Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DIAS, A. R. D.; CARVALHO, J. P. V.; HAZBOUN, V. D.; PEDRINI, A. Influência de métricas dinâmicas na avaliação do 29
aproveitamento da luz natural em clima tropical. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 29-47, jul./set.
2018.
ISSN 1678-8621 Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído.
http://dx.doi.org/10.1590/s1678-86212018000300266
Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 29-47, jul./set. 2018.
Introdução
A aplicação das métricas Daylight Autonomy (DA meio da distribuição uniforme no espaço, além de
ou Autonomia de Luz Natural Máxima) e Useful evitar ofuscamento e desconforto térmico (RUCK
Daylight Illuminance (UDI ou Iluminância Natural et al., 2010; SOUZA, 2004). O PAF corresponde à
Útil) pode resultar em avaliações de desempenho razão entre as áreas de abertura e de fachada
luminoso significativamente diferentes em (LAMBERTS et al., 2009), sendo referenciado em
condições de alta radiação solar externa, como em recomendações internacionais (O’CONNOR et al.,
climas tropicais, levando a tomadas de decisões 1997) e nos Requisitos Técnicos da Qualidade para
projetuais divergentes. Ambos os critérios foram o Nível de Eficiência Energética de Edifícios
desenvolvidos para condições de disponibilidade de Comerciais, de Serviços e Públicos (RTQ-C)
luz natural externa inferior à dos trópicos, e seus (INSTITUTO..., 2010a). O FCV refere-se à
limites são cada vez mais flexibilizados. quantidade de céu visível da abertura em relação às
obstruções do entorno e tem influência no conforto
O artigo visa discutir a aplicabilidade e a coerência
térmico (SOUZA et al., 2010; COLLISCHONN;
das métricas dinâmicas DAmax e UDI como
FERREIRA, 2015; PAULA et al., 2016) e luminoso
indicativos de disponibilidade e uniformidade da
luz, respectivamente, contribuindo para (O’CONNOR et al., 1997; CHATZIDIMITRIOU;
procedimentos adequados na análise da distribuição YANNAS; 2004; LEDER, 2007; LEDER;
PEREIRA; CLARO, 2008; CARVALHO, 2014;
e aproveitamento da luz natural em cidades de clima
MORENO, 2015; CARVALHO et al., 2016; DIAS,
tropical.
2016). Pode ser calculado por meio do software
As análises partem do princípio de que o uso da luz Apolux (CLARO, 2016) ou pelo mapeamento do
natural em edificações de regiões tropicais pode ser percentual da área de céu visível da abóbada celeste
reduzido devido ao excesso de luz, que pode gerar obtida na máscara de sombra (CARVALHO, 2014),
desconforto visual devido à ocorrência de com o auxílio dos softwares Autocad
contrastes e ofuscamento. O principal indicativo (AUTODESK, 2013) e Solar Tool (MARSH,
dessas ocorrências é a falta de uniformidade da luz, 2010).
decorrente principalmente da incidência de radiação
direta ou excesso de luz difusa no ambiente. Por A avaliação do desempenho pode ser feita por meio
de diversos critérios, tais como Fator de Luz do Dia,
isso, elementos de sombreamento nas aberturas são
Autonomia de Luz Natural, Autonomia de Luz
imprescindíveis para atenuar o excesso de luz, o que
Natural Contínua, Autonomia de Luz Natural
implica a redução do fator de céu visível (FCV),
que, por sua vez, requer o aumento da abertura (ou Máxima, Iluminância Natural Útil, Percentual de
adotar elementos de sombreamento com maior Saturação de Luz Natural e Exposição Anual da Luz
Natural. Os critérios mais recorrentes na literatura
FCV) para atender aos limites mínimos de
são DA (REINHART, 2001; CINTRA, 2011;
iluminância no plano de trabalho exigidos por
MARCHIS et al., 2011; ALBUQUERQUE;
norma.
AMORIM, 2012; GONZÁLEZ; FIORITO, 2015;
CIRÍACO, 2016; DIAS, 2016) e UDI (NABIL;
Referencial teórico MARDALJEVIC, 2005, 2006; MARDALJEVIC et
O aproveitamento da luz natural no ambiente pode al., 2011; CARVALHO, 2014; GONZÁLEZ;
ser influenciado pelo desempenho do sistema de FIORITO, 2015; MORENO, 2015; CIRÍACO,
abertura e pelo critério de análise adotado. Para isso, 2016). O DAmax é menos recorrente na literatura,
é necessário considerar o impacto dos componentes porém se destaca para análises de uniformidade da
dos sistemas de aberturas sombreadas e as métricas luz natural em situações de contrastes em locais
de avaliação no desempenho luminoso. com grande luminosidade, como é o caso de climas
tropicais.
A literatura tanto internacional quanto nacional tem
demonstrado a influência de variáveis como sistema O DA utiliza a iluminância do plano de trabalho
de sombreamento, percentual de abertura na como um indicador de que há luz natural suficiente
fachada (PAF) e fator de céu visível (FCV) de para o desempenho da tarefa apenas com a luz
janela no desempenho luminoso (O’CONNOR et natural (REINHART; MARDALJEVIC; ROGERS,
al., 1997; LEDER; PEREIRA; CLARO, 2008; 2006). Esse conceito foi redefinido como o
CARVALHO, 2014; MORENO, 2015; DIAS, percentual de horas ao ano em que há o atendimento
2016). do nível mínimo de iluminância requerido apenas
com o uso da luz natural (REINHART;
Os dispositivos de sombreamento protegem a
abertura da incidência de radiação solar excessiva,
garantindo maior aproveitamento da luz natural por
1REINHART, C. F.; WALKENHORST, O. Dynamic RADIANCE-Based 2REINHART, C. F.; ANDERSEN, M. Development and Validation of
Daylight Simulations for a Fullscale Test Office With Outer a Radiance Model For a Translucent Panel. Energy and
Venetian Blinds. Energy & Buildings, v. 33, n. 7, p. 683–6971, Buildings, v. 38, n. 7, p. 890–904, 2006.
2001.
(a) FCV grande (50%) (b) FCV médio (30%) (c) FCV pequeno (3%)
Fonte: Dias (2016).
Figura 5 - Planta baixa, corte e vista interna do ambiente analisado (PAF 40%)
Fonte: adaptado de DesignBuilder (2010) com base no arquivo climático de 2009 (RORIZ, 2009).
3MUNEER, T. Solar Radiation and Daylight Models for the 4PEREZ, R. et al. Modelling Daylight Availability and Irradiance
Energy Efficient Design of Buildings. Oxford: Elsevier Components From Direct and Global Irradiance. Solar Energy, v.
Butterworth-Heinemann, 1997. 44, p. 271-289, 1990.
Figura 8 - Intervalo das métricas DAmax para 100 lux, 300 lux e 500 lux e DAmax proposto
Figura 9 - Saída gráfica dos resultados de DAmax para 100 lux, 300 lux e 500 lux e do DAmax proposto
Figura 11 - Saída gráfica dos resultados de UDI para situação de 100 lux, 300 lux e 500 lux,
complementados pelos dados de DA e DAmax
Nos casos em que foi preestabelecido o critério níveis de luz natural difusa superiores a 1.000 lux
mínimo de 500 lux, o DAmax apontou grande (Figura 16) mesmo quando a abertura é pequena
ocorrência de uniformidade, da mesma forma que o com pouca fração de céu visível (PAF 20% e FCV
DAmax calculado. Para a situação de 100 lux, o pequeno - 3%). Os valores máximos são superiores
DAmax resulta em pequena indicação de a 2.000 lux em mais de 80% das ocorrências anuais
uniformidade, por ultrapassar o limite superior de nos modelos de PAF 90% e FCV grande (Figura
1.000 lux (10 vezes o limite inferior de 100 lux), 14), com iluminância difusa de até 13.290 lux.
sendo nesse caso encontradas as maiores
Os modelos com FCV pequeno e PAF de 20%, 40%
divergências. Foram encontrados valores de 0% de
e 60% (Figura 12) são os únicos casos em que todos
DAmax para 500 lux (que indica 100% de
os valores encontrados de DAmax (DAmax para
uniformidade) em todos os modelos, com exceção
100 lux, 300 lux, 500 lux e DAmax calculado) são
dos modelos com PAF 90% e FCV médio e grande,
iguais, visto que existe uma pequena área de
em que foi encontrado 1% de DAmax (que indica
abertura para entrada de luz natural (pelo pequeno
99% de uniformidade). No DAmax para 100 lux são
valor de FCV e PAF), acarretando valores de
obtidos valores de até 98%, o que indica 2% de
iluminância menores que 1.000 lux. Quando o PAF
uniformidade (Figuras 12, 13 e 14). Isso ocorre
é de 90%, mesmo com o FCV pequeno, a métrica
porque o cálculo do DAmax considera uniformes
DAmax para 100 lux chega a indicar 44% de
valores de iluminância até 5.000 lux, quando o
ocorrência anual de falta de uniformidade (Figura
critério mínimo é 500 lux, e restringe essa faixa de
12), enquanto as demais métricas indicam 100% de
aceitação para o limite de 1.000 lux quando o
uniformidade (0% de DAmax). Essa discrepância
critério mínimo de iluminância é de 100 lux,
entre DAmax para 100 lux e os demais DAmax
indicando significativamente menos uniformidade
aumenta gradativamente à medida que o nível de
neste último caso devido aos altos índices de
luminosidade aumenta nos modelos, chegando a
iluminância obtidos em Natal. As ocorrências de
98%, conforme supracitado, no modelo com PAF
UDI dos modelos (como dado complementar à
90% e FCV grande (Figura 14).
análise do DAmax) demonstram que predominam
máxima de 1:3 (Figura 15 – relação de aproximadamente 1:1), seria obtido DAmax para
uniformidade em azul), valor consideravelmente 100-300-500 lux de 100% (uniformidade nula,
abaixo da proporção de 1:10, conforme orienta a indicando altos contrastes). Isso se demonstra
norma brasileira. Esses dados evidenciam que não incompatível para avaliação da uniformidade de
existem grandes contrastes, uma vez que os ambientes em locais de alta luminosidade, que
modelos não possuem entrada de radiação direta. fazem uso de luz natural difusa abundante. Desse
Assim, considerando a forma de cálculo de DAmax modo, a avaliação constata maior coerência no
obtido pelo Daysim, uma situação hipotética em cálculo de uniformidade a partir do processamento
de dados em planilha do Excel, considerando o
que todas as iluminâncias anuais do ambiente no
limite de DAmax através da proporção de 1/10 em
horário de ocupação variam entre 6.000 e 6.050 lux
relação à iluminância mínima encontrada no
(relação entre iluminâncias mínima e máxima de
ambiente a cada momento (DAmax proposto).
Figura 16 - UDI, DA e DAmax dos modelos com FCV pequeno – intervalo convencional e intervalo
proposto
Figura 17 - UDI, DA e DAmax dos modelos com FCV médio – intervalo convencional e intervalo proposto
Figura 18 - UDI, DA e DAmax dos modelos com FCV grande – intervalo convencional e intervalo proposto
O cálculo mais adequado para climas tropicais deve ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
considerar a uniformidade a partir da iluminância TÉCNICAS. NBR 15575: edifícios habitacionais
mínima encontrada no ambiente, e não da de até cinco pavimentos: desempenho parte 1:
iluminância mínima preestabelecida de projeto. Os requisitos gerais: parte 1: requisitos gerais. Rio de
limites superiores de luz natural difusa e sem Janeiro, 2008.
contratastes ainda são desconhecidos pela literatura
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
para compor um limite invariável de UDI
TÉCNICAS. NBR 5413: iluminância de interiores.
excessivo, sendo necessária sua readequação de
Rio de Janeiro, 1992.
acordo com o contexto.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
São necessários estudos indicativos dos níveis de
TÉCNICAS. NBR ISO/CIE 8995-1: iluminação
tolerância dos usuários em relação à iluminância
de ambientes de trabalho: parte 1: interior. Rio de
máxima para cidades de grande luminosidade para
Janeiro, 2013.
respaldar a adoção de intervalos de DAmax e UDI,
considerando os contextos climáticos. AUTODESK. AutoCad. Califórnia 2013.
A pesquisa tem como limitação principal a análise CARVALHO, J. et al. The Inadequacy of Rules-
de modelos com aberturas voltadas apenas para of-Thumb to Determine Daylight Zone Depth for
orientação norte, com desempenho similar ao da Different Shading Systems in Tropical Climate. In:
orientação sul, não considerando situações com PLEA, 2016, Los Angeles, Cities, Buildings
entrada de luz direta ou difusa das orientações leste People: Toward Regenerative Environments.
e oeste. Proceedings... Los Angeles, 2016.
CARVALHO, J. P. V. de. Simulação do
Referências Desempenho Luminoso Para Salas de Aula em
Natal-RN. Natal, 2014. Dissertação (Mestrado em
ALBUQUERQUE, M. S. C. de; AMORIM, C. N. Arquitetura e Urbanismo) – Departamento de
D. Iluminação Natural: indicações de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do
profundidade-limite de ambientes para iluminação Rio Grande do Norte, Natal, 2014.
natural no Regulamento Técnico da Qualidade do
Nível de Eficiência Energética de Edifícios CHATZIDIMITRIOU, A.; YANNAS, S.
Residenciais – RTQ-R. Ambiente Construído, Microclimatic Studies of Urban Open Spaces in
Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 37-57, abr./jun. 2012. Northenrn Greece. In: PLEA, 2004, 21st., 2004.
Proceedings... Eindhoven, 2004.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS. NBR 15215-4: iluminação natural: CINTRA, M. S. Arquitetura e Luz Natural: a
parte 4: verificação experimental das condições de influência da profundidade de ambientes em
iluminação interna de edificações: método de edificações residenciais. Brasília: UnB, 2011.
medição. Rio de Janeiro, 2005.
O’CONNOR, J. et al. Tips For Daylighting With RORIZ, M. RN_Natal.epw. São Carlos: Roriz
Windows: the integrated approach. Berkeley: Bioclimática, 2009.
Ernest Orlando Lawrence Berkeley National
RORIZ, M. Arquivos Climáticos de Municípios
Laboratory, 1997.
Brasileiros. São Carlos: ANTAC, 2012. Grupo de
PAULA, D. C. J. de et al. Fator de Visão de Céu e Trabalho sobre Conforto e Eficiência Energética
Sombreamento Arbóreo em Área Verde Urbana de de Edificações.
Clima Tropical. REVSBAU, Piracicaba, v. 11, p.
RUCK, N. et al. Daylitgh in Buildings: ECBCS
18-31, 2016.
Annex 29. Reino Unido, 2010.
REINHART, C. Daylight Availability and
SOUZA, L. C. L. de et al. Fator de Visão do Céu e
Manual Litghing Control in Office Biuldings:
Intensidade de Ilhas de Calor na Escala do
simulation studies and analysis of measurements.
Pedestre. Ambiente Construído, Porto Alegre, v.
Düsseldorf, 2001. Thesis (Doctor of Engineering)
10, n. 4, p. 155-167, out./dez. 2010.
– Faculty of Architecture, University of Karlsruhe,
Düsseldorf, 2001. SOUZA, R V. G. de. Desenvolvimento de
Modelos Matemáticos Empíricos Para a
REINHART, C. Daysim 3.1. Cambridge: Harvard
Descrição dos Fenômenos de Iluminação
University, 2010a.
Natural Externa e Interna. Florianópolis, 2004.
REINHART, C. F.; BOURGEOIS, D.; Tese (Doutorado em Engenharia Civil) – Programa
DUBROUS, F. Lightswitch: a model for manual de Pós-Graduação em Engenharia Civil,
control of lighting and blinds. In: CONFERENCE Universidade Federal de Santa Catarina,
CISBAT, Lausanne, 2003. Proceedings... Florianópolis, 2004.
Lausanne: NRC Publications Archive (NPArC),
2003. Agradecimentos
REINHART, C. F.; MARDALJEVIC, J.;
Os autores agradecem à Coordenação de
ROGERS, Z. Dynamic Daylight Performance
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Metrics For Sustainable Building Design. Leukos,
(CAPES) e ao Conselho Nacional de
Ottawa, V. 3, p. 7-31, 2006.
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
REINHART, C. Tutorial on the Use of Dayism pela concessão das bolsas de estudo de mestrado e
Simulations for Sustainable Design. Cambridge: doutorado.
Harvard University, 2010b.
Aldomar Pedrini
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro de Tecnologia | Universidade Federal do Rio Grande do Norte |
E-mail: apedirni@ufrnet.ufrn.br
This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License.