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Natal/RN
2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE
BANCA EXAMINADORA
1. INTRODUÇÃO…....................................................................................................... 16
6. REFERÊNCIAS…................................................................................................... 142
7. APÊNDICES….........................................................................................................146
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação, resultante de uma pesquisa de mestrado, teve sua
inquietação originária numa vivência pedagógica estudantil inusitada ocorrida numa
escola pública estadual da cidade de Natal, Rio Grande do Norte, em 2016. Nessa
experiência, estudantes de Pedagogia e de Ciências Biológicas realizaram uma
intervenção com alunos de uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental sobre o
tempo. Para substituir o relatório entregue aos professores da universidade sobre a
intervenção, os então graduandos produziram um documentário protagonizado pela
fala e reflexão das crianças sobre a temática trabalhada.
Eu fui uma das estudantes que participou dessa experiência e como
integrante do grupo de pesquisa Escola Sociológica e Olhar Contemporâneo (ECOS),
busquei analisar a atividade em meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com o
foco da socialização universitária.
Este processo me conduziu à elaboração de um projeto de pesquisa de
mestrado cujo foco estava voltado a compreender o papel da Universidade para a
socialização entre estudantes de Pedagogia e os de outras licenciaturas, para se
pensar, assim, a temática da socialização universitária no contexto da formação de
professores.
Todavia, ao longo da pesquisa, respostas nos questionários aplicados nas
turmas de Pedagogia, observações e vivências junto aos estudantes me conduziram
a uma mudança de perspectiva. Compreendi que uma visão mais abrangente sobre
o papel da Universidade estava imbricada na vivência desses estudantes, que cada
um iria experimentá-la de forma diferente e que o foco na socialização com
estudantes de outras licenciaturas poderia ser limitante. Diante disso, surgiu de
forma mais clara, a questão de fundo desta pesquisa:
Como a socialização com estudantes de outras áreas influencia a jornada
universitária dos estudantes de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN)?
Portanto, diante da questão de fundo e tendo como base princípios da
fenomenologia social a qual salienta que
[...] todas as explicações científicas sobre o mundo social podem, e
para determinados propósitos devem, referir-se ao significado
16
subjetivo das ações dos seres humanos a partir do qual tem origem a
realidade social (SCHUTZ, 2012, p. 297),
e que esses significados subjetivos são relativos a cada ator social, o objetivo desta
pesquisa é:
Compreender, através das falas dos estudantes de Pedagogia da UFRN
(curso presencial do campus Natal), como a socialização com estudantes de
outras áreas os influenciam nas suas próprias jornadas universitárias.
Junto a esse objetivo central, estão também os objetivos específicos, os quais
colaboram para o percurso da pesquisa e para chegar ao objetivo:
- identificar interesses e interações de pessoas de Pedagogia com estudantes
de outros curso;
- reconhecer a influência institucional da UFRN para a socialização dos
estudantes de Pedagogia com os de outros cursos;
- entender como os estudantes de Pedagogia percebem a sua relação com
pessoas de outros cursos na UFRN.
A fim de responder a esses objetivos, questionários, observações e
entrevistas foram feitos. Esses procedimentos metodológicos por sua vez,
inspiraram e conduziram a construção desta dissertação, em todos os seus capítulos.
Nesse sentido, o texto traz consigo algumas peculiaridades ao longo dos próximos
três capítulos. No início de cada subitem, são apresentados relatos impressionistas
sobre uma experiência de intercâmbio internacional que vivenciei na minha jornada
de mestrado. O intercâmbio aconteceu entre os meses de janeiro e fevereiro de
2019 na cidade de Nancy, na França, mais especificamente, na Université de
Lorraine, no Laboratório Interuniversitário de Ciências da Educação e da
Comunicação (LISEC). Durante esse período de intercâmbio fui co-orientada pelo
professor Saeed Paivandi, que desenvolve largos estudos sobre a socialização
universitária na França e em outros países.
Esses relatos são chamados de “impressionistas” porque “[...] a arte
impressionista foi conspiradora contra a ordem estabelecida, uma rebelião viva,
disfarçada na sutileza poética da expressão. Falava da natureza, da vida amena em
sociedade, da intimidade, de aspectos superficiais urbanos, da paisagem” (REIS,
1999, p. 22) e não mais da nobreza, não mais de forma a tentar reproduzir fielmente
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a realidade. Assim, esses relatos têm a intenção de partilhar as experiências e
reflexões facilitadas pelo intercâmbio e também imergir o leitor na essência da
reflexão que segue no subitem.
De forma geral, os próximos capítulos os quais antecedem as considerações
finais estão organizados, respectivamente, em uma discussão teórica que embasa a
construção científica da resposta à questão de fundo da pesquisa (capítulo 2); uma
exposição da construção metodológica da pesquisa e dos dados preliminares
(capítulo 3); e uma elaboração interpretativa das falas dos estudantes.
No capítulo 2, discute-se, basicamente quatro grandes ideias que facilitam a
compreensão da jornada humana e universitária em aspectos de sociabilidade, de
peculiaridade do ambiente acadêmico, do contexto contemporâneo das Instituições
de Ensino Superior (IES), e da complexidade do conhecimento.
Para a discussão da socialização como elemento fundamental da jornada de
vida social, estabeleceu-se um diálogo com autores como Alfred Schutz (2012),
Zygmunt Bauman e Tim May (2010), Berger e Luckmann (1997), Pierre Bourdieu
(1983), Richard Sennett (2012) e François Lyotard (1986). No concernente à
discussão sobre a identidade universitária como espaço de socialização, fez-se uso
dos importantes achados de Adir Ferreira (2014), Saeed Paivandi (2015), Alain
Coulon (1997), Entwistle (1986), Lizzio, Wilson e Simons (2002). Para discussão
sobre as exigências contemporâneas que pesam sobre as Universidades e sobre
como, especialmente as IESs brasileiras, buscam uma correspondência com essa
realidade, apoiou-se nas discussões de François Lyotard (1986) novamente, e,
principalmente de Cabral Neto e Alda Maria Castro (2018), Joseneide Santos e
Cabral Neto (2010), Maria Goretti Barbalho e Alda Maria Castro (2010), Adir Ferreira
(2019) e Saeed Paivandi (2019). Por fim, para discutir sobre a complexidade do
conhecimento e sobre a interdisciplinaridade como experiência social, tomou-se
como apoio Ivani Fazenda (2008) e Akiko Santos (2008). No quarto subitem do
capítulo ainda foi trazido um novo termo que diferencia-se de “interdisciplinaridade”,
trazendo uma noção mais fluida para essa ideia, o termo “interciência”; um
neologismo cuja intencionalidade está disposta a pensar as interações entre
estudantes de diferentes cursos para além das estruturas disciplinares, mas pensá-
las como experiência social de interação de saberes.
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O capítulo 3 também está disposto em quatro subitens, os quais corroboram
para discussão sobre um percurso metodológico criativo e seus dados. No primeiro
deles mostram-se os resultados do questionário, que foi o primeiro procedimento
metodológico desta pesquisa. O questionário foi aplicado com 10% dos estudantes
com matrícula ativa no curso de Pedagogia presencial, campus Natal, da UFRN, no
semestre de 2018.1. Os dados desse questionário revelaram dados interessantes
sobre a abertura e disponibilidade dos estudantes de Pedagogia para o curso e
também para outras áreas do conhecimento, bem como revelam uma significativa
quantidade de estudantes vindos de outras experiências, em outros cursos no
ensino superior (parciais ou integrais). No segundo subitem, debruça-se com mais
afinco no intercâmbio na Université de Lorraine, onde o percurso metodológico
assumiu um aspecto mais etnográfico. Observações em salas de aula, participação
em turmas de mestrado, entrevistas informais e visitas a alguns espaços diversos da
Universidade francesa foram alvo dessa segunda etapa metodológica. O terceiro
subitem diz respeito à construção de uma estratégia metodológica criativa para a
construção do próximo procedimento metodológico, as entrevistas. A partir da
experiência na França. Surgiu-me o desejo de utilização de imagens da UFRN ao
longo da elaboração da entrevista, assim essa estratégia consistiu na produção e
uso de fotografias de diferentes espaços da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) durante as entrevistas com os estudantes. Essa estratégia apoiou-se
na reflexão sobre a relação entre a arquitetura das universidades e socialização,
bem como sobre a função social da fotografia. Por fim, no quarto subitem, são
apresentados, de forma geral os 12 estudantes que se disponibilizaram a participar
das entrevistas e “emprestar” suas perspectivas sobre a Universidade para o
desenvolvimento desta pesquisa. Os 12 entrevistados dividiram-se em 2 subgrupos,
um Grupo Foco (GF) e outro Grupo Controle (GC); os integrantes do GF foram 8
estudantes os quais apresentaram maior interação com pessoas de outros cursos
em suas respostas no questionário, já os integrantes do GC foram 4 estudantes que
não apresentaram interação com pessoas de outros cursos em suas respostas no
questionário. Essa subdivisão foi feita para que a compreensão sobre a socialização
dos estudantes de Pedagogia com os de outros cursos pudesse ser feita de forma
mais ampla. A seleção dos 12 estudantes entrevistados, de forma geral, ainda
19
passou por critérios como de tempo de curso, gênero e experiência anterior em
outros cursos.
Antes de chegar às elaborações das considerações finais, no capítulo 4 são
tecidas as interpretações, baseadas nas falas dos estudantes, que encaminham as
noções de resposta para a questão de fundo deste estudo de mestrado e contribuem
para a compreensão da socialização estudantil como bagagem indispensável para
se explorar a Universidade. Na elaboração dessas interpretações usou-se uma
metáfora de viagem, de jornada universitária. Percebeu-se que nessa viagem
haveria cinco linhas de orientação, no sentido de guias de interpretação:
❏ Tempo, no qual inserem-se elementos como a idade, a disponibilidade
e também as socializações e adaptações contínuas que acontecem
nos diversos espaços do meio ambiente universitário;
❏ Direcionamento, que relaciona-se com “onde” se quer chegar com a
experiência universitária, mais como resultado acadêmico situacional e
pessoal do que no sentido espacial ou curricular. Este, por sua vez,
apesar de ser sempre flexível, em função da Universidade ser espaço
de construção criativa do futuro, mostrou a possibilidade de ser mais
focado numa área ou mais adaptativo aos conhecimentos e
curiosidades que surgem no caminho;
❏ Percurso, o qual pode ser feito por diversos espaços pelos estudantes,
tanto de maneira paroquial e centrada no seu curso, quanto de maneira
extensiva por outros “lugares de saber”;
❏ Companheiros, no qual inserem-se as socializações, sobretudo, com
outros estudantes, através de atividades de ensino, pesquisa, extensão
e convívio extra acadêmico, as quais podem acontecer de forma mais
paroquial, no próprio curso, ou de forma mais extensiva, com
estudantes de outros cursos;
❏ Espírito viajante, que numa integração das outras quatro linhas
interpretativas interpretativos anteriores, relaciona-se à postura
assumida pelo estudante perante a sua jornada universitária, e foi
construído em três grandes perfis: localista, turista e andarilho.
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Assim está disposto o texto desta dissertação de mestrado na qual a vivência
dos estudantes que, de alguma forma, passaram pelo processo investigativo deste
estudo, ajuda a compreender um pouco mais a Universidade e a perceber qual a
relevância da socialização estudantil para a vivência da jornada universitária.
21
2. JORNADA SOCIAL E UNIVERSITÁRIA: UMA EXPLORAÇÃO TEÓRICA
23
somos considerados livres para assumir a responsabilidade de
nossas ações
Para os autores, portanto, o processo que nos torna preparados para agir
com certa segurança nos grupos é o processo de socialização; e este ainda é um
processo de formação não apenas para atuação em conjunto, mas também um
processo de formação individual e de condução consciente dos impulsos pessoais
para a vida coletiva. A socialização está também na base da construção da minha
subjetividade, pois esta experiência de convívio com os outros e com a sociedade
genérica é a matéria vivida, como costumes e valores comuns, de onde provêm as
minhas interpretações próprias sobre o mundo e a minha existência dentro dele.
Não obstante, exatamente por ser um processo, a socialização não se
configura como um estado acabado ao qual se espera que os indivíduos de uma
sociedade possam eventualmente atingir, como uma condição estável e definitiva. “A
socialização nunca cessa em nossas vidas. [...] os sociólogos distinguem estágios
de socialização [...] que produzem formas de interação complexas e transformadoras
entre liberdade e independência” (BAUMAN; MAY, 2010, p. 34)
Nessa dinâmica, a socialização também pode ser entendida “[...] como a
ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma
sociedade ou de um setor dela” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 175). Sendo, pois,
esse um processo contínuo em diversos setores da sociedade, a qual reúne
subjetiva e objetivamente momentos e elementos propulsores e condicionadores da
socialização.
De acordo com o olhar de Berger e Luckmann (1997), as socializações
acontecem num determinado e específico contexto da estrutura social, a qual abarca
três importantes momentos para essa estrutura; são esses: exteriorização,
objetivação e interiorização.
No curso dialético da vivência social, esses momentos não seguem uma
linearidade temporal, mas entremeiam-se. Assim, a exteriorização está ligada às
intencionalidades vindas dos indivíduos nos atos sociais; a objetivação relaciona-se
com a concretude desses atos, experienciada pelos atores sociais; e a interiorização,
cuja compreensão é fundamental para uma maior apreensão da socialização,
constitui-se como a base primeira “[...] da compreensão de nossos
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semelhantes e, em segundo lugar, da apreensão do mundo como realidade social
dotada de sentido” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 174).
Nessa perspectiva, para os autores, a interiorização é um momento
fundamental da vivência social para que um indivíduo compreenda a realidade do
grupo, de seu próprio grupo, e possa, finalmente, virar membro dele. Afinal, apenas
quando se atinge um grau mais elevado e profundo de interiorização é que uma
pessoa pode ser considerada membro efetivo de um grupo, de uma sociedade
(BERGER; LUCKMANN, 1997).
Logo, torna-se evidente que não se nasce como um membro pronto para a
sociedade, se nascendo com um potencial para ser, mas é preciso tornar-se
(BERGER; LUCKMANN, 1997). Todavia, uma vez membro e tendo uma
interiorização da sociedade, da identidade e da realidade, a socialização não se faz
para sempre e nem por completo, “A socialização nunca é total nem está jamais
acabada” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p.184).
Ter atingido um certo grau de maturidade social dentro de um grupo, porém,
implica na maior liberdade de ação dentro dele, uma vez que já existe uma série de
experiências e aprendizados acumulados acerca da dinâmica que se vive nesse
espaço social. Contudo, apesar de existir essa maior liberdade para um membro de
um grupo, Bauman e May (2010) advertem que essa liberdade também é delimitada
pelo próprio grupo, o qual ensina e contorna desejos, comportamentos e ações uns
dos outros. Logo, a liberdade dos membros de uma sociedade tem um custo e está
atrelada às circunstâncias em que essa liberdade é vivenciada.
O que se vive, portanto, dentro da experiência social, é uma tensão entre
liberdade e dependência, que implica uma constante negociação entre seus
membros e impele também às constantes transformações desse espaço social
(BAUMAN; MAY, 2010). No sentido desse movimento constante de transpassar e
construir fronteiras para as liberdades individuais, Bauman e May (2010, p. 35)
alertam que a intensidade de transpassar ou construir essas fronteiras são variantes
para diferentes grupos sociais;
Podemos dizer que a proporção entre liberdade e dependência é um
indicador da posição relativa ocupada na sociedade por uma pessoa
ou por toda uma categoria de pessoas. O que chamamos de
privilégio parece ser, quando avaliado mais de perto, um grau mais
elevado de liberdade e mais baixo de dependência.
25
Por conseguinte, aqueles que possuem uma posição mais privilegiada
perante à sociedade, têm maior possibilidade de ir além das fronteiras delimitadas
pelo grupo, sendo o oposto para aqueles que estão numa posição de menor
privilégio. Nesse sentido, acrescendo às interpretações sobre essas fronteiras e
limitações sociais, Pierre Bourdieu (1983) considera que para interpretar a realidade
social, tanto há o aspecto subjetivista, em que a sociedade constrói-se a partir das
representações e vivências dos indivíduos, quanto há o aspecto objetivista de que os
indivíduos são plasmados por essa sociedade.
Então, dessa forma, nem totalmente frutos da sociedade, nem total
construtores desta, os indivíduos, em um movimento de interiorização da
exterioridade (das lógicas sociais) e de exteriorização da interioridade (de suas
individualidades e peculiaridades de vivenciar o mundo), constroem um escopo
individual e coletivo, o qual Bourdieu denomina de Habitus. E é a partir dessa
coexistência nas práticas sociais comuns que Bourdieu propõe a noção de Habitus,
como base da vida social cotidiana.
O Habitus, por sua vez, está construído e impregnado nas essências, nos
corpos e nas vivências dos indivíduos e grupos; ele “[...] traduz estilos de vida,
julgamentos políticos, morais, estéticos. Ele é também um meio de ação que permite
criar ou desenvolver estratégias individuais ou coletivas” (VASCONCELLOS, 2002,
p. 79); o Habitus é a história feito corpo. E cada corpo, cada ser é agente de sua
história, da história de seu grupo, ao mesmo tempo em que as suas ações estão
atadas às distintas heranças sociais (VASCONCELLOS, 2002).
O elo do ser humano com essas heranças, para Bourdieu, é muito intenso e
faz com que a reprodução social aconteça de forma sutil e avassaladora. Até mesmo
os gostos, as preferências e as escolhas, para o autor, são influenciadas pelas
pertenças (reais ou desejadas) aos grupos sociais (VASCONCELLOS, 2002).
Apesar de ainda destacar, em maior parte, o aspecto determinista da
sociedade, Bourdieu não desconsidera as possibilidades de trânsfugas; nem muito
menos considera que essa forte relação grupal e histórica do ser humano é, de todo,
limitante da pessoa. Afinal, para além de ter um aspecto determinante da própria
condição humana, as interações que os indivíduos estabelecem uns com os outros
26
podem atingir patamares de benefícios e satisfação pessoal os quais não
conseguiriam ser atingidos isoladamente.
Nessa perspectiva, Richard Sennett (2012) destaca a dimensão da
cooperação como um elemento importante na experiência grupal humana. Para ele,
“A cooperação lubrifica a maquinaria necessária para fazer as coisas e a
coparticipação pode compensar aquilo de que carecemos individualmente”
(SENNETT, 2012, p. 10)1. Assim, “Em poucas palavras, a cooperação pode definir-se
como um intercâmbio no qual os participantes obtêm benefícios do encontro”.
(SENNETT, 2012, p. 18)2.
Desse modo, mesmo diante das já fadadas co-dependências vividas na
coletividade, é possível encontrar nessa mesma experiência coletiva elementos que
acrescentem e ampliem a experiência de vida individual.
Sendo assim, quando os atores sociais interagem em um intercâmbio
dialógico os interlocutores tomam maior consciência de seus pontos de vista
próprios e aumentam sua compreensão mútua. Esse processo é capaz de, ao
mesmo tempo, produzir conhecimento e prazer nos que dele participam, sem exigir
uma adaptação de um ao outro (SENNETT, 2012).
Dessa forma, os seres humanos dialogam entre si, se enriquecem e interagem
sem, necessariamente, gerar uma adaptação e padronização para a unificação.
Essa possibilidade de intercâmbio dialógico, portanto, torna-se fundamental nas
sociedades mais complexas nas quais coabitam pessoas de diversas etnias,
religiões, sexualidades, organizações familiares, costumes evalores.
Para Sennett (2012, p. 16)3
Forçar a toda essa complexidade a encaixar-se em um único molde
cultural seria politicamente repressivo e uma falácia a respeito de
nós mesmos. O ‘eu’ é um complexo de sentimentos, afiliações e
comportamentos que raras as vezes se ajustam claramente entre si;
qualquer chamamento à unidade tribal minará esta complexidade
pessoal.
Portanto, padronizar os atores das sociedades é restringir a complexidade
das próprias sociedades em si, comprometendo, inclusive, a sua dinâmica
contemporânea, a qual está calcada na heterogeneidade dos seus elementos
1
Tradução nossa.
2
Tradução nossa.
3
Tradução nossa.
27
(LYOTARD, 1986). É na pluralidade, nos seus mais diversos âmbitos, que se
constitui boa parte do quadro social atual. Logo, compreender como esses diversos
dialogam (ou não) entre si, é compreender a dinâmica e a tônica do tempo presente
nos mais variados âmbitos e instituições.
De algum modo, este trabalho busca compreender um fragmento dessa
dinâmica dialógica entre indivíduos de diferentes “tribos” em um só espaço; uma vez
que se debruça sobre essas questões perante uma instituição complexa em sua
natureza, vanguardista e também conservadora, cujo papel e importância são
substanciais para a história, cultura e economia da sociedade atual: a Universidade.
E em termos gerais da socialização, voltar os olhos para a instituição
universitária, é voltar-se para um estágio característico de socialização; diferenciado,
por exemplo, do estágio da socialização primeira que acontece na infância de uma
pessoa.
Dentro dessa perspectiva, Berger e Luckmann (1997), indicam dois
significativos e delineados processos de socialização: socialização primária e
socialização secundária. A socialização primária caracteriza-se por ser “[...] a
primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual
tornar-se membro da sociedade” (BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 175). Já a
socialização secundária “[...] é qualquer processo subsequente que introduz um
indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade”
(BERGER; LUCKMANN, 1997, p. 175), impulsionando esse sujeito a interiorizar
“submundos” institucionais e adquirir conhecimentos e habilidades específicas
(BERGER; LUCKMANN, 1997).
Os autores explicam ainda que a socialização secundária é menos
firmemente arraigada nas estruturas psíquicas e mentais do que a primária. Isso, por
sua vez, possibilita uma maior flexibilidade nas relações e nas próprias estruturas
institucionais. Eles ressaltam também a existência da ressocialização, a qual difere
da socialização secundária por configurar-se como uma reconstrução da realidade
(BERGER;LUCKMANN, 1997). Ao ressocializa-se o indivíduo reinventa o mundo e a
si mesmo.
Portanto, ao trazer essas noções para a cenário no qual se desenvolve esta
pesquisa, torna-se notável que o ambiente universitário é um espaço onde pessoas,
28
no fim da sua adolescência ou já adultas, se veem na proeminência de uma nova
socialização. A Universidade, como instituição de estímulo à produção cultural e
científica, de formação de profissionais de diversas áreas, será um “submundo”
institucional no qual os novos integrantes terão de viver uma secundária socialização;
e terão também possibilidades de se reinventar, se ressocializar.
30
berço do que conhecemos hoje, foi a de Bolonha, fundada em 1088, seguida pela de
Paris (BORTOLANZA, 2017).
Nesse período inicial a relação das universidades com o poder da Igreja, o
qual se fundia com as outras formas de poder das sociedades européias da idade
média, era bastante intensa e o foco das atividades universitárias era o ensino.
Um só pilar, o do ensino, sustentou a Universidade do século XI até o século
XIX, quando surgiu a moderna pioneira Universidade de Humboldt, em Berlim, na
Alemanha. Esse novo modelo direcionava o foco universitário para uma formação
pela ciência e para a pesquisa (PAIVANDI, 2015).
Já a extensão universitária dá os seus primeiros sinais no fim do século XIX,
na Inglaterra, espalha-se um pouco pela Europa, mas só com uma experiência nos
Estados Unidos, junto ao governo de Theodore Roosevelt, no início do século XX, é
que a extensão universitária passa a ter mais prestígio e visibilidade (PAULA, 2013).
E assim, aos poucos, nasceram os 3 grandes pilares que compõem o que
conhecemos hoje como a nossa universidade. Portanto, diante desse percurso
histórico, nos parece evidente que alguns desses pilares tenham mais espaço e
prestígio do que outros, e que, também naturalmente, ocupem maior ou menor
espaço na vivência estudantil. Hierarquicamente, nas universidades brasileiras, de
forma geral, o ensino e a pesquisa têm maior prestígio social do que a extensão, por
exemplo.
Porém, o que é indubitável é que, para um estudante, a entrada num
ambiente tão histórico e complexo como é a universidade, se configura como uma
“aventura”, um desafio diante da sociedade e de si mesmo. Para o iniciante da vida
universitária, esta nova instituição é um novo mundo a se desbravar.
Esse é um novo espaço que
“[...] constitui um momento crucial na construção de um tipo de
aprendizado complexo, variado, pensado em função de uma
articulação de diferentes tipos de saberes e de suas mobilizações
posteriores nas situações reais”4 (PAIVANDI, 2015, p. 10)
4
Tradução nossa.
31
profissional a partir desses conhecimentos. Em acréscimo a isso, a entrada no
ambiente universitário ainda exige significativa autonomia para que esses diferentes
saberes sejam mobilizados, articulados e direcionados. Mas essa consciência se
inicia com um choque inicial, pois é preciso efetuar uma rápida mudança no status
de educando, do ambiente escolar do ensino médio, como estudante imaturo e
tutelado para a autodeterminação do estudante universitário autônomo. E disso
decorre um sentimento de incapacidade que precisa ser superado. “Passada a
euforia pelo ingresso no curso superior, os estudantes têm a impressão de que
foram ‘promovidos’ para um nível avançado de incompetência escolar” (FERREIRA,
2014, p. 117) e nessa nova jornada, o estudante descobre e constrói um novo
mundo e um novo si mesmo, uma nova identidade.
Nesse mesmo sentido, segundo Saeed Paivandi (2019), os estudos feitos por
diversos pesquisadores em diversos países apontam que a saída do ensino médio e
a entrada no ensino superior, especialmente nas universidades, é uma ruptura no
plano cognitivo e grande desafio enfrentado pelos estudantes.
Ainda com essa mesma perspectiva de carreira de estudante, Alain Coulon
(1997) identificou um claro processo de adaptação e afiliação do novo estudante no
meio universitário. Para ele, inicialmente, os novos estudantes passam por uma
série de rupturas simultâneas diante de seus antigos hábitos escolares; diante de
sua vida familiar; da sua organização do tempo, que agora implica e permite muito
mais autonomia; da sua relação com o espaço, o qual é infinitamente maior do que
as salas e corredores das escolas de ensino médio; das regras, que são mais
complexas do que nas escolas; e das relações com os saberes, os quais são mais
complexos em si mesmos e ainda estabelecem uma relação com uma atividade
profissional futura. Enfim, perante tudo isso, Coulon (1997) denomina essa fase
inicial como o tempo de estranhamento.
Num segundo momento, Coulon (1997), diante de seus estudos, indica que
acontece um período doloroso, feito de dúvidas e incertezas. Nele o estudante não
tem mais, tão fortemente, as memórias do seu passado escolar, mas também ainda
não vislumbrou o futuro mais claramente. É um estágio de aprendizado complexo e
indispensável para a sua passagem para a vida universitária mais ampla, e a esse
período o autor denomina como tempo de aprendizagem.
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Por fim, viria, para o autor, um tempo de maior segurança diante da vivência
institucional e da desistência, por exemplo, viria o momento da agregação, da
passagem definitiva para um novo status, reconhecido não apenas por uma
matrícula ativa, mas por pares, o status de: estudante. Viria, então, para Coulon
(1997, p. 2), “[...] a maneira pela qual qualquer pessoa adquire um novo status
social”: a afiliação; portanto, esse novo tempo é o chamado tempo de afiliação. E
este é o “ponto de chegada” desejado, pois segundo o autor, “[...] a entrada na
universidade de nada serve se ela não é acompanhada de um processo de afiliação”.
Diante desse processo afiliativo que os estudantes fazem, os autores
especialistas ainda nos evidenciam que existe todo um contexto universitário cheio
de nuances próprias que fazem esses processos serem ainda mais característicos
diante dos demais processos sociais.
Paivandi (2015) faz uma breve retrospectiva de como o contexto universitário
é esboçado na pesquisa internacional e levanta alguns pontos fundamentais desse
cenário. Um deles é que a percepção e a apreciação estudantil são elementos
importantes no engajamento intelectual significativo e também numa implicação
mobilizadora. Nesse sentido, Lizzio, Wilson e Simons (2002, p. 28) reforçam ainda
que “[...] é a percepção estudantil de seu meio ambiente de aprendizagem, diante de
suas motivações e expectativas, que determina como os fatores situacionais
influenciam as abordagens de aprendizagem e os resultados dessa aprendizagem”5.
Outro elemento levantado na breve revisão feita por Paivandi (2015) é o
dessa aprendizagem não ser, simplesmente, um processo cognitivo, nem o
estudante reduzido a um ser discreto e estático. Ferreira (2014) acrescenta ainda
que o processo de aprendizagem é indivisível em seus aspectos subjetivos,
individuais e os aspectos sociais e culturais. Portanto, a abordagem fomentada pelos
professores pode influenciar de forma direta como os estudantes aprendem
(PAIVANDI, 2015).
Por fim, Paivandi (2015) ressalta ainda que os autores os quais se debruçam
a pensar o ensino superior evidenciam uma contribuição intensa e positiva (não
apenas, simplesmente, única) para permanência, sucesso e adoção de uma
5
Tradução nossa.
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abordagem mais autônoma e cooperativa de aprendizagem, dos laços e das
relações dos estudantes com o meio ambiente de estudos e, especialmente com
seus pares.
Para além desses elementos do ambiente mais geral do ensino superior, para
nós também é importante destacar que dentro desse contexto, e diante desses
diversos elementos, os estudantes desenvolvem diferentes tipos de abordagens de
aprendizado. Para Entwistle (1986), por exemplo, existem três grandes diferentes
tipos: a superficial, a profunda e a estratégica. A abordagem superficial estaria ligada
ao foco na atividade e na memorização mecânica; a abordagem profunda seria
ligada a uma compreensão intencional com busca ao significado subjacente das
coisas estudadas; e a abordagem estratégia se configura como uma mescla entre
ambas, com diferentes ênfases em diferentes circunstâncias.
Esses aprendizados, por sua vez, acontecem todos num meio ambiente
pedagógico, o qual, segundo Paivandi (2015), divide-se em três níveis e possui
quatro grandes componentes. Para o autor, os três níveis que compõem o meio
ambiente pedagógico são: o meio global da universidade, com suas dimensões
históricas, disciplinares, sociais, culturais e simbólicas (1); a categoria do próprio
departamento ou curso, podendo ser em níveis de pós graduação, bacharelado ou
licenciatura, tecnólogo, técnico, etc (2); e o microcontexto das componentes
curriculares, em aspectos de diálogo, tensão, cooperação, respeito, direito de
cometer erros, descoberta de si, responsabilidade, autoconfiança, avaliação,
engajamento, que compõem o meio ambiente pedagógico local (3).
Ainda para Paivandi (2015), os quatro grande componentes desse ambiente
pedagógico são: o conteúdo, composto pelo programa, exercícios propostos, tipos
de saberes ofertados e o próprio conteúdo (1); a concepção de ensino, que se
expressa também na natureza e no tipo de avaliação, nas condições materiais e nas
técnicas e métodos pedagógicos (2); o contexto humano, que se faz visível nos tipos
de comunicação, nas interações entre os parceiros, entre os estudantes e as
relações fora do contexto das componentes curriculares e do próprio curso (3); e o
status, que está ligado ao tipo de curso e ao lugar que se ocupa dentro da
organização dos diferentes níveis desse contexto pedagógico (4).
34
Diante de tudo isso exposto, podemos perceber o quanto as universidades
constituem-se, de fato, um vasto universo para a pesquisa e reflexão. Apesar de
terem passado tanto tempo sem olhar para si mesma como objeto de estudo
(ALAVA; ROMAINVILLE, 2001), agora os pesquisadores conseguem, aos poucos,
desenvolver um amplo e articulado processo de investigação do que é a
universidade, as característica do seu ambiente e, especialmente, como se
estabelecem as relações que os seus principais atores (estudantes, professores,
gestores e demais funcionários) vivenciam dentro do contexto universitário.
Nessa lógica, o interesse aqui explorado de aprofundar os conhecimentos
acerca da relação dos estudantes de um curso com os de outras áreas, amplia ainda
mais a noção de como os universitários experimentam a realidade da educação
superior para além das provas, do currículo e das estruturas fixas.
As pesquisas nessa ótica vêm acontecendo porque, aos poucos, se é
entendida a função singular e catalisadora que a universidade exerce na vida das
pessoas que passam por ela, em especial, dos estudantes; e também porque o seu
papel diante da sociedade vem, a cada dia se difundindo e se transformando. Mas
sempre, a universidade, caracteriza-se como uma instituição de função
imprescindível perante o desvelamento do mundo, seja para compreendê-lo ou para
recriá-lo.
35
Às vezes é preciso se desacostumar um pouco com as práticas diárias e ter
um olhar mais afastado para perceber o impacto dessas questões na vivência
universitária.
Assim, trago o terceiro relato impressionista da minha experiência na UL -
Nancy, que me fez notar, distante de minhas práticas diárias, o quanto a
Universidade está posta para o mundo e como a expansão universitária brasileira
diferencia-se da francesa e adapta-se à realidade contemporânea nacional.
Quando entrei a primeira vez para a observação de uma aula de
graduação na UL, fiquei um pouco chocada com o ambiente. Era uma aula
sobre educação especial e a turma era composta por pessoas de diversos
cursos, distribuídas num auditório com mesas e cadeiras fixas no chão.
Eram 324 cadeiras, quase 200 alunos presentes e um alto palco com um
birô, cadeira e microfone para a professora. Ela, a adorável Anaelle,
chegou, montou seu computador com o slide da aula, testou o microfone e
começou a falar. A partir daquele instante, fiquei perplexa com o que veio
a acontecer: o silêncio tomou conta da sala e como que uma onda do mar
ou uma chuva repentina… a esmagadora maioria dos estudantes
começou a digitar o que a professora estava falando. O ambiente sonoro
daqueles teclados frenéticos foi, simplesmente, surpreendente! Bem como
muitas outras histórias de situações, para mim, “bizarras” que acontecem
na universidade francesa com o seu grande número de estudantes. Ouvi
relatos de que os cursos de psicologia na UL, por exemplo, começavam
com 1000 estudantes! As aulas eram dadas para os 500 primeiros alunos
e depois repetidas para os 500 restantes. Vi aulas em que, basicamente,
uma professora leu um artigo e os alunos ouviam e copiavam. Ouvi ainda
que dentro desse sistema de se copiar, praticamente, tudo do que é dito
na aula pelo professor, alguns alunos vendem uns aos outros cópias do
que foi dito nas aulas, em caso de faltas. Alguns, diante do clima de
competição, vendem até mesmo cópias com informações erradas para
que o colega se prejudique, obtenha nota menor e seja uma concorrência
a menos. Afinal, no curso de psicologia, por exemplo, apenas 25 vão
alcançar o mestrado na UL, dos 1000 que entraram. E isso é porque o
mestrado é, praticamente, uma formação “complementar obrigatória” para
esses profissionais. Além disso, professores e estudantes me disseram
que na área biomédica, nas turmas precedentes às de medicina, algumas
aulas eram dadas nos anfiteatros, mas os alunos nem viam o professor,
pois ele estava rodeado de luzes, microfones e câmeras, para que o que
ele falasse pudesse ser transmitido, ao vivo para outros anfiteatros lotados,
de estudantes completamente atentos. Nesses anfiteatros teriam inclusive
seguranças que tirariam de sala os estudantes que resolvessem
36
incomodar os demais. Confesso que fiquei chocada com os relatos e com
o que vi com meus próprios olhos. Uma forma totalmente diferente de
vivenciar as aulas, mesmo nas áreas de humanas. Bom, isso foi o que
precisava para entender o que o professor Saeed falou na nossa última
orientação individual: “o Brasil não conheceu a expansão universitária
como muitos outros países conheceram”. E sim… é verdade, para nós é
imaginável uma situação dessas em cursos de humanas. Se já achamos
um absurdo nas exatas… mas, enfim, diante de tudo isso, fiquei muito
pensativa sobre o que é, afinal, a Universidade… instrumento para
alimentar o mercado de trabalho? Entidade desconectada do mundo
capitalista? Uma tentativa de equilíbrio? Uma tentativa de ser mais?... Não
sei ao certo, eu só contemplei o belo som dos teclados todos juntos e
pensei como existem muitos universos dentro da ideia geral de
Universidade.
A formação de diplomados em massa, a espera de profissionais mais bem
qualificados no mundo do trabalho, as tecnologias avançando abruptamente, o
conhecimento sendo um “[...] um desafio maior, talvez o mais importante, na
competição mundial pelo poder” (LYOTARD, 1986, p. 5), a Universidade na tentativa
de se manter templo e propulsora de conhecimentos e o estudante, no meio disso
tudo, tentando inserir-se nesse contexto, um pouco perdido diante de tantas
variáveis e construindo, aos poucos, o seu próprio percurso, construindo um pouco o
percurso do mundo, é um trecho das faces da realidade complexa da vida
universitária.
Mesmo que tenha sido fundada no século XI, a Universidade e, mais
especificamente, a noção de ensino superior vem ganhando uma importância ímpar
não, simplesmente, na vida das pessoas que por ela passam, mas também na vida
das sociedades contemporâneas.
O ensino superior, diante da atual dinâmica mundial de globalização e de
organização dos países “desenvolvidos”, “em desenvolvimento” e
“subdesenvolvidos”, ganha um papel fundamental na empreitada desenvolvimentista.
A condição pós-moderna, a qual “Designa o estado da cultura após as
transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das
artes a partir do final do século XIX” (LYOTARD, 1986, p. xv), “[...] vem mostrando
que sem saber científico e técnico não se tem riqueza” (LYOTARD, 1986, p. xi).
37
Em Paris, em 1998, na Conferência Mundial de Ensino Superior, organizada
pela UNESCO, o papel dessa instância educacional para o desenvolvimento dos
países foi posto em evidência. Ao se pensar sobre a educação superior no século
XXI, documentos da UNESCO deixaram bem claro que sem instituições de pesquisa
e de ensino superior, as nações não conseguem, de fato, construir um
desenvolvimento genuíno (BARBALHO; CASTRO, 2010).
Essas reflexões e orientações, que não eclodiram somente na década de
1990, revelaram o fenômeno global de uma nova onda social, com grandes
consequências sobre a economia e a cultura dos países, ligada às mudanças
educacionais advindas do crescimento demográfico da população estudantil nas
instituições de ensino superior. Na França, por exemplo, em 1968 existiam 300 mil
estudantes matriculados no ensino superior, no ano 2000 esse número já era de 1,5
milhão e em 2017, 2,6 milhões de matrículas (PAIVANDI, 2019).
Na realidade brasileira, esse maior crescimento vem mesmo no século XXI,
afinal somente no fim do século XX que grande parte das crianças e jovens
brasileiros puderam ter acesso à escolarização (FERREIRA, 2019). Portanto, a
maior ampliação do acesso ao ensino superior no Brasil aconteceu nas duas últimas
décadas.
Contudo, ainda será um grande desafio equiparar o Brasil com outros países
cujas condições de educação superior são mais avançadas. Isso “[...] exigirá um
enorme esforço governamental e, especialmente, dos trabalhadores da educação
superior: professores, técnicos e gestores” (SAMPAIO; SANTOS, 2015, p. 204).
Esses precisarão olhar para as instituições de ensino também com atenção aos
aspectos pedagógicos, buscando compreender o perfil dos estudantes,
acompanhando o seu percurso universitário e avaliando seus resultados (SAMPAIO;
SANTOS, 2015) em amplos aspectos para que o crescimento nesse segmento da
educação brasileira seja bastante significativo não apenas quantitativamente, mas
também qualitativamente.
Não obstante, sem desconsiderar as necessidades e possibilidades do Brasil
nesse âmbito, de uma forma geral, no nosso país, entre 1996 e 2017, o número de
matrículas na educação superior saltou de 1,8 milhão para 8,3 milhões. Esse
crescimento, por sua vez, esteve muito ligado às instituições privadas de educação
38
superior. Praticamente 90% dos estabelecimentos de educação superior no Brasil
são particulares (CABRAL NETO; CASTRO, 2018) (FERREIRA, 2019).
Fazendo uma comparação, agora não de estudantes, mas de universidades e
faculdades, entre 1996 e 2017, houve um crescimento de de 922 para 2448
instituições de ensino superior. Dentre essas, as instituições particulares eram 711
em 1996 e passaram a ser 2152 em 2017; já as instituições públicas eram 211 em
2009 e 296 em 2017 (CABRAL NETO; CASTRO, 2018) (FERREIRA, 2019).
Ainda nesse contexto, é importante ressaltar o papel eminente da educação à
distância (EaD), especialmente, nas instituições privadas, as quais também detém a
grande maioria das matrículas nessa modalidade (FERREIRA, 2019). Sobre esse
contexto, Ferreira (2019) ainda aponta que o crescimento da EaD na iniciativa
privada corrobora para expansão de uma maneira neoliberal de lidar com a
educação superior.
Assim, o hibridismo entre o público e o privado, vai se concretizando através
de uma noção explícita que o Estado assume, de que não é capaz de arcar sozinho
com essa tarefa de democratizar o acesso ao ensino superior. Assim, aqui no Brasil,
criaram-se meios de financiamento através de programas de bolsas, bônus e
vantagens subsidiadas pelo governo (SANTOS; CABRAL NETO, 2010). Com isso,
constrói-se, segundo Santos e Cabral Neto (2010), uma lógica, sustentada nas bases
do neoliberalismo, de uma cidadania vinculada essencialmente ao consumo.
Dessa forma, há um “[...] crescente processo de mercadorização do ensino
superior, na medida em que ele tende a ser considerado como um serviço ao qual se
tem acesso pelas relações de mercado” (SANTOS; CABRAL NETO, 2010, p. 32).
Dentro dessa compreensão, os autores Santos e Cabral Neto (2010) ainda
acrescentam que ter acesso a esse bem, é pertencer, de alguma forma, a um
modelo-padrão de consumo e valores, de poder, status e necessidade social-
científica; o qual vai criando um ideário democrático da sociedade do consumo
através do acesso ao ensino superior.
E nesse contexto, muitos dos estudantes que vieram na onda da expansão de
matrículas, foram os primeiros da família a chegarem no ensino superior. Todavia,
essa democratização de acesso é também segregada, uma vez que “[...] a escolha
39
da área de estudos é largamente influenciada pela origem social e escolar dos
estudantes” (PAIVANDI, 2019, p. 7).
Sendo assim, a chamada democratização do ensino superior brasileiro
também teve de lidar com a condução dos “[...] estudantes das famílias de baixa
renda [...] para os diplomas de menor valor escolar e retorno econômico”
(FERREIRA, 2016, p. 163), como as licenciaturas, por exemplo. Nesse caso, essa é
uma realidade que está presente no grupo com o qual desenvolvemos nossa
pesquisa, os estudantes da licenciatura plena em Pedagogia. Pois esses estudantes,
na UFRN, segundo pesquisa de Ferreira (2016), em número significativo, têm suas
origens em famílias cuja renda atinge até, no máximo, 3 salários mínimos.
40
A heterogeneidade e pluralidade dos elementos também baseia a nova
sociedade, os discursos filosóficos atemporais e universalizantes dão espaço aos
“determinismos” mais localizados (LYOTARD, 1986) e isso, por sua vez, abre
possibilidade para uma maior quantidade de localidades, maior quantidade de
elementos e pontos de referência na elaboração de saberes.
41
falta dessa oportunidade a responsável por ela perder seu caminho
profissional na vida. Forte… Mas isso tudo foi extremamente rico para que
eu pudesse refletir sobre o quanto as pessoas são complexas em seus
gostos, interesses e habilidades. Ah, o ser humano é muito plural! E as
instituições de educação, como lidam com isso? E a Universidade, o quão
universal ela é?... Bom, devaneios filosóficos necessários. Ainda bem que
fiquei para a aula!
42
especializações produzidas pela própria ciência, essa noção interdisciplinar do
conhecimento ficou um pouco encoberta e só voltou a emergir na segunda metade
do século XX, diante do contexto global (CARNEIRO, 1994) cibernético e
informacional, em que as linguagens e comunicações saltam às vidas das pessoas,
que não estando isoladas, envolvem-se numa “[...] textura de relações mais
complexa e mais móvel do que nunca” (LYOTARD, 1986, p. 28).
Essa busca interdisciplinar do saber, por sua vez, reflete a própria
necessidade humana de compreender as coisas no mundo e seu próprio sentido, a
fim de decidir e mesmo atuar a partir das condições, visando, inclusive, a
transformação. A grandiosidade interativa dos fenômenos da realidade, afinal,
ultrapassam as barreiras do conhecimento setorizado (CARNEIRO, 1994).
Em consonância com esse pensamento, nasce a corrente filosófica e
científica da Complexidade, encabeçada, fortemente, por Edgar Morin, o qual propõe,
inclusive, uma reforma do pensamento na educação. Essa reforma compreende,
inicialmente, essa questão basal da necessidade humana transbordar a barreira das
“disciplinas do conhecimento” e projeta, a partir disso, uma “[...] nova forma de
pensar, na qual a comunicação, a subjetividade e a reflexividade possam ser as
marcas distintivas” (SILVA, 2015, p. 380).
Por esse ângulo, importa perceber a crítica do autor diante da empreitada
desenvolvimentista dos países na era da globalização, uma vez que este
compreende que a racionalidade instrumental adotada nesta era não consegue
suprir as necessidades humanas mais essenciais acerca do conhecimento, nem,
simplesmente, as necessidades atuais da sociedade contemporânea (SILVA, 2015,
p. 380).
Morin, portanto, a partir da inserção de elementos interpretativos como a
comunicação, a subjetividade, a reflexividade e também a indispensável pluralidade
humana para pensar a compreensão e construção do mundo, nos clareia uma
importante perspectiva sobre o saber e sua elaboração, a perspectiva da
complexidade do mundo.
Nessa perspectiva, surge também a noção de transdisciplinaridade, que
acrescenta às noções mais práticas e curriculares de interdisciplinaridade a ideia de
[...] transgredir à lógica da não contradição, articulando os contrários: sujeito e
43
objeto, subjetividade e objetividade [...] unidade e diversidade” (SANTOS, 2008, p.
75).
Assim, a transdisciplinaridade reconhece a existência de diferentes níveis de
realidades, com diferentes lógicas e que não se anulam ou se sobrepõem
impositivamente, mas sim compreendem que há possibilidade de abertura entre
essas diversas realidade, entre as diversas disciplinas, em função de algo que as
une e as ultrapassa (Freitas; Morin; Nicolescu, 1994).
E unindo elementos dessas noções mais curriculares ou filosóficas de
interdisciplinaridade, complexidade e transdisciplinaridade, queremos construir um
escopo teórico que sustente as nossas interpretações de um entendimento mais
sociológico sobre como como o estudante percebe essa mescla de saberes e visões
de mundo.
Com outras palavras, para além do que está sugerido em currículos ou que
esteja explícito em filosofias pedagógicas conscientes, buscamos entender, a partir
desse “trampolim teórico”, a “interdisciplinaridade” como uma experiência social
autônoma diante das prerrogativas curriculares.
Pensamos, portanto, na possibilidade de se entendermos essas questões a
partir de um noção de “interciencialidade”. Em que “ciência” pudesse ser sinônimo
de “conhecimento de” e de “habilidade para” e que o prefixo “inter” possa indicar a
reciprocidade, relação mútua e também os espaços criativos entre os conhecimentos
e habilidades. Nesses espaços de interciência nasce o novo, o inventivo, o criativo.
E por causa desses espaços é que um conhecimento se engrandece com o outro e
que uma habilidade se aperfeiçoa e pluraliza junto com outra.
E é nesse sentido do que acontece, de forma sistemática ou não, na vivência
fluida dos indivíduos, corroborando para o encontro de ciências através do encontro
de pessoas, que a experiência “[...] se acende, e logo em seguida desvanece [...]
Enquanto [...] novas experiências surgem a partir daquilo que era antigo, e então dá
lugar a algo ainda mais novo” (SCHUTZ, 2012, p. 74).
Assim, as experiências que propomos chamar de “interciênciais”, são
construídas, vivenciadas e reconstruídas como uma elaboração dinâmica, fluida,
dialógica e autônoma dos estudantes diante do fértil meio universitário de apreensão
e produção de saber.
44
Diante de todas as ideias balizadoras para a discussão sobre como os
estudantes de Pedagogia da UFRN percebem a influência da socialização com
pessoas de outras áreas em seus percursos universitários, percebemos elementos
imprescindíveis na jornada de exploração dessa temática. Destacamos aspectos
para perceber que esses estudantes são, antes de tudo, seres humanos construídos
por suas interações com os outros e que a socialização, sempre constante, seja
primária, secundária ou ressocialização são fundamentais para jornada de vida
particular e social. Notamos ainda que um espaço onde a socialização se
reconfigura e se refaz, em diferentes etapas de aprofundamento (do estranhamento,
passando pela aprendizagem até a afiliação) é a Universidade; a qual também
possui peculiaridades que delineiam essas socializações dentro do seu meio
ambiente. Esse espaço característico das universidades, por sua vez, também
precisa ser atento ao mundo exterior e atender às demandas do mundo globalizado
e capitalista; assim, o ensino superior brasileiro buscou respostas para as exigências
globais diante das possibilidades históricas e sociais do país através de um
crescimento significativo das instituições de educação superior privadas. Não
obstante, num movimento de conservadorismo e vanguarda, não apenas às
condições econômicas do capital serve a Universidade, mas também para ser
espaço dialógico e criativo entre diferentes conhecimentos e habilidades, ser refúgio
de experiências “intercienciais”.
45
3. UM PERCURSO METODOLÓGICO CRIATIVO E SEUS DADOS
46
seguinte pergunta: como, de acordo com o relato dos estudantes de Pedagogia, a
socialização com pessoas de outras áreas influencia a trajetória universitária?
Para alcançarmos respostas e atingirmos caminhos possíveis para a
compreensão, uma nova trajetória acadêmica teve de ser percorrida, a desta
pesquisa. Diante da natureza do questionamento e do próprio campo onde se deu a
investigação, adotamos uma abordagem qualitativa de pesquisa, uma vez que os
aspectos quantitativos podem nos ajudar e indicar caminhos, mas não são capazes
de responder às demais nuances (nem à essência) da nossa questão de fundo.
Perante isso, é preciso compreender, portanto, que a pesquisa qualitativa exige um
significativo grau de criatividade, afinal nela há uma dimensão improvisada,
intransferível e em grande parte autoconstruída. Com isso, constitui-se na prática
científica da pesquisa qualitativa, uma ação permanente de bricolagem.
(KAUFMANN, 2013).
Não obstante a bricolagem metodológica se basear na criatividade possível e
desejável, “[...] a ‘imaginação sociológica’ deve obedecer a regras precisas”
(KAUFMANN, 2013, p. 29). Nessa perspectiva, encontramos terreno propício para
“florescer” nossa pesquisa nas bases filosóficas e metodológicas da fenomenologia,
uma vez que esta volta-se para a ênfase no sujeito, nas suas percepções, nas suas
apresentações da realidade perante sua própria consciência e nas suas próprias
experiências com a realidade da vida (MENDES, RODRIGUES, AZEREDO, 2019).
Dentro dessa mesma lógica filosófica para a prática científica, também
consideramos elementos da etnometodologia e da entrevista compreensiva para a
construção do nosso percurso metodológico, já que a etnometodologia investiga e
descreve como o pensamento e o conhecimento são formalizados e transformados
num sistema social (SACRINI, 2009) e que a entrevista compreensiva está por uma
sociologia dos processos que se mantenha ligada à invenção teórica, que nasce no
contato com o próprio campo e que busca o entendimento compreensivo do social
através da compreensão das pessoas (KAUFMANN, 2013). Assim, a entrevista
compreensiva inverte a lógica da construção do objeto, fazendo do campo de
pesquisa não uma instância de verificação de ideias, mas de problematização e
elaboração de um objeto científico e social. Essa concepção teórica colabora,
portanto, para uma mais clara compreensão das práticas cotidianas sociais a partir
47
da aproximação das perspectivas dos próprios atores sociais do contexto
investigado (KAUFMANN, 2013).
Sendo assim, para chegar até a fala dos estudantes de Pedagogia que nos
ajudariam a responder de forma mais evidente a nossa pergunta de partida, era
preciso primeiro compreender o campo em que estávamos investigando. O recorte
espacial e temporal que fizemos foi o de investigação junto aos alunos com
matrícula ativa no curso de Licenciatura Plena em Pedagogia na modalidade
presencial da UFRN - campus Natal, no período do primeiro semestre de 2018, sem
restrição quanto ao turno, vespertino ou noturno.
Esses estudantes tinham a maioria de suas aulas no bloco de aulas do centro
de educação, prédio que fica ao lado do Centro de Educação da UFRN. Esse bloco
de aulas é focalmente dedicado aos alunos de Pedagogia e recebe estudantes de
outras áreas, na maioria das vezes, quando esses vão lá para cursar alguma
disciplina que está para além da carga horária obrigatória de seus cursos.
No primeiro semestre de 2018, eram 731 os estudantes de Pedagogia com
matrícula ativa, que viviam suas experiências acadêmicas nesses prédios, o curso
de graduação e a Universidade. Como selecionar, então, e encontrar os atores
sociais que nos ajudariam a compreender como a socialização com estudantes de
outros cursos e com os conhecimentos de suas respectivas áreas, influencia a
trajetória universitária do estudante de Pedagogia?
Produzimos um questionário de levantamento de dados6 cujo objetivo
primordial era nos permitir identificar as pessoas com experiências acadêmicas com
estudantes de outros cursos, tenham essas experiências sido no ensino, na
pesquisa ou na extensão. Baseamo-nos nos questionários utilizados na pesquisa
publicada por Ferreira (2016) sobre a relação entre capital cultural e a formação no
ensino superior a partir das respostas dos universitários. Não utilizamos as mesmas
questões nem a mesma amplitude, mas nos fundamentamos a partir das temáticas
encontradas no questionário do pesquisador para fazermos um instrumento curto,
direto e que facilitasse a identificação das pessoas para uma entrevista posterior.
Afinal, seriam as entrevistas, ancoradas também em observações, que nos
6
Modelo do questionário no apêndice (p. 145)
48
forneceriam as mais importantes informações. O questionário tinha o intuito de ser
uma bússola para as próximas direções.
Visto que esse instrumento tinha o intuito de ser um levantamento
representativo da população de estudantes, mesmo sem ter o sentido estatístico de
uma amostra com propósito inferencial, o aplicamos com um pouco mais de 10%
dos estudantes do curso de Pedagogia presencial, em um total de 80 questionários.
Aplicamos, inicialmente, o questionário de forma presencial, mas em via
digital, por economia de recursos, mas percebemos que seria inviável diante do
tempo exigido. Usamos, portanto, a via tradicional de papel, e conseguimos realizar
a aplicação de forma muito mais eficaz. A tabulação foi feita de forma simples, na
ferramenta do Google Forms, disponível para os usuários do gmail.
Os dados mostraram que a aplicação seguiu a seguinte distribuição em
relação aos períodos de ingresso dos estudantes de pedagogia, conforme o gráfico
a seguir.
GRÁFICO 01
INGRESSO DOS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA / UFRN.
POR ANO E PERÍODO. 2014-2018
49
novatos, que ainda estão passando pelo processo de transição entre o ensino médio
e o superior, de adaptação e sobrevivência na universidade (PAIVANDI, 2019). E
mesmo que possam ter estudantes já advindos de outra experiência em curso
superior, acreditamos que existe ainda um processo de adaptação ao próprio curso.
Dessa mesma população de estudantes, 68% disseram trabalhar ou fazer
estágio remunerado; dentro dos 32% restantes estão também possíveis bolsistas da
universidade. Mesmo que trabalhem ou estagiem na área da Pedagogia, esses 68%
têm, teoricamente, uma menor possibilidade temporal de contato com o ambiente
universitário em detrimento dos outros 32%, os quais mesmo bolsistas (e
especialmente esses), têm mais possibilidade de tempo de contato com o meio
ambiente universitário e, assim, mais possibilidades de experiências diversificadas
nesse espaço.
Quando perguntados se o curso de Pedagogia havia sido a primeira opção
deles no vestibular ou no Sisu, os estudantes surpreenderam a antiga percepção
que rondava o senso comum dentro do curso:
GRÁFICO 02
ESCOLHA DO CURSO DE PEDAGOGIA COMO PRIMEIRA OPÇÃO
50
receptividade para o aprendizado dos conteúdos do curso favorece, ao menos
inicialmente, um maior engajamento dos estudantes e, naturalmente, maior
qualidade no aprendizado e na formação desses.
Não obstante a maioria ter escolhido o curso de Pedagogia como primeira
opção, o desejo por outros cursos foi patente, indicando que apesar de haver
interesse na formação oferecida pelo curso, há também interesse em outras áreas.
GRÁFICO 03
ESTUDANTES QUE JÁ PENSARAM EM FAZER OUTRO CURSO
51
GRÁFICO 04
ÁREAS DE INTERESSES DOS ESTUDANTES DE PEDAGOGIA
52
GRÁFICO 05
ESTUDANTES DE PEDAGOGIA COM EXPERIÊNCIAS EM OUTRAS
GRADUAÇÕES
53
GRÁFICO 06
CONTATO COM ESTUDANTES DE OUTROS CURSOS
Quase 80% dos estudantes afirmaram manter algum contato com pessoas de
outras licenciaturas, mas quando perguntamos quais licenciaturas obtivemos
algumas respostas como “Administração, Serviço Social, Engenharias, Direito,
Medicina, Psicologia, Ecologia, Design”, e etc. Portanto, esse dado evidencia a
relação dos estudantes com outros cursos e não apenas com outras licenciaturas.
Esse dado pode apontar que alguns estudantes não sabem a diferença entre
licenciatura e bacharelado, pode também apontar que a questão foi respondida com
pressa e pode suscitar outras pesquisas sobre essas questões. Porém, o que esse
dado nos indicou é que era possível e, quem sabe, importante sair do nosso objetivo
inicial de investigar a socialização dos estudantes de Pedagogia com estudantes de
outras licenciaturas, e partir para uma ampliação de perspectiva, para a investigação
da socialização dos estudantes de Pedagogia com estudantes de outras áreas.
Perante essa informação dada pela ida ao campo, levando em consideração
a nossa intuição, que é também operatória no processo da pesquisa (KAUFMANN,
2013), e, especialmente, “O encontro no campo [que] instiga à reflexão sobre si no
pesquisado, provoca um esboço reflexivo e auto-explicativo e, assim, pode nos
revelar a teoria nativa” (KAUFMANN, 2013, p. 8), decidimos mudar para o nosso
objetivo atual. A partir do que o campo nos indicou, reorganizamos o nosso
direcionamento de pesquisa.
54
Mas, ainda sobre os dados demonstrados pelo questionário sobre a
socialização dos estudantes de Pedagogia com outros estudantes, os futuros
pedagogos apontaram significativa participação da Universidade na construção
dessas relações.
GRÁFICO 07
ESPAÇOS DE CRIAÇÃO COM ESTUDANTES DE OUTROS CURSOS
55
GRÁFICO 08
EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS COM PESSOAS DE OUTROS CURSOS
Para essa pergunta também foi permitido marcar mais de uma alternativa e
73,5% dos alunos que responderam positivamente essa questão (25 estudantes),
afirmaram já ter feito algum trabalho acadêmico ou participado de alguma reunião de
estudo com estudantes de outros cursos; e ainda 50% deles (17 estudantes)
afirmaram já ter vivenciado algum projeto de pesquisa ou extensão com pessoas de
outros cursos.
Diante de todos esses dados, se fôssemos pensar nas características gerais
desse grupo de estudantes pesquisados, poderíamos dizer que os 10% dos
estudantes do curso de Pedagogia que responderam o questionário têm as
seguintes características:
- experiência de 5 semestres no curso;
- trabalha ou faz estágio remunerado;
- colocou Pedagogia como primeira opção no SiSu;
- pensou em fazer outro curso para além de Pedagogia;
- tem maior interesse nas áreas de letras, história, artes visuais e música, e
menor interesse por física, matemática e química;
- pode ter feito outro curso de ensino superior ou não;
- mantém contato com pessoas de outros cursos, que conheceu através do
círculo de amigos ou na Universidade, mas talvez não tenha convivido com
56
estudantes de outros cursos nas situações de trabalho acadêmico, reunião de
estudo, atividades de pesquisa e extensão;
- Aqueles que conviveram nas situações anteriores, a maioria foi em trabalhos
acadêmicos ou reuniões de estudo.
A experiência de elaboração, aplicação, tabulação e análise dos questionários
funcionou como uma bússola de indicação de uma nova forma de olhar para o
problema posto inicialmente; de direcionamento dos novos passos; e de ampliação
da necessidade de conhecermos mais sobre a Universidade e as socializações
estudantis norteadas pela universidade, mas também autônomas, que influenciam,
de alguma forma, o percurso universitário dos graduandos.
57
deixava ver o mundo. Poética e fisicamente, o espaço da biblioteca me
acolheu e lá eu costumava sentar nas cadeiras que me deixassem ver as
paredes de vidro do espaço. Delas eu podia ver todo o movimento por fora.
Às vezes via alguém conhecido, sempre acompanhava as pequenas
mudanças das roupas nos dias de inverno e às vezes me questionava
como algumas pessoas conseguiam usar algumas roupas tão leves no frio.
Via as fumaças de cigarro, os momentos mais movimentados do campus,
o céu azul ou bem nublado, o vazio ou os vários estudantes. Por dentro,
também via em outras mesas alguns grupos estudando, gente comendo e
aproveitando o quentinho. Ali, aquecida por tantos livros ao redor, bem
acomodada diante do novo mundo universitário que passava na minha
frente, chorei escrevendo cartas de despedida, dei uma entrevista sobre
violência (com direito à indicação de livros) pra uma jovem estudante de
psicologia, mas o mais incrível… foi que ali, naquela biblioteca (em cuja
porta os fumantes me faziam o desagradável favor de ficar), ali o teclado
do meu computador teve a agradável experiência de ser freneticamente
usado para registrar minhas observações das aulas, meus devaneios
sobre o que as paredes de vidro da vida me permitiam ver… pensei sobre
a minha própria vida, minha trajetória (já não tão insignificante), sobre
universos e tudo mais. A biblioteca me acolheu para que eu pudesse ler o
mundo e escrever os versos que a vida escrevia em mim.
58
por sua vez, poderia e precisaria ser para além dos livros. Com o rigor da ciência e
com as possibilidades que apenas a vivência pode dar.
Nesse sentido, encaminhamos um breve intercâmbio acadêmico para a
cidade de Nancy, ao nordeste da França. Essa vivência foi pautada na troca de
conhecimentos teóricos e metodológicos acerca da pesquisa em socialização
universitária, visando ampliar os estudos sobre o ensino-aprendizagem no ensino
superior: perspectiva comparativa França - Brasil.
Durante um período de dois meses, janeiro e fevereiro de 2019, fui
coorientada pelo professor Saeed Paivandi, pesquisador com vasta produção
nacional (francesa) e internacional acerca da sociologia do ensino superior e das
relações de ensino-aprendizagem na universidade e socialização universitária. As
atividades foram guiadas por um plano de trabalho7 formulado, inicialmente, no
Brasil, mas reorganizado pelas vivências possíveis na França.
Durante o intercâmbio, efetivamente, participei de orientações com o
professor Saeed; frequentei aulas e seminários nas turmas de M1 e M2, isto é, nas
turmas do primeiro e segundo ano de mestrado. Essas turmas, por sua vez, têm
características diferentes do que conhecemos como mestrado acadêmico no Brasil.
No primeiro ano, ou M1, os estudantes devem escolher uma temática e produzir um
texto cuja exigência assemelha-se aos trabalhos de conclusão de curso (TCC), aqui
no Brasil. Já no segundo ano, ou M2, o trabalho implica um pouco mais de
investigação do estudante e, apesar de não haver nenhuma exigência que implique
na continuidade do trabalho já realizado no M1, a exigência assemelha-se àquela
feita às dissertações de mestrado no Brasil, com a diferença temporal para produção
do texto final (1 ano na experiência da UL, França, e 2 anos na experiência da UFRN,
Brasil).
Além disso, também participei de aulas de conversação em francês (com
alunos estrangeiros), em inglês e em espanhol (com alunos franceses); realizei
visitas a espaços de vivência estudantil extracurricular e fiz entrevistas informais com
os professores coordenadores dos centros; assisti aulas na graduação; realizei
entrevistas informais com estudantes da graduação, presencialmente e por e-mail;
fiz breves visitas a outras universidades; e participei de encontros com os estudantes
7
Plano de trabalho no apêndice, (p. 148)
59
de mestrado e doutorado do professor Paivandi, apresentando a minha própria
pesquisa, recebendo sugestões e explicações e também fazendo colaborações nas
pesquisas dos demais estudantes do grupo; além de ter feito a leitura e fichamento
de diversos textos indicados pelo professor.
Avalio que as semanas cheias ao longo dos dois meses foram de importância
singular e especial para o meu crescimento pessoal, acadêmico e profissional.
Dentro da trajetória da pesquisa, entendemos essa experiência de
intercâmbio com novos mundos, novos olhares, como a possibilidade de um
significativo salto qualitativo no desenvolvimento do trabalho. O papel de estudante
foi completamente dividido com papel de pesquisadora ao longo dos meses. A
vivência também foi uma experiência etnográfica e, por que não, timidamente,
etnometodológica.
Afinal, a “O objetivo da etnometodologia é a busca empírica dos métodos que
os indivíduos utilizam para dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas ações
cotidianas” (COULON, 1995). E desse modo, procurávamos com o estímulo ao
espírito investigativo ao longo das vivências, compreender as particularidades e,
especialmente, as generalidades dos modos operativos dos estudantes no meio
ambiente universitário.
Assim, apesar da experiência não ter sido longa, e portanto, não poder ser
caracterizada como uma substancial observação participante (VALLADARES, 2007),
foi regada por relevantes elementos etnográficos. O primeiro passo, de “Tomar uma
distância daquilo que constitui seu ‘eu’” (AGIER, 2015, p.19) foi fortemente
proporcionado pela vivência universitária fora da minha própria universidade e do
meu país. O olhar de estranhamento foi aguçado e explorado por mim em meus dias
na UL.
Além disso, a postura etnográfica adotada desde o início da viagem, de além
de comparar e enxergar as dissonâncias, “[...] aproximar, fazer dialogar, mostrar o
que existe de comum nesse mundo de diferenças” (AGIER, 2015, p. 10) foi de
extrema importância para que esse intercâmbio nos pudesse ser coerentes dentro
de nosso trabalho.
As interações com os estudantes, as entrevistas não formais e o pouco
esforço para obter informações que, aos poucos, surgiam nas conversas foram
60
também evidências do uso de elementos fundamentais da observação participante
(VALLADARES, 2007). Mas, acima de tudo, as fotos, as mensagens e momentos de
despedida de despedida e as amizades que permaneceram, foram elos tão
importantes quanto os aprendizados e demonstram que o caráter investigativo da
viagem foi bem aproveitado, afinal, “‘Fazer pesquisa de campo’ é estabelecer
relações pessoais com quem não conhecemos anteriormente, [...] [pois] [...] não há
saber sem relações” (AGIER, 2015, p. 34).
Desse modo, para além das peculiaridades de cada aula, de cada experiência
específica, o intercâmbio, de forma geral, nos ajudou a clarificar e aprofundar
princípios muito importantes sobre a realidade da experiência universitária.
Possibilitando-nos uma segunda leitura da realidade, de problematização do saber
construído na pesquisa, empírica e teoricamente (KAUFMANN, 2013).
Em primeiro lugar, as nossas experiências corroboraram a compreensão da
questão de entrada e de adaptação à nova cultura universitária. Como estudante já
tão adaptada com a cultura universitária, me senti estrangeira não apenas em um
outro país, mas também em outra universidade. Não que a UL tenha mecanismos
completamente diferentes dos já experimentados na UFRN, mas os saberes
institucionais gerais não eram o suficiente. Os estudantes que ali “habitavam”, eram
muito diversos, eram gregários de um modo de operação, ao fundo, distinto.
Acerca disso, Coulon (2008, p. 43) aponta que os estudantes precisam tornar-
se nativos e também membros dessa nova cultura universitária, por uma questão de
sobrevivência acadêmica. Mas ressalva que
“Tornar-se membro, não é apenas tornar-se nativo da organização
universitária, é também ser capaz de mostrar aos outros que agora
possuímos as competências, que possuímos os etnométodos de uma
cultura”.
Para que isso ocorra, o autor ainda aponta que o tempo é um fator primordial e
elenca três grandes períodos, o tempo de estranhamento, tempo de aprendizagem e
tempo de afiliação (COULON, 1997).
Pudemos verificar isso, ou parte disso, na prática e ainda pudemos perceber
que a segurança estudantil para uma ação autônoma dentro do ambiente
universitário é proveniente, em boa parte, dessa afiliação ao grupo e ao seu modo
61
de operar. Além de que notamos ainda a importância das experiências (objetivas e
subjetivas) anteriores como propulsoras para as posturas adotadas diante do novo.
Em segundo lugar, clarificamos noções sobre a influência do ambiente
universitário na trajetória estudantil, tenha sido pela organização universitária, pela
ação dos professores ou dos colegas. Diante dos relatos de ambientes hostis em
alguns cursos e áreas, foi notável as relações de concorrência e rivalidade criadas,
bem como a construção de diferentes trajetórias a partir das relações com demais
estudantes e professores. Algumas mudanças de percurso que geram satisfação e
outras que frustram.
Sobre isso, Paivandi (2014, p. 42) afirma que
O meio de aprendizagem contribui para dar ao estudante a vontade
de aprender e o sentimento de aprender com pertinência, ou,
inversamente, esse meio pode tornar-se um obstáculo para a
aprendizagem.
8 Tradução nossa.
62
sejam uma realidade que se faz como metáfora para a compreensão também da
realidade brasileira local, em sua pluralidade e diversidade específica.
Acerca desse espaço universitário diverso, Paivandi (2015, p. 25) aponta que
ele é “[...] um lugar de confrontação de ideias e de debates contraditórios, e o
pensamento crítico e sua prática constituem um aprendizado crucial para poder
penetrar a ordem discursiva disciplinar”9. Nessa perspectiva, a vivência universitária
dá espaço ao novo, sendo também um importante papel na formação cultural dos
indivíduos, até mesmo com significativa independência dos capitais culturais
anteriores da família, de escolaridade e da origem de classe (FERREIRA, 2016).
Assim, pudemos compreender, portanto, que a interação com o diferente de
nós, constrói um saber que, por sua vez, é também identidade. O outro, com quem
mantemos alguma interação, é também em nós pelo simples fato de sermos
humanos. E até mesmo as experiências que temos e sobre as quais não elaboramos
uma consciência de seu papel em nossas vidas, depois expressam-se na intuição,
na interação, na criatividade. Por consequência, a elaboração do saber e da
identidade no ambiente universitário, podem ser percebidos e construídos através
das escolhas, do direcionamento de carreira, da aproximação a um saber e também
da construção de uma rede de amizades ao longo do percurso universitário
individual.
Isso, portanto, me faz perceber que os estudantes do curso presencial de
Pedagogia do campus central da UFRN também têm suas identidades (pessoais,
profissionais) plasmadas a partir dos saberes que constroem em conjunto com seus
pares de outros cursos.
Isto posto, reitero a importância e influência da experiência de estágio na UL
para a composição do objeto de estudo e sua problemática, bem como para o
direcionamento dos passos seguintes da pesquisa, em especial, da reconstrução do
instrumento de entrevista, a próxima estratégia escolhida por nós para atingirmos o
objetivo proposto inicialmente, de compreender, a partir da fala dos estudantes de
Pedagogia da UFRN, como a socialização com pessoas de outros cursos influencia
os seus percursos universitários.
9 Tradução nossa.
63
3.3. Observando a arquitetura universitária e utilizando a fotografia como
elemento metodológico
Durante as experiências de observação participante, a possibilidade de ter
contato com diferentes estruturas arquitetônicas nas universidades me despertou
uma maior curiosidade sobre os espaços físicos nesse nível educacional. O olhar
mais atento a isso me gerou novas ideias de como abordar essa questão a partir do
uso da fotografia como elemento metodológico.
Neste sétimo relato impressionista narro, portanto, o exato momento, durante
meu intercâmbio francês, em que me saltou à consciência a importância da
implicação com os espaços físicos para a socialização.
Antes do professor Saeed Paivandi sair em viagem já ao fim do meu
estágio, fui para uma última orientação presencial com ele em Paris. No
meio de algumas explicações sobre a história da universidade, ele me
perguntou se eu já havia ido à Sorbonne. Disse que não e ele com uma
indignação engraçada disse pra eu ir lá assim que acabasse a orientação.
Assim fiz. Peguei aquele metrô, mais complexo do que as ideias de Edgar
Morin, em pleno horário de pico e fui. Chegando lá, acabei não podendo
entrar, mas resolvi olhar ao redor, tentar outras entradas talvez…
enquanto isso, observava aquele prédio monocolor, robusto, que parecia
mais um museu. Encontrei algumas salas com a luz acesa e janelas de
vidro. Olhando para o alto, só pude ver o teto e me parecia muito mais um
teto de algum palácio. Parei uns instantes, apreciei e (provavelmente de
boca aberta e expressão curiosa) me perguntei… “como que seria um
estudante que mora lá em Mãe Luiza passar no vestibular e ir estudar
numa universidade como essa?”! Mãe Luiza é um bairro tradicionalmente
popular de Natal, próximo ao mar, onde sempre que passo os meninos a
brincar no morro me remetem ao cenário de “Capitães da Areia”, de Jorge
Amado. Como seria, então, para um jovem de realidade semelhante a
essa, chegar para estudar num prédio como o da Sorbonne? Como devem
se sentir os estudantes nesse ambiente? Será que um espaço assim
conduz as posturas e relações que os estudantes estabelecem? Sei que o
meu questionamento inicial parece mais um “anacronismo espacial”
absurdo, mas, de fato, talvez tenha me sentido um pouco incomodada
e/ou intimidada por aquele ambiente e isso só fez meu “instinto
pesquisador” atentar para o fato de que os espaços físicos das
universidades também se relacionam comigo em minha trajetória
universitária.
64
Depois do retorno da experiência na França, dei continuidade com o
andamento dos próximos passos da pesquisa, tendo reestruturado o instrumento
guia da realização das entrevistas, diferente do que havia pensado anteriormente.
As marcas intensas das experiências que tive ao longo do intercâmbio reconduziram
algumas estratégias e até mesmo aprofundaram a minha maturidade para condução
das entrevistas.
Decidi sobre a estratégia da entrevista por coerência a todo o arcabouço
metodológico já apresentado e, exatamente, por entender que a fala dos estudantes
é um instrumento poderoso de compreensão das estratégias estudantis e das
interpretações da realidade feitas por esse grupo. Afinal, os sujeitos, quando falam
sozinhos, apesar de acreditarem estarem revelando apenas a sua individualidade,
eles carregam e expressam, mesmo sem perceber, uma essência coletiva que existe
em cada um de nós, mesmo dentro das nossas mais profundas individualidades
(KAUFMANN, 2013).
Assim sendo, escolhi o instrumento da entrevista semiestruturada, pois se
considera que esse tipo de entrevista permite uma maior liberdade de fala aos
entrevistados, ao mesmo tempo em que ainda fornece um norte importante para
atingir os objetivos da pesquisa (MAY, 2004). Junto disso, acrescentamos algumas
noções da estratégia metodológica da entrevista compreensiva de Kaufmann (2013),
de construção de um roteiro de entrevista a partir de blocos temáticos (SILVA, 2006).
No nosso roteiro tivemos 4 blocos temáticos: histórias de si, relacionadas à
escolha do curso e aos interesses individuais de conhecimento; memórias e
relações, referente às relações estabelecidas nos diferentes espaços físicos da
universidade; histórias com os outros, concernente às interações que se
estabeleceram com pessoas de outros cursos; e da experiência à consciência,
pertinente às interpretações acerca da influência do que foi relatado no bloco
anterior para o percurso universitário.
Para o segundo bloco, utilizei fotografias da UFRN para chegar a essas
relações estabelecidas pelos estudantes nos diferentes espaços da universidade.
Decidimos utilizar imagens de prédio dos diferentes centros presentes no campus
central e uma imagem de um campus do interior. Os espaços selecionados foram:
Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA), Escola de Música (EMUFRN),
65
Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Centro de Tecnologias (CT), Centro de
Biociências (CB), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), Centro de
Ciências Exatas e da Terra (CCET), Escola da Ciência e Tecnologia (ECT),
Departamento de Artes (DARTE), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES)
campus Currais Novos, e o Centro de Educação (CE). Cada uma das imagens
representa um ou mais espaços dos 8 centros elencados no site da própria UFRN10.
Inicialmente, havia selecionado todas as imagens para esse bloco da internet,
mas depois de que pude ter um contato, mesmo que mínimo, com o espaço de duas
universidades com diferentes arquiteturas e histórias e percebi como a relação com
o espaço físico poderia também ter um papel relevante na trajetória universitária dos
indivíduos, passei a olhar para este bloco da entrevista a partir de outro ângulo.
As duas universidades visitadas que me despertaram esse insight foram a
Sorbonne Université, em Paris e a Humboldt-Universität, em Berlim. A Sorbonne tem
raízes ainda na idade média, na então Université de Paris do século XII11. Já a
universidade de Humboldt, que inaugura um modelo de universidade moderna
(PAIVANDI, 2015), nasceu no século XIX e integrou ao que antes era apenas ensino,
a pesquisa, buscando uma unidade entre ensino e pesquisa12.
10
Disponível em: https://www.ufrn.br/institucional/unidades-institucionais. Acesso em 05/05/2019.
11
Informações disponíveis em: https://www.sorbonne-universite.fr/universite/histoire-et-patrimoine.
Acesso em 14/10/2019.
12
Informações disponíveis em: ttps://www.hu-berlin.de/en/about/history. Acesso em 14/10/2019.
66
FOTOGRAFIA 01
SORBONNE UNIVERSITÉ
FOTOGRAFIA 02
HUMBOLDT-UNIVERSITÄT ZU BERLIN
67
Apesar de ambas as universidades terem uma arquitetura robusta e um estilo
neoclássico, que recupera elementos da arquitetura grega e romana, é possível ver
algumas diferenças entre elas. Se comparada à Sorbonne, a Humboldt nos trás um
estilo mais “leve” e não carrega consigo a marca da presença da Igreja; as suas
esculturas que trazem o nu e a leveza de tecidos, lembram muito mais esculturas
greco-romanas do que católicas. Essas distinções arquitetônicas refletem também
as diferenças de origem e modelo, já citadas. Mas para além de refletir as raízes
históricas, a arquitetura dos espaços de escolarização também afeta a interação em
seus padrões e comportamentos sociais (FOUAD, 2017). Ahamed Fouad (2017)
salienta-nos ainda que o comportamento social e a aprendizagem, influenciados pelo
meio ambiente físico, não acontecem apenas na sala de aula, mas em qualquer
espaço onde a interação social é experienciada.
Nesse prisma, fortalecemos e ancoramos a nossa escolha na exploração do
uso de fotografias dos espaços físicos da UFRN. Não obstante, toda essa reflexão
arquitetônica acerca da relação do físico e do sensível nos levou a pensar também
sobre a própria fotografia, em si, que seria empregada na entrevista.
Já que o visual torna-se cada vez mais indispensável na atual sociedade
contemporânea, tão imagética, e na leitura sociológica, e que “[...] a fotografia, por
ser flagrante, revelou as insuficiências da palavra como documento da consciência
social e como matéria prima do conhecimento” (MARTINS, 2014, p. 11), nos foi
importante reconhecer que o quanto seria mais rico e genuíno a nossa participação
na produção das fotografias.
Sendo assim, por que não vivenciar esse momento sociológico, antropológico
e artístico para produção e seleção das imagens? Resolvi, então, produzir as
fotografias dos prédios já selecionados que ficassem no campus central13. Com uma
câmera Nikon D5200, um tripé e a anotação dos lugares a ir na palma da mão, eu,
apaixonada por fotografia desde a infância, sai pela universidade a fotografar. A
mesma universidade tão familiar para mim, desde a infância, distanciou-se um pouco
e se expressou em fotografia.
13
Das fotografias do campus central, selecionadas, apenas a do Centro de Biociências foi mantida a
da internet, pois desejávamos que as placas com os nomes dos centros pudessem aparecer, quando
possível. Nos dias da ida a campo para fotografar, porém, a placa estava danificada e ilegível, bem
como a poda das árvores não atualizada.
68
Tentei seguir, em alguns momentos, a mesma lógica das fotos mais
institucionais selecionadas na internet, mas depois fui percebendo que o que fazia
mais sentido e talvez despertasse mais memórias das experiências concretas e
emoções, fossem fotos que registrassem o que os olhos dos estudantes costumam
ver ao chegarem nos respectivos prédios. Imagens que relembrem os caminhos
traçados a pé, de carro, de circular14; os caminhos que só são feitos por quem vive
alguma proximidade com aqueles prédios.
E assim, fomos descobrindo também que os melhores ângulos para isso eram
os que davam acesso aos espaços de convivência de cada centro ou aqueles que
mostrava um percurso muito comum. E fui a esses pontos, olhar com os olhos dos
alunos, sem deixar de olhar com os meus olhos. Consideramos que, nas fotos que
fiz, então, existe mais gente e movimento do que nas fotos institucionais. Existe
muito mais da Universidade que se vive e que se faz nos momentos reais, de
convivência, de fome, de cansaço, entusiasmos e angústias, do que nas fotos
institucionais saudosas e estáticas de uma "sobra" de uma estrutura organizacional
cuja permanência não é tão permanente assim. Os espaços são os espaços reais e
completos quando são recheados pelos movimentos sociais de todos aqueles que
fazem a universidade acontecer.
Talvez essas fotografias apenas expressam uma visão de universidade que
vem sendo lapidada ao longo deste mestrado; ao mesmo tempo, porém, expressam
também o inevitável de surgir numa câmera à altura dos olhos de um estudante.
O mais interessante no processo foi ver como no espaço universitário as
marcas da vida cotidiana eclodem e compõem o meio ambiente de estudos. Gente
fumando maconha, gente deitada nos bancos, gente lendo a bíblia, gente comendo,
gente esperando o ônibus com rostos cansados, desejosos, gente. Que com toda
objetividade e subjetividade ocupa, das mais diversas formas, esse espaço de
expansão do “ser gente” que é a universidade.
As fotografias selecionadas não buscam retratar esses momentos, pois têm
foco nos prédios, mas buscam, “[...] como representação social e memória do
fragmentário, que é o modo próprio de ser da sociedade contemporânea”
14
“Circular” é como é chamado o ônibus que faz o transporte gratuito dentro da UFRN.
69
(MARTINS, 2014, p. 36), ser elementos que abrem portas para essas memórias da
vida universitária.
FOTOGRAFIA 03
CERES CURRAIS NOVOS
FOTOGRAFIA 04
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Fonte: Matheus Marciano (Google Maps local guide), Natal, fev. 201815
15
Disponível em:
https://www.google.com/maps/place/CCS%2FUFRN+-+Centro+De+Ci%C3%AAncias+da+Sa%C3%B
Ade/@-5.7812787,-35.1969846,3a,154.4y,90t/data=!3m8!1e2!3m6!1sAF1QipMqxLvn3qGtHl671Huwf
70
FOTOGRAFIA 05
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
FOTOGRAFIA 06
ESCOLA DE MÚSICA
uWogxreHKpDnVd3-C6G!2e10!3e12!6shttps:%2F%2Flh5.googleusercontent.com%2Fp%2FAF1QipM
qxLvn3qGtHl671HuwfuWogxreHKpDnVd3-C6G%3Dw200-h120-k-no!7i495!8i297!4m5!3m4!1s0x7b30
06f2ffffff9:0xf2e24d8c2d75c88f!8m2!3d-5.781181!4d-35.1970595 Acesso em maio 2019.
71
FOTOGRAFIA 07
DEPARTAMENTO DE ARTES
FOTOGRAFIA 08
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
72
FOTOGRAFIA 09
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
FOTOGRAFIA 10
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
73
FOTOGRAFIA 11
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
FOTOGRAFIA 12
CENTRO DE TECNOLOGIAS
74
FOTOGRAFIA 13
CENTRO DE EDUCAÇÃO
Todos os relatos e reflexões das entrevistas, por sua vez, ainda que fossem
inicialmente estimulados e relacionados com as paisagens mostradas nas fotografias,
acabaram desvelando o perfil dos estudantes entrevistados e o caminho que eles,
como viajantes na realidade universitária, traçaram. Esse caminho auto-referenciado
pelos próprios entrevistados, em suas peculiaridades na vida
75
acadêmica, mostra a percepção e a pertença universitária no contexto da instituição
de ensino superior e na perspectiva dos estudantes.
Sob essa ótica, apresento o oitavo relato impressionista que, através de uma
situação inusitada durante o meu intercâmbio, me fez refletir muito sobre o que é ser
membro do seleto ambiente universitário e quem são seus integrantes.
No dia que tentei entrar na Sorbonne, estava tendo algum tumulto na
porta principal. Muita gente querendo entrar, seguranças não deixando as
pessoas passarem e eu já fui vendo que nem com todo o sorriso e
educação possível eu ia conseguir entrar lá. Ok, a meta era, então,
conseguir entender o que estava acontecendo. Cheguei para um jovem
que parecia estar acompanhado de sua mãe e disse “com licença, boa
noite, vocês são alunos daqui?” e recebi um belíssimo e irritado “NÃO!”
como resposta e só. Ok, né?! Fazer o quê… fiquei meio assustada e
querendo rir da situação ao mesmo tempo. Mas quem seria eu para
mangar (verbo nordestino que significa “rir de alguém”) de um jovem
francês irritado porque não conseguiu entrar na Sorbonne, não é mesmo?!
Bom, eles foram embora numa moto pequena, a grande quantidade de
gente ao redor continuava e eu fiquei ali parada, esperando alguém que
tivesse com um semblante mais disponível pra poder falar. Parei uma
menina que se despedia de um grupo de forma sorridente (chance menor
de dar erro…) e perguntei a mesma coisa. Dessa vez, ela era aluna!
Expliquei quem eu era, qual era minha pesquisa e pedi uma breve
explicação do estava acontecendo. Ela se compadeceu e, gentilmente,
falou que naquele dia iria acontecer uma palestra de alguém muito
importante, mas que, ao mesmo tempo, por causa de umas medidas
novas da universidade (baseadas também em orientações do governo) só
quem era aluno, com carteira, estava podendo entrar. Ficamos as duas
com cara de “mas que coisa, não é mesmo?!”, sorri, agradeci, ela me
desejou boa sorte e eu fui dar uma voltinha ao redor do prédio, pelo
menos. E tirando todo o contexto do “embargo político”, fiquei refletindo,
enquanto andava pelas ruas estreitas e escuras… o que é, afinal, fazer
parte desse grupo seleto que tem passe livre para entrar e usufruir dessa
universidade? Parece que a força e glamour da Sorbonne não estão só na
arquitetura.
76
ambiente acadêmico; há ainda dentro desse grupo, uma pluralidade de identidades
que desponta em meio às camadas e instâncias da vida universitária.
Sendo assim, queremos entender quem é o estudante de Pedagogia que se
relaciona com estudante de outras áreas, e assim constrói uma identidade estudantil
específica fruto dessa jornada, e como percebe o seu percurso universitário sendo
influenciado por pares que não coabitam no campo da Pedagogia.
As realização das fotografias e a elaboração de fichas com as fotos impressas
foram os últimos passos para a finalização do instrumento guia das entrevistas, que
já tinha contado com uma revisão proveniente de um teste piloto, realizado com
Juliana Barreto, amiga e colega de mestrado; das leituras e reflexões do intercâmbio
e das orientações.
E com o instrumento da entrevista finalizado16, era necessário, agora,
selecionar, dos 80 estudantes que responderam o questionário, quais seriam os que
participariam das entrevistas. Decidimos que seriam 12 entrevistados, 8 de um grupo
foco (GF) e 4 de um grupo controle (GC). O grupo foco seria composto, exatamente,
por aquelas pessoas com uma interação maior com estudantes de outras áreas e o
grupo controle, exatamente o oposto, aquele grupo que relatou pouco contato e
poucas experiências com pessoas de outros cursos. Afinal, eles também fazem
parte da realidade de socialização do curso de Pedagogia e também corroboram
para a compreensão do nosso objeto de estudo. A decisão de divisão em GF e GC
foi nossa, para trazer uma representatividade mais ampla para o grupo de
entrevistados.
Para essa seleção dos 12, adotamos outros 3 critérios gerais, levando em
consideração que a escolha desse grupo deveria “[...] mais do que constituir uma
amostra, trata-se de escolher bem os seus informantes” (KAUFMANN, 2013, p. 74).
A nossa pretensão não estava nos aspectos quantitativos, mas em conseguir
selecionar esses bons informantes, que pudessem ser um grupo representativo dos
estudantes de Pedagogia.
16
Modelo do instrumento no apêndice, p. 145
77
QUADRO 01
CRITÉRIOS GERAIS DE SELEÇÃO DE ENTREVISTADOS
GRÁFICO 09
NUVEM DE PALAVRAS: INTERESSES PARA ALÉM DA PEDAGOGIA GC
GRÁFICO 10
NUVEM DE PALAVRAS: INTERESSES PARA ALÉM DA PEDAGOGIA GF
GRÁFICO 12
NUVEM DE PALAVRAS: PESSOAS CONHECIDAS DE OUTROS CURSOS GF
82
QUADRO 02
RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS COM OS ESPAÇOS DA UFRN
CCSA ESCOLA HUOL CT CB CCHLA CCET DART ECT CERES CE
DE
MÚSICA
CLÉO RM RB RF RF SR RM SR SR RM RB RF
LOBO RF RB RB SR RM RM SR RB RB SR RF
SAIPH RF RF RM SR SR RF RM SR RF RB RF
BOSS RB RB RB SR RF RM SR RM RB SR RF
MULAN RM RB RB SR RB RM SR SR RB SR RF
PAULA RM RB RM SR RB RB RB RM RF SR RF
UIL RF RB SR SR SR RM SR SR RM SR RF
MORENA RM SR SR SR SR RB SR SR RB SR RF
ROSA
LARISSA RB RM RM RB RB RF RM RM RM SR RF
CINDERELA RF RB SR SR RB RB SR SR RB RM RF
DINDA RB RB RM SR RM RM SR SR RM SR RF
ERVA RM RF RM SR RF RM SR RF RB RB RF
83
Apresentamos, enfim, um quadro com informações básicas e gerais sobre
cada participante para podermos prosseguir em análises mais profundas a partir de
suas falas. Acrescentamos ainda que os nomes de todos eles são fictícios, alguns
escolhidos pelos próprios estudantes e aqueles que preferiram não fazê-lo, tiveram
seus codinomes definidos por nós, buscando atrelar o nome à história de cada um.
No quadro a seguir, os estudantes estão separados em GC e GF, em cinza e em
verde, respectivamente:
QUADRO 03
INFORMAÇÕES BÁSICAS DE CADA ENTREVISTADO
84
5 Paula 21 Bolsista de - Paula cursou disciplina em 3 cursos
iniciação científica diferentes ao longo da graduação,
mas a sua experiência mais marcante
com pessoas de outras áreas é no
esporte, no Aikidô. Junto com seus
amigos do Aikidô, Paula já
apresentou trabalho na CIENTEC e já
viajou para várias outras atividades
esportivas.
6 Saiph 22 Estágio - Saiph cursou uma disciplina no curso
remunerado de Tecnologia da Informação e junto
com seus amigos construiu um jogo.
Para ela essa experiência foi muito
marcante, bem como a participação
em muitas aulas do curso de História
e a ida a um concerto na Escola de
Música com amigos do curso de
História.
7 Erva 41 Trabalho Educação Erva cursou muitas disciplinas no
Física, DARTE enquanto era estudante de
especialização Educação Física, fez parte do projeto
em arteterapia de extensão Madrigal (coral) antes
e Mestrado mesmo de ser graduanda da UFRN e
em Educação durante o curso de Pedagogia viveu
uma experiência marcante quando
fez parte de um evento de extensão
sobre geografia e música. As
relações de amizade e socialização
de Erva são muito maiores com os
professores do que com os
estudantes.
8 Lobo 21 Bolsista de - As experiências mais marcantes de
iniciação científica Lobo com estudantes de outras áreas
foram as do Trilhas Potiguares e de
quando ele era bolsista no
Laboratório de Tecnologias
Educacionais. Em ambas ele
desenvolvia ações e projetos junto
com colegas e amigos de outros
cursos.
9 Dinda 21 Estágio (na época - Dinda faz análise de filmes junto com
do questionário) a irmã de audiovisual, tirava algumas
dúvidas pontuais com uma amiga de
biblioteconomia e viveu, dentro do
próprio curso de Pedagogia, uma
experiência marcante, junto com
alunos da física e da geografia numa
aula sobre astronomia.
85
10 Larissa 23 Bolsista de apoio - Larissa mora na residência e é
técnico bolsista, o que a permite ter contato
com muitas pessoas de outros
cursos. Mas as suas experiências
mais marcantes com estudantes de
outras áreas foram o Trilhas
Potiguares e o devocional, um
movimento religioso autônomo que
surgiu na residência.
11 Cinderela 32 Bolsista de Psicologia e Cinderela teve uma experiência de
iniciação Serviço Social, extensão no NEI, quando era bolsista
científica, estágio (ambos não lá, junto com pessoas da biologia,
remunerado e concluídos) especialmente. Cinderela gostaria de
aulas particulares ter tido mais experiências, de ter
aproveitado mais a universidade, mas
suas condições objetivas iam de
encontro a esses desejos.
12 Boss 36 Trabalho Tecnologia e Boss teve relações pontuais com
informática pessoas de outros cursos quando
(tecnólogo), participou de disciplinas em outros
graduação e cursos e do programa de extensão
mestrado em Trilhas Urbanas, especialmente
Educação quando cursava educação física.
Física
Fonte: elaborado pela autora.
87
4. A SOCIALIZAÇÃO ESTUDANTIL COMO BAGAGEM INDISPENSÁVEL PARA
EXPLORAR A UNIVERSIDADE
89
interação com pessoas de outros cursos e uma média menor de idade, pudemos
notar que existe uma tendência de uma experiência mais extensiva na universidade
ser vivenciada por pessoas mais jovens.
Essas pessoas mais jovens, de uma maneira geral, estão em um momento de
vida, de responsabilidade familiar e disponibilidade de tempo para experimentar o
novo que favorece a construção de um percurso mais extensivo no meio ambiente
universitário.
Nesse sentido, Cinderela, uma das integrantes do GF, que tem 32 anos e
além de ser bolsista, também faz estágio remunerado e dá aulas particulares, relata
com bastante pesar a sua impossibilidade de aproveitar mais a Universidade, pelo
seu excesso de demandas.
[...] eu quero estudar mais [...] eu sei que eu quero estudar mais, eu
não quero parar na graduação. [...] nas bolsas de pesquisa da vida,
eu gosto de pesquisar, eu gosto de ler e eu sei que na sala de aula
ninguém tem tempo pra isso. Então eu sei que sala de aula eu não
quero, mas eu vou ter que ir, né, claro! Mas é eu sei que eu quero
estudar mais.[...] na verdade, eu sempre tive essa vontade de
estudar mais, de ter mais tempo, de ter mais possibilidade, assim, de
estudar mais. Só que na psicologia que eu tive mais, assim, essa
coisa. Porque eu pegava os livros e eu não via a hora passar, era
uma coisa que eu não estudava pra tirar boas notas, eu estudava
porque o assunto era interessante, porque eu gostava de tá ali, então
era bem… foi bem isso, assim. Então, quando eu tive que parar… e
eu nem adorava o curso, [não] tava ali por causa do curso, eu
gostava porque eu gostava de estudar, entendesse?! Hoje, em
Pedagogia, acho que uma das frustrações é essa, porque eu
comecei a gostar do curso e eu não posso estudar, eu não tenho
essa possibilidade. Entendeu, assim, porque eu sempre tô envolvida
em tudo desde o primeiro semestre, mas eu sempre tô ali, eu estudo
como todo mundo… é os estudos mais uma gama de coisa, pra me
manter, porque eu pago aluguel, então é passagem, é comida, é
aluguel, então é bolsa, é plano de aula pra dar minhas aulas
particulares, quando não era isso, era o estágio remunerado… e tem
que dar conta de todas as disciplinas, e tem que… já tem que se
formar, e tem que ver o TCC e tem que ver as coisas da bolsa, então
estudar mesmo, parar e dizer assim “quero estudar aquilo”, não
existe! No geral, não existe. Acho que as bolsas de pesquisa é que
proporciona você ter um pouco mais aprofundamento nas coisas que
você quer. Que, pronto, tem essas demandas funcionais de
secretaria pra fazer, mas, quer queira, quer não, você tá envolvido ali
no meio e você adquire coisa que você não consegue na sala de aula,
que entusiasma, mas sala de aula mesmo… é muito corrido. É mais
pra passar, pra ter o diploma, pra ter um pouquinho de conhecimento
de cada, pra poder… entendeu?! Então eu gosto de estudar.
(Cinderela)
90
Ao desejar estudar e aprender mais, ao perceber que a Universidade é rica
em muitas possibilidades que vão para além da perspectiva inicial que o aluno tem
dela, Cinderela reflete sobre como os alunos têm consciência de que a maioria
daqueles que conseguem explorar e vivenciar esse ambiente universitário são, de
alguma forma, privilegiados por terem condições de fazê-lo e privilegiados por fazê-
lo.
A UFRN era algo de rico, na minha realidade. [...] E eu nunca almejei.
Quando almejei, eu entendi que a UFRN dava essas condições da
gente estudar de fato. [...] acho que como todas as universidades
federais, ela é boa. É muito melhor do que as duas que eu passei.
Nem… Tenho orgulho de estar aqui, no sentido de conquista, que
nem era pra ter, mas eu tenho, porque eu sei que não é fácil. Mas é
como eu te falei, é muito superficial. Eu acho a UFRN muita ilusão.
Eu acho que não é pra qualquer um tá aqui mesmo. Não por entrar,
por capacidade, mas pra permanecer, não é fácil. Porque você que
tem mais de 30 anos, assim como eu, que tem mais de 25, vamos
botar assim, que tem responsabilidade de se manter, não é fácil. [...]
é ilusão. Você tem que fazer escolhas todo dia. (Cinderela)
91
e degustar o texto, sem fazer os trabalhos, só fazer… eu acho isso
um desperdício, sério como não é hipocrisia! Eu queria muito [...] ter
possibilidade de estudar e usufruir mais daqui. Porque eu sei que
aqui é muito rico, mas não tem como ter. Não tem como usufruir
muito daqui. Você tem que fazer escolhas, principalmente quando
você já tá com a idade fora da faixa que aqui falam que é normal.
Quando você já tem outra graduação, não, já é… eles veem melhor,
quando não… mas é como eu te disse, pode ser que seja eu, né?!
Pode ser que seja pessoal. Mas é isso, eu gosto muito daqui da
universidade, mas tem muitas coisas cruéis que você vê e fica quieta,
porque não tem muito o que fazer.
Esses relatos, por sua vez, evidenciam como a dinâmica natural da vida, de
socializações que não são totais nem acabadas (BERGER; LUCKMANN, 1997), se
reflete no espaço do ensino superior. Assim, socializações contínuas acontecem ao
93
longo dos percursos universitários individuais, tanto dentro do próprio nicho dos
cursos, quanto “fora”, nas relações com as demais áreas. Às vezes, inclusive, a
relação que se estabelece com os estudantes de outros cursos transforma a relação
de adaptação e aderência com os colegas do próprio curso.
Eu era a mais nova da turma, então tinham pessoas muito mais
velhas, então o modo de pensar daquelas pessoas era muito
diferente. E aí quando eu interagi com esse pessoal que é tudo novo
também, eu passei a ver eles de outra forma. Não só aquela forma
respeitosa que eu tinha, de até de chamar de “senhor”! Mas como
colegas de curso, como pessoas que estavam construindo um
conhecimento assim como eu, que estavam aprendendo da mesma
forma… Pra mim, era eu aqui (aponta mais em baixo) e eles aqui
(aponta mais em cima), por terem passado por outra graduação, por
terem mais experiência de vida e tal… eu sempre fazia isso. Eu aqui,
e eles aqui em cima e tal… E eu acho que eu passei a me relacionar
com eles de forma diferente a partir disso. De perceber que meus
colegas de curso eram… iguais a mim. Da mesma forma. (Saiph)
Nessa lógica das socializações contínuas, quando elas acontecem fora dos
espaços originários dos cursos ou da própria turma de origem do aluno, fica ainda
mais visível como as fases de estranhamento, aprendizagem e afiliação se
reconstroem, parcial ou inteiramente. As falas de Saiph podem revelar melhor isso,
quando ela fala, respectivamente, sobre sua então vivência numa disciplina com
pessoas de outras turmas, dentro do próprio curso de Pedagogia; e quando fala de
uma experiência fora, no curso de História, com o qual já tinha alguma familiaridade:
[...] eu tô pagando o semestre com outras pessoas de outras turmas,
e aí eu tô vendo outras maneiras de se relacionar e tô aprendendo a
me relacionar de outras maneiras que não é o meu “rebanho”.
Boss, também formado em Educação Física, conta como foi para conhecer
pessoas de outros ambientes:
[...] foi principalmente no curso de educação física, quando eu paguei
disciplinas no setor 1, no setor 2, que eu fui pra lá, que agora eu não
me lembro, realmente, qual o nome da disciplina, mas foi quando eu
comecei a ter contato com outros alunos e nos próprios trabalhos
acadêmicos que a gente fazia em outros setores. Pra gente também
tentar conhecê-los, saber como são as posturas, os
comportamentos… e a gente acha até mesmo estranho. Quando a
gente chega num ambiente, a gente sai da nossa zona de conforto,
que é a nossa área, o nosso território e vai pra outro a gente percebe
a diferença. Até nas próprias vestimentas, na maneira como se
expressa, na própria diversidade em si.
95
perspectiva de futuro configura-se como flexível e inventiva diante do desconhecido,
das incertezas, do dinamismo e da diversidade presentes no meio ambiente
acadêmico. Dessa forma, para o estudante universitário o futuro é uma invenção
aberta do presente.
Para dialogar com essa noção, trago mais uma vez um relato impressionista
sobre minha experiência na UL - Nancy, que pode nos ajudar a perceber como
conduzimos nossas ações e, primordialmente, nos descobrimos na vivência afetiva
com o outro e redirecionamos nossos interesses acadêmicos e também nossas vidas.
Certa vez estava conversando com Ibra, meu colega de curso e
amigo de aventura, sobre a área da educação e nossas escolhas por ela.
Ele me contou que sua família é dona de uma escola e de uma pequena
faculdade na Guiné, seu país de origem. E que ele tinha ido estudar na
França para ter uma boa formação na área de administração e voltar para
ajudar seus pais no negócio da família. Ele gosta de contar, no meio
dessa história, com um ar brincalhão, que escolheu a cidade de Nancy
pela simples beleza do nome e acabou indo parar numa pequena, pacata
e fria cidade do nordeste da França. Um pouco demais para o seu espírito
africano. Mas voltando para o contexto acadêmico, Ibra disse que durante
o sua graduação em administração resolveu cursar uma disciplina na área
de educação, afinal ele estava tentando se formar administrador de uma
empresa educacional. Chegando na sala, ele se deparou com a
professora sorridente, afetiva, acolhedora e competente, Anaelle. Para
Ibra, Madame Millon. Segundo ele, ela com seu jeito encantador fez
despertar o seu interesse real pela educação e foi responsável pela
mudança de área que ele fez logo que pôde. Hoje Ibra é noivo de uma
moça francesa, engatou num doutorado na UL - Nancy e eu não faço ideia
de como vai ficar a sua possível volta permanente para Guiné. É
interessante perceber, porém, a força e a sutileza que o afeto e os outros
têm em nossas vidas. Ibra, não só com suas 2 mãos, pegou o leme de sua
vida e mudou de direção. E será que tem como mudar de outro jeito? É
provável, talvez, que as curvas que demos e daremos na vida sejam
sempre acompanhadas de algum passageiro, parceiro… (bem quisto ou
não).
96
têm de transformar, fazem com que a trajetória acadêmica estudantil seja flexível em
algum grau.
Sendo assim, os 12 entrevistados mostraram que essa trajetória flexível, que
se constitui como uma construção criativa do presente, ligada ao futuro e pulsante
na jornada acadêmica pode tanto ser feita de uma maneira mais focada em direção
a um objetivo final, quanto de forma mais adaptativa diante dos elementos que
surgem ao longo da jornada. Como que uma caminhada num jardim, pode-se
direcionar a atenção para as pequenas flores que surgem no gramado ou não. Em
um olhada mais rápida, o jardim é o mesmo, as experiências de vivenciá-lo é que se
diferenciam. Num olhar mais atento, o jardim é diferente para diferentes pessoas,
mas não é pior ou melhor pela simples diferença.
Os direcionamentos adaptativos, nesse prisma, se evidenciam nas falas dos
estudantes que demonstram ter despertado, ao longo da trajetória universitária,
interesse em outras áreas, por exemplo para fazer outro curso ou a atração por
outros conteúdos, demonstrando inclinação, em diferentes intensidades, para sanar
essa curiosidade e explorar mais o conhecimento que o chama.
Então, foi a partir desse momento que possibilitou que eu enxergasse
o mundo de outra maneira. Que eu começasse a vivenciar, realmente,
as culturas; vivenciar esse lado social de conhecer novas pessoas;
de saber novas maneiras de pensar, de agir, de comportamento…
então foi na faculdade, começou no CEFET e se ampliou quando eu
entrei na UFRN. Que no CEFET eu entrei em 2001 e n UFRN em
2002. Então, foram momentos, assim, que marcaram toda a minha
vida acadêmica. E me possibilitaram enxergar mais tanta coisa que
eu tava restrito, limitado. (Boss)
[...] foi só a UFRN que me fez chegar nas outras áreas, considerar a
hipótese de pagar disciplinas nelas ou, simplesmente, de gostar
mesmo. (Uil)
97
A fala dos estudantes evidencia o papel que o meio ambiente universitário
tem no direcionamento dos percursos estudantis. Essa influência concretiza-se
através de seus currículos, de seus projetos de extensão, de pesquisa e do próprio
ambiente em si, em sua pluralidade de possibilidades e sua potência criativa, que
acolhe não apenas o diverso, mas também o inovador.
Diante das oportunidades e também das imprecisões que o meio ambiente
universitário apresenta para o estudante, este vai percorrendo caminhos
desbravando novas possibilidades e interesses ou reforçando os interesses e
direcionamentos previamente existentes. Ou até mesmo, as duas coisas, a depender
de seu direcionamento.
Ao pensarmos num direcionamento focado, podemos compreender um
direcionamento que já era desde o início ou que tornou-se, no decorrer da trajetória
acadêmica, focado em seu próprio campo de conhecimento, no nosso caso, na
Pedagogia. Dessa forma, os estudantes podem até entrar em contato com outros
campos de conhecimento, mas têm olhar mais restrito para eles e mais focado na
Pedagogia em si.
É importante salientar que a existência de um direcionamento adaptativo em
alguns aspectos não anula a proeminência do direcionamento focal existente em
alguns estudantes. No caso de Uil, por exemplo, integrante do GC, que afirmou ter
sido motivado pela UFRN a vislumbrar a experiência de cursar disciplinas em outras
áreas, apesar disso, o seu discurso mostra-se bem firme em seus interesses
acadêmicos e profissionais com o curso.
Ah, eu escolhi [Pedagogia] por uma questão prática. Minha nota dava
até pra outros cursos, mas eu preferi Pedagogia porque uma galera
que já entendia do assunto, me falou que havia um leque maior de
oportunidade caso eu fizesse esse curso, entendeu? E também, eu
vou ser bem sincero em dizer que me aconselharam, assim, dizendo
que era um dos cursos mais fáceis. (Uil)
98
Da mesma maneira, conduzida pela experiência pedagógica em decorrência
do próprio curso, Cléo, já graduada em marketing, também demonstra o seu foco de
interesse na formação para o exercício da docência.
[...] quando eu entrei [no curso de Pedagogia], eu entrei com um pé
meio atrás. Mas a partir do momento que eu entrei, no segundo
semestre, numa sala de aula pra fazer estágio remunerado, numa
sala de estágio 5, eu fiz ‘eu tô aqui, aqui é meu canto e ninguém me
tira daqui’. É tanto que o povo diz que eu sou a surpresa da
pedagogia. Porque eu dizia ‘eu não tenho paciência com criança, não!
Oh, uma barata quando tá me incomodando eu vou lá e mato, a
criança eu não posso matar, eu tenho que ficar só olhando, olhando,
olhando’. (risos) [...] [Já hoje] ah, minha filha, eles são meus filhos e
ninguém fale um ‘ai’ dos meus filhos, então... (Cléo)
100
Portanto, para o profissional que interliga conhecimentos pedagógicos com
conhecimentos plurais do mundo, vivenciar a experiência de interligação entre
saberes, vivenciar a interciência, acreditamos ser fundamental.
Nessa perspectiva de interligação de conhecimentos, Mulan, também
integrante do GC, formada em Gestão Hospitalar, estava fazendo o seu TCC na
área de Pedagogia Hospitalar, e a UFRN, para ela, assume um papel fundamental
nesse direcionamento:
[...] foi aqui que eu conheci um pouquinho mais, né?! Na verdade, eu
não tinha nem noção da possibilidade de existir Pedagogia Hospitalar,
de existir classe dentro de hospital, eu não conhecia vim conhecer
aqui. Eu paguei, eu fiz gestão hospitalar, mas eu não tinha noção que
existia classe hospitalar quando eu paguei, quando eu fiz o curso.
(Mulan)
101
procurando muito sobre coisas que não tinham nada a ver com a
aula. (risos) Tipo, tô tendo aula aqui de socioeconômicos, mas só um
ponto daquela aula me interessou e aquilo puxou uma cadeia de
outras coisas… (Saiph)
102
assumido, de forma menos ou mais consciente, mais focal ou adaptativo, cada aluno
traça, de fato, o seu percurso na jornada universitária.
Essa jornada é, por sua vez, permeada de experiências, relações, afetos,
anseios, buscas e tantos outros fatores perceptíveis ou não a quem vive e também a
quem investiga essas vivências. Para pensarmos, especialmente, o papel do outro e
dos afetos no caminhar desse percurso, trago mais um relato impressionista da
minha experiência na UL - Nancy, o qual nos ajuda a ambientar a discussão sobre a
importância dos espaços, das relações, dos afetos e dos seus impactos no percurso
estudantil.
Rosa é uma pequena e radiante jovem vietnamita que foi para a
França engatando num sonho de seu namorado, que foi cursar
engenharia por lá. “Rosa”, inclusive, é apenas o equivalente do seu nome
no idioma vietnamita… que, naturalmente, eu não consegui decorar como
se escreve ou se pronuncia. Ela também estudou na UL - Nancy num
curso regular de graduação, mas por precisar se aperfeiçoar mais na
língua francesa, Rosa frequentava os cursos de Francês ofertados pelo
CLYC (Centro de Línguas Yves Châlon). Eu também frequentava o CLYC
para acompanhar as turmas de Francês, Inglês e Espanhol e foi lá onde
conheci a Rosa, menina de franco e doce coração. Ela não tinha muitos
amigos para além do espaço da universidade e do CLYC em si. Lá era o
espaço em que Rosa falava um pouco mais de si, de sua cultura, de seus
gostos e, especialmente, dos seus dotes culinários! Ela cozinhava muito
bem, vendia comida e quase sempre trazia algo de especial para a turma.
Era visível que Rosa não estava ali apenas para aperfeiçoar seu francês.
Ela era feliz compartilhando aquelas horas da sua semana junto ao grupo,
era dedicada e até parecia que toda aquela convivência significava muito
mais do que o aprendizado em detalhes de um idioma que nem tinha o
mesmo alfabeto que o seu. Penso que, muito provavelmente, Rosa,
encontrou no espaço do CLYC, no caloroso e acolhedor grupo, um espaço
para partilhar mais do que conhecimentos, mas também a própria jornada;
assim como outra estudante brasileira da turma, que expressava o
sentimento de dificuldade de socialização na universidade, mesmo
cursando o doutorado. Acho que imagino isso porque para mim também o
CLYC era um espaço de refúgio, de diálogo, nos dias tão silenciosos de
inverno que foram os dias do meu intercâmbio. Tenho um carinho especial
por lá. Deixei até minha “marquinha” num papelzinho num mapa mundi
que tinha na recepção com “Marília - UFRN - Natal, RN - Brasil”. Único
papelzinho do nordeste, um dos poucos do Brasil… lá foi um lugar onde
aprendi, através das vozes das pessoas, sobre línguas, sobre dinâmicas
103
da vida estudantil, sobre socializações, sobre o mundo e sobre mim
também. Ah, foi até onde tive uma despedida organizada, com lágrimas e
muitas guloseimas internacionais! Tenho muito carinho, muito carinho...
104
sua vez, naturalmente, se refletem na experiência espacial e física dentro do espaço
concreto da Universidade.
As falas dos estudantes acerca das fotografias de diferentes prédios da UFRN
17
, nessa perspectiva, nos levam a perceber, como, às vezes, as relações com os
espaços da universidade começam antes da jornada universitária da graduação ou
de curso de Pedagogia, e em alguns casos, depois que possuem a matrícula,
acabam por ressignificar esses locais, agora como estudantes.
HUOL: eita, meu fio! Ensino Médio! (risadas) Eu fui demais fazer
trabalho de biologia na época da escola aqui. Oh, coisa boa… às
vezes eu ia só pra conversar. Era tão bom…! Eu gostava. Aqui é
Ensino Médio, então lembra coisas boas. (Cléo)
CCHLA: minha mãe, eu acho que ainda quando ela fazia graduação,
graduação em uma outra universidade, a gente teve uma… eu acho
que foi o meu primeiro contato com a universidade, que a gente veio
pra cá num evento. [...] Então foi nesse espaço que eu compreendi o
que era a UFRN. (Dinda)
17
As imagens foram relativas aos prédios dos respectivos locais: Centro de Ciências Sociais
Aplicadas (CCSA), Escola de Música (EMUFRN), Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Centro
de Tecnologias (CT), Centro de Biociências (CB), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA), Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET), Escola da Ciência e Tecnologia (ECT),
Departamento de Artes (DARTE), Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) campus Currais
Novos, e o Centro de Educação (CE).
105
diversos entendimentos sociais que existem sobre ela. Não obstante, é inegável sua
função social e a possibilidade que há aberta à comunidade, aos professores,
funcionários administrativos e estudantes de explorá-la nas suas mais diversas faces.
Em diversas instâncias, em diversas idades.
Portanto, no sentido da descoberta desse ambiente de possibilidades,
algumas falas dos estudantes sobre seus anseios e momentos de entrada na UFRN
revelam também que, para alguns, o início do percurso universitário começou com a
realização de um sonho, com um sentimento de satisfação de entrada na instituição
e até mesmo com um sentimento de insegurança e ansiedade diante do novo
desafio na vida.
SETOR 4: foi a minha entrada pra UFRN. Eu fiz a prova do ENEM lá
no setor 4.Ai quando eu entrei pra prova, no setor, ali no bloco… eu
rezei tanto pra fazer parte da UFRN! (risos) Foi aqui… foi desejo!
(Cléo)
106
tamanho dessa universidade, você vai ter que se virar aqui dentro, de
maneira rápida e quase sem perguntar nada a ninguém, porque você
é calouro, tem que ter cuidado. (Dinda)
107
Nesse sentido, no campus a própria estrutura organizacional vai conduzindo
as relações dos sujeitos que estão mais próximos à sua rotina cotidiana como
“cidade”. A estudante Larissa, por exemplo, residente do campus, quando indagada
sobre como conheceu as pessoas dos diversos com as quais tem contato, fez a
seguinte afirmação:
Então, não sou uma pessoa muito sociável. (Marília: Não?) (risos) É
porque eu estou inserida em diversos espaços, tem a residência
universitária, que coloca a gente com pessoas de diversos cursos.
(Larissa)
108
entrevistados como espaços de encontros com os outros e com saberes de
diferentes vertentes.
O trilhas ele é um divisor de águas pra muitos alunos, principalmente
aqueles alunos que vivem isolados no seu curso. Porque o trilhas
potiguares, primeiro: ele junta pessoas que nunca se viram na
universidade, nunca se viram e de cursos diferentes; e a gente se
planeja pra passar uma semana juntos num município que a gente
nunca pisou. [...] Então assim, é uma segunda vida que a gente vive
quando a gente entra no trilhas. A gente tem uma vida de curso e a
gente passa a ter uma vida completamente interdisciplinar. Porque a
gente não vai desenvolver as atividades isoladas por cursos, muitas
vezes, e a gente tem que conhecer um pouquinho da área do outro,
pra juntos formar uma intervenção no município. E, ao mesmo tempo,
conviver com aquelas pessoas, pessoas completamente diferentes,
de costumes diferentes, de vidas diferentes… muitas vezes de
condições socioeconômicas totalmente diferentes e que se sujeitam
numa mesma semana numa mesma casa, numa mesma escola, nas
mesmas condições. (Lobo)
109
seu centro. [Mas] Na universidade você não entra só pra cursar uma
graduação ou uma pós-graduação, você entra aqui pra viver. (Lobo)
[...] até hoje, quando eu tava vindo, a minha filha falou assim, “mãe,
você já sabe andar em tudo?” Ai eu falei “não, claro que não”.
(Marília: você entrou em…) 2015.2. Mas é que a gente faz só o
caminho, que a vida é tão corrida, que eu venho aqui, estudo e volto,
entendeu?! (Morena Rosa)
Por outro lado, existem também aqueles estudantes que traçam um percurso
paroquial não por limitações de tempo ou pela própria dinâmica da vida, mas porque
assim decidem e compreendem que essa seja uma boa escolha, uma escolha
suficiente para si e para o trajeto que desejam traçar.
[...] (Marília): e aqui você costuma cursar disciplina em outros
setores?) Não. (risos) Eu costumo cursar em outras turmas, eu não
pago todas as disciplinas com minha turma, mas em outros setores,
não. Porque eu gosto, eu acho que os professores de Pedagogia têm
uma visão diferente. (Mulan)
110
(Marília: existe alguma coisa que você pense, saiba, tenha contato,
especialmente porque você conhece essas pessoas de outros
cursos?) Então… aí eu acho que não. [...] Talvez com relação à
matemática, alguma coisa, mas a professora [...] , que é minha
professora, é tão incrível, que eu acho que ela tira, praticamente…
(Marília: são mais dúvidas práticas que você resolve com ele?) É.
Essa percepção estudantil ligada a uma satisfação e confiança com o corpo
docente do seu curso, com aquilo que é ofertado na instância do curso pode estar
ligada com o nível de maturidade estudantil diante do conhecimento. Paivandi (2015),
explica que W. G. Perry em seu livro “Formas do desenvolvimento intelectual e ético
nos anos de universidade: um esquema”18 elucida que o aprofundamento da
maturidade estudantil e uma transformação da crença epistemológica desse
estudante implica o questionar-se quanto à figura do professor, quanto ao
conhecimento que é posto por ele (PAIVANDI, 2015). Portanto, sentir-se
suficientemente informado, com todas as suas dúvidas tiradas por aquilo que é
ofertado pelo professor do curso e, por consequência, assumir uma percurso
paroquial no ambiente universitário, é coerente com a concepção de saber trazida
por aquele estudante.
Isso, contudo, não implica afirmar que todos os estudantes cujos percursos
são paroquiais não têm ainda uma maturidade intelectual profunda, a qual está
relacionada com a ideia de bom aluno. De forma alguma. A questão da concepção
do saber é uma dos fatores que podem corroborar para esse percurso paroquial,
assim como os demais fatores. Contudo, ao mesmo tempo, um percurso estudantil
que seja mais extensivo, poderia ser mais estimulante para o desenvolvimento
intelectual, sendo fruto de uma experiência coletiva mais abrangente e profunda,
porque permitiria ao estudante, que vai em locais distantes do originário do próprio
curso, traçar uma percepção de diversos ambientes da Universidade, a partir da
experiência partilhada nesses ambientes.
E tenho um amigo que eu pego carona com ele, porque ele mora
bem pertinho de mim, ai eu fico esperando ele lá nos bancos que têm
por aqui, o assunto é: reprovação, nota baixa e professor fulaninho
de tal pegou ranço da minha cara e vai me reprovar esse semestre.
Essas pessoas são professores mesmo? Eu fico muito brincando
com eles “vocês não têm professores, vocês têm pesquisadores que
dão aula”. São pesquisadores que dão aula. Eles fizeram ai uma
18
Tradução nossa.
111
docência assistida de qualquer jeito, vai-se lá saber como é que foi
essa docência, e tão dando aula, gente! E o orgulho deles, o orgulho
do professor é dizer “reprovei 50 numa turma de 100”. Gente, como é
que pode isso? Esse lugar, acho que é o lugar mais traumatizante,
no sentido educacional, docência mesmo de ser, que eu penso, é
esse lugar. Eu fico muito revoltada. É um lugar que aceita 500
pessoas por semestre e não tem subsídio nenhum pra elas. Assim,
suporte educacional mesmo. Tem os grupos de estudos, disseram
que, eu fiquei sabendo que eles têm suporte psicológico. Eu disse,
gente, claro, né?! Um curso desse que reprova mais do que aceita e
reprova, basicamente, 60% de quem é aceito… não tem condições.
(Saiph)
CE: E esse aqui é o nosso prédio… (risos) [...] É um espaço que vai
ficar no meu coração, vou ficar com saudade. [...] Na hora que a
112
gente tá aqui fazendo a graduação é muito difícil, mas depois,
quando chega no final já vai dando uma saudadezinha… (Morena
Rosa)
CE: ah, o CE! [...] Fiquei muito feliz depois que saiu do setor 1. [...]
porque a gente tem um prédio só nosso. [...] Eu vejo vantagem. [...]
Eu acho que é bom pelo reconhecimento do nosso curso. A gente
tem um espaço nosso e a gente é reconhecido porque a gente é um
curso e a gente tem atividades importantes na universidade. E é isto.
(Larissa)
113
assim, que a gente tem muita coisa pra lembrar. Principalmente
dessa questão de conviver com os próprios colegas, com os
professores, a gente vê situações diversas no mesmo espaço… mas
eu acho que é o que eu lembro. Tem muita lembrança. (Dinda)
CE: Nosso habitat natural. (risos) Eu não sei se eu tenho uma boa
relação, eu não considero que eu tenho uma boa relação com o CE,
porque eu acho o CE muito confuso às vezes. [...] Porque tipo, muito
fechados os lugares, cada um dentro da sua salinha e a área de
convivência, basicamente [...] Mas eu gosto muito daqui. Aqueles
sofás são maravilhosos, muitos eventos incríveis que eu participei [...]
Mas eu acho o CE muito confuso. Eu não sei se eu tenho uma
relação de amor ou ódio. (Saiph)
114
CE: ah, nossa casa: o centro de educação! Se vive aqui. [...] E é um
ambiente que é uma segunda casa, a gente diz que mora na UFRN,
mais especificamente aqui nesse prédio. (risos) É o meu segundo
endereço, sem dúvidas é o centro de educação. E é isso. [...]
Amizades, é um prédio que lembra muito amizades, que lembra
muito sorrisos, comemorações, lembra monografias, teses,
dissertações, pesquisa… acho que a maior parte de tudo que eu
aprendi nos projetos de ensino, pesquisa e extensão, exceto trilhas
potiguares, foi aqui no centro de educação. [...] então é um espaço
que, pra mim, foi extremamente produtivo. E que sem esse espaço o
meu período de graduação não teria sido o mesmo [...] quando eu
comecei a trabalhar aqui no Centro de Educação foi quando eu
conheci mais pessoas de outras áreas. E depois que eu entrei no
Trilhas, então… é outro mundo, né?! Então é isso, muitas
lembranças aqui, que o centro de educação me trás. (Lobo)
115
4.4. A tripulação: a viagem com companheiros de outras terras e outros mares
116
Quando os estudantes se propõem a entrar num curso de nível superior para
aprender não apenas uma profissão, mas também desenvolver um olhar crítico,
acurado e especializado sobre o mundo, muitos deles devem não ter consciência do
papel que sua relação com os outros tem para esse aprendizado e inclusive para o
“ponto de chegada” dessa trajetória acadêmica. Talvez esteja no contato com o
outro as mais inusitadas e criativas surpresas que o meio ambiente universitário
pode proporcionar a esses estudantes.
Nesse sentido, dentro da lógica de relações mais paroquiais ou extensivas
durante o percurso acadêmico, no que concerne às relações entre os alunos de
Pedagogia e de outros cursos, um fator adjacente que se mostrou muito marcante e
relevante para se pensar a intensidade e amplitude dessas relações é a natureza
das atividades e experiências que propiciaram o encontro desses estudantes no
meio ambiente universitário: ensino, pesquisa, extensão, bolsas de trabalho ou
convivência para além da estrutura acadêmica. Atentando para esse aspecto, nos
chamou a atenção que as atividades de extensão, assumem um papel relevante na
existência e condição dessas experiências de socialização universitária e
intercientífica. Lobo, por exemplo, que tem uma intensa relação com a extensão
universitária, afirmou que a partir do Trilhas Potiguares, o maior programa de
extensão que ele já participou, ele conheceu uma quantidade muito maior de
pessoas de outros cursos e esta experiência se apresentou para ele, sem dúvidas,
como uma experiência muito marcante junto a pessoas de outros cursos. Além
dessa afirmação de Lobo, os estudantes cuja trajetória foi mais expansiva dentro do
espaço universitário, passaram, em algum momento, em um ou mais projetos de
extensão, seja na música, no esporte, na assistência à comunidade, ect. Sendo
assim, foi possível perceber que o contato com pessoas de outros cursos é mais
possibilitado, ampliado e diversificado em atividades de extensão.
Mas antes de nos debruçarmos sobre essas relações de intercientíficas, é
importante levar em consideração que essas relações entre estudantes de diferentes
áreas acontecem em diferentes graus. Algumas relações que se estabelece com
esses pares pode ser mais superficial ou mais profunda, como diferencia o próprio
estudante Lobo, ao afirmar que existem colegas de outros cursos que ele conhece
117
pontualmente e outros, todavia, de quem ele realmente sente saudade, busca se
reunir e tem afetividade no encontro.
(Marília: e você mantém relação próxima com eles?) com alguns bem
próximas, com outros não mais [...] Mas as pessoas que eu conheci
no Trilhas Potiguares e no LTE, a gente busca um ao outro, é
diferente da gente depender do acaso pra se falar. (Lobo)
118
Nessa perspectiva, ambos, mas especialmente Mulan, abrem espaço para um
diálogo intercientífico entre licenciaturas. Entretanto, de acordo com a própria fala
dos estudantes esse diálogo tende a ser paroquial e a restringir-se ao campo da
praticidade e objetividade das demandas acadêmicas.
No tocante às experiências acadêmicas as quais pudessem ser consideradas
por eles como relevantes também essas só apareceram na fala de Uil e de Cléo,
mas ainda de forma bastante paroquial.
Uil relatou uma experiência de estágio obrigatório que fez junto ao colega de
curso já formado em Ciências Sociais.
A experiência foi interessante nesse sentido, porque todo o
conhecimento que ele tinha em ciências sociais não serviu,
praticamente, de nada pra essa disciplina. (Uil)
E nessa experiência, o que se tornou relevante para ele não foi o aspecto
intercientífico, mas sim o aprendizado conjunto, e a vivência agradável de amigos
cujos saberes de mundo eram distintos; não obstante, diante da situação estavam
equiparados.
Já o relato de Cléo está ligado à sua experiência como bolsista na biblioteca
central.
A gente era bastante unido. Então assim, um ajudava o outro,
quando tinha coisa de trabalho, coisa do curso… às vezes a gente se
ajudava um ao outro. Como a gente tinha [acesso a] os livros, então
a gente fazia “olha, tem esse livro aqui”... Ou tinha coisas que, tipo…
pronto, esse [colega] de jornalismo, que era de Rádio e TV, teve uma
vez que ele teve que fazer como se fosse um roteiro. Ai, tipo, eu fui
ajudar a pensar numa ideia… então, é basicamente essa a minha
experiência e eu gostei muito, muito mesmo.
119
Diante de todos esses aspectos e de uma inclinação ao traço paroquial das
relações dos estudantes do GC com estudantes de outros cursos, a partir da
interpretação desse grupo, a influência das relações com universitários de outras
áreas está pautada nos aspectos gerais de importância e influência que as relações
humanas têm.
Influencia no fato de que eu tenho alguma coisa pra contar. Mas
influência mesmo, assim, nos meus estudos, no campo acadêmico,
não. (Morena Rosa)
Acho que assim, influencia não só a minha vida aqui na UFRN, mas
na minha vida em si, porque a gente tem que aprender a se socializar
com todo mundo. Porque em todo canto tem pessoas diferentes, que
pensam diferente. (Cléo)
Pronto, [meu colega de] design, além de ver ele no aikidô, eu vejo
ele muito no RU. Eu encontro muitos amigos no RU. A de teatro, ele
de design, encontro a de ecologia também… porque normalmente a
gente não se encontra por ai, a gente se encontra mesmo no RU. Ai
a gente, às vezes, almoça junto, às vezes não. (Paula)
Então como a gente tem uma rotina de bolsa, todos os bolsistas que
trabalhavam naquele período, pegavam o mesmo circular todo dia. E
acabava se conhecendo e todo mundo conversava junto. [...] o RU
também é um ambiente em que a gente compartilha muitos
momentos durante a graduação. Então assim a gente vai
conhecendo um pouco as pessoas e conhecendo os cursos também.
[...] [Com os amigos mais próximos] a gente tenta participar dos
mesmos eventos, de atividades de extensão… a gente sempre tenta
121
participar juntos, que é pra ter momentos acadêmicos e que a gente
também vai estar junto. Então são atividades assim que a gente tenta
reunir o pessoal. [...] (Marília: mas já teve atividade que você só foi
por conta deles ou que eles só foram por sua causa?) Acadêmicas?
Sim. (risos) Assim, não é muito o que eu queria ouvir no momento,
mas tá tendo um seminário sobre uma discussão tal, eu tenho
disponibilidade, vai tá todo mundo lá, eu vou perder? Claro que não!
Eu vou também pra ver o pessoal. Quem sabe, vai que eu aprenda
alguma coisa no seminário também? Então a gente sempre tá indo.
(Lobo)
122
república com estudantes de outros cursos. Para ela, os tempos são outros, as
disponibilidades e possibilidades objetivas são outras.
Nessas vivências, mais periódicas ou não, dos estudantes de Pedagogia com
os de outros cursos, o campo da interciencialidade pôs-se aberto e o contato com os
conhecimentos vindos dessas diferentes áreas se fazia bastante possível. Esse
grupo de estudantes, por sua vez, explorou essa possibilidade em diferentes
intensidades; desde Boss, cujo destaque foi para a percepção de perfis estudantis
mais abertos e mais fechados ao diferente, em distintos ambientes da Universidade,
e de Paula que teve contato com os conteúdos específicos de trabalho de seus
amigos a partir da presença em apresentações pontuais deles; até Erva, que
comentou que o seu histórico do curso de Educação Física estava repleto de
disciplinas cursadas no DARTE, essas, chegaram a ser até mesmo de 90 horas.
[...] uma vez, [com] a menina da biologia. Ela tinha tipo uma escala
de pessoas que ficava monitorando uns peixinhos lá, numa
experiência que ela tava fazendo, num projeto com a professora. Ai
eu fui e fiquei um pouco com ela. Ai pronto, eu achei bem
interessante, mas foi bem, bem por cima. (Cinderela)
[...] bom, minha irmã… [...] a gente tem uma prática prática de assistir
junto pra comentar junto. Porque, às vezes, o que minha irmã não
tava percebendo, a outra percebe [...] A gente já era muito crítico
antes dela entrar. Ai depois dela entrar fica mais fácil [...] você
discute melhor. Você vai entendendo, vai… então querendo ou não a
gente tem contato com o que ela tá estudando, então ela ‘ah, porque
fulano de tal diz isso sobre isso’, então são coisas que a gente tem
mais contato. A de biomedicina, acho que eu tive mais contato com
ela quando eu tava pagando neurociências, porque eu precisava de
uma base de num sei o quê, ai lá vai o desespero pra ela me explicar
as coisas que tinham nos livros que a gente tinha que dar conta na
disciplina. A de biblioteconomia, a gente quase não… tipo, quando eu
tava lá, tinha alguma coisa que ela tava fazendo, catalogando livro, ai
mostrava o sistema, essas coisas de curiosidade mesmo de coisas
nem tão pequenas, porque você entender como funciona um sistema
de biblioteca é uma coisa assim… é bem diferente do que a gente
tem dentro do curso de Pedagogia, que a gente não faz nem noção
pra onde é que vai. (Dinda)
123
que tinha aula vaga, então eu ia assistir a aula do meu ex namorado.
Então eu ficava lá assistindo. Então eu tinha os textos que os
professores distribuíam, eu só não respondia ‘presente’, mas o resto,
eu tinha tudo, todos os suportes. (Saiph)
124
oração e em desabafos] é a universidade mesmo. É as atividades, é
a ansiedade que às vezes bate e as pessoas expressam isso. [...]
Acho que, basicamente, todo mundo reclama da mesma coisa [...] A
organização do tempo e as provas. Saber… conseguir administrar
muita coisa em pouco tempo. [...] porque no dia a dia da graduação,
dos cursos, exige muito da gente, então esses espaços são os
espaços que você pode desabafar. E, às vezes, a gente desabafa
mesmo, então, principalmente, com esse grupo de pessoas que você
se sente acolhida. Então a gente tem um laço de amizade, a gente
tem um momento certo de acolhimento. (Larissa)
Assim também esse estudante vai aprendendo junto aos outros, no ambiente
acadêmico a obter novas lentes para reinterpretar as realidades e demandas do
próprio curso. Como exemplo desse movimento de ida ao espaço distinto extensivo
e volta ao espaço pastoral e comum, com um novo olhar, Paula, estudante de
Pedagogia e também atleta de aikidô da UFRN, relata a seguinte reflexão:
[...] com o pessoal da educação física eu percebi o quanto que o
movimento é importante para o nosso corpo, o quanto o
desenvolvimento psicomotor é importante. Ai eu fui correr atrás disso
pra estudar, porque eu achei que eu seria uma pedagoga ‘mais ou
125
menos’ se eu não soubesse disso, se eu não soubesse trabalhar isso
com as crianças. E com a o aikidô também eu fui percebendo a
importância do movimento, do corpo, de se expressar, e tudo mais,
eu acho que isso me marcou bastante. (Paula)
As atividades de extensão possibilitam um aprendizado experiencial e coletivo,
que colaboram para a construção da noção de interciência, e contribuem para um
aprendizado com características relacionais específicas. Particularmente, o campo
da Pedagogia é uma área extremamente possível de abarcar e articular uma
diversidade de conhecimentos, é bastante propensa à interciencialidade, a fim de
que aqueles que nela estão inseridos possam enxergar o contexto educacional de
forma ampla e também construir práticas pedagógicas criativas e plurais, em vista do
maior aprendizado dos educandos. Logo, os estudantes de Pedagogia que
vivenciam experiências plurais as quais os permitem levar em consideração
múltiplos aspectos para compreender o mundo e a educação, são estudantes que
ampliam, através de sua vivência multifacetada, o seu leque de possibilidades
pedagógicas e educacionais.
Todavia, por vezes, as experiências acadêmicas com pessoas de outros
cursos não é concebida de maneira tão profunda ou intensa, nem é tão duradoura,
mas pode assumir a função para o estudante de Pedagogia de elemento que ajuda a
compreender e vivenciar a viabilidade de um trabalho interdisciplinar ou, até mesmo,
intercientífico. O relato de Cinderela, por exemplo, que não teve uma relação de
afetos significativos com sua experiência de trabalho interdisciplinar numa atividade
de extensão do Núcleo de Educação Infantil (NEI) da UFRN, mostra que mesmo
assim, nesse tipo de socialização é possível projetar o aprendizado de coisas
objetivas relativas à prática pedagógica. Sobre essa atividade, que aconteceu junto
com estudantes da biologia, Cinderela disse o seguinte:
[...] esse não trabalhar junto, essa impossibilidade de trabalhar
junto, que eu achava que era impossível, meio que “é só teoria,
até vocês aqui, fala mas não faz, até vocês não conseguem
fazer aqui”. Eu pensava bem assim. E lá a gente teve a
experiência e a gente conseguiu trabalhar bem juntos os
conteúdos, não só pessoas, mas também os conteúdos
integrados… [...]. [E] [..] eu não sabia mesmo, tem coisas que
eu não sei mesmo, vou pra sala de aula, não vou saber. Tenho
que aprender pra ensinar pra os alunos e lá eu aprendi muitas
coisas. Junto com o pessoal. Então, tirou esse negócio, assim,
126
de “ah, meu deus do céu eu não acredito que eu vou ter que dar
aula de ciências e eu não sei de nada”. (Cinderela)
127
absorver a UFRN, sabe?! E eu ainda saio daqui pensando que eu
não aproveitei tudo que ela poderia me oferecer, por isso que eu fico
que nem uma louca. (risos) Fazendo todo tipo de projeto, saindo por
aí… (Paula)
128
dentro e eu ficar só na minha turma, na minha turma, na minha turma?
Não, não dá gente, pelo amor de Deus! (Lobo)
pra você ver como a relação é muito forte ainda e a gente não
consegue se desvincular. E eu acho que isso diz respeito não só ao
espaço físico, mas às pessoas. Eu acho que as pessoas, elas são
determinantes pra gente voltar. E eu acho que eu tenho uma relação
muito forte com os meus professores por isso. Porque eu sei que
eles estão aqui. [...] São essas pessoas, que são a chave ou a peça
chave desse jogo. Acho que são os professores, são as pessoas. E
eu acho que eu não me reporto não apenas aos professores
enquanto instituição, mas também os administradores, enfim, as
pessoas que trabalham, que sustentam a universidade, entendeu?!
Porque a gente sustenta a universidade, o estudante, só que eles
são as peças fundamentais, acho que eles são… que, inclusive, faz a
gente voltar. Acho que é isso. (Erva)
129
maneira que desenvolve esse percurso na graduação; e no modo como constitui e
interpreta a relação com os outros e com o próprio ambiente universitário.
Numa junção de todos os lemes interpretativos anteriores, este retoma de
forma mais ampla a metáfora da experiência universitária como uma viagem, como
uma caminhada por esse universo acadêmico. E a fim de ambientar melhor a
discussão, apresento o último relato impressionista sobre a minha experiência na UL
- Nancy. Com ele, também desejo explicitar o “espírito” que assumi, a forma como
me dispus ao longo da viagem.
Apesar de ter chegado à França com um plano de trabalho para os 2
meses de intercâmbio, confesso que me senti um pouco insegura quando
mostrei esse documento para o professor Saeed. Parecia um bom plano,
ele não criticou, pelo contrário, ele tava achando o máximo a minha
presença ali. Era visível (e engraçado até). Mas fui percebendo, desde o
primeiro momento, que as orientações dele e a dinâmica real da aventura
francesa me levariam a lugares que aquele plano talvez não tivesse
planejado antes. Muitas leituras em inglês e francês, todas as semanas
ocupadas quase todos os dias com atividades no Campus, de aulas,
observações, estudos… 1h de caminhada todos os dias para chegar na
universidade porque a casa onde aluguei o quarto era, basicamente, em
outra cidadezinha e num lugar mais afastado do centro... viagens sozinha
com direito a pedaladas de madrugada entre uma cidade e outra, ou com
homens desconhecidos num carro de aplicativo, entre um país e outro, ou
até com duração de 14h com uma pessoa que tinha espasmos quando
dormia, na cadeira atrás de mim. Não, eu não tinha planejado nada disso
como plano de fundo de uma viagem de estudos. Não planejei um celular
caído na água ou pernas queimadas do frio… não imaginei que iria sentir
saudades de abraços, nem muito menos que iria encontrar amigos
estrangeiros ou que iria ganhar deles abraços inesquecíveis. Explorei tudo
que pude, entre atividades universitárias (prioritárias), interações e
viagens. Saio até com coisas que queria ter conhecido na universidade e
não deu tempo. Inclusive, Anaelle, doutoranda de Saeed, disse que nunca
tinha visto uma estudante estrangeira participar de tantas atividades
quanto eu. Acho que pelo menos essa parte eu tinha imaginado… desde
sempre achei que seriam dias intensos! E assim foram, desde o sorrisão
enorme e o abraço acolhedor de Anaelle quando eu cheguei no primeiro
dia no LISEC, até o abraço apertado e sereno (regado com lágrimas) em
Ibra na estação de trem na hora da despedida… intensos! E acho que
esses dias foram uma metáfora para as diversas jornadas, universitárias
ou não... de encontros e despedidas, de receios e desbravamentos e, sem
130
dúvidas, de um constante caminhar é que, por todos os lugares do(s)
mundo(s), é feita a vida.
131
gente”... Pra mim, eu acho que foi uma experiência muito exitosa,
porque me abriu o campo… me abriu a mente pra outras coisas. Ali
eu me vi uma pessoa me construindo feminista, por exemplo. (Saiph)
ESQUEMA 01
GUIAS DE INTERPRETAÇÃO
132
❖ Mulan tem 25 anos, não trabalha, estagia ou é bolsista. Possui experiência
prévia no meio ambiente universitário por ser formada em Gestão Hospitalar.
Não apresentou outros processos significativos de adaptação ao meio
ambiente universitário para além do curso de Pedagogia. Desenvolveu um
direcionamento focado da jornada em Pedagogia, traçando um percurso
paroquial, com socializações predominantemente paroquiais. Mulan
apresentou a predominância do perfil localista para a sua jornada.
❖ Cléo tem 32 anos, era estagiária e também já foi bolsista na Biblioteca Central
Zila Mamede (BCZM). Concluiu numa IES privada o curso de Marketing e
apresentou outros processos significativos de adaptação ao meio ambiente
universitário para além do curso, com sua experiência de bolsista na
biblioteca. Desenvolveu direcionamento focado, um percurso relativamente
focado e socializações predominantemente paroquiais. Cléo apresentou a
predominância do perfil localista para a sua jornada.
❖ Uil tem 35 anos, trabalha, não tem graduação anterior e não apresentou
outros processos significativos de adaptação ao meio ambiente universitário
para além do curso de Pedagogia. Apresentou direcionamento focal; percurso,
até então paroquial (apenas de demonstrou interesse de fazê-lo de maneira
mais extensiva); demonstrou abertura e interesse diante de relações com
pessoas de outras áreas, mas tem um movimento paroquial de construção de
elos com seus pares. Avaliamos que o perfil de Uil é o de turista.
133
❖ Paula tem 21 anos, é bolsista, apresentou outros processos significativos de
adaptação ao meio ambiente universitário para além do curso de Pedagogia,
tanto no aikidô quanto em movimento estudantil. Possui direcionamento
adaptativo, busca fazer um percurso extensivo e também suas socializações
foram extensivas. Paula, portanto, inclina-se ao perfil andarilho.
134
através, principalmente, de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Seu
direcionamento é adaptativo, seu percurso e suas socializações são
extensivos. Lobo é predominantemente andarilho.
135
❖ Boss tem 36 anos, trabalha, é tecnólogo em tecnologia e informática, é
mestre e graduado em Educação Física. Não apresentou processos
significativos de adaptação ao meio ambiente universitário para além do curso
de Pedagogia, apesar desses terem surgido durante sua primeira graduação.
Seu direcionamento é relativamente focal, seu percurso predominantemente
paroquial, bem como suas socializações com os colegas. Assim,
consideramos que sua trajetória no curso de Pedagogia teve,
predominantemente, um perfil localista.
Diante desses perfis, organizamos uma tabela com os quadrantes gerais dos
três perfis delineados dos diferentes “espíritos viajantes” e identificados em que cada
um deles quais estudantes se alinhavam predominantemente.
QUADRO 04
O “ESPÍRITO VIAJANTE” DOS ENTREVISTADOS
Erva* Cinderela*
(andarilha limitada) (anseios de andarilha)
Boss
Fonte: elaborado pela autora.
136
Então, fazendo o apanhado de todas as falas apresentadas neste capítulo,
antes de tudo, precisamos destacar que a influência proveniente da relação com
estudantes de outros cursos existe e é real na jornada do estudante de Pedagogia.
Essa influência, por sua vez, é mais ampla e intensa para certos grupos do que para
outros, mas se faz presente nos diversos perfis de graduandos que coabitam no
curso.
Assim sendo, foi possível compreender que as relações estabelecidas pelo
estudante de Pedagogia com os de outros cursos é uma importante influência, até
mesmo decisiva, para que esse estudante possa vivenciar de forma mais ampla e
intensa o ambiente universitário, bem como as socializações contínuas que se fazem
possíveis nele. E essa ampliação espacial e alargamento do percurso da
socialização acadêmica traz novas e desafiadoras possibilidades de construção da
autonomia de aprendizagem e formação do estudante universitário; sejam elas
perante uma nova atividade de ensino, de pesquisa, de extensão, ou ainda diante de
um novo grupo de amizade ou de um novo conhecimento profissional, se
constituindo nos meios pessoais e coletivos para a prática efetiva do próprio
protagonismo estudantil no meio ambiente da Universidade.
Dessa forma, a socialização com outros grupos de estudantes demonstrou ter
um grande potencial para conduzir o direcionamento desses graduandos de
Pedagogia, tornando-os, em sua flexibilidade, mais adaptativos perante as mais
inusitadas situações e saberes que possam surgir a partir da relação entre esses
universitários. Quanto mais intensas e variadas forem essas relações com
estudantes de diferentes domínios do saber, maiores serão as possibilidades de
direcionamento do percurso pessoal, acadêmico e profissional que o estudante de
Pedagogia acaba tendo.
Ao mesmo tempo, essas socializações entre pares de diferentes áreas
exercem influência efetiva ao longo do percurso desses estudantes de Pedagogia
quando aproximam, sugerem ou inspiram outras formas de se percorrer a jornada
acadêmica. Algumas dessas relações podem, inclusive, favorecer a realização de
percursos universitários mais extensivos, levando, por exemplo, esses estudantes a
terem experiências em outros espaços da universidade, sejam eles físicos ou
137
intelectuais, os quais, podem passar a assumir papel singular na experiência de vida
universitária do graduando em Pedagogia.
As socializações entre estudantes de Pedagogia e de outros cursos são,
ademais, significativas em si mesmas. Compreendemos, a partir da fala dos
entrevistados, que a existência dessas relações, especialmente as mais intensas,
tem um valor singular que reside no próprio fato desses estudantes partilharem
experiências, se apoiarem mutuamente, serem elos de transformação de sua vida
acadêmica e pessoal e serem abrigos de bem estar e motivação. Assim, essas
relações vão contornando um sentido afetivo e coerente para a própria experiência
universitária.
A forma como o estudante de Pedagogia se porta e encara a experiência
universitária, levando em consideração todos esses fatores e possibilidades de
influência vindas de um estudante de outra área, revela um “espírito viajante” que
cada indivíduo constrói e leva consigo ao longo da jornada universitária. Esse
espírito, por sua vez, não torna nenhuma jornada individual melhor ou pior, muito
menos determina rigidamente ou torna limitante a existência ou experiência de
nenhum aluno; apenas expressa a inevitável identidade plural humana e universitária.
Nessa perspectiva, aprendemos (ou re-aprendemos) com a percepção
genuína das falas dos estudantes, que são as pessoas, as relações e os diálogos
em sua sutil existência, o élan que surge a cada laço dado junto ao outro que faz
diferentes caminhos serem explorados e revisitados, fazendo com que novas rotas
serem construídas e criativamente inventadas. É o que pulsa no encontro vívido dos
estudantes (e também dos demais componentes do contexto universitário) que
compõe a “chama” primária do que é possível encontrar no universo que chamamos
Universidade
138
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
139
Ao mesmo tempo, esses encontros possibilitam a cada estudante enxergar o
mundo de outra forma, permitem ainda que eles reforcem ou reconstruam suas
identidades, a partir das experiências que partilham. Essa ampliação espacial e
alargamento do percurso da socialização acadêmica traz novas e desafiadoras
possibilidades de construção da autonomia de aprendizagem e formação do
estudante universitário; sejam elas perante uma nova atividade de ensino, de
pesquisa, de extensão, ou ainda diante de um novo grupo de amizade ou de um
novo conhecimento profissional, se constituindo na ampliação do próprio
protagonismo estudantil no meio ambiente da Universidade, e também reelaborando
as relações, as práticas e ampliando as perspectivas da própria instituição.
Dessa forma, eu também me lancei ao encontro de estudantes que me
permitiram enxergar nuances da vida acadêmica e da jornada estudantil as quais
jamais poderia compreender sozinha. Os estudantes que colaboraram com a
construção desta dissertação clarearam, por exemplo, dentre tantos outros, o
entendimento de que a Universidade é vivida de diversas formas por diferentes
atores. Para esses, em particular para os estudantes, a jornada acadêmica possui
diferentes tempos, e diferentes tons. Sendo assim, percebi que as fases de
adaptação indicadas por Coulon (1997), de estranhamento, aprendizagem e afiliação
podem ser vividas mais de uma vez, com diferentes intensidades ao longo de uma
experiência una, ou múltipla, de cursos de nível superior.
Essas experiências, que aqui chamei de “jornadas”, são percorridas por todos,
impulsionadas pelo aprendizado. Para alguns, porém, a jornada é mais extensiva do
que para outros. Isso não desqualifica nenhuma das jornadas, muito menos nenhum
dos estudantes, mostra que a Universidade é plural, assim como aqueles que a
fazem.
Não obstante, as leituras sobre o meio ambiente universitário e os relatos dos
participantes desta pesquisa, podem nos sugerir que as jornadas estudantis
colaboram, em diferentes níveis, para sustentação e construção da Universidade
baseada em ensino, pesquisa e extensão. Nessa perspectiva, foi visível a
equivalência nas experiências estudantis das mesmas lógicas de percurso histórico
e de prestígio acadêmico desses três pilares da universidade contemporânea
brasileira. Pelas falas aqui apresentadas, de forma geral, os estudantes vivem com
140
maior intensidade, respectivamente, o ensino, a pesquisa e a extensão. Contudo,
aqueles que percorrem uma jornada universitária mais extensiva, podem nos fazer
pensar que a noção da extensão universitária em si nasce na própria experiência do
estudante ao sair do espaço do seu curso.
Para além do que fortalecem a identidade institucional, as socializações com
estudantes de outros cursos têm uma influência ímpar nas jornadas universitárias
dos graduandos de Pedagogia. Essas relações colaboram para que os estudantes,
conheçam mais sobre o mundo, desbravem mais a Universidade, ampliem a
elaboração de suas identidades acadêmicas, profissionais e pessoais, e enfim, são
também acolhimento afetivo que amparam e impulsionam a caminhada na
experiência universitária.
Sendo assim, apesar do curso de Pedagogia trazer em sua própria natureza
educacional elementos intercientíficos, as experiências criativas possibilitadas pela
socialização universitária estudantil entre diferentes cursos, estruturadas
institucionalmente ou não, têm uma significativa e singular potência criativa.
E por compreendermos isso, desejamos em outras viagens compreender
ainda mais essa potência criativa no processo de formação inicial de professores.
Por esta jornada, ficamos felizes de tê-la feito da forma que fizemos, por onde
fizemos, com quem fizemos, com o espírito que cultivamos.
141
6. REFERÊNCIAS
142
ENTWISTLE, Noel. O ensino e a qualidade da aprendizagem no ensino
<https://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/2155/1/1986_1_141.pdf> Acesso
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143
Científica e Tecnológica – CIC UFRN. Natal, 2016. Disponível em: Acesso em:
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144
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145
7. APÊNDICES
APÊNDICE A
CENTRO DE EDUCAÇÃO
1.E-mail:
2.Telefone(s):
(84)
( ) SIM ( ) NÃO
146
5. Você pensou em fazer outro(s) curso(s)?
( ) SIM ( ) NÃO
Se sim, qual/quais?
6. Você tem algum interesse em alguma dessas áreas? Pode marcar quantas quiser!
( ) SIM ( ) NÃO
Se sim, qual/quais?
8. Se sua resposta foi “sim” para a pergunta anterior, a partir de onde você começou
a ter contato com essa pessoa de outra licenciatura da UFRN?
( ) Universidade
( ) Família
( ) Ciclo de amigos
( ) Outros
147
Se sim, qual/quais?
Se sim, qual/quais?
Se sim, qual/quais?
148
APÊNDICE B
ATIVIDADES:
149
pedagogia e estudantes de outras licenciaturas da ufrn e suas experiências de
aprendizagem e atuação curricular”.
7. Assistir aulas de turmas cujo foco esteja pautado nos estudos comparativos em
educação. (http://www.lisec-recherche.eu/membre/paivandi-saeed)
150
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTA
151
b) Existe alguma coisa que você saiba/pense/faça/tenha contato, especialmente,
porque conhece essa pessoa?
152