução de seus filhos. Um exemplo envolve os filhos de refugiados do Vietnã, do
Cambodja e do Laos para os Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980. Essas
crianças, cujas culturas domésticas são caracterizadas por um modelo cultural
interdependente, foram visivelmente bem-sucedidas no retorno à escola (Caplan et al.,
1989). Embora elas tenham perdido um a três anos de educação formal em campos de
refugiados, e a maioria não falasse inglês quando ingressou na escola nos Estados
Unidos, 8 entre 10 alunos pesquisados alcançaram uma média B ou melhor dentro de
três a seis anos. Quase metade recebeu A em matemática. Esses resultados são
absolutamente notáveis, porque foram obtidos em escolas de áreas de baixa renda,
localizadas no centro da cidade e tradicionalmente associadas a alunos mais rebeldes,
com menos recursos e menos motivados.

TABELA 13.4
ESTILOS CULTURAIS: INDEPENDENTE (INDIVIDUALISTA) VERSUS
INTERDEPENDENTE (COLETIVISTA)

Individualista:
Desligamento emocional do grupo.
Os objetivos pessoais têm primazia sobre os objetivos do grupo.
Comportamento regulado pelas atitudes e pela análise custo-benefício.
A confrontação é esperada.

Coletivista:
Autodefinido em termos do grupo.
Comportamento regulado por normas do grupo.
Hierarquia e harmonia dentro do grupo.
O grupo é encarado como homogêneo.
Distinções fortes dentro do grupo - fora do grupo.

Fonte: Triandis et al., 1990.

560

DESTAQUE 13.2
O ENSINO EM TRÊS CULTURAS
As salas de aula e os currículos escolares característicos parecem muito semelhantes,
quer eles se encontrem em cidades superpovoadas como Nova York e Tóquio ou em
aldeias rurais da África Ocidental e da Austrália. Mas muitos estudos sobre o cotidiano
na sala de aula e sobre desempenho acadêmico em diferentes sociedades revelam que,
apesar das aparentes semelhanças, os dois processos e os produtos do ensino variam
muito de uma cultura para outra (Serpell e Hatano, 1997).
Nas salas de aula da Libéria rural, por exemplo, ensina-se às crianças a leitura, a escrita
e a aritmética básicas através de instrução de rotina (Cole et al., 1971). Um método
favorito usado pelos professores liberianos é fazer com que a classe toda recite as lições
em uníssono, com pouca atenção dedicada ao significado da exposição. Quando John
Gay e Michael Cole (1967) fizeram perguntas de aritmética a um aluno liberiano, ele
começou a cantar um jargão ("La laia laia, Ia laia laia, Ia laia laia"). Questionado sobre
o que estava fazendo, ele respondeu que estava somando números, mas disso, até agora,
ele só tinha aprendido a música, não as palavras. Não surpreende que o desempenho
acadêmico de uma criança liberiana típica seja baixo, segundo os padrões americanos.

Mas os resultados dos estudantes americanos são em si baixos em comparação com


aqueles das crianças de muitas outras sociedades industrializadas (TIMSS, 1997). Esse
achado estimulou as tentativas de identificar os fatores responsáveis pelas variações no
desempenho das crianças de uma sociedade para outra. Uma série de estudos iniciados
por Harold Stevenson proporcionou muitas informações sobre as maneiras como as
diferenças culturais no ensino fundamental conduz a essas variações (Lee, 1996;
Stevenson e Stigler, 1992; Stigler e Perry, 1990). Esses estudos concentraram-se nas
salas de aula de três países: Estados Unidos, Japão e Taiwan.

Os diagramas que aparecem no final deste Destaque proporcionam uma visão concisa
do desempenho das crianças das três sociedades em três testes de avaliação de
matemática: habilidade em computação, questões sobre linguagem e conhecimento
conceitual da Matemática. Com a única exceção do teste de compreensão conceitual
da matemática na primeira série, as crianças americanas tiveram um desempenho bem
abaixo do nível dos dois grupos asiáticos. Como poderia ser esperado, essa evidência de
diferenças nacionais marcantes no desenvolvimento do pensamento matemático
provocou um debate sobre suas causas. Richard Lynn (1982) comentou, tendo como
base o desempenho comparativo nos testes de QI, que as crianças japonesas desfrutam
de uma superioridade genética na inteligência. No entanto, avaliações cuidadosas dessa
hipótese demonstraram que ela é falsa. Grandes estudos comparativos demonstrando as
diferenças no desempenho em matemática não revelaram diferenças correspondentes
nos escores de inteligência (Stevenson et al., 1985).

Buscando outros fatores para explicar as diferenças entre as pontuações de asiáticos e


americanos nos testes de matemática, Stevenson e seus colegas concentraram-se no
processo de ensino em sala de aula. Descobriram que os dois fatores em que a forma de
instrução americana e asiática mais diferiam eram a quantidade de tempo despendido no
ensino e na aprendizagem da matemática e a organização social das interações em sala
de aula.

As crianças asiáticas tanto da primeira quanto da quinta série freqüentavam a escola


mais dias por ano do que as crianças americanas (240 dias versus 180 dias). No nível da
quinta série, as crianças japonesas ficavam na escola 44 horas por semana, os alunos
chineses, 37 horas por semana, e as crianças americanas, 30 horas por semana. Em cada
dia letivo, os dois grupos asiáticos passavam muito mais tempo estudando matemática
do que lendo e escrevendo, enquanto o grupo americano passava quase três vezes mais
tempo estudando as artes da linguagem. Como observam James Stiglere Michelle Perry
(1990, p. 336), a disparidade no número de horas passado em aulas de matemática era
grande o suficiente para "explicar as diferenças nos conhecimentos de matemática" .
Entretanto, as diferenças na abordagem asiática e americana da educação não estão
restritas apenas às quantidades de tempo dedicadas à matemática: as salas de aula
asiáticas são organizadas de maneira totalmente diferente das salas de aula americanas.
De um modo geral, as salas de aula dos dois países asiáticos são centralmente
organizadas, com o professor instruindo toda a classe ao mesmo tempo. As salas de aula
americanas são, em geral, mais descentralizadas; freqüentemente, o professor dedica
atenção a um grupo de cada vez, enquanto as outras crianças trabalham
independentemente em suas carteiras. Duas diferenças importantes na qualidade das
interações professor-aluno estão correlacionadas com a organização da sala de aula. Em
primeiro lugar, as crianças americanas passavam boa parte do tempo sem serem
instruídas por ninguém. Isso podia não fazer muita diferença se as crianças estivessem
absorvidas por seus livros didáticos e trabalhando independentemente. Mas aqui entra
em jogo outra diferença no comportamento dos alunos: as crianças americanas não
usam bem seu tempo de estudo independente, passando quase a metade dele fora de
suas carteiras ou engajadas em comportamento inadequado, como conversando com os
amigos ou fazendo travessuras. As crianças asiáticas passam muito mais tempo
dedicadas aos trabalhos escolares do que as crianças americanas.

Há, também, diferenças no conteúdo das lições. Em primeiro lugar, os professores


japoneses dedicam duas vezes mais tempo de ensino para ajudar as crianças a refletir e
analisar os problemas de Matemática do que os professores chineses e americanos. Em
segundo lugar, tanto os professores chineses quanto os japoneses têm maior
probabilidade que seus correspondentes americanos de fazer seus alunos usarem objetos
concretos ao resolverem problemas de matemática e proporcionarem um contexto
significativo para os problemas de matemática que ensinam. Em terceiro lugar, os
professores asiáticos enfatizam as conexões entre os problemas encontrados em pontos
diferentes da lição, ou até entre os problemas de uma lição e de outra, proporcionando
maior coerência ao seu ensino.

Uma conclusão fácil é que, se os educadores americanos querem que as crianças tenham
um desempenho correspondente ao das crianças asiáticas, tudo o que precisam fazer é
alongar o ano letivo e copiar os métodos asiáticos de ensino em classe. Entretanto,
Giyoo Hatano e Keiko Inagaki acreditam que essa abordagem de "importação" pode
fracassar, porque a eficácia do sistema japonês não está em um método (Hatano e
Inagaki, 1996), mas resulta da maneira como as salas de aula japonesas inserem
tradições profundas da cultura japonesa, que se tornaram uma parte de suas práticas
educacionais durante muitas décadas. Em vez de tentar "importar" um ou outro método
de ensino específico, declaram Hatano e Inagaki, "énecessário 'traduzir' as tecnologias e
as crenças [japonesas] para que elas possam ser harmoniosas com as práticas locais"
(1996, p. 101-102).

Stigler e Perry (1990) fazem uma observação semelhante. Eles dizem que, embora sua
pesquisa sugira que o ensino pode ser organizado de forma que as crianças aprendam
matemática em um nível mais elevado do que estão aprendendo nas escolas americanas,
isso não indica utilizar as tradições culturais americanas para atingir esse resultado.
Citando a socióloga Merry White (1987), eles nos lembram que a pesquisa intercultural
não proporciona uma receita pronta que possa melhorar a educação das crianças, mas
um espelho que reflete nossas próprias práticas culturais e proporciona algumas
sugestões sobre a maneira como podem ser modificadas para tornar o ensino e a
aprendizagem mais eficientes.
561

Seis gráficos
Distribuição e número médio das respostas certas em três testes relacionados à
matemática em escolas de Sendai (Japão), Taipei (Taiwan) e Chicago. (Extraídos de
Stigler e Perry, 1990.)

Tentando compreender o sucesso espetacular desses imigrantes, Nathan Caplan


e seus colegas (1989) descobriram que o envolvimento dos pais com seus filhos é
fundamental. Quase metade dos pais pesquisados disse que lêem para seus filhos
muitos em sua língua natal. Aparentemente, o conhecimento de inglês dos pais tinha
menos efeito sobre o desempenho dos seus filhos na escola do que as ligações
emocionais, quando os pais liam histórias para os filhos e a sabedoria cultural que os
pais compartilhavam enquanto liam as histórias. Os pais demonstraram o compromisso
com a educação, não só por possuírem livros e por lerem para seus filhos, mas, também,
por exigirem que seus filhos fizessem toda a lição de casa. Os pais relataram que seus
filhos dedicavam em média quase três horas de cada tarde à lição de casa, o dobro da
média das crianças norte-americanas nativas.

562

As estruturas e os propósitos do uso da língua Mesmo quando as pessoas falam a


mesma língua ou um dialeto da mesma língua, isso não significa que elas usam sua
língua da mesma maneira. Como já vimos, a língua é usada nas escolas de maneiras
muito distintas. Muitas das maneiras como as crianças praticam a língua oral e
escrita em casa diferem não somente das práticas da língua na escola, mas de outros
lares dentro da mesma comunidade.

Shirley Heath (1983) estudou três populações durante um período de anos para
conseguir entender como a língua oral e escrita usada em casa difere daquela associada
ao sucesso na escola. As populações que ela estudou, todas da mesma área geográfica,
incluía as famílias de um grupo de professores euro-americanos, um grupo de
trabalhadores têxteis euro-americanos e um grupo de afro-americanos engajados
na agricultura e em empregos têxteis. Conduzindo as observações, tanto nas casas
das pessoas quanto nas salas de aula de seus filhos, Heath descobriu que as famílias
dos professores euro-americanos experimentavam a menor disparidade com a escola.
Como já vimos, o "discurso instrucional" envolvendo perguntas com resposta conhecida
é uma característica proeminente das salas de aula e Heath descobriu que também
aparecia em quase metade das conversas que ela registrou nas casas dos professores.
Além disso, os professores envolviam seus filhos na rotulação dos objetos, nos nomes
das letras e na leitura. Quando liam com seus filhos, iam bem além do texto em si para
deixar claro os relacionamentos entre o que estava no livro e outras experiências que a
criança podia ter tido ou podia ter no futuro. Em certo sentido, os professores estavam
sendo professores tanto em casa quanto na escola. Em vista disso, seus filhos tinham um
bom desempenho na escola.

As famílias dos trabalhadores têxteis euro-americanos, como os dos professores,


faziam seus filhos praticar os nomes das letras do alfabeto, rotular os objetos e
aprender a responder perguntas como "o que é isto?". Eles também lhes ensinavam
a escutar atentamente enquanto uma história estava sendo lida. Mas, ao contrário
dos professores, esses pais encorajavam seus filhos a procurar a moral das histórias
que eram lidas e os desencorajavam de vincular imaginativamente as histórias com a
vida real. As crianças desses lares euro-americanos da classe trabalhadora em geral
iam bem nas primeiras séries da escola, quando seus hábitos de se concentrar no
significado literal de um texto se adequavam à tarefa mas, nas séries mais adiantadas,
quando se tornava necessário extrair novas inferêndas de textos complexos, seu
desempenho caía. No geral, essas crianças não tinham um bom desempenho na escola.

Um terceiro padrão de uso da língua era característico nos lares das crianças
afro-americanas. Essas crianças foram raramente solicitadas a responder perguntas
com respostas conhecidas sobre algum fato ("de que cor é a sua jaqueta?"). Em vez
disso, os adultos mais freqüentemente faziam perguntas às crianças que as
estimulasse a pensar sobre semelhanças entre situações relacionadas à sua própria
experiência ("você acha que pode ir com seu primo nessa visita?"). Essas perguntas, em
geral, serviam de pretexto para discutir algum evento interessante e ajudavam as
crianças a pensar sobre seus papéis e responsabilidades aplicados a diferentes situações.

Heath também documentou muitos usos criativos da língua de forma irônica e na


narração de histórias. Mas as crianças nunca ouviram a língua usada da maneira
delas na escola e, em geral, também não tinham um bom desempenho. Achados
similares foram relatados em relação às crianças latinas (Vasquez et al., 1994).
Esses padrões são perfeitamente compreensíveis em termos das práticas culturais
locais. Ao mesmo tempo, é objetivo dos professores serem bem-sucedidos com todas
as crianças. Então, a questão passa a ser como planejar as intervenções educacionais
de modo a possibilitar que todos aprendam efetivamente.

A pesquisa mostrou que o envolvimento dos pais na educação de seus filhos,


incluindo ler para eles regularmente e discutir o que está sendo lido, pode contribuir
significativamente para o bom desempenho escolar de seus filhos.

O ensino em uma segunda língua


Comentamos acima que, para algumas parcelas da população dos Estados Unidos,
em especial os imigrantes recentes, as crianças que freqüentam a escola podem ter
pouco ou nenhum domínio da língua local oficial incluindo a língua da escola. A

563

menos que algo seja feito rapidamente para resolver os problemas que essas crianças
enfrentam porque não conseguem falar inglês, suas oportunidades de vida são reduzidas
devido ao fracasso escolar.

Em uma decisão fundamental tomada em 1974, a Suprema Corte dos Estados


Unidos reconheceu a gravidade dessa situação declarando que as crianças que chegam à
escola incapazes de falar ou entender inglês precisam ter ajuda especial para
lidar com os desafios que elas enfrentam. Segundo a regulamentação do Supremo,
essa ajuda especial só será considerada adequada se evitar que as crianças sejam
deixadas de fora da educação fundamental (Lau v. Nichoh, p. 26). Desde essa
regulamentação, os distritos escolares locais têm gastado muito dinheiro tentando
satisfazer essas exigências. Esse esforço tem sido complicado pelo fato de que o
Supremo não especificou que tipo de "ajuda especial" deve ser dada, deixando a
questão a cargo dos distritos escolares estaduais e locais.

Esforços mais complicados para desenvolver a proficiência em inglês em crianças


que não falam inglês e promover sua realização escolar são grandes divisores de
opinião com relação ao modo como esses objetivos devem ser atingidos (Krashen,
1996; Rossell e Baker, 1996). De um lado do debate estão aqueles que acreditam
que as crianças devem ser imersas na língua inglesa - ouvindo e falando inglês
exclusivamente - para que possam rapidamente adquirir a competência necessária
para participar de todos os aspectos do currículo. Os educadores que defendem esse
ponto de vista acreditam que o tempo despendido com a comunicação na língua
nativa da criança só prorroga o dia em que a criança será fluente em inglês. Do
outro lado, estão aqueles que acreditam que se deva proporcionar às crianças uma
base firme em alfabetização básica e habilidades com números na sua língua nativa
promovendo a melhoria do desempenho acadêmico em vários cursos ensinados em
inglês (ver Augusta e Hakuta, 1998).

A pesquisa sobre essa questão é obscurecida pela dificuldade de conduzir expe-


riências nas quais as versões ideais das estratégias concorrentes podem ser opostas
uma à outra. Simplesmente, não é possível realizar uma experiência de verdade
pois isso requeriria controlar os currículos e a política de linguagem de um grupo de
escolas e encaminhar ao acaso crianças a essas escolas. Para testar suas hipóteses,
os pesquisadores têm utilizado pesquisas semi-experimentais que usam diferenças
que ocorrem espontaneamente nos programas de linguagem. Por exemplo, alguns
distritos escolares adotaram uma política de uso apenas do inglês; outros proporcionam
ensino às crianças em sua língua nativa durante dois ou três anos antes de transferi-las
para o ensino baseado na língua inglesa; e outras, ainda, têm tornado suas escolas
bilingües, com todos recebendo metade do seu ensino em sua língua nativa - que é
freqüentemente o espanhol - e metade do seu ensino em inglês (Augusta e Hakuta,
1998; Cloud et al., 2000).

As comparações do desempenho nessas escolas representam uma maneira de


testar teorias concorrentes sobre de que maneira dispor o ensino. Mas as conclusões
desses testes ainda estão abertas à dúvida porque não podem garantir que os programas
que estão sendo comparados difiram apenas na variável que está sendo estudada - o
uso apenas do inglês versus o ensino primeiro na língua nativa, por exemplo. Como
as comparações são freqüentemente feitas entre escolas diferentes em partes dife-
rentes de uma cidade ou mesmo em outra cidade, as escolas locais podem variar em
características importantes como a classe social dos alunos, o treinamento e o
entusiasmo dos professores e os recursos disponíveis para o ensino. Essas variações
deveriam ter um impacto significativo sobre o desempenho acadêmico, não importa que
abordagem da língua esteja sendo usada.

Como resultado dessas dificuldades na avaliação de teorias concorrentes de


educação bilingüe eficiente, persiste a controvérsia. Christine Rossell e Keith Baker, por
exemplo, publicaram uma revisão de 72 estudos comparando programas apenas
em inglês com programas bilingües destinados a deixar as crianças mais à vontade
no pleno uso do inglês após três ou quatro anos (Rossell e Baker, 1996). Elas

564
concluíram que não há evidência de que os programas bilingües sejam melhores do que
a simples imersão no inglês. Essa conclusão foi imediatamente contestada por Stephen
Krashen (1996), que comentou que quando se considerou apenas aqueles estudos
que tinham bases adequadas para a comparação e dados quantitativos confiáveis, a
evidência mostrou que os programas bilingües são mais eficazes que os programas
de imersão. Essa mesma conclusão foi alcançada por um painel do Conselho Nacional
de Pesquisa (Augusta e Hakuta, 1998).

Krashen (1996) baseou sua conclusão em uma extensa revisão da literatura, que sugeriu
que quatro características conduzem à criação de um ambiente eficaz para ajudar as
crianças imigrantes a aprender inglês:

1. Lições fáceis de entender em inglês, usando técnicas que se mostraram úteis


no ensino do inglês como uma segunda língua.

2. Professores que tenham o domínio da sua matéria e que possam ensinar na


língua nativa da criança, quando for o caso.

3. Desenvolvimento da alfabetização na língua nativa da criança.

4. Desenvolvimento continuado na língua nativa da criança, para vantagens


cognitivas e econômicas.

Como um ponto de partida para uma educação bilingüe eficaz, essa abordagem
requer que os professores levem a sério o contexto cultural da criança, como ele
está incorporado na língua, nos valores e nas práticas da sua casa.

Um fator importante não mencionado por Krashen é a necessidade de dar um tempo


suficiente ao processo de aquisição da segunda língua. Esse ponto foi demonstrado em
um estudo realizado por Lily Wong-Fillmore (1985), que achou que, embora
as crianças que falem a língua da minoria em geral se tornem razoavelmente fluentes
em inglês coloquial dois ou três anos após o início da escola nos Estados Unidos,
elas precisam quatro a cinco anos para dominar as habilidades da língua necessárias
para o sucesso acadêmico.

Um obstáculo importante para a aplicação bem-sucedida das lições da pesquisa


em educação bilingüe é que há muito poucos professores bilingües qualificados
para ensinar as muitas línguas representadas pela população em idade escolar dos
Estados Unidos. Na Califórnia, por exemplo, o inglês era a segunda língua para 37%
das crianças (quase 1,5 milhão) que freqüentavam a escola em 1997 e, nas séries
inferiores, a percentagem era consideravelmente mais elevada. Se a pesquisa atual
é válida, essa situação certamente parece requerer ensino bilingüe, mas essa
solução é difícil de implementar em algumas áreas, porque as escolas têm de lidar com
várias das mais de 50 línguas faladas pelos escolares da Califórnia.

Lidando bem com diferentes populações de alunos


As evidências apresentadas nesse capítulo não devem deixar dúvida de que as escolas
são contextos de desenvolvimento extremamente importantes na segunda infância.
Mas são também contextos problemáticos, que muitas vezes fracassam em proporcionar
às crianças uma base forte nas habilidades culturalmente valorizadas que elas vão
precisar quando adultos.

Os níveis elevados de desempenho escolar exigidos atualmente para todas as


crianças, em sua diversidade, têm levado muitos educadores a explorar novas formas de
ensinar para todos os níveis e para criar vínculos entre escolas e lares na comunidade
local. Alguns acreditam que o desempenho acadêmico das crianças pode ser melhorado
simplesmente aumentando a extensão do dia letivo e do ano letivo e dando às crianças
mais lições de casa e trabalho acadêmico para fazer em suas horas após a escola. Outros
acreditam que os procedimentos do ensino devem ser melhorados se for para haver
influência no desempenho das crianças na escola (Augusta e Hakuta, 1998). Seja qual
for sua ênfase particular, os programas mais bem sucedidos, cada um à sua própria
maneira, baseiam-se em aspectos da vida e da aprendizagem que as crianças entendem e
usam em casa. Essa abordagem propor-

565

ciona uma ponte entre o mundo cotidiano da criança e o mundo cada vez mais
abstrato da escola e do seu conhecimento socialmente codificado. Dois estudos
importantes ilustram os tipos de ajustamentos que têm de ser feitos para que as
abordagens tradicionais da sala de aula desses programas funcionem.

Um exemplo de uma adaptação cultural mínima que pareceu fazer uma enorme
diferença ocorreu em uma classe de alunos da tribo de índios odawa, no Canadá,
que tinha como professora uma especialista em sua cultura (Erickson e Mohatt,
1982). Aparentemente, a professora parecia utilizar uma abordagem expositiva,
falando a maior parte das aulas, formulando muitas perguntas de resposta conhecida
e limitando o papel dos alunos a responder suas perguntas. Na verdade, embora a
professora se engajasse em procedimentos de aula expositiva, ela o fazia de uma
maneira especial, consistente com o uso da linguagem e com os padrões culturais
utilizados nos lares odawa. Quando ela estava dando aula, organizava os alunos em
pequenos grupos, em vez de fileiras, aproximando-se da organização social das
atividades nas casas das crianças. A professora, em geral, tratava as crianças como um
grupo e não destacava as crianças individualmente. Em vez de dizer "bom", como
avaliação para suas respostas às perguntas dela, demonstrava sua aceitação das respostas
dos alunos passando para a pergunta seguinte. Jamais repreendia os alunos, mas
os elogiava em público, de acordo com as normas odawa contra a crítica desse tipo.
Essa maneira sensível à cultura de implementar as aulas em classe funcionava bem.

Uma adaptação cultural muito diferente das aulas em classes padronizadas envolvia um
programa de leitura bem-sucedido, destinado às crianças havaianas de baixa renda e
que, tradicionalmente, apresentavam um mau desempenho (Au e Mason, 1981). Esse
programa incluía práticas de ensino, organização da classe e manejo da motivação
culturalmente eongruentes com as práticas havaianas nativas (Vogt et al., 1987). Os
professores desse programa faziam com que as crianças trabalhassem juntas na classe,
permitindo-lhes basear-se nos padrões culturais domésticos familiares de dar e buscar
ajuda dos amigos e dos irmãos. Os professores não elogiavam as crianças simplesmente
por fazerem as tarefas, mas as elogiavam ou criticavam pela qualidade do trabalho
realizado, mais uma vez copiando conscientemente as práticas culturais dos lares das
crianças havaianas. O sucesso desse programa foi demonstrado não apenas em notas
mais altas em leitura, mas em maior envolvimento e maior entusiasmo pelas atividades
em classe.

Esses exemplos poderiam ser multiplicados para abranger uma grande variedade de
grupos étnicos e de classe social amplos o bastante para convencer de que é
possível organizar contextos eficientes para a educação, levando em conta as variações
locais na cultura e na classe social (Tharp et al., 2000). Ao mesmo tempo, a
pesquisa é unânime em mostrar que as escolas que proporcionam uma atmosfera
cálida e amigável combinada com instrução rigorosa, altas expectativas de sucesso
e boa comunicação com o lar têm mais chances de sucesso (Scheurich, 1998).

FORA DÁ ESCOLA

Por mais importante que a forma de instrução seja para a segunda infância, ela não
é o único contexto extrafamiliar que influencia as crianças. Há também o novo e
importante contexto das interações independentes com o grupo de amigos. Nas
tardes e noites dos dias de semana, nos fins de semana e nos feriados, as crianças
dessa idade provavelmente serão encontradas junto com seus amigos, engajadas
em atividades de sua própria escolha. Alguns desses locais têm um ou dois adultos
presentes, mas, em muitos casos, não há adultos em cena.

A participação nesses grupos de amigos proporciona uma espécie de preparação


para a vida adulta, que é bastante diferente daquela organizada por adultos na sala
de aula e em casa. Ao mesmo tempo, as experiências dos grupos de amigos influenciam
a vida em casa e na escola. Conseqüentemente, um entendimento pleno da
natureza da segunda infância requer também uma investigação dos contextos dos
amigos, e, por isso, vamos nos referir a esse tópico importante no Capítulo 14.

566

DESTAQUE 13.3
EXPECTATIVAS DOS PROFESSORES E SUCESSO NA ESCOLA

A maioria de vocês passou mais de 12 anos em salas de aula e sabe, por experiência
própria, que as atitudes dos professores em relação aos alunos variam. Os professores
esperam que alguns alunos tenham um desempenho melhor que outros no domínio do
material acadêmico. A pesquisa tem mostrado que essas atitudes e expectativas
influenciam de várias maneiras o desempenho dos alunos.

Talvez a mais famosa - e certamente a mais controvertida – pesquisa sobre o efeito das
expectativas dos professores foi iniciada na década de 1960 por Robert Rosenthal e seus
colegas (Rosenthal, 1987; Rosenthal e Rubin, 1978). Esses pesquisadores descobriram
que as expectativas de um professor sobre a capacidade acadêmica de uma criança pode
tornar-se uma profecia de auto-realização, mesmo quando as expectativas são
infundadas. Ou seja, as expectativas do professor podem conduzir a um comportamento
que faz com que as expectativas sejam realizadas.
Para demonstrar o poder das expectativas dos professores, Rosenthal e Lenore Jacobsen
(1968) aplicaram nas crianças de todas as sextas séries de uma escola elementar um
teste que, segundo disseram aos professores, identificaria as crianças com probabilidade
de "florescer" intelectualmente durante o ano seguinte. Após o teste, os pesquisadores
deram aos professores os nomes dessas crianças que supostamente prometiam melhorar
o desenvolvimento intelectual durante o próximo ano letivo. Na verdade, os nomes dos
previstos "sucessos" foram escolhidos ao acaso (com algumas exceções, que serão
descritas no devido curso).

No final do ano letivo, as crianças foram novamente testadas. Dessa vez, os


pesquisadores descobriram que nas primeira e segunda séries havia de fato uma
diferença entre os "sucessos" e os "insucessos": as crianças que haviam sido
identificadas ao acaso como prováveis candidatos ao desenvolvimento intelectual,
realmente, ganharam uma média de 1 5 pontos em suas pontuações de QI, enquanto as
pontuações de QI dos seus colegas de classe permaneceu inalterada. Nesse estudo, os
QIs das crianças da terceira à sexta séries não mudou, mas em um estudo de
acompanhamento, Rosenthal e seus colegas descobriram que o desempenho dos
escolares nos testes de QI poderia também ser influenciado pelas expectativas dos
professores (Rosenthal et al., 1974). Como as crianças identificadas como aquelas
prováveis de "florescer" intelectualmente foram escolhidas ao acaso, Rosenthal e seus
colegas concluíram que as expectativas dos professores influenciam, seu próprio
comportamento e, assim, seus alunos, tornando o seu ensino mais eficaz com as crianças
que eles acreditavam ser academicamente capazes.

Um achado particularmente provocativo no estudo de Rosenthal e Jacobsen diz respeito


às diferenças raciais, étnicas e de classe no desempenho acadêmico. Os professores,
muitas vezes, têm expectativas menores em relação ao desempenho acadêmico das
crianças pobres e daquelas pertencentes aos grupos minoritários do que com relação às
brancas, de classe média (Minuchin e Shapiro, 1983). Para testar a possibilidade de que
essas expectativas baixas realmente piorem o desempenho acadêmico das crianças
pobres e daquelas pertencentes às minorias, Rosenthal e Jacobsen incluíram um grupo
de crianças mexicano-americanas pobres entre aquelas que eles identificaram como
prováveis de ter sucesso no ano vindouro. Essas crianças tiveram ganhos
particularmente grandes no desempenho com os teste de QI. Na verdade, as crianças
que os professores identificaram como mais "tipicamente mexicanas" obtiveram os
maiores ganhos, talvez porque os professores, reconhecendo que esses alunos eram
aqueles dos quais eles, normalmente, teriam esperado o mínimo, prestaram mais atenção
neles.

Esses resultados imediatamente atraíram a atenção dos pesquisadores e do público em


geral. Centenas de estudos foram desde então realizados sobre o papel das expectativas
dos professores no desempenho acadêmico dos estudantes (Wineberg, 1987). Muitos
distritos escolares têm programas de treinamento especial para garantir que seus
professores sejam sensíveis às maneiras como suas expectativas podem afetar
negativamente algumas crianças. Entretanto, apesar da aceitação geral da idéia de que as
expectativas dos professores são um fator importante no desempenho acadêmico das
crianças, alguns psicólogos e educadores permanecem cépticos (Wineberg, 1987). Um
motivo de dúvida é que muitos estudos não conseguiram encontrar esses efeitos. Por
quê? Quando os pesquisadores tentaram descobrir isso observando professores e alunos
interagindo na sala de aula, descobriram que os professores diferem em sua abordagem
com as crianças de quem eles esperam pouco. Alguns

567

professores ignoram essas crianças e se concentram naqueles que consideram mais


capazes, mas outros professores parecem dar ajuda extra e estímulo a essas crianças
(Good et al., 1973). Essa pesquisa também deixa claro que as crianças não são
receptores passivos das expectativas dos professores. As crianças influenciam essas
expectativas através do seu próprio comportamento em classe (Brophy, 1983).

A pesquisa realizada por Carol Dweck e seus colegas mostrou como a interação entre as
expectativas dos professores e o comportamento das crianças pode moldar o
desenvolvimento acadêmico. Dweck estudou as expectativas diferentes dos professores
em relação aos meninos e às meninas. Em geral, as meninas se comportam melhor
que os meninos durante os anos do ensino fundamental. Conseqüentemente, os
professores esperam que os meninos desafiem o decoro em classe e que as meninas o
apoiem. Dweck e seus colegas descobriram que essas diferenças no comportamento das
crianças e nas expectativas dos professores levam os professores a reagir de maneira
diferente aos meninos e às meninas (Dweck e Bush, 1976; Dwecketal,, 1978; Dweck e
Goetz, 1978). No geral, os professores criticam mais os meninos do que as meninas.
Freqüentemente, essa crítica se concentra na falta de decoro dos meninos, em sua falta
de capricho nos trabalhos de casa ou na sua falta de atenção. Sua crítica para as
meninas, ao contrário, em geral se concentra na sua capacidade e no seu desempenho
intelectual. Ao mesmo tempo, quando os professores elogiam, provavelmente o seu
enfoque é o comportamento social cooperativo das meninas e as realizações intelectuais
dos meninos.

Foi descoberto que essas diferenças nas expectativas dos professores em relação aos
meninos e às meninas e o tipo de avaliação que proporcionam estão relacionadas aos
tipos de expectativas que as crianças criam sobre o seu próprio comportamento (Dweck
e Elliott, 1983). Quando é dito às meninas que elas falharam, elas em geral, acreditam
que o professor avaliou corretamente a sua capacidade intelectual, de forma que tendem
a parar de se esforçar. Os meninos interpretam essa crítica de maneira diferente: eles
responsabilizam seu desempenho ruim à outra pessoa ou à sua situação, ou ainda, à
boa sorte, e mantêm a fé na sua própria capacidade para fazer melhor da próxima vez.
As evidências de que o desempenho escolar das crianças pode ser afetado pelas
expectativas dos professores levou muitas escolas a elevar seus padrões de desempenho
aceitável e a iniciar programas como "olimpíada de matemática" para encorajar o ideal
de excelência acadêmica.

RESUMO

A escola é um ambiente de socialização especializado, específico de determinadas


sociedades e épocas históricas.

OS CONTEXTOS NOS QUAIS AS HABILIDADES SÃO ENSINADAS

As sociedades tradicionais de caça e coleta e agrícolas alcançam os objetivos da


educação no contexto das atividades do cotidiano. À medida que as sociedades se
tornam mais complexas, os adultos prestam cada vez mais atenção ao ensino das
crianças nas habilidades que elas necessitarão como adultos, organizando as formas de
aprendizagem.

O ensino coincidiu com a emergência das cidades-estados como um meio de treinar


grande número de escribas para manter os registros de que as sociedades complexas
dependem.

A educação formal nas escolas difere dos treinamentos tradicionais nos objetivos para
aprender e também nas relações sociais, na organização social e no meio de ensino.

ALFABETIZAÇÃO E ENSINO NOS TEMPOS MODERNOS

O domínio de dois sistemas simbólicos básicos, a linguagem escrita e a Matemática, é


essencial para o processo de ensino-aprendizagem.

Quando o ensino foi estendido a grandes segmentos da população nos países


industrializados no século XIX, a maior parte dos alunos recebia "educação em massa",
que se concentrava na base da alfabetização e da aritmética, enquanto as crianças das
elites econômica e profissional recebiam uma "educação liberal", que incluía usos
complexos da alfabetização e da aritmética.

A leitura de uma língua alfabética é uma habilidade cognitiva complexa em que a


informação que o leitor obtém, aprendendo as correspondências entre as letras e os sons,
que devem ser coordenados com informações de ordem mais elevada sobre o conteúdo
do texto.

Os pesquisadores estão divididos em suas idéias sobre a maneira como a


leitura deve ser ensinada.
1. Aqueles que defendem a aprendizagem inicial do código da língua acreditam que as
crianças devem primeiro ser ensinadas a decodificar fluentemente antes de concentrar o
ensino na compreensão.

568

2. Aqueles que defendem a aprendizagem inicial da compreensão acreditam que, desde


o início, a decodificação deve ser aprendida no contexto da leitura em busca de
significado.

Aprender matemática na escola requer que os alunos adquiram e coordenem


três tipos de conhecimentos:
1. Conhecimento conceitual ou compreensão dos princípios matemáticos.
2. Conhecimento dos procedimentos ou capacidade para realizar seqüências de ações
para resolver um problema.
3. Conhecimento da utilização ou da aplicação de procedimentos específicos.

As teorias sobre a melhor maneira de ensinar leitura e matemática variam entre dois
extremos, um enfatizando a necessidade de experiência e prática, e o outro enfatizando
a centralidade da compreensão conceitual. A maior parte das técnicas atuais de ensino
tentam equilibrar a experiência com o raciocínio.
A instrução em sala de aula tem lugar em ambientes caracterizados por modos
especializados de interação social e por uma forma especial do uso da linguagem
chamada discurso instrucional.
1. Os modos tradicionais do discurso em sala de aula usam aulas expositivas, nas quais
os professores formulam perguntas de resposta conhecida e avaliação proporcional
direta baseada nas respostas das crianças.
2. Grande ênfase é colocada no uso de formas lingüísticas corretas no discurso em
classe, organizado em torno de uma aula expositiva.
3. Formas alternativas de organização de classe enfatizam o papel da interação do
pequeno grupo e o uso de tarefas destinadas a serem significativas para as crianças.

CONSEQÜÊNCIAS COGNITIVAS DO ENSINO

As pesquisas comparativas entre o desempenho cognitivo das crianças com e sem


escolarização revelam que o ensino formal na segunda infância melhora o
desenvolvimento de algumas habilidades cognitivas, incluindo a resolução lógica dos
problemas, a memória e a metacognição.

Não há evidência de que o ensino melhore o desenvolvimento cognitivo em


geral.

APTIDÃO PARA A APRENDIZAGEM

Os testes de aptidão para a aprendizagem surgiram quando a educação foi estendida


para a população em geral. Os primeiros testes foram destinados a identificar as crianças
que necessitavam de um apoio especial para obter sucesso na escola.

A principal inovação de Binet e Simon ao construir seu teste de aptidão escolar


foi escolher os itens do teste segundo a idade em que as crianças poderiam
caracteristicamente enfrentá-los produzindo, assim, uma escala de "idade mental".
A medida de aptidão chamada QI representa a idade mental de uma criança
(determinada pela idade em que a média das crianças responde corretamente cada item
do teste) dividida pela idade cronológica, com o resultado multiplicado por 100 (um
número arbitrariamente escolhido para representar o QI médio): QI = (IM/IC) 100.

Foi descoberto que as pontuações no teste de QI inspiraram debates ferrenhos para


determinar se essas diferenças são o resultado de fatores genéticos ou ambientais.

As pesquisas modernas comparando os QIs de gêmeos idênticos e fraternos indicam que


o QI tem um componente genético responsável por talvez 50% da variação no
desempenho do teste nos grupos.

569

Grandes aumentos nos desempenhos das crianças no teste de QI em todo o mundo


durante o século XX indicam que as diferenças médias nas pontuações de QI entre os
grupos são fortemente influenciadas pelos fatores ambientais.

BARREIRAS PESSOAIS E SOCIAIS AO SUCESSO NA ESCOLA


Vários outros fatores, além do QI, podem estar relacionados ao sucesso escolar:
1. Algumas crianças que têm inteligência normal sofrem de deficiências na
aprendizagem escolar em áreas como leitura e aritmética.
2. As crianças desenvolvem reações diferentes ao fracasso, que auxiliam ou retardam
sua aprendizagem e seu desempenho na escola.
3. O desempenho escolar das crianças é prejudicado quando padrões de interação e uso
da língua na família não correspondem àqueles da escola.
4. Quando as discrepâncias são reconhecidas, o currículo escolar pode ser modificado
para tirar proveito dos padrões de interação familiar.

Escolas com forte ênfase acadêmica, professores especializados em manejo de classe/


ênfase no elogio em relação à punição e atitude positiva com referência aos alunos têm
efeitos positivos sobre o desempenho dos alunos na escola.

PALAVRAS-CHAVE
aprendizado, p. 523
conhecimento conceituai, p. 530
conhecimento procedimental, p. 530
conhecimento da utilização, p. 530
consciência fonêmica, p. 527
decodificação, p. 527
deficiências específicas de
aprendizagem, p. 555
discurso instrucional, p. 533
educação, p. 523
ensino, p. 524
ensino recíproco, p. 535
estratégia da admissão à escola, p. 540
hipótese ambientalista da inteligência, p. 550
hipótese inatista da inteligência, p. 550
idade mental (IM), p. 545
motivação acadêmica, p. 557
quociente de inteligência (QI), p. 546
seqüência de pergunta-resposta-
avaliação, p. 533

QUESTÕES PARA PENSAR


1. Quando você olha para trás, para seu próprio trabalho e experiências na escola até
agora, que exemplos pessoais você consegue lembrar das diferenças entre aprender em
outros contextos e aprender na escola?

2. Que fatores poderiam favorecer o sucesso na escola? Como se relacionam esses


aspectos com o ambiente doméstico das crianças?

3. Parafraseie a argumentação de Binet e Simon de que "a vida não é tanto um conflito
de inteligências, mas um combate de caracteres". Como essa idéia está ligada às
disputas sobre a importância da testagem do QI como um meio de avaliar o
desenvolvimento cognitivo?
4. Suponhamos que lhe foi atribuída a tarefa de criar um teste de inteligência
independente dos aspectos da cultura. Como você lidaria com isso? Que obstáculos
importantes você esperaria encontrar?

5. Como um maior conhecimento das culturas dos lares das crianças poderia ser útil na
organização de uma instrução eficiente em sala de aula?

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