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Spirituality, integrality, humanization and paradigmatic transformation in


the field of health in Brasil

Article  in  Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde · June 2020


DOI: 10.5935/2446-5682.20200013

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2 authors, including:

Eduardo Tavares Gomes


Federal University of Pernambuco
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REFLEXÃO
REFLEXION

Espiritualidade, integralidade, humanização e transformação


paradigmática no campo da saúde no Brasil
Spirituality, integrality, humanization and paradigmatic transformation in the field of health in Brasil
Espiritualidad, integralidad, humanización y transformación paradigmática en el campo de la salud en Brasil

Autores
Eduardo Tavares Gomes 1
Simone Maria Muniz da Silva Resumo
Bezerra 2
Objetivo: Refletir como a espiritualidade deve ser entendida como dimensão da saúde, estando
contemplada no conceito de humanização e de integralidade e discutir como esses conceitos
estão presentes e representados nas políticas em Saúde do Brasil. Métodos:Trata-se de um ensaio
1
Doutorando em Ciências pela Escola
reflexivo, fundamentado em uma revisão sobre o tema que incluiu marcos norteadores e legais para
de Enfermagem da Universidade de políticas públicas de saúde no país. Resultados: São discutidas as interrelações entre espiritualidade,
São Paulo, Mestre em Enfermagem integralidade e humanização. Considerações finais: Reforça-se que considerar todas as facetas de que
pela Universidade de Pernambuco.
(Enfermeiro Assistencial do HCUFPE) o indivíduo se constitui, resgatar e assegurar o reconhecimento do humano como objeto do cuidado e
2
Pós-Doutora em Enfermagem pela tirar do papel as diretrizes e princípios que já surgem pautadas na integralidade, faz parte do processo
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo. Docente de revolução de um paradigma hospitalocêntrico e médico-centrado para um paradigma holístico,
permanente do Programa Associado de centrado na pessoa, na ética e no cuidado.
Pós-graduação em Enfermagem UPE/
UEPB. Recife, PE. Descritores: Promoção da Saúde; Espiritualidade; Humanização da Assistência; Integralidade em Saúde.

Abstract
Objective: Reflect how spirituality should be understood as a dimension of health, being included in the
concept of humanization and integrality and discuss how these concepts are present and represented in health
policies in Brazil. Methods: This is a reflective essay, based on a review on the topic that included guiding and
legal frameworks for public health policies in the country. Results: The interrelationships between spirituality,
integrality and humanization are discussed. Final considerations: Its reinforced that considering all facets of
which the individual is constituted, rescuing and ensuring the recognition of the human being as an object of
care and carry out the guidelines and principles that are already based on integrality, is part of the process of
revolution from a hospital-centered, physician-centered paradigm to a holistic, person-centered, ethical, and
care-centered paradigm.
Descriptors: Health promotion; Spirituality; Humanization of Assistence; Health Integrality.

Resumen
Objetivo: Reflexione sobre cómo debe entenderse la espiritualidad como una dimensión de la salud, incluyéndose
en el concepto de humanización e integralidad y discuta cómo estos conceptos están presentes y representados
en las políticas de salud en Brasil. Metodos: Este es un ensayo reflexivo, basado en una revisión sobre el tema
que incluyó marcos orientativos y legales para las políticas de salud pública en el país. Resultados: Se discuten
las interrelaciones entre espiritualidad, integralidad y humanización. Consideraciones finales: Se refuerza que
considerando todas las facetas del individuo, rescatando y asegurando el reconocimiento del ser humano como
un objeto de cuidado y llevar a cabolas pautas y principios que ya se basan en la integralidade, es parte del
proceso de revolución de un paradigma centrado en el hospital y centrado en el médico a un paradigma holístico,
centrado en la persona, la ética y el cuidado.
Descriptores: Promoción de la salud; Espiritualidad; Humanización de la Atención; Integralidad de salud.

Data de submissão: 08/10/2019.


Data de aprovação: 24/05/2020.

Correspondência para:
Eduardo Tavares Gomes
Universidade de Pernambuco Faculdade
de Enfermagem Nossa Senhora das Graças
R. Dr. Otávio Coutinho - Santo Amaro,
Recife - PE, Brasil
CEP: 52171-011
E-mail: edutgs@hotmail.com
DOI: 10.5935/2446-5682.20200013

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INTRODUÇÃO dinâmica entre os componentes verticais e horizontais da


espiritualidade.(2,6) A alternância entre altos e baixos entre
Com o intuito de se promover saúde, profissionais os estados de alma que a vivência espiritual oferece dá
e gestores de hoje encontram novos desafios ao margem a um possível crescimento ou desenvolvimento
confrontarem práticas antigas nas quais, no mais das espiritual, ao contrário de uma percepção de uma
vezes, eles próprios foram formados. Programar ações e espiritualidade pessoal estática, sem crises, buscas, novas
intervenções que vençam as barreiras do acesso, da adesão vivências e motivações. (6) Fisher afirma que a questão
terapêutico, da participação ativa do indivíduo no processo espiritual é como estar em uma jornada: se você pensa que
de construção e da manutenção da saúde, atualmente, chegou, ou ainda nem começou ou está morto.(2:5)
requer uma competência de conseguir ver o outro como
A espiritualidade é reconhecida como instrumento
ele é: como se enxerga, se coloca no mundo que o cerca e
para a promoção da saúde, indo além das perspectivas da
se relaciona consigo e com o outro.
materialidade, as quais se focam na fisiopatologia e em
Integrar todas as dimensões do ser, considerando o tratamentos alopáticos. É considerada uma das dimensões
humano como objeto essencial do cuidado, remonta a uma nas quais o indivíduo se constitui. Reflete não apenas na
transformação paradigmática no campo da saúde, evocando saúde, mas também em todos os campos que o indivíduo
uma perspectiva holística para uma nova epistemologia dessa se expressa na comunidade e na sua forma de ver o mundo.
área do saber. Um novo paradigma requer novas reflexões, É uma potência na qual as pessoas podem se apoiar para
novos conceitos – ou uma releitura e adequação dos que enfrentarem dificuldades, a terminalidade e encontrarem
estão postos, culminando em uma nova formação e uma nova sentido para a vida, a qual deve ser explorada no despertar
práxis em todos os níveis da atenção e promoção da saúde, de uma consciência crítica e criativa na formação em
uma verdadeira revolução.(1) saúde.(7-8)
O presente trabalho trata-se de um ensaio reflexivo, A dimensão espiritual da saúde é, dessa forma, a
fundamentado em uma revisão sobre o tema que incluiu consideração da verdadeira essência do ser. A dimensão
marcos norteadores e legais para políticas públicas de saúde física reflete-se na ausência de doenças, mas o conceito de
no país, com o objetivo de refletir como a espiritualidade deve saúde vai além. A dimensão psicológica considera a relação
ser entendida como dimensão da saúde, estando contemplada do indivíduo consigo próprio; a social, a relação com o outro.
no conceito de humanização e de integralidade, e discutir No entanto, a dimensão espiritual amplia essa compreensão
como esses conceitos estão presentes e representados nas para ver-se saúde também como uma harmonia do ser, em
políticas em Saúde do Brasil. essência, com sua transcendência, seus valores ético-morais,
sua integralidade. Essa harmonia de dimensões físicas e
A Espiritualidade como dimensão da saúde metafísicas refletem em saúde promovendo bem-estar,
A espiritualidade é uma dimensão que permeia, adoção de práticas e estilos de vida mais saudáveis e melhor
aprofunda, molda e unifica toda a experiência humana. (2) autocuidado.(9)
Fisher defende que a espiritualidade pode ser vista como Sendo assim, essa dimensão deve fazer parte da
um componente vital do funcionamento humano. (2:2)Para compreensão de cuidado por parte de qualquer profissão
o autor, espiritualidade é uma experiência inata, emotiva, de saúde. Deve haver uma atenção epistemológica por parte
subjetiva, dinâmica.(2) Na perspectiva de Vitor Frankl, o ser das profissões em saúde para a questão da espiritualidade.
humano é essencialmente espiritual, a despeito da religião Contudo, em um nível marco, o conceito de saúde e as políticas
ou crença. Espiritualiadade é o que nos faz buscar sentido públicas devem contemplá-la, de forma a se traduzirem em
em nossas vidas.(3) estruturas organizacionais que não sejam barreiras para o
Os autores divergem e se aproximam ao tentarem definir cuidado neste nível.(9)
espiritualidade, termo que, neste texto, foi compreendido Em 1983, na Assembleia Mundial de Saúde, organizaram-se
pela referência de Koenig, McCullough e Larson, que a as primeiras discussões a favor da inclusão de uma dimensão
incluíam no âmbito do sagrado e do transcendente.(4) Desta não-material ou espiritual de saúde. As discussões tomaram
forma, diverge da religiosidade que se relaciona a doutrinas, vulto a ponto de durante a 52ª Assembleia Mundial de Saúde
religiões e práticas religiosas. Embora a maioria dos conceitos de 1998 ter sido proposta uma emenda para a constituição
de espiritualidade deixem notável separação dentre este os da Organização Mundial de Saúde - OMS para modificar o
conceitos de religião e religiosidade, não há ainda consenso conceito clássico de saúde para “um estado dinâmico completo
entre as principais conceituações.(5) de bem-estar físico, mental, espiritual e social e não meramente
Pode-se dizer, ainda, que a espiritualidade contém a ausência de doença”.(10) Contudo, esta ampliação do conceito
um componente vertical, representado pela relação do de saúde, vigente desde 1948 na carta de princípios da OMS,
self com algo exterior (Deus, o divino, o transcendente, não foi aprovada de pronto, decidindo-se por ampliar mais as
o ser superior) e um componente horizontal, expresso discussões e continuar o debate, o que mostra a necessidade
na relação entre as pessoas. (6) A saúde espiritual é um de pesquisas nessa área.(10)
estado dinâmico, em que se encontra harmonia na

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INTEGRALIDADE E HUMANIZAÇÃO: DO CONCEITO das práticas, um devir, como valor a ser sustentado nas práticas
À POLÍTICA PÚBLICA EM SAÚDE NO BRASIL dos profissionais de saúde, ou seja, um valor que se expressa
na forma como os profissionais responderão aos pacientes que
Desde a conferência de Alma-Ata, em 1970, abriu-se campo os procuram.(16:13)
para discussões do que seria saúde, conceituada a partir de um Integrar muitas dimensões dos adoecimentos e da vida
estado de completo bem-estar biopsicossocial. A partir desse pode ser entendido como integrar várias dimensões do
ponto, em todo o mundo tal referencial muniu pesquisadores próprio ser, numa proposta de atenção centrada na pessoa,
e profissionais para outras construções, contrapondo-se ao que garanta todos os níveis de assistência, em abordagem
paradigma biomédico e possibilitando o aprimoramento de multidisciplinar.(17) Dessa forma, integralidade como diretriz
um termo que surgia na mesma época e que refletia bem o para o Sistema Único de Saúde do Brasil - SUS deve não apenas
conceito de saúde proposto: integralidade.(11) nortear a gestores e profissionais a garantir a continuidade da
A partir da década de 1990, a Medicina Integrativa assistência em todos os níveis de atenção, mas também no
surge com um conceito novo que propõe integrar a visão ambiente da relação ser-cuidador-ser-cuidado representar um
tradicional de saúde, atualizada pelo movimento das evidências novo paradigma ou, até mesmo, a retomada de pressupostos
científicas, com os pressupostos de uma Medicina Alternativa anteriores ao modelo biomédico e ainda vigentes nas medicinas
e Complementar, em voga desde a década de 1960, no intuito orientais.(11)
de resgatar antigas tradições milenares orientais e convocá-las Integralidade da atenção nos diversos níveis de assistência
a complementar e preencher lacunas que as tecnologias em à saúde foi e é a principal vertente em que a consideram como
saúde emergentes naqueles anos não conseguiam preencher.(12) princípio nas políticas públicas no Brasil, desdobrando-se
A Medicina Integrativa vem sendo construída a partir de vários em: discussões das Ações Programáticas, Clínica Ampliada,
conceitos e experiências, sendo Vulnerabilidade, Humanização e Cuidado, até chegar às Linhas
[...] mais uma tentativa de abranger vários aspectos, e Redes de Cuidado, tidas como a mais recente proposição
como a integração da medicina alternativa e complementar tecnológica na busca da integralidade.(16) A efetivação da
com a medicina convencional; a combinação de sistemas integralidade nestas ações tem sido o grande desafio da
antigos de cura com a biomedicina moderna; a valorização construção de políticas à gestão em saúde nas diversas
do relacionamento médico-paciente e da comunicação; a esferas.(16)
consideração da pessoa de forma integral; a utilização de O termo humanização, que demorou um pouco até elencar
evidências; e o enfoque na saúde, na cura e na prevenção os textos de programas e políticas, tem relação direta com a
de doenças.(12:1807) visão da integralidade centrada no paciente. No ano 2000, a XI
Tal proposta se contrapõe a um contexto de produção de Conferência Nacional de Saúde tinha como temática: “Acesso,
cuidados em linha de produção, sob pressão das indústrias da qualidade e humanização na atenção à saúde com controle
saúde, conduzindo um cuidado fragmentado e frágil.(13) Nessa social”. No mesmo ano, são lançados o Programa Nacional
década, os termos holismo e integralidade se consolidaram na de Humanização da Atenção Hospitalar e o Programa de
proposta de atender a demanda de conexão entre cuidados Humanização no Pré-natal e Nascimento.
de corpo, mente e espírito, sendo que, na década de 1990, Em 2004, a Política Nacional de Humanização (PNH) traz
com a clarificação do conceito de bem-estar em definições como princípio norteador a valorização da dimensão subjetiva
operacionais e instrumentos estatísticos, a espiritualidade foi e social em todas as práticas de atenção e gestão.(17)
aos poucos tornando-se também indicador de saúde.(14) Na compreensão da PNH, é importante entender que seus
A perspectiva da integralidade como diretriz para se pressupostos não se remetem ao assistencialismo e sim ao
compreender e fazer saúde vem sendo considerada desde favorecimento da autonomia e protagonismo do sujeito. Pode-se
então em todo o campo da saúde, das normatizações às observar a humanização apresentada na perspectiva da garantia
práticas, do pensar ao produzir saúde. Integralidade, dentre de direito de acesso aos serviços de saúde (disponibilidade de
várias definições possíveis, seria vagas em leitos, profissionais, tecnologias, procedimentos); da
melhoria do acolhimento ao usuário; da melhor capacitação dos
[...] um atributo, usado no contexto da atenção
profissionais; da rapidez no atendimento etc.(18) Contudo, além
à saúde especializada (mas não só), qualificador de
desses aspectos formais a serem considerados,
uma ação interpretativa e terapêutica, preventiva ou
“curativa” o mais ampla e global possível e, ao mesmo [...] é preciso pensar, no âmbito da PNH, o humano em
tempo, precisa, que integra muitas dimensões dos sua condição, simultaneamente, complexa, exuberante
adoecimentos e da vida dos doentes, tanto do ponto e problemática, sobretudo em relação aos processos
de vista dos pacientes como do saber especializado que de saúde/doença. A partir daí, abrem-se possibilidades
orienta o curador.(15:197) efetivas para uma humanização que não fique restrita à
polidez “politicamente correta” e à suposta completude
Cabe aqui um adendo de que a integralidade não deve se
que, às vezes, é atribuída ao conjunto: competência
tornar apenas um conceito abstrato, mas um ideal regulador

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técnica e suficiência de recursos humanos, materiais e A proposta de uma clínica ampliada não apenas tangencia
tecnológicos.(19:683) como se aprofunda na proposição de inclusão de aspectos
sociais, emocionais e espirituais no projeto terapêutico singular
Apesar de aspectos relacionados a questões psicoemocionais
de cada paciente.(21) O objeto de trabalho de profissionais de
e religiosas ou espirituais não terem sido diretamente
saúde deve ser a pessoa ou grupo de pessoas e, de forma
contemplados na PNH, no conceito de clínica ampliada como
integrada e interdisciplinar, deve-se buscar a melhor forma
uma das diretrizes gerais para a implementação da política
de ajuda-las.(21) O projeto terapêutico singular emerge do
nos diversos níveis de atenção, está como primeiro preceito
diálogo entre profissionais e usuários, diretamente ligado a
o compromisso com o sujeito e seu coletivo, de onde pode-
uma relação de acolhimento e vínculo, não sendo apenas fruto
se inferir que o sujeito compreende o ser na integralidade de
do conhecimento da doença.(22-23)
suas expressões e seu coletivo compreende uma ambiência
relacional, bem como suas crenças e valores.(18) No tocante à De forma prática, o documento do Ministério da Saúde
clínica ampliada sugere:(24)
- acolher toda queixa durante a escuta, mesmo que
Cabe refletir de que forma a integralidade, enquanto
aparentemente não se relacione com o diagnóstico ou
princípio, é por si só uma busca pela ACP, uma vez que
tratamento;
critica a fragmentação das ações perante os pacientes
e sugere um arranjo das práticas que amplie o olhar - favorecer o diálogo e a informação, sem começar por
limitado ao funcionamento biológico, procedimento perguntas óbvias como “alimentou-se direito?” ou “tomou
centrado e alheio à consideração do indivíduo inserido seus remédios?” Começar por tais questões mostram mais
em um espaço coletivo.(20:907) interesse nas orientações que o profissional ministrou que na
realidade que o paciente traz;
Na Atenção Especializada, âmbito desta pesquisa, a PNH
- prestar atenção a processos de transferência e
traz como diretriz específica para sua implantação a definição
contratransferência, às vezes evidentes, mas muitas vezes
de protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções
sutis. Isto ajuda a melhor compreender-se e a compreender
desnecessárias e respeitando as diferenças e as necessidades
o outro, aumentando a chance de ajudar a pessoa doente
do sujeito.(18) Extrapolando tal diretriz para o cuidado, pode-se
a ganhar mais autonomia e lidar com a doença de modo
afirmar que se faz necessário que os protocolos assistenciais
proveitoso para ela;
atendam tal diretriz, incluindo no pensar as diferenças nas
diversas formas de enfrentamento do adoecimento, fatores - não culpabilizar ou utilizar o medo comorecurso para
apoiadores e dificultadores e, dentre as necessidades, as adesão do paciente a suas propostas;
sociais, emocionais e espirituais. - lembrar que a doença não pode ser a única preocupação
Em relação à Atenção Hospitalar, preconiza-se como na vida. Muitas doenças têm início em situações difíceis da
diretriz a implementação de mecanismos de recepção com vida e a persistência destas pode agravá-las, assim como parte
acolhimento e escuta para o usuário.(18) Para tal, faz-se mister da cura ou da melhora depende de o sujeito aprender novas
aprofundar a discussão e a pesquisa acerca do tema para formas (menos danosas) de lidar com as situações agressivas.
subsidiar novos protocolos ou a reformulação dos atuais, Tais sugestões devem ser norteadoras de uma práxis que
considerando que favorece a atuação do profissional e a adesão dos pacientes
ao plano terapêutico.
[...] quanto mais ampla, detalhada, global, profunda,
sofisticada, precisa e acurada a interpretação do curador O que interessa para o doente é uma resolução
- ou seja, quanto mais integral a abordagem - maior favorável de seus sofrimentos e adoecimentos; melhor
será a completude, a extensividade e a veracidade da quando facilitado por empatia emocional e por uma
interpretação construída: melhor será o diagnóstico e reorganização simbólica que não exija crenças ou
mais eficaz, precisa, harmoniosa e sustentável poderá práticas muito diferentes das habituais do seu universo
ser a ação terapêutica.(15:198) cultural. Entretanto, os doentes dispõem-se, via de regra,
a participar de tratamentos e interpretações, mesmo
O acolhimento diz respeito à disposição ao outro,
com precária compreensão dos termos especializados.
[...] fazendo da clínica, enquanto plano cuja potência Normalmente, o doente é mais exigente quanto à
permite escutar, cartografar e construir formas de empatia, à relação humana e ética envolvidas no “pacto
intervenção, um operador privilegiado no processo de cura” do que quanto à compreensão da interpretação
diagnóstico e de resolução de problemas de saúde, e da ação propostas pelos curadores. Ele quer ser curado
pois é no âmbito da clínica - se entendida de maneira e satisfaz- se com sentir esse compromisso na intenção
ampliada - que são trabalhados o vínculo terapêutico e e na ação do curador, aderindo ao tratamento sem
a escuta aos sujeitos, a partir dos quais se potencializam exigir explicações pormenorizadas dessa ou daquela
condições de compreensão e de interpretação das natureza.(15:197)
demandas pessoais, comunitárias e sociais no campo
da saúde.(19:684)

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Espiritualidade, integralidade, humanização e transformação paradigmática
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