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Leishmaniose

Etiologia e Epidemiologia
Leishmania spp. são flagelados que causam doenças cutâneas, mucocutâneas e viscerais em cães, seres
humanos e outros mamíferos. Os roedores e os cães são reservatórios primários da Leishmania spp.; os seres
humanos e os gatos são provavelmente hospedeiros acidentais, e flebotomídeos são os vetores na maioria das
regiões endêmicas excluídos os Estados Unidos. Os gatos também são comumente expostos nas áreas com
infecção canina endêmica. Em um estudo, os flebotomídeos poderiam ser infectados alimentando-se de um
gato infectado naturalmente, sugerindo que esta espécie deve ser avaliada como mais um reservatório em
potencial (Maroli et al., 2007).
A leishmaniose era considerada sem importância nos Estados Unidos até recentemente, com casos relatados
apenas ocasionalmente. Em 1999, a infecção por Leishmania infantum foi confirmada em vários cães em um
canil de Foxhoundes no estado de Nova Iorque (Gaskin et al., 2002). Outras investigações de mais de 12.000
Foxhoundes e outros canídeos documentou a infecção por L. infantum em 18 estados e duas províncias
canadenses (Duprey et al., 2006) (Fig. 96-2). A infecção de outros canídeos além dos Foxhounds parece ser
incomum na América do Norte. Em outros países, as promastigotas flageladas desenvolvem-se no
flebotomíneo e são injetadas no hospedeiro vertebrado quando o flebotomíneo se alimenta. As promastigotas
são fagocitadas por macrófagos e disseminam-se através do organismo. Após um período de incubação de 1
mês a 7 anos, a forma amastigota (não flagelado) e as lesões cutâneas se desenvolvem; os flebotomíneos são
infectados durante a alimentação. A transmissão em Foxhoundes nos Estados Unidos parece ser principalmente
de cão para cão (Duprey et al., 2006). A transmissão por brigas, agulhas compartilhadas, transfusões
sanguíneas, coito e a transmissão vertical podem ocorrer (Duprey et al., 2006; de Freitas et al., 2006; Boggiatto
et al., 2011). O DNA de Leishmania infantum foi amplificado a partir de carrapatos Rhipicephalus
sanguineous coletados de cães naturalmente infectados; são necessários estudos mais aprofundados desta
potencial rota de transmissão (Solano-Gallego et al., 2012). O organismo intracelular induz respostas
imunológicas extremas; são comuns gamopatias policlonais (e, ocasionalmente, monoclonal); proliferação de
macrófagos, histiócitos, plasmócitos e linfócitos em órgãos linforreticulares; e formação de imunocomplexos
resultando em glomerulonefrite e poliartrite.

FIG 96-2 Distribuição dos clubes de caça com casos confirmados de leishmaniose visceral,
Estados Unidos e Canadá. Os estados nos quais os clubes de caça ou canis tiveram um
ou mais cães infectados com Leishmania infantum estão sombreados. Os Foxhoundes
positivos para Leishmania também foram encontrados na Nova Escócia e em
Ontário. (Reproduzido de Duprey ZH et al. Canine visceral leishmaniasis, United States and Canada, 2000-2003, Emerg Infect Dis 12:440, 2006.)
Aspectos Clínicos
Cães geralmente desenvolvem leishmaniose visceral. A fase subclínica da infecção pode persistir durante
meses ou anos. A perda de peso apesar do apetite normal ou aumentado, poliúria, polidipsia, perda de massa
muscular, depressão, vômitos, diarreia, tosse, petéquias, equimoses, epistaxe, espirros, melena são queixas
comuns. Esplenomegalia, linfadenopatia, alopecia facial, febre, rinite, dermatite, sons pulmonares aumentados,
icterícia, articulações inchadas e doloridas, uveíte e conjuntivite são sinais comumente identificados no exame
físico. As lesões cutâneas são caracterizadas por hiperqueratose, descamação, espessamento, úlceras
mucocutâneas e nódulos intradérmicos no focinho, pina, orelhas e coxins (Fig. 96-3). As lesões ósseas são
detectadas em alguns cães. Foi detectada infertilidade e prostatite em um cão cronicamente infectado (Mir et
al., 2012). A maioria dos cães morre ou é sacrificada como consequência da doença renal crônica. Os gatos são
geralmente subclinicamente infectados; quando ocorre a infecção, as principais manifestações são cutâneas. As
lesões da pele são geralmente nodulares e ulcerativas na pina e menos comumente no focinho e na pele
periorbital (Trainor et al., 2010; Navarro et al., 2010). A histopatologia revela inflamação granulomatosa com
inúmeras amastigotas no interior de macrófagos.

FIG 96-3 Típica lesão de pele associada à Leishmania spp. na pata de um cão na


Espanha. (Cortesia de Dr. Arturo Fonte, Barcelona, Espanha.)

Diagnóstico
As principais anormalidades clinicopatológicas incluem hiperperglobulinemia, hipoalbuminemia, proteinúria,
aumento da atividade das enzimas hepáticas, anemia, trombocitopenia, azotemia, linfopenia e leucocitose com
desvio à esquerda. A hiperglobulinemia é geralmente policlonal, mas uma gamopatia monoclonal de IgG foi
relatada. A poliartrite neutrofílica ocorre em alguns cães como uma manifestação de uma reação de
hipersensibilidade do tipo III. A demonstração de amastigotas (2,5-5,0 μm × 1,5-2,0 μm) em aspirados de
linfonodos, aspirados de medula óssea, imprints de pele corados com Wright ou Giemsa proporcionam um
diagnóstico definitivo (Fig. 96-4). O organismo também pode ser identificado por avaliação histopatológica ou
por imunoperoxidase da pele ou biopsia de órgão, cultura, inoculação em hamster ou PCR. Os anticorpos
contra a Leishmania podem ser detectados no soro por uma variedade de técnicas e ensaios ao lado do paciente
estão disponíveis em alguns países (SNAP Leishmania, IDEXX Laboratories, Westbrook, Maine). Em geral, os
títulos de IgG se desenvolvem de 14 a 28 dias após a infecção e diminuem de 45 a 80 dias após o tratamento.
Ocorre reatividade sorológica cruzada entre Trypanosoma cruzi e Leishmania, portanto, o resultado positivo
nos testes de anticorpos nem sempre se correlacionam à infecção por Leishmania. Como os cães provavelmente
não eliminam a infecção espontaneamente, a maioria dos cães positivos verdadeiros em testes de anticorpos
está atualmente infectada. A PCR pode ser realizada em sangue periférico com anticoagulante (EDTA), medula
óssea, baço ou aspirados de linfonodos. A PCR em tempo real pode ser utilizada para monitoramento da
resposta ao tratamento (Francino et al., 2006).

FIG 96-4 Esfregaço
por impressão (imprint) de um linfonodo de um cão infectado
por Leishmania spp. apresentando amastigotas intracelulares. (Cortesia de Dr. Arturo Font, Barcelona, Espanha.)

Tratamento
Os cães que são soropositivos, citologicamente positivos ou positivos na PCR, com manifestações clínicas de
doença consistentes com leishmaniose devem ser tratados. Embora os sinais clínicos da doença frequentemente
melhorem com a administração dos medicamentos, o prognóstico para a leishmaniose visceral em cães é
variável; a maior parte dos casos é recidivante. Nenhum fármaco ou combinação de fármacos foi utilizado com
sucesso na completa eliminação da Leishmania do hospedeiro. A combinação de compostos de antimônio e
alopurinol (15 mg/kg, VO, a cada 12 h) foi superior ao tratamento com cada fármaco isoladamente (Denerolle
et al., 1999), entretanto, mesmo a terapia de longo prazo nem sempre elimina a infecção (Manna et al., 2008).
Em um estudo de cães tratados com antimoniato de meglumina (50 mg/kg, SC, a cada 12 h) até que as
anormalidades clínicas e clinicopatológicas fossem resolvidas e alopurinol (15 mg/kg, VO, a cada 12 h,
administrado durante 6 meses), as recaídas não foram relatadas em 1 ano de monitoramento e o intervalo livre
da doença para alguns cães foi tão longo quanto 65 meses (Paradies et al., 2012). Miltefosina e domperidona
estão disponíveis em alguns países. A miltefosina, quando dada com alopurinol (Miró G et al., 2009), e a
domperidona, dada como um único agente terapêutico, também demonstraram eficácia para a leishmaniose
canina (Gómez-Ochoa et al., 2009). Uma vez que os antimoniais não estão disponíveis nos Estados Unidos, os
cães infectados devem começar a terapia com alopurinol inicialmente. Num estudo, a marbofloxacina foi
eficiente in vitro e pode ser considerada para o tratamento de cães infectados, se outros fármacos não estiverem
disponíveis (Vouldoukis et al., 2006). A anfotericina B lipossomal ou em emulsionado-lipídico em doses
variadas (0,8-3,3 mg/kg por via intravenosa [IV] para números variados de tratamentos) foi prescrita com bons
resultados clínicos, mas ainda podem ocorrer recidivas (Cortadellas, 2003). Cães com doença renal crônica têm
um prognóstico desfavorável, mas um estudo mostrou que a administração de alopurinol pode ser benéfica
(Plevraki et al., 2006).

Aspectos Zoonóticos e Prevenção


O risco zoonótico primário para leishmaniose canina ocorre a partir dos cães que atuam como hospedeiro
reservatório para o organismo. O contato direto com amastigotas nas lesões drenantes provavelmente não
resulta em infecção humana. Nenhuma das 185 pessoas com exposição potencial a Foxhoundes infectados
tinha evidência de infecção (Duprey et al., 2006). Evitar os flebotomíneos infectados é o principal meio de
prevenção em áreas endêmicas. Se em áreas endêmicas, manter os animais em casa durante a noite e controlar
os criadouros de flebotomíneos. A utilização de imidacloprida a 10%/permetrina a 50% pode diminuir a
transmissão em áreas endêmicas para flebotomíneos (Otranto et al., 2007). Em estudo, os autores sugerem que
permetrina a 65% aplicada a cada 2 a 3 semanas seria eficiente (Molina et al., 2012). Muitas vacinas têm sido
estudadas e estão disponíveis para uso em cães em alguns países (Dantas- Torres, 2006; Palatnik-de-Sousa,
2012). Para os programas de doadores de sangue, as raças de alto risco (p. ex., Foxhounds) ou cães de áreas
endêmicas, devem ser testados para infecção por Leishmania spp. por meio da sorologia ou da PCR e os cães
positivos devem ser excluídos do programa (Wardrop et al., 2005).

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