Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SUL – UNIJUÍ
DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE
CURSO DE PSICOLOGIA
Ijuí
2019
BIANCA FERRARI HEMMING
Ijuí
2019
“O poder só é aceitável, desde que esconda uma parte substancial do mesmo. Seu sucesso é
proporcional à sua capacidade de ocultar os seus próprios mecanismos”.
Michel Foucault
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho, bem como, a etapa de conclusão de curso, exigiu muita
dedicação e determinação. Certamente este processo teria sido mais difícil sem a presença de
pessoas que, direta ou indiretamente, fizeram parte da minha formação.
Agradeço imensamente aos meus pais, Jaime Luís Hemming e Alexsandra Ferrari pelo
amor incondicional, por todo o apoio, e ensinamentos transmitidos. Por não medirem esforços
para auxiliar na realização dos meus sonhos, por sempre confiarem nas minhas capacidades e
por se dedicarem ao máximo para que fosse possível a realização desta graduação, me
incentivando do início ao fim. Sem eles nada disso seria possível.
Ao meu irmão, Bernardo Ferrari Hemming, pela parceria que temos, pelos momentos
compartilhados e por sempre estar ao meu lado.
Ao meu namorado, Willian Moura, pelo apoio, incentivo, por não me deixar desistir
dos meus objetivos, e por estar comigo em todos os momentos, segurando a minha mão
principalmente nas dificuldades.
Aos meus amigos que foram a base em todas as dificuldades da minha formação,
deixando-me mais segura e com a certeza de que nunca estive sozinha durante este percurso
tão importante.
A toda a minha família pelo apoio e força recebidos durante toda a formação, mas
especialmente, na etapa de conclusão de curso.
Deixo aqui minha eterna gratidão a todos que de alguma forma contribuíram com o
meu processo de formação!
RESUMO
O presente trabalho aborda o poder, suas relações e seus impactos no ambiente de trabalho.
Como este se coloca na vida e na subjetividade do trabalhador. O poder possui diferentes
concepções, existindo diferentes áreas de estudo e de conhecimentos que se propuseram a
estudá-lo. Toma-se dentre estas, a ideia de que todas as pessoas possuem algum tipo de poder,
ou seja, algum potencial de influência sobre os outros. Nas organizações de trabalho, pode-se
dizer que pessoas de alto cargo possuem capacidade de influenciar outras, mas, pessoas de
baixa hierarquia também possuem poder sobre as outras. O poder é um conceito que
estabelece conexão com outros conceitos, por exemplo, com o conceito de “mando” e de
“influência”, compreendendo que tem poder aquele que influencia outras pessoas ou que de
algum modo tem a capacidade de influenciar ou de modificar resultados organizacionais. O
poder somente pode ser percebido, tomado ou exercido dentro dos vínculos sociais ou mesmo
pela compreensão de que os laços sociais são tecidos e estruturados pela linguagem.
Considerando-se que o ambiente de trabalho é o local onde o sujeito passa a maior parte do
seu tempo, pode-se dizer que o trabalho auxilia na construção da subjetividade do trabalhador.
Existem diversas maneiras de influenciar alguém e de exercer o poder em qualquer contexto
social, sendo que em todos os lugares é preciso do poder para dar início aos trabalhos, porém,
ele pode ser exercido de forma positiva ou de forma negativa. Quando exercido de forma
adequada auxilia no trabalho e nas relações entre os trabalhadores, mas, quando exercido de
forma inadequada, considerando o exercício do poder de forma abusiva controla os sujeitos e
os seus trabalhos, e, influencia de forma negativa na produtividade do trabalho dos sujeitos,
aumenta a rotatividade dos trabalhadores, influencia negativamente a vida dos trabalhadores
até mesmo fora do local de trabalho, impactando assim, a subjetividade dos trabalhadores
podendo conduzir à muitos desdobramentos imperceptíveis e até mesmo ao adoecimento.
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 6
1. PODER, TRABALHO E LAÇO SOCIAL: relato de caso ..................................... 9
1.1 O que é Poder: diferentes concepções ................................................................... 11
1.2 O que é Trabalho e sua importância para a construção subjetiva do trabalhador
........................................................................................................................................ 15
1.3 Laço Social: o poder na construção de vínculos entre sujeitos .......................... 21
2. O LUGAR DO PODER NO TRABALHO ............................................................. 29
2.1 Poder e Política Organizacional: Gestão e Liderança ......................................... 30
2.2 Autoridade e Legitimidade .................................................................................... 37
3. PODER E SUBJETIVIDADE DO TRABALHADOR .......................................... 41
3.1 Desejo de Poder ....................................................................................................... 42
3.2 Poder: visão positiva e negativa ............................................................................ 44
3.3 Abuso de Poder e seu Impacto na Subjetividade do Trabalhador .................... 47
CONCLUSÃO............................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 57
6
INTRODUÇÃO
O estudo aborda o que o poder é capaz de fazer com os trabalhadores, pensando nos
efeitos subjetivos em quem detém o poder, na subjetividade de quem se submete a ele, e as
implicações do poder na organização e produtividade do trabalho.
Este tema é de suma relevância para proporcionar a reflexão das influências que as
relações de poder podem ocasionar na vida do trabalhador, levando-se em conta a importância
de um ambiente de trabalho adequado para o bom rendimento do trabalho e para a qualidade
de vida do trabalhador.
O primeiro capítulo deste trabalho foi intitulado Poder, Trabalho e Laço Social: relato
de caso, sendo subdividido em três subitens – O que é Poder: diferentes concepções, O que é
Trabalho e suas implicações para a construção subjetiva do trabalhador e Laço Social: o
poder na construção de vínculos entre sujeitos.
Também, o primeiro capítulo trata das implicações que o trabalho traz para a
construção subjetiva do trabalhador, visto que, o trabalho é parte importante desta construção.
Dependendo da forma com que ele se coloca para o trabalhador, pode favorecer ou dificultar,
influenciando na subjetividade e na vida do sujeito-trabalhador, e por extensão à própria
produção do seu trabalho. No meio disso tem-se o exercício do poder, pois, dependendo da
forma com que o poder se organiza no campo do trabalho, e como se concretiza nos vínculos
e laços sociais diz respeito a forma como o trabalho se organiza para o sujeito. E, por fim, este
capítulo traz a relação que se estabelece entre poder e laço social, haja visto que o poder só
existe se for pensando enquanto “relações de poder”, pois ele só pode ser exercido dentro das
relações sociais, tendo duas ou mais pessoas envolvidas.
Este estudo pode contribuir para as empresas, trazendo questionamentos com relação
aos modelos de poder e sua influência na produção, demonstrando que a gestão coletiva da
organização do trabalho permite a transformação do sofrimento ou do prazer e possibilita o
engajamento do trabalhador na atividade sem prejuízos à sua saúde mental. Assim estudar a
vida psíquica dos indivíduos e suas manifestações nas organizações ajuda a entender os
processos sociais de controle e de poder, que podem contribuir para a criação de um ambiente
mais saudável e propício à realização.
9
A temática do poder, além de ser um tema da atualidade, é sem dúvidas, um dos mais
polêmicos e antigos estudos das ciências humanas, podendo ser compreendido a partir de
diferentes vertentes. As diferentes concepções que a palavra poder é submetida, e, sendo
objeto de pesquisa de diversas ciências, nos mostra o quão complexo é esse fenômeno e que
ele permeia as relações humanas nos diferentes contextos sociais no qual o ser humano está
inserido.
Após algum tempo, o gestor começou a pedir para o funcionário que modificasse sua
maneira de se vestir, para que ele estivesse sempre na “moda” de forma que os outros
funcionários pudessem se espelhar nele. Outro funcionário da mesma empresa, formado em
moda, foi contratado para ir até a casa deste funcionário, olhar e analisar suas roupas e lhe
“ensinar” maneiras consideradas “corretas” e na “moda” para se vestir.
Por outro lado o trabalho é fundamental para o ser humano ocupar seu lugar e ser
reconhecido na sociedade. E isso requer a compreensão acerca do laço social.
Tendo em vista o contexto de que o trabalho só pode existir a partir do laço social, e
que o sujeito só pode se inserir e permanecer em um campo de trabalho a partir do momento
em que ela se reconhece dentro de um campo social, é que será abordado “laço social”,
discutindo sua importância para o lugar do poder no trabalho, e que, não podemos falar de
11
trabalho e de poder dentro das organizações sem falar de laço social, pois sem laço social não
existiria trabalho, tampouco poder.
ao significado deste termo. Influência é o ato de alguém “invadir” as relações entre as pessoas
na tentativa de provocar mudanças no comportamento destas intencionalmente. Influência é
utilizada em quase todas as definições de poder, para dizer que “influenciar é exercer poder,
tem poder quem influencia”. (SILVA, 2007, p. 54). Ou seja, pode-se dizer que quando uma
pessoa tem a capacidade de modificar o comportamento e as ações de outras pessoas significa
que ela está exercendo a influência sobre os outros e consequentemente, o poder.
De acordo com Katz e Kahn (1976) a influência pode ocasionar efeitos positivos ou
negativos, sendo positivo quando a influência apresentar os efeitos que o influenciador espera,
e negativa quando apresenta resultados contrários ao que o influenciador espera. A influência,
segundo esses autores, é qualquer ato que produza algum efeito, podendo manifestar-se no
comportamento, no estado psicológico do sujeito, ou em qualquer de suas condições.
Referindo-se ainda a influência, Leavitt et al (1980, apud Krausz, 1988) afirmam que
um dos principais componentes do poder é a capacidade que uma pessoa apresenta em
influenciar ou controlar o comportamento de outras pessoas. Os autores consideram o poder
como a capacidade de influenciar as ações de indivíduos ou grupos. Assim, o poder pode ser
compreendido como um recurso que leva as pessoas a determinados resultados, ou seja, é um
potencial de influência sobre os outros. Com isso, torna-se necessário mencionar também os
conceitos de controle e autoridade, pois, esses conceitos, juntamente com o conceito de poder,
são derivados da influência.
Controle diz respeito a influência produzida no sujeito que tem o efeito que o
influenciador deseja, ou seja, controlar o sujeito, suas ações e comportamentos. Quando se
fala em falta de controle, não quer dizer que não se teve influência, ou que não se teve
controle, mas, significa dizer que as tentativas para tais não ocorreram de modo efetivo. Poder
significa a capacidade que uma pessoa tem em influenciar outras utilizando meios de coerção
para exercê-la. Autoridade é o poder que uma pessoa tem devido a sua posição determinada
pela hierarquia organizada pela própria organização. É o poder considerado legítimo, ou seja,
que é aceito pelos demais membros da instituição. É o poder considerado legal. (KATZ;
KAHN, 1976).
Enquanto alguns autores utilizam a palavra influência para definir poder: “capacidade
de influenciar outrem a fazer algo contra sua própria vontade, ou capacidade de influenciar
resultados organizacionais”. (MINTZBERG, 1983 apud SILVA, 2007, p. 27). Srour (1998)
13
diz que existem diferenças entre esses conceitos. O poder, segundo esse autor, atua sobre os
corpos e sobre as vontades das pessoas por meio de ameaças, força física, violência, e
imposição. E, a influência quer dizer tentar fazer com que as outras pessoas façam aquilo que
se considera correto sem haver o uso de força.
O poder pode ser visto também como um mundo de disputa onde existe uma tensão
permanente, presente não só em todas as pessoas como também nos seres vivos. É uma força
que serve para conduzir um grupo de pessoas com o intuito de buscar algo em comum. Pode
ser visto como uma necessidade ou utilidade de um grupo, sendo uma função que faz parte
das relações sociais entre os seres humanos.
1
A punição referente à desobediência ou à execução de uma lei. (Dicio.com.br, 2009).
14
Estudos da sociologia definem o poder como a habilidade de impor uma vontade sobre
os outros, mesmo havendo resistência. É algo que vem de uma classe superior e mantém o
domínio e o comando sobre uma classe inferior. A partir dessa compreensão, poder significa a
probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, mesmo contra a
vontade das outras pessoas envolvidas. (SILVA, 2007).
Além de impor uma vontade sobre os outros, Vieira e Carvalho (2003) dizem que o
poder refere-se à capacidade que o indivíduo ou a organização possui de impor ideias a partir
da sua própria estrutura interna. Com a imposição de extrapolações da estrutura interna da
organização ou do próprio individuo compreende-se que “estes possuem algo, 2atávico ou
‘genético’, capaz de dar direção impositiva a relações externas, seja por meio da autoridade
ou da coerção”. (VIEIRA; CARVALHO, 2003, p. 72). A partir dessa direção, a
psicossociologia ao realizar estudos sobre o poder considera-o uma integração entre os
aspectos psíquicos do sujeito e os aspectos objetivos (econômicos, políticos e ideológicos),
por isso, ao estudar as organizações deve-se relacionar os níveis econômicos, políticos e
ideológicos com as estruturas internas do sujeito trabalhador, ou seja, com o seu inconsciente.
Enriquez (2001) introduz um novo modo de pensar o poder, que parte das próprias
instituições. Ele diz que o sistema de poder já está instaurado dentro das instituições. Ou seja,
é a própria instituição que exerce o poder sobre a psique e as condutas humanas, pois mesmo
que a conduta do sujeito seja derivada do seu desejo, a instituição que proporciona à pessoa
certa autonomia, “definindo a estrutura hierárquica, a divisão do trabalho, o detentor da
palavra e o sistema de sanções”. (VIEIRA; CARVALHO, 2003, p. 95). Assim, mesmo que o
individuo ocupe algum papel na estrutura de poder, este não é atribuído do individuo, mas
sim, é uma capacidade ou condição que a organização proporciona para o sujeito, sendo que a
ação de poder é decorrente do seu papel na organização.
2
Transmitido ou adquirido de maneira hereditária; que se refere ao atavismo, ao reaparecimento em alguém das
características de um antepassado que permaneceram escondidas por muitas gerações. (Dicio.com.br, 2009).
15
Dito isso, pode-se compreender que o poder não se constitui como algo que se deve
obedecer a alguém. Apesar de o poder ser compreendido como uma relação, ele não é
percebido dessa forma, pois este acaba sendo reconhecido como objeto de medo e de que
deve ser respeitado. Nesse sentido, a instituição é colocada no lugar do poder, “como
mobilizadora de 3pulsões, como órgão de regulação da sociedade, como concretização do
poder, como formação e socialização das pessoas para torná-las dóceis e satisfeitas com sua
submissão” (VIEIRA; CARVALHO, 2003, p. 96).
Então, o próximo tópico deste capítulo abordará: o que é trabalho e sua importância
para a construção subjetiva do trabalhador, tendo em vista que o trabalho é o local onde o
sujeito passa a maior parte do seu tempo e da sua vida, por isso é considerado um local de
grande relevância e que apresenta grandes implicações para a construção da subjetividade do
sujeito. Dependendo da maneira da organização do trabalho, remetendo a forma com que o
poder muitas vezes é exercido causa consequências para a produção do trabalho do sujeito e
também para a sua vida fora desse ambiente, na sua subjetividade.
3
Segundo Freud (1916), pulsão é o conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o
representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo - dentro do organismo - e alcança a mente, como
uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo.
16
Na maioria das vezes, a visão negativa atribuída à palavra “trabalho” está relacionada
a uma representação de maldição, coerção, castigo, e esforço, servindo apenas para a
sobrevivência material do sujeito, pois, nesse contexto, o individuo trabalharia apenas para
garantir sua sobrevivência e não pelo seu bem-estar e satisfação. (NEVES et al, 2017). Nessa
mesma perspectiva, podemos encontrar o trabalho associado à noção de sacrifício, esforço
incomum, carga e atividade esgotante, ou até mesmo, dor, tortura e fadiga. Jaccard (1960) diz
que, de acordo com o Antigo Testamento esta palavra também está associada ao termo de
punição que é de onde se originam as noções de obrigação, dever e responsabilidade.
O termo “trabalho”, antes do século XV, originava-se das palavras: besogne, que vem
de besoin, e significam respectivamente, trabalho e necessidade; e labor, que vem do latim –
labare e laborare, e significa fazer muito esforço. (JACCARD, 1960). Porém, a partir do
século XV, esses termos foram substituídos pela palavra – tripalium – que significa
instrumento de tortura. Antigamente, este termo era utilizado para referenciar a um
instrumento feito de três paus aguçados que às vezes tinham ponta de ferro e que era utilizado
pelos agricultores para rasgar e esfiapar o trigo, espigas de milho e o linho. Utilizando o termo
“torturar”, é justamente nesse sentido que a terminologia trabalho significou durante muito
tempo, fazendo conotação ao sofrimento. Pode-se compreender então, que a avaliação
negativa da palavra “trabalho” está associada com o termo que a originou. Porém, “desse
conteúdo semântico de sofrer, passou-se ao de esforçar-se, laborar e obrar”. (ALBORNOZ,
1994, p. 10).
trabalho envolve uma dupla transformação, pois além de transformar o homem, transforma o
meio em que ele vive.
Para a alma hebraica e para a grega o trabalho era considerado como um castigo e
sofrimento, porém, “o trabalho sempre foi, para o homem, simultaneamente, alegria e
tormento. Pela sua própria natureza implica um esforço, tensão, constrangimento, que, [...]
pode ir até ao sofrimento”. (JACCARD, 1960, p. 22). Devemos considerar então, que o
trabalho enquanto atividade de satisfação não existe se não for fonte de sofrimento, e ao
mesmo tempo, fonte de alegria.
O trabalho pode ser compreendido como uma função psicológica e uma necessidade,
porém, este termo não era reconhecido dessa forma antes da era do Socialismo e da Grande
Indústria, que ocorreram no século passado. Antigamente, o homem executava suas atividades
visando apenas às necessidades básicas, como se alimentar e se vestir. Na Antiguidade, Idade
Média e parte da Modernidade o próprio homem não reconhecia o valor da atividade que
18
realizava e a sua razão de existir. Então, pode-se dizer que não havia consciência sobre a
dignidade do trabalho.
Para os povos antigos a noção de trabalho não era vista de forma clara e definida, pois
eles caçavam animais somente para seu sustento, sendo que esta era uma atividade ocasional,
que não era exercida de forma rotineira e regular. O trabalho nesse sentido tinha função
econômica, ou seja, servia apenas para a sobrevivência dos seres humanos. Apesar de o
trabalho não ter o seu reconhecimento, também exercia função psicológica e social, pois por
meio dele os povos podiam expressar suas mais profundas necessidades. Porém, somente após
os artesãos, criadores de gado e agricultores exercerem uma continuidade nas suas atividades,
exercendo-as com regularidade, é que a noção de trabalho modificou, se definiu e passou a ser
reconhecida. Com essa estabilidade em relação a agricultura e ao artesanato, a noção de
trabalho se modificou, pois “fabricando e aperfeiçoando seus utensílios, o homem do passado
tinha em vista um fim preciso e consciente; não ignorava o sentido e a natureza do trabalho”.
(JACCARD, 1960, p. 15).
Compreende-se a maneira que o trabalho era visto antigamente também, com a classe
operária. Durante o Século XIX, a classe operária lutava por melhores condições de trabalho.
A duração do trabalho era em torno de 12, 14 ou 16 horas diárias, as crianças eram obrigadas
a trabalhar na produção industrial, os salários eram muito baixos, insuficientes para o próprio
sustento. Havia falta de higiene, esgotamento físico, acidentes de trabalho e condições para
uma alta morbidade e mortalidade. Ou seja, nesta época, segundo Dejours (1992) lutar pela
saúde era a mesma coisa do que lutar pela própria sobrevivência.
O trabalho era exigido de forma tão intensa, que além de sofrimento, causava risco a
própria vida dos operários trabalhadores. Pode-se compreender que a luta dos operários tinha
claramente dois principais objetivos, que eram o direito à vida e a liberdade de organização.
Assim, uma das principais conquistas da classe operária foi a redução da jornada de trabalho,
bem como, a conquista pelo seu direito de viver.
ao nosso questionamento, o autor nos diz ainda, que o sofrimento mental é resultante da forma
que o trabalho está organizado.
No decorrer do século XX, o trabalho recebeu outra configuração, pois foram surgindo
novas formas de organizar o trabalho, bem como, novas formas de trabalho. Pode-se observar
que os empregos não são mais duradouros como antigamente, em que o trabalhador
permanecia no mesmo emprego até a idade de exercer a aposentadoria. Foram surgindo novas
tecnologias, substituindo muitas vezes os próprios trabalhadores; novos modelos de gestão e
novas possibilidades de produtividade. Essas modificações redefiniram o lugar e o sentido de
trabalho na vida de cada sujeito, visto que, trouxeram implicações objetivas e subjetivas, pois,
o trabalho tem valor tanto socioeconômico, como também valores socioculturais, sendo a
experiência que o trabalho traz para cada pessoa.
No mundo capitalista, o trabalho passou a alienar o homem à medida que ele precisa
vender sua força de trabalho apenas para sua sobrevivência, tornando o trabalho dissociado da
pessoa que o realiza. Por isso dizemos que o trabalho, fonte de satisfação e de prazer, pode-se
tornar também fonte de sofrimento e adoecimento quando o trabalho se torna muito rígido e
repetitivo, impossibilitando o sujeito de qualquer criação e transformação da sua tarefa. Com
isso, o sujeito acaba realizando somente aquilo que lhe é solicitado, sendo impedido de criar
ou pensar no seu próprio trabalho. (BORGES; RIBEIRO, 2013).
subordinado ao capital não tem mais controle do produto nem do processo de seu trabalho,
pois estes estão centralizados nas mãos do capitalista” (p. 320).
Essas inúmeras pressões que os trabalhadores são submetidos na sociedade atual acaba
gerando uma insegurança psicossocial. Com isso o estresse aumenta e consequentemente
afeta o próprio caráter do trabalhador, que é capaz de passar por cima dos outros
trabalhadores para conseguir o que almeja. Esses sentimentos advindos do próprio ambiente
de trabalho podem afetar a construção da autoestima do sujeito, e acabar fragilizando outros
relacionamentos sociais, como por exemplo, o ambiente familiar do trabalhador. (NEVES et
al, 2017).
Dejours (1996) afirma que o indivíduo que perde o emprego passa por um processo de
dessocialização, e apresenta sua identidade afetada, por não ter mais condições de sustentar
sua vida e da sua família. Por outro lado, o indivíduo que permanece no emprego vivencia
essa permanência com medo de perdê-lo.
De acordo com Antunes (2000 apud Neves et al 2017), o sentido do trabalho deve ser
relacionado com o sentido na vida. Ou seja, não há como encontrar sentido na vida, se não
nos sentirmos satisfeitos e realizados no âmbito do trabalho. O trabalho passa a ter sentido
para o sujeito, na medida em que ele se torna capaz de atribuir valor àquilo que produz, pois
somente a partir desse momento é que o trabalhador vai se sentir realizado ao executar
determinada atividade.
Quando se tinha certa estabilidade no emprego, o trabalhador sentia que ele próprio
era o autor da sua história, visto que, a vida fazia sentido ao trabalhador por meio das
conquistas que o fruto do seu trabalho lhe proporcionava. Com essa estabilidade, não existia
tantas cobranças e exigências, nem disputas internas entre os trabalhadores. Com o
capitalismo e ideias neoliberais cada vez mais presentes, o individuo passa a não ter mais
controle da sua vida, pois é sua a responsabilidade de se manter no emprego, passando a viver
com ansiedade por não saber mais o que acontecerá com o seu futuro e da sua família.
Gaujelac (2007, apud, Neves et al 2017) afirma que os novos modelos de gestão e
direção das empresas são responsáveis pelo sofrimento psíquico dos trabalhadores.
21
No texto “mal-estar na civilização”, Freud (1930) refere-se ao trabalho como uma das
formas que faz com que o sujeito encontre um pouco de felicidade, porém, principalmente na
atualidade o trabalho também tem sido fonte de sofrimento e patologia. O mal-estar no
trabalho seria fruto do próprio discurso que articula e desarticula o laço social na
contemporaneidade. A seguir, abordar-se-á sobre laço social e sua relação com o poder nas
organizações, visto que, o poder só existe se for pensado nas relações sociais.
Inicialmente, será utilizado como principal referencial teórico a obra Totem e Tabu, de
Freud, onde “a superação da horda primeva4 pelo totemismo representa uma mudança de
paradigma que demarca um corte que origina o laço social.” (MALCHER; FREIRE, 2016, p.
4
A horda primeva descrita por Freud em Totem e Tabu é formada por um bando de irmãos que vivem sob a
liderança e repressão sexual de um pai violento, que possui e vigia todas as fêmeas contra as possíveis investidas
sexuais dos filhos machos, e, enciumado os expulsa do bando. Tão logo eles se tornam grandes o suficiente para
por em risco o poder absoluto do pai. (FREUDESLIZAR, 2010).
22
70). Nessa obra Freud (1912-1913), faz uma comparação entre os tabus totêmicos e o
Complexo de Édipo, referindo-se a dois tabus fundamentais que são o assassinato do animal
totêmico e a proibição do incesto, dizendo que assim como as pessoas, principalmente nas
sociedades primitivas, tinham o desejo inconsciente de descumprir essas leis, os neuróticos
também apresentam inconscientemente o desejo de afastar o pai para ter a mãe.
A atitude da criança para com o pai é matizada por uma ambivalência peculiar. O
próprio pai constitui um perigo para a criança, talvez por causa do relacionamento
anterior dela com a mãe. Assim, ela o teme tanto quanto anseia por ele e o admira
[...] Quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a permanecer
uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra estranhos
poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura
do pai [...]. Assim, seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua
necessidade de proteção contra as consequências de sua debilidade humana.
(RIZZO, 2011 apud FREUD, 1927, p. 38).
Em Totem e Tabu, o pai ocupava lugar de líder da horda, representado como um lugar
de exceção e de violência. O líder não faz laço com os outros membros, pois, ele é o único
que tem direito de se aproximar das mulheres da horda, proibindo aos outros tal aproximação.
Por este motivo, os filhos ao crescerem desafiam este pai, se reúnem com o mesmo objetivo
que é o de eliminar o pai. O líder exerce sua lei de forma violenta, e, é interessante notar que o
lugar de exceção ocupado pelo líder implica na lei somente para os outros indivíduos, e não
para ele próprio.
Neste momento submetemo-nos a uma situação um tanto irônica, pois, aquele que não
faz laço acaba favorecendo o laço social entre os membros da horda primitiva, na medida em
que o líder torna-se o inimigo, e todos insatisfeitos realizam uma reunião com o intuito de
acabar com ele. Somente ter o mesmo pensamento, de acabar com o líder, não os faz
manterem o laço social, mas lhes dá a oportunidade para isso. “Se individualmente, os
vencidos e expulsos pelo pai primevo não se sentiram fortes o suficiente, reunidos mostraram-
se capaz de eliminá-lo”. (MALCHER; FREIRE, 2016, p. 71). Os filhos insatisfeitos matam o
pai que ocupava lugar de líder, lugar de exceção e apresentam o intuito de obter o poder do
pai, se identificando com ele. Dito isso, compreende-se que o nascimento de um grupo de
pessoas ocorre quando existe o mesmo pensamento, os mesmos objetivos.
Freud (1912-1913) diz que as pessoas que pertencem ao mesmo grupo precisam
cometer um crime em conjunto, pois é esse crime comum que faz os seres humanos tornarem-
23
A primeira vez que as pessoas, dentro de uma instituição ou sociedade, sabem o que
querem é quando podem falar sobre aquilo que elas não concordam e não gostam, assim, o
grupo começa a partilhar do mesmo pensamento. O objetivo disso não é simplesmente fazer
esse outro “desaparecer”, mas principalmente se apropriar da potência e desta violência
originária existente nesse outro. Esse ato de incorporação e de assassinato ao pai é que faz
com que o grupo exista de forma durável, formando o que chamamos de laço social.
O acesso à cultura precisa passar pela referência paterna, sem esta referência não é
possível construir uma cultura. Com isso, torna-se importante fazer uma diferenciação entre
cultura e as relações sociais. Em ‘o mal estar na civilização’, Freud (1930) traz que a cultura
24
pode ser compreendida como uma instituição de justiça que, por meio do estabelecimento de
normas e regras, priva muitas vezes a liberdade dos sujeitos. A cultura é um princípio de
regulação que atua sobre as relações sociais. Então, podemos considerar como característica
de uma cultura a forma como as relações humanas são reguladas.
Então, finalmente, pode-se compreender que a cultura refere-se ao tempo mítico que
seria o assassinato do pai da horda, pois este tempo é o que funda o princípio que vai regular a
relação entre os indivíduos. O laço social refere-se às diferentes maneiras de lidar com as
consequências do retorno deste ato primitivo, no decorrer da história. Pode-se dizer que o
elemento cultural funda a humanidade, e os laços sociais “estabelecem a história, eles
inscrevem ao longo do tempo as formas de enlace que os humanos constituem entre si”.
(POLI, 2004, s.p). Ou seja, podemos pensar que o laço social é as relações entre os indivíduos
construídas historicamente.
O sujeito se constitui por meio das relações sociais, sem isto, não existiria sujeito.
Freud (1930) diz que o relacionamento com os outros é a maior causa de sofrimento do
homem, ou seja, pode-se considerar que o mal-estar na civilização afeta os laços sociais. Os
laços sociais são causa e consequência do mal-estar. Os laços sociais são estabelecidos por
26
meio da linguagem, e, por este motivo, podem ser denominados discursos. A linguagem é
fundamental para a construção e o estabelecimento de uma cultura, pois é o que permite a
comunicação entre os seres humanos, por isso, as trocas sociais, trocas de ideias e também o
pensamento fica impossibilitado se a linguagem falhar.
Nota-se, também, que a presença de um líder em grupos sociais é bem mais antiga e
complexa, pois os clãs totêmicos analisados por Freud, organizações sociais primitivas sem
desenvolvimento algum, deram origem às atuais sociedades, trazendo no nosso inconsciente a
herança dessas relações.
5
“o sentimento inconsciente de ameaça experimentado pela criançaquando ela constata a diferença anatômica
entre os sexos” (ROUDINESCO, 1998).
6
marca que fica no inconsciente. Essas marcas permanecem e são uma forma de fuga de conteúdos internos que
ameaçariam o ego. Desta forma, permanecem no inconsciente, no entanto, não sem causar consequências e
determinar comportamentos e atitudes. Pelo contrário, quanto maior o duelo entre o conteúdo reprimido que
deseja vir à consciência e a força que o ego faz para manter o ameaçador fora, mais se alojam consequências
negativas na rota da vida do sujeito.
27
O poder afeta no mínimo duas pessoas, e é considerado uma relação que está presente
em todos os contextos sociais, tanto nas sociedades maiores quanto em pequenos grupos,
sendo que se torna mais visível quando trata-se de coordenar ou controlar alguma atividade.
O poder é uma relação de forças, que existe em todos os lugares. As pessoas não
existem sem as relações de poder, pois, o poder é uma prática social, e não um objeto natural
e, enquanto prática social constitui-se historicamente. Foucault (1986, p. 14) afirma que:
O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só
funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de
alguns. [...] O poder funciona e se exerce em rede. Em sua malha, os indivíduos não
só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua
ação.
Então, o poder não pode ser visualizado a partir de uma dominação de um individuo
sobre os outros e de uma classe sobre as outras. O poder não pode ser pensado a partir de que
um grupo de pessoas tem o poder e outro grupo de pessoas não tem, pois, o poder está agindo
em todas as partes, na sociedade inteira e em todas as pessoas. “Através de seus mecanismos,
o poder atua como uma força, coagindo, disciplinando e controlando os indivíduos”.
(BRÍGIDO, 2013, p. 60). E, quando executado na forma de controle, impossibilita o sujeito de
realizar adequadamente e produtivamente suas atividades, prejudicando sua convivência e
relações sociais no ambiente de trabalho. Assim, o capítulo a seguir trata mais
especificamente sobre o lugar do poder no contexto organizacional.
29
O ser humano é um ser individual, pois se representa por interesses diferentes e por
vezes conflitivos. Para abordar o lugar que o poder apresenta no trabalho, torna-se importante
falar além de poder, sobre a política existente nas organizações. Segundo Arendt (1999), por
este motivo, estabelece-se uma relação entre política e poder, visto que, tanto a política quanto
o poder surgem da necessidade que o sujeito possui em conciliar essas diferenças e organizar-
se em sociedade. Assim, pode-se considerar que a política e o poder são fenômenos naturais e
que são essenciais para as relações sociais na sociedade, mas também nas organizações de
trabalho. Como já mencionado, o poder é definido como a capacidade ou habilidade que uma
pessoa tem em influenciar o comportamento de outras pessoas ou de afetar os resultados
organizacionais, e a política é definida como a maneira; a forma com que o poder é exercido.
Referindo-se a política existente na organização, Cherques (1993 apud Silva 2007) diz
que se as pessoas prestarem atenção vão perceber que ocorre uma pequena tragédia todas as
vezes que uma nova gerência assume o poder na organização, e que isso tende a se repetir
todas as vezes, como se sem essa tragédia não fosse possível a renovação da instituição. O
poder nunca é fácil, de graça, mas, sempre é conquistado. Com isso, o autor utiliza a obra de
Maquiavel – “O príncipe” para falar sobre o esquema dos leões e das raposas, e sua relação
com a liderança.
Não importa que alguém tenha conquistado um cargo de liderança, por mérito ou
acaso, ou que um posto lhe tenha sido outorgado por sorte, herança ou conveniência.
Só domina, só chega a elite – entendendo-se por elite a minoria ocupante das
situações estratégicas – aquele que tem força e astúcia, que tem a Virtú7. Assim,
caminha para o poder aquele que equilibra a força dos leões – grandeza de ânimo, fé
na justiça, o propósito e a astúcia das raposas – colocando a própria sobrevivência
acima dos ditames das normas e da moral. (CHERQUES, 1993 apud SILVA, 2007,
p. 18).
Sobre isso o autor ainda causa a reflexão de que nas organizações, atualmente, as
pessoas que pretendem alcançar o poder ou se manterem no poder, seja chefe, presidente,
administrador ou gerente, podem agir como leões ou como raposas.
7
Para Maquiavel (1987), a virtú é a destreza do governante em obter o sucesso pelos favores da fortuna,
alcançando com isso a glória e a manutenção do poder. A virtú era a astúcia política, o segredo da excelência e o
sucesso do príncipe.
31
normalmente utilizam o poder para atingir seus objetivos e metas organizacionais. Além do
conceito de poder, a liderança também está interligada com o conceito de influência, haja
vista que a liderança é definida como “um processo de influenciar pessoas para o atingimento
de metas organizacionais e poder como a capacidade [...] para influenciar pessoas e
acontecimentos”. (SILVA, 2007, p. 59). Mencionando a relação existente entre poder,
liderança e influência, tem-se que o poder de um líder é fundamental não apenas para
influenciar subordinados, mas também para influenciar superiores, colegas de trabalho e até
mesmo pessoas que estão fora da organização como clientes e fornecedores. (MUCHINSKY,
2004 apud SILVA, 2007). A influência ainda pode ser considerada como a principal
característica da liderança.
Srour (1998) faz uma diferenciação entre gestor e líder, dizendo que muitas vezes as
pessoas confundem a ocupação de cargos com liderança, mas, nem sempre é assim. O autor
diz que a liderança ultrapassa cargos ou posições formais, não necessitando de
institucionalizações. O líder, geralmente, é estabelecido de forma espontânea e informal, de
acordo com o seu convencimento sobre os seguidores, ou seja, necessita da influência. Este
mesmo autor faz ainda uma relação entre poder e mando, dizendo que, essas duas concepções
consistem “em ter a capacidade de decidir e de obter a docilidade de outrem, de ditar ordens e
de vê-las cumpridas”. (SROUR, 1998). A maneira mais utilizada em exercer o poder ou o
mando está no uso da ameaça ou da força física sobre o corpo. O autor também diz que um
chefe só recebe a obediência dos seus subordinados, pois estes possuem medo das situações
desconfortáveis e muitas vezes constrangedoras que a desobediência pode ocasionar e
também porque encontram-se vulneráveis economicamente. Outro motivo da obediência ao
chefe é a impossibilidade de realizar algum trabalho autônomo como meio de subsistência,
especialmente nas sociedades capitalistas. Por este motivo todos necessitam do emprego e se
sujeitam a cumprir as atividades determinadas para sua jornada de trabalho.
No século passado tinha-se o pensamento de que se uma pessoa quisesse liderar uma
empresa ou um grupo de pessoas, deveria realizar cinco funções: prever, organizar, comandar,
32
coordenar e controlar. Com o passar dos anos, essas funções reduziram-se para: planejamento,
organização, direção e controle. Sendo que, o pensamento é de que juntamente com a
realização dessas funções se construam o nascimento de grandes organizações. (RIZZO,
2011).
Marques (2009 apud Rizzo, 2011) considera que, durante muito tempo, tinha-se o
pensamento de que a liderança era uma qualidade que a pessoa tinha, juntamente com
características da sua própria personalidade. Porém, percebeu-se que existem alguns fatores
que faz com que alguém consiga a condição de liderar outras pessoas. A personalidade do
sujeito é um fator importante, porém, além disso, o lugar de líder depende de uma posição
hierárquica diferenciada dos outros, bem como, a competência.
Em sua maioria, os gerentes e líderes são as pessoas que costumam exercer o poder
nas organizações. O gerente é um líder que foi nomeado previamente pela organização, sendo
que a ele foi atribuído um poder legítimo, ou seja, ele detém a autoridade, e tem a função de
auxiliar nas atividades de trabalho de um ou mais subordinados. Ele tem a responsabilidade de
cumprir e de fazer com que os outros cumpram o que está determinado pela organização, ou
seja, as atividades que precisam ser exercidas. Já a liderança é uma relação entre as pessoas,
considerando que, os níveis de influência e poder entre essas pessoas foram atribuídos de
maneira desigual, pois o líder, para ser considerado enquanto líder possui mais nível de
influência e poder do que os outros trabalhadores. A liderança também não ocorre de maneira
isolada, ou seja, é preciso que ela ocorra dentro das relações entre as pessoas, sendo que para
existir o líder é necessária a existência de seguidores. (BOWDITCH e BUONO, 1992 apud
SILVA, 2007).
O poder legítimo, como já referido anteriormente, é aquele que não se baseia nas
características pessoais do sujeito, pois este tipo de poder diz respeito a autoridade que já é
atribuída à pessoa pela organização. Depende dos demais funcionários acreditarem e
aceitarem que aquela pessoa tem capacidade e autoridade para estar e permanecer no
comando das outras pessoas.
O poder de coerção é quando existe punição, podendo esta ser realizada com multas,
redução de salário ou até mesmo, com a demissão dos subordinados. (SPECTOR, 2002). Este
tipo de poder envolve medo e ameaça, pois os funcionários ficam com medo do que pode
acontecer caso eles desobedeçam ou não concordem com alguma situação. Para que o poder
coercitivo funcione, os funcionários precisam realmente ter medo da punição e valorizar o seu
“estar na empresa”. Esse tipo de poder é formalmente concedido nas organizações, e
normalmente, é visto como o tipo de poder que as pessoas menos desejam, pois se baseia na
imposição de punições por parte dos superiores. (KRUMM, 2005).
34
Existe o líder natural (que é aquele apoiado pelo grupo), e o líder nomeado (que foi
nomeado pela própria organização como gerente, supervisor ou administrador). O líder
natural, na maioria das vezes, utiliza o poder de conhecimento ou especialização e o poder de
recompensa, e o líder nomeado pela organização utiliza na maioria das vezes o poder
legítimo, de referência e o poder de coerção. Krumm (2005) ainda diz que o poder emerge de
duas fontes, podendo ser da organização ou do sujeito. O poder legítimo, de referência e de
coerção são atribuídos ao individuo pela organização, por meio do cargo, da hierarquia que se
35
organiza dentro da empresa e da autoridade atribuída à pessoa por meio da posição que esta
ocupa. O poder de conhecimento ou especialização e o poder de referência originam-se do
próprio sujeito, das suas características pessoais (conhecimento, habilidades, personalidade),
sem que dependa do cargo que a pessoa ocupa na empresa. A autora ainda complementa
dizendo que executando o poder de referência existe a possibilidade de levar o grupo a atingir
melhores resultados.
O líder atualmente se tornou uma imagem a qual as pessoas devem seguir e respeitar.
Uma imagem que deve ser mediadora dos conflitos existentes entre os trabalhadores dentro da
organização, e, aquele em que as pessoas podem confiar, “que carrega nas mãos milhões em
ações de investidores e outras milhares de vidas diretas e indiretas e, por isso, é muitas vezes
uma figura aterrorizante” (RIZZO, 2011, p. 39). O líder, na maioria das vezes representa um
determinado setor ou área da organização ou representa a organização inteira.
O líder é visto como uma figura que pode ser protetora, temida, incontestável ou
compreensiva, e que, na maioria das vezes possui o poder sobre as vidas dos trabalhadores
dentro da organização, podendo ser visto como uma figura que auxilia ou uma que ameaça,
destruindo o trabalhador da organização.
Na obra Totem e Tabu, Freud (1912-1913) refere-se ao chefe como um tabu, dizendo
que, Tabu é de um lado o sagrado e consagrado, e de outro lado, o misterioso, o perigoso, o
proibido e o impuro. Simultaneamente o atraente e o temido. A característica do tabu é de ser
revestido com um poder considerável. O autor considera o chefe como um estrangeiro ao
36
grupo, aquele que possui capacidades que são proibidas às outras pessoas do grupo, ou seja,
possui um caráter de poder exercido sobre as pessoas. O chefe subjuga, fazendo com que as
pessoas, muitas vezes, vivam com medo dele, e com o desejo de destruí-lo para que também
consigam realizar seu desejo de autonomia e poder.
O assassinato do chefe é compreendido nesta obra como uma luta das pessoas pelo
poder e também pela conquista de ter o direito a palavra. O assassinato do chefe da horda faz
com que o chefe se transforme em pai, convertendo assim os membros do grupo em filhos e
em irmão, e com isso acontece o nascimento do grupo e da história da linguagem. A
civilização, portanto, vive do assassinato e da repressão do assassinato, do desejo insatisfeito
e da vontade de transgressão das normas.
A liderança pode ser percebida muitas vezes como uma solução para todos os
problemas que ocorrem dentro da organização. Assim, segundo Hall (2004 apud Rizzo 2011),
buscar uma nova liderança pode mascarar arranjos estruturais inapropriados, distribuições de
poder que impedem ações eficazes, falta de recursos e procedimentos ultrapassados.
Vieira e Zouain (2006 apud Rizzo, 2011) apresenta um caráter “patriarcal na liderança
organizacional” que também tem origem na família, pois a marca que não se apaga dessa
estrutura é a tradição e os valores familiares os quais são materializados no patriarca. As
organizações americanas sempre operaram de maneira patriarcal, fazendo com que os
funcionários se dediquem a empresa com total lealdade, prometendo em troca “cuidar da vida
deles”. Essa afirmação diz que se o trabalhador que é liderado reconhece a organização como
sendo sua estrutura familiar, “seu inconsciente irá traduzir que são lugares iguais e seus
conflitos serão os mesmos”. (RIZZO, 2011, p. 42).
Contudo, o que de fato na maioria das vezes ocorre é que as pessoas estão tatuadas na
sua relação com a empresa. E o que se espera do trabalhador é que sua fidelidade seja
dedicada única e exclusivamente para a empresa que trabalha. Essa noção pode causar o risco
de o trabalhador ter um comportamento submisso, de modo que não valorize a sua própria
criatividade. Segundo Rizzo (2011), o trabalhador deve ter cuidado de manter uma lealdade
com a empresa sem tornar-se submissa por um estilo patriarcal muitas vezes abusivo e
exagerado.
37
Ao interpretar o líder com a obra totem e tabu de Freud, pode-se interpretar os clãs
como a empresa, pois é quando o executivo perde seu sobrenome e ganha o sobrenome da
empresa. A pessoa passa a ser reconhecida pelo local que ela trabalha, por exemplo: “Marcos
da empresa tal”. O trabalhador se sente protegido ao ser reconhecido pelo nome da
organização que ele faz parte.
Rizzo (2011) considera o líder como alguém que tem o poder de fazer o elo entre os
interesses mútuos e conflitantes de uma organização e seus funcionários. Então, pode-se dizer
que a esse líder foi dada uma autoridade, uma espécie de poder.
Dito isso, torna-se importante falar de forma mais detalhada sobre a autoridade e
legitimidade, tento em vista que são dois componentes fundamentais referindo-se ao exercício
do poder nas organizações.
da organização ou da aceitação das outras pessoas, mas depende também das características
da personalidade da pessoa que vai exercê-lo.
[...] A relação de autoridade entre aquele que comanda e aquele que obedece não
repousa nem sobre uma razão comum, nem sobre o poder daquele que comanda; o
que eles têm em comum é a própria hierarquia, da qual cada um reconhece a justeza
e a legitimidade e, na qual ambos têm antecipadamente seu lugar fixado. (ARENDT,
1957 apud LEBRUN, 2009, p. 110).
39
Quando as pessoas são forçadas a fazer algo pela aplicação da força ou apenas pelo
lugar que alguém ocupa, dizemos que essa pessoa está submetida ao poder, e, quando a
pessoa faz alguma coisa por meio do exemplo e do caráter, significa aplicação da autoridade.
O fato de falar implica imediatamente uma diferença de lugares, pois tem aquele que
fala e aquele que escuta. Os campos da fala e da linguagem caracterizam as pessoas como
seres humanos, e nisso está implicada uma diferenciação de lugares. A possibilidade de a
autoridade ser reconhecida com legitimidade está no fato daquele que fala poder ocupar um
lugar reconhecido não apenas pela fala, mas sim, pela coerência daquilo que é falado.
Pode-se dizer que existe determinada pessoa que ocupa um lugar de exceção, que é um
lugar diferenciado, que não é o lugar que outras pessoas ocupam, mas deve ser pensado
também na coerência disso que se fala. Isso sustenta a autoridade do doutor, do cientista, do
professor. Essas pessoas estão em um lugar determinado pelas suas capacidades e
competências para ocupar esse lugar, e foram reconhecidas como alguém que detém os
conhecimentos necessários para ocupar tal posição, mas essa pessoa precisa realmente ter um
saber reconhecido para sustentar sua fala, e não apenas ocupar esse lugar. (LEBRUN, 2009).
deve ou não deve ser obedecido. “No entanto, notemos que quem é normalmente – e
historicamente - designado por autoridade visa, sobretudo à primeira forma de se legitimar”.
(LEBRUN, 2009, p. 112) Quer dizer que se as pessoas submetem-se a algum comando, a
alguma autoridade ou poder, é porque essa posição foi legitimada, aceita por todos. Se as
pessoas não obedecem, ou seja, não aceitam a determinado “mando” é porque o lugar de
autoridade ou de poder não foi aceito pelas pessoas, não foi reconhecido simbolicamente
como um lugar diferente dos outros, e, não é legítimo.
O poder é considerado como uma disposição que é natural não só em todas as pessoas,
mas também nos seres vivos, e, devido a isso, é visto como um mundo de disputa onde existe
uma tensão permanente. Dependendo do exercício do poder, da forma com que é executado,
pode ser considerado uma corrupção ou engrandecimento, tendo a capacidade de auxiliar ou
impedir mudanças dentro das organizações, sendo em nível individual ou grupal. (PAZ et al,
2004).
Para tanto, o terceiro capítulo deste trabalho relaciona o poder com a subjetividade do
trabalhador, tentando perceber o quanto as pessoas lutam pelo poder, por obterem o desejo de
estarem em uma posição superior na hierarquia de uma organização de trabalho, podendo
exercer assim o poder, e muitas vezes, o desejo de superioridade sobre as outras pessoas.
Este capítulo também traz o quanto existem diferentes formas de exercer o poder,
podendo este ser feito de forma abusiva, causando assim, grandes efeitos e impactos sobre
grupos de pessoas, bem como, na subjetividade do trabalhador, influenciando dessa forma, na
produtividade e rendimento do trabalho.
42
Segundo Henriques (1992 apud Silva 2007), para iniciar qualquer discussão sobre
poder, é necessário citar Maquiavel, um autor da época moderna, que diz que o poder não é
algo divino, mas sim, que ele está ao alcance dos homens. Maquiavel não aceita dizer que o
poder seja uma dádiva divina, ou da natureza. Mas, ele diz que o poder é humano e que todos
os homens devem lutar para obtê-lo. “É necessário ir em busca do poder, sendo este
distribuído e conquistado ao longo dos eixos das classes sociais [...] e construído na
correlação de forças estabelecidas nas relações sociais”. (SILVA 2007, p. 18). Para
Maquiavel, o poder é transitório, e é visto como um processo. Não é algo que se possui, mas
que se exerce.
Autores como Adler, Freud e Heidegger surgem na contemporaneidade para falar sobre
o poder, tratando-o como “vontade de poder”. “Para Freud, o impulso do poder é um instinto
parcial que pode tomar lugar da atividade sexual e Adler considera-o uma compensação
patológica para deficiências e traumas ocorridos na infância”. (HENRIQUES, 1992, apud,
SILVA, 2007, p. 35). O poder também é considerado enquanto ‘vontade de poder’ quando se
estabelece uma relação entre vontade de poder e o desejo de superioridade, ou seja, o desejo
de ser reconhecido e valorizado pelas outras pessoas.
Silva (2007) cita Adler, que era considerado um teórico da Personalidade Humana, e
que diz que as pessoas são motivadas a buscar o poder principalmente pelo objetivo de
superioridade e conquista do meio. O autor fala também sobre a importância da agressão e
luta pelo poder, dizendo que a agressão não deve ser vista somente como algo ruim, mas, que
ela faz parte da sobrevivência humana e é considerada um incentivo para a superação de
obstáculos, e, que a agressão podia se manifestar no homem também como ‘vontade de
poder’. O autor diz que tanto a agressão como a vontade de poder devem ser vistas como
sendo para alcançar os objetivos de superioridade ou de perfeição, e a luta por essa
superioridade e perfeição é como se a pessoa tivesse o objetivo de se aperfeiçoar,
desenvolvendo melhor seus potenciais e capacidades, sendo isto algo inato ao ser humano,
pois faz parte da vida.
Ele é positivo quando inclui preocupações sociais e interesse pelo bem-estar dos
outros, desenvolvendo-se numa direção positiva e saudável. Assume a forma de uma
luta pelo crescimento, pelo desenvolvimento das capacidades e habilidades, e pela
procura de um modo de vida superior. Ele é negativo quando as pessoas lutam pela
superioridade pessoal, quando tentam alcançar um sentimento de superioridade
dominando os outros em vez de se tornarem mais úteis a eles. (ADLER, 1996 apud
SILVA, 2007, p. 36).
A partir dessa visão, pode-se compreender que um indivíduo saudável seria aquele que
luta pelo poder de uma forma construtiva, pensando nos interesses sociais, coletivos, e que
apresenta um comportamento de cooperação. Adler (1966 apud Silva 2007) criou o termo
“complexo de inferioridade” que diz respeito à inferioridade que as crianças tem pelo seu
tamanho pequeno e pela sua falta de poder. Por isso, quando o sentimento de inferioridade na
infância predomina, normalmente deixa de existir o interesse social, ou seja, o interesse pelas
outras pessoas, pela coletividade, e com isso, o indivíduo depois que cresce, tende a buscar a
superioridade pessoal, pensando somente no seu sucesso e em ser prestigiado pelos outros,
pois existe a falta de confiança nas próprias habilidades em trabalhar de forma conjunta e de
forma construtiva com outras pessoas.
O poder é uma motivação básica do homem e que, segundo Adler (1966) serve para
compensar as feridas da primeira infância. O poder, muitas vezes, dependendo da sua maneira
de execução, é considerado algo patológico, mas, a patologia está presente no sentimento de
inferioridade, apresentando ainda, raiva e vingança que estão centralizados no Eu, e que se
opõe a ideias de solidariedade, que se dedica aos outros, e em relacionamentos sociais.
(SILVA, 2007). O indivíduo que tem desejo em lutar pelo poder faz isso para tentar diminuir
seus defeitos pessoais, mas, faz isso desconsiderando as outras pessoas e passando por cima
das normas que regem uma sociedade.
Os motivos que levam o ser humano a buscar poder, diz respeito às características da
personalidade do sujeito, e, podem ser compreendidos como “predisposições específicas
interiorizadas pelas pessoas por intermédio do processo de socialização, as quais se organizam
sob forma hierárquica – sendo diferentes entre os indivíduos, e que imprimem uma
determinada direção ao comportamento destes”. (SILVA, 2007, p. 38).
McClelland (1987 apud Silva 2007) fala sobre os motivos de poder dizendo que:
Sabendo que existem duas faces do poder, sendo que o poder tem a capacidade de
movimentar os trabalhadores ou de controla-los, é que em seguir abordar-se-á o poder que
pode ser visto de forma positiva ou de forma negativa.
O poder pode ser caracterizado como força que mobiliza as organizações e instituições
sociais. Nesse sentido, para investigar o fenômeno do poder, precisamos constatar a existência
da sua visão positiva, mas também, de sua visão negativa. O poder, nessa perspectiva, pode
ser visto como um comportamento, em que uma pessoa tende a colocar a própria vontade
sobre as outras, independente das outras opiniões e ideias existentes. O desejo em obter poder,
45
que é algo natural do ser humano, acaba afetando a condição de vida da pessoa, pois o poder
provoca tensão e um estado de luta permanente ao ser humano.
Nesse sentido podemos confirmar o quanto o poder pode mobilizar uma organização
ou instituição, prejudicando o desenvolvimento dos trabalhos, bem como, as relações sociais.
Referindo-se ao poder exercido de forma a ser disfarçado, podemos falar da relação entre um
grupo dominador e um grupo subordinado, ou, uma pessoa superior e outra subordinada.
Muitas vezes o grupo dominador, ou a pessoa que domina cria um padrão, uma expressão que
no primeiro momento satisfaz a todos os integrantes, ou ao seu subordinado. Primeiramente é
atribuído, a princípio, o mesmo papel a todas as pessoas, dos dois grupos. Mas, essa ideia
seria um mecanismo, estando a instituição a disposição apenas do grupo dominador, ou da
pessoa dominadora, que serve não só para proteger o grupo dominador, mas principalmente,
para controlar as atividades das pessoas subordinados. Este meio é utilizado pelo grupo de
dominadores com o objetivo de manter, produzir e reproduzir o estado de subordinação. Ou
seja, manter-se na posição de dominantes, mantendo também a posição das outras pessoas
como subordinadas.
Segundo a análise realizada por Apfelbaum (1979, apud, Paz et al, 2004), o poder
pode ser visto como “jogos de poder” em que o objetivo é manter relações de dominação e
submissão, e, por este motivo o poder é utilizado para coagir e intimidar as pessoas submissas
à ele. Sendo assim o poder apresenta um caráter perverso e desestruturante.
O poder também pode ser compreendido a partir de uma visão positiva, sendo visto
como algo construtivo tanto a nível individual ou coletivo, pois até mesmo os subordinados
podem sentir-se libertados com essa conotação do poder. Os dominadores não podem pensar
que estarão e permanecerão sempre nesta posição, pois, pode haver um momento em que os
subordinados irão questionar e discordar dessa posição, bem como, da forma que essa posição
é exercida.
46
[...] Não vejo quem – na direita ou na esquerda – poderia ter colocado este problema
do poder. Pela direita, estava somente colocado em termos de constituição, de
soberania etc., portanto em termos jurídicos; e, pelo marxismo, em termos de
aparelho do Estado. Ninguém se preocupava com a forma como ele se exercia
concretamente e em detalhe, com sua especificidade, suas técnicas e suas táticas.
Contentavam-se em denunciá-los no “outro”, no adversário, de uma maneira ao
mesmo tempo polêmica e global: o poder no socialismo soviético era chamado por
seus adversários de totalitarismo; no capitalismo ocidental, era denunciado pelos
marxistas como dominação de classe; mas a mecânica do poder nunca era analisada.
(FOUCAULT, 1981 apud MARQUES, 2006, p. 03).
Podemos dizer que não existe poder positivo e negativo, mas, existe a finalidade
para qual o poder é utilizado, que esta sim, pode ser positiva ou negativa. Por isso
que podemos considerar que os membros da organização, em sua maioria,
especialmente referindo-se a gerência e liderança, possuem pouco conhecimento
sobre o poder nas organizações, principalmente, no que diz respeito a
comportamentos organizacionais. Para compreender melhor a dinâmica de
funcionamento de uma organização, torna-se necessário conhecer os aspectos do
poder organizacional. [...] A falta de habilidade politica daqueles que comandam,
seja empresas, escolas, hospitais, ou qualquer tipo de instituição, pode acarretar em
crises de liderança. (p. 140)
Dito isso, compreende-se que, mais do que nunca compreender o poder nas
organizações, quem o exerce e como ele é exercido é fundamental para compreender como o
trabalho está organizado e como a organização funciona. Diz-se que o poder pode ser
utilizado com diferentes finalidades, podendo elas ser consideradas positivas ou negativas, e,
por este motivo, os superiores – gestores e líderes – que são as pessoas que costumam exercer
o poder precisam conhecer e compreender melhor sobre o poder nas organizações, tendo em
vista, a sua pouca compreensão sobre o assunto, para poder facilitar na sua execução do poder
e que este seja realizado da melhor forma.
Sabe-se que existem diferentes tipos de poder, assim como, existe seu uso adequado e
inadequado. Para discutir sobre o exercício do poder e os modos como ele é utilizado muitos
são os autores que associam o poder com ética. Ética, na língua portuguesa, significa: estudo
dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de
vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.
Para responder a questão: “como deve os detentores do poder determinar se o seu uso
é apropriado ou não?” os autores Wagner III e Holenbeck (1999) utilizam três teorias para
explicar:
48
Para que a política organizacional ocorra de forma adequada, o respeito pela justiça e
pelos direitos humanos deveria prevalecer. As ações éticas das pessoas devem coincidir com
as metas da organização, e jamais, violar o direito de outra pessoa para satisfazer os próprios
interesses. Se o comportamento político nas organizações não concordarem com padrões de
equidade e justiça é considerado antiético.
Krumm (2005) fala dos líderes carismáticos antiéticos, dizendo que estes são pessoas
que só pensam em atingir os próprios interesses. Eles não aceitam que as pessoas discordem
de suas opiniões, e exigem que os seus seguidores os obedeçam sem qualquer
questionamento. Eles agem sem levar em consideração as necessidades das pessoas, levando
em conta somente benefícios pessoais.
amorosos, pedidos para encontros, piadas de mau gosto entre outras situações
constrangedoras, e ainda, o superior passa a submeter o funcionário à punições caso ele recuse
seus pedidos.
Para saber a adequação ou inadequação da forma com que o poder é exercido, pode-se
considerar ético o uso do poder e da influência para atingir resultados e metas
organizacionais, e antiético quando esses mesmos elementos são utilizados para atingir
objetivos pessoais.
Luke (1980, apud, Paz et al, 2004) diz que o poder é a noção de uma pessoa afetar de
modo significativo a outra pessoa, no sentido de que a pessoa afetada tenha interesses
50
contrários à pessoa que exerceu o poder. Ou seja, o poder exercido produz efeitos na pessoa
justamente porque a pessoa que exerce o poder impõe seus interesses sobre a outra pessoa que
tem interesses diferentes. O poder não é algo que alguém possui, mas é algo que é exercido e
que passa pelas pessoas. Maquiavel (2004 apud Silva 2011) diz que “só o poder limita o
poder”.
Não se pode caracterizar o poder somente como um fenômeno que diz respeito à lei ou
à repressão. As teorias que tem origem nos filósofos do século XVIII definem o poder como
direito originário que se cede, se aliena para constituir a soberania, e que criticarão os
excessos, os abusos de poder. As teorias que criticam os abusos do poder, caracterizam o
poder não somente por transgredir o direito, mas o próprio direito por ser um modo de
legalizar o exercício da violência, e o Estado cujo papel é realizar a repressão. Então o poder
nesse sentido é caracterizado como violência legalizada.
O poder não é somente negativo, algo que recalca, que censura, que reprime. O poder
não pode ser percebido como algo que mutila o ser humano, é justamente nesse sentido que
tem como algo o corpo humano, pois o poder é visto como algo que serve para “adestrar” o
ser humano
[...] Não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades,
e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e
viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um
sistema de aperfeiçoamento gradual e continuo de suas capacidades. Objetivo ao
mesmo tempo econômico e politico: aumento do efeito do seu trabalho, isto é, tornar
os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima;
diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição
contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos de contra-poder, isto é, tornar os
homens dóceis politicamente. (FOULCAULT, 1986, p. 16).
Existe o poder, como já citado anteriormente, sendo uma relação especifica de poder
que incide realmente sobre o corpo das pessoas, utilizando uma tecnologia própria de
controle, que pode ser encontrado em diversas instituições. Foucault (1986) chamou este tipo
de relação de poder de poder disciplinar. Percebe-se que este tipo de relação não encontra
limites, pois, “[...] permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a
sujeição constante de suas forças e lhe impõe uma relação de docilidade-utilidade”.
(FOUCAULT, 1987, p. 139). É um mecanismo do poder que não atua no exterior, mas sim,
trabalha no corpo do ser humano, manipulando seus comportamentos, fazendo com que o
homem funcione de acordo com aquilo que a sociedade capitalista exige dele.
51
Essa dominação do corpo está associada com a explosão demográfica do século XVIII
e com o crescimento do aparelho de produção, e essa dominação diz respeito às necessidades
de que o homem se utilize de modo intenso principalmente racionalmente, no sentido
econômico. Segundo Foucault (1986) o corpo só se torna força de trabalho quando trabalhado
pelo sistema politico de dominação, que é característico do poder disciplinar descrito pelo
autor.
O poder capitalista é, na maioria das vezes, explicado como algo que massifica, que
descaracteriza. Ou seja, é visto como a inexistência de uma individualidade que apresenta
características, desejos, comportamento... O sujeito passa a ser considerado como alguém que
é sufocado pelo poder, dominado e que não pode e não consegue se expressar. “O poder
disciplinar não destrói o individuo; ao contrario, ele o fabrica. O individuo não é o outro do
poder [...] que é por ele anulado; é um dos seus mais importantes efeitos”. (FOUCAULT,
1986, p. 20).
Existe uma relação entre disciplina e virtude organizacional, sendo que essa relação é
caracterizada como “a efetivação organizacional da disciplina ordenada que regulamenta a
avaliação interna e estabelece os deveres de cada membro da organização” (CLEGG, 1996, p.
52
51). Foucault chama de práticas disciplinares as micro técnicas utilizadas para regulamentar
não somente o sujeito, mas também a sociedade. Existem mecanismos de controle do tipo
pessoal, burocrático, técnico ou jurídico, sendo que estes mecanismos podem apresentar-se de
diferentes formas: supervisão, rotinização, formalização, automatização.... Sendo que estes
mecanismos buscam reforçar o poder sobre o comportamento do sujeito.
Os tipos de mecanismos que obtém o controle sobre o ser humano, acabam levantando
algumas questões:
Com essas inúmeras questões pode-se pensar na extensão do poder direto e pessoal
sobre as esferas da vida individual do sujeito, que muitas vezes além de prejudicar o sujeito na
produtividade do seu trabalho, acaba levando esses conflitos para fora do trabalho, como no
seu ambiente familiar e social. Porém, a melhor supervisão não é aquela que se reduz
exclusivamente a controles diretos, mas, ela se estende também a práticas culturais de adesão,
de persuasão morais e de permissão, ou seja, técnicas formalizadas. (CLEGG, 1996).
53
CONCLUSÃO
As formas com que o poder se estabelece no trabalho diz respeito à maneira que o
trabalho está colocado na vida dos trabalhadores, sendo que, a maneira que o trabalho está
organizado para o sujeito é muito importante para a construção de sua subjetividade, e esta
organização remete ao exercício do poder. Como mencionado no decorrer do trabalho, é
necessária a existência do poder e da política organizacional, para dar início à execução dos
trabalhos, para que existam as definições dos cargos, diferentes pessoas trabalhando na
organização, diferentes tarefas de trabalho, e para que principalmente haja organização na
realização dos trabalhos. Mas, para tanto, existem diferentes maneiras que o poder pode ser
exercido, podendo este ter a capacidade de auxiliar os sujeitos na produção de suas atividades,
possibilitando a melhor relação interpessoal entre os trabalhadores, ou, tendo a capacidade de
controlar os trabalhadores e as suas atividades, impossibilitando o trabalhar de modo
construtivo e criativo, tornando os trabalhadores submissos ao seu trabalho, produzindo o
possível sofrimento e adoecimento do sujeito, advindo do próprio trabalho e do modo com
que este está organizado.
Uma das observações realizadas após esta pesquisa é de que o poder pode advir tanto do
sujeito trabalhador, quanto do sistema da própria organização. Foi possível perceber a relação
existente entre o laço social e o poder, o modo como o poder circula e influencia no campo do
54
Foi possível compreender que, no primeiro momento criam-se vínculos entre os sujeitos
que configuram o laço social, e que, neste contexto, o trabalho ganha uma significação
importante pelas funções que, tanto o trabalho quanto os vínculos sociais exercem para o
sujeito. O poder só pode ser exercido dentro de relações sociais, visto que o poder não pode
ser exercido de forma individual, pois ele precisa ser mencionado para alguém ou para alguma
coisa.
Quando o trabalhador começa a trabalhar em uma empresa, na maioria das vezes, sente-
se satisfeito e realizado com a execução de suas tarefas e com a maneira de organização da
empresa e do seu trabalho. Após um tempo, este mesmo trabalhador pode vir a se deparar
55
com um gestor que não pensa mais no bem-estar e na boa produtividade do trabalho dos seus
subordinados, mas passa a pensar somente em ganhar dinheiro, em obter sucesso com a
empresa em cima dos seus funcionários, o que acaba impactando de forma negativa a
subjetividade do trabalhador. Muitas vezes, principalmente quando o sujeito está trabalhando
há muitos anos na empresa, já construiu uma identidade dentro dela, uma carreira, uma vida
profissional. Mesmo que o trabalhador apresente o desejo de realizar seu desligamento da
empresa pelo seu bem-estar emocional, isto passa a não ser uma decisão, e uma tarefa fácil. O
trabalhador passa a pensar no seu sustento e da sua família e no medo de não conseguir outro
emprego.
desagradáveis, o trabalhador tem uma ligação com a forma que se deu a fundação da empresa
em que trabalha.
Este relato de caso trouxe a reflexão do fenômeno do poder nas organizações e suas
implicações no trabalho, no laço social e na subjetividade do trabalhador. Trazendo também a
reflexão sobre a importância da psicologia no contexto de compreender o poder e a maneira
que ele é executado, ao invés de partir para o julgamento do poder. A psicologia trabalha por
meio da compreensão da dinâmica do poder, e não por meio do julgamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. 6. ed. São Paulo: Brasiliense. Coleção primeiros
passos, 1994.
ARENDT, Hannah. O que é Política? Fragmentos das obras póstumas compiladas por Úrsula
Ludz. Trad. Reinaldo Guarany. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
CLEGG, Stewart. Poder, linguagem e ação nas organizações. In: CHANLAT, Jean-Françóis;
TÔRRES, Ofélia (Org.). O Indivíduo na Organização: dimensões esquecidas. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1996. p. 47-63.
_______Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHANLAT, Jean-
Françóis; TÔRRES, Ofélia (Org.). O Indivíduo na Organização: dimensões esquecidas. 3.
ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 149-173.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 6. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1986.
58
FREUD, Sigmund. (1912[1913]). O totem e Tabu e outros trabalhos. In: Obras Completas,
ESB. Rio de Janeiro: Imago, v. 13, 1976.
_______ (1930). O mal-estar na civilização. In: Obras Completas, ESB. Rio de Janeiro:
Imago, 1974. v. XXI
JACCARD, Pierre. História Social do Trabalho: das origens até os nossos dias. 1. ed.
Lisboa: Editorial Gleba, LDA/Livros Horizonte, LDA, 1960.
MALCHER, F.; FREIRE, B.A. Laço Social, Temporalidade e Discurso: do Totem e Tabu ao
Discurso Capitalista. Ágora, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 69-84, jan/abr. 2016. Disponível
em: < http://www.scielo.br/pdf/agora/v19n1/1809-4414-agora-19-01-00069.pdf> Acesso em:
10 set. 2018.
MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Trad. Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2004.
NEVES, R. D. et al. Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos publicados em
periódicos associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cadernos EBAPE. Br, Rio
de Janeiro v. 16, n. 2, p. 317-330, abr/jun 2017. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1679-
39512018000200318&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 05 nov. 2018.
PAZ, M. G. T.; MARTINS, M. C. F.; NEIVA, E. Poder nas Organizações. In: ZANELLI, J.
C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; CODO, W. (Org.). Psicologia, Organizações e Trabalho
no Brasil. Porto Alegre: Artmed, p. 380-406, 2004.
POLI, C.M. Pervesão da Cultura, neurose do Laço Social. Ágora: Estudos em Teoria
Psicanalítica, Rio de Janeiro, v. 7, n.1, jul/jan. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
14982004000100003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt> Acesso em: 11 set. 2018.
RIZZO, Alexandre. O Líder nas Organizações e o Totemismo de Sigmund Freud. Thesis, São
Paulo, v. 7, n. 16, p. 35-55, 2011. Disponível em: <
http://www.cantareira.br/thesis2/ed_16/4_rizzo.pdf> Acesso em: 25 nov. 2018.
59
SPECTOR, P.E. Psicologia nas Organizações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SROUR, R. H. Poder, Cultura e Ética nas Organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1998.