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A emoção e a regra – Domenico De Mais (org.

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A emoção e a regra: Os grupo criativos na Europa de 1850 a 1950


Domenico De Masi (org.)
Editora UnB / José Olympio Editora, 5ª edição, 1999.

Introdução
Domenico De Masi

Na primeira sala da Galleria Nazionale d’Arte Moderna, em Roma, à esquerda de quem entra, uma
grande tela de Gustav Klimt (1,71m x 1,71m, esclarece a etiqueta na parede) triunfa poética e alusiva como
uma majestosa pintura bizantina. Nos livros ela é geralmente intitulada As três idades da mulher, mas a
etiqueta e os arquivos oficiais da Galleria limitam-se a As três idades, como agrada a nós que neste quadro
amamos reconhecer, com uma certa certeza tanto mais persistente quanto menos documentada, uma
alegoria de época.
Em 1905, quando Klimt a pintou; em 1912, quando a Galleria a adquiriu, a sociedade industrial era
jovem, forte e segura como a mulher que sobressai entre a velha enrugada com o rosto voltado para o
passado e a menina tranquila no seu repouso rico de futuro.
Naqueles mesmos anos. Picasso inaugurava em Paris uma nova era da pintura (as Demoiselles
d’Avignon são de 1907), Freud libertava a psicologia da filosofia (A interpretação dos sonhos é de 1889),
Ernest Mach destrinchava a filosofia do positivismo (Conhecimento e erro é de 1905). Na arquitetura, o ferro,
o aço e o cimento davam representação plástica ao estruturalismo nascente; na música, Schönberg e
Stravinski emergiam com novas técnicas e novas sonoridades; na Física, o casal Curie descobria o rádio,
Planck elaborava a teoria dos quanta, Einstein a da relatividade; na literatura o erotismo de Wedekind
encorajava o despertar da primavera que a Art Nouveau, o Jugendstil e o Liberty iriam colorir de curvas
harmoniosas e indolentes.
Após a onda milenária da era rural, após a onda mais breve do maquinismo industrial, mil novos
sintomas anunciavam o advento de uma terceira onda, de uma era pós-industrial capaz de exaltar a dimensão
criativa das atividades humanas, privilegiando mais a cultura do que a estrutura; aquela cultura que pouco a
pouco se tornou uma coisa só com a nossa natureza e que nos solicita a conquistá-la, explorando-lhe as zonas
de sombra, residuais e crescentes.
Assim, por exemplo, enquanto sabemos como se produzem os bens materiais e, portanto, como
podemos reproduzi-los a nosso gosto, sabemos muito menos como se produzem as ideias, os símbolos, as
informações. Por isso, os percursos da invenção teórica, da descoberta científica, da criação artística
intrigam-nos como regiões até então misteriosas, particularmente hábeis em esquivar-se à nossa exploração.
As tentativas para capturar também esta parte da natureza e reduzi-la a cultura multiplicam-se em
vários setores, mas por enquanto as razões e as formas de criatividade permanecem em grande parte
misteriosas. Os neurologistas, os biólogos e os psicólogos conseguiram definir alguma coisa a respeito dos
processos de idealização individual. Muito menos sabemos sobre a criatividade expressa pelos grupos.

1. A criatividade organizada

Quando é que um grupo pode ser chamado de criativo? Quais as propostas disciplinares (a sociologia,
a antropologia, as ciências organizativas) que melhor contribuem para nos desvendar os segredos da
criatividade coletiva? Todos os grupos podem ser criativos ou apenas aqueles que possuem determinadas
características? E quais? Que peso exercem sobre a capacidade criativa de um grupo a motivação, o
profissionalismo e as neuroses de seus membros individuais? Quais são as fontes de poder e os estilos de
liderança que é melhor se adaptam a quem dirige um grupo criativo? Como se desenvolvem os processos
informativos e decisórios no seu interior? Quais são as causas e as possíveis soluções dos conflitos que nele
surgem? Como se pode avaliar, de dentro e de fora, o grau de criatividade de um grupo? Como se formam e
como se dissolvem os grupos criativos? Que influência exerce sobre eles o contexto no qual operam?
C perguntas como essas, em vez de se referirem a um laboratório científico ou a uma equipe
cinematográfica, se referissem a um grupo no qual prevalece o trabalho executivo (um setor mecânico por
exemplo, ou um escritório burocrático, ou uma corporação militar), encontrariam respostas detalhadas
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através de milhares de ensaios, pesquisas, manuais extraídos da experiência industrial reproduzidos por
peritos em ciências organizativas. Mas como se trata de um trabalho criativo, não existe qualquer
conhecimento consolidado sobre a estrutura e o funcionamento do grupo que melhor possa realizá-lo. Só
resta, portanto, apoiar-se no bom senso, na memória direta, em regras aproximativas transmitidas
oralmente pelos encarregados do trabalho.
Este estudo pretende contribuir para o conhecimento científico dos mecanismos que regulam a vida e
a organização das equipes a trabalhos predominantemente idealizadores, sabendo que eles ocuparão uma
posição cada vez mais central na medida em que se consolidará a estabilização pós-industrial da nossa
sociedade.

2. As ondas longas tornam-se curtas

A partir da Segunda Guerra Mundial, tornou-se cada vez mais evidente a transformação radical da
sociedade industrial e o advento de uma nova civilização: uma alternância de épocas que se verifica naquelas
raras ocasiões históricas, nos quais não é apenas uma única ciência ou uma única arte que progride, havendo
uma interligação entre mais domínios do saber, o que faz com que a experiência humana de um salto de
qualidade.
Saltos como estes, no curso da história, aconteceram há 5000 anos, com a civilização mesopotâmica,
nos séculos XII e XIII, com as descobertas teórico práticas; na segunda metade do século XVIII com o
Iluminismo, a Revolução Francesa e o nascimento da indústria; no decorrer do século XX com uma
desarticulação das velhas disciplinas e o seu restabelecimento.
Como se vê, aquelas que Braudel chamava de “ondas longas” da história tornam-se cada vez mais
curtas: foram necessários muitos milênios de vida arcaica para produzir o estado moderno; foram
necessários 500 anos de organização moderna para produzir a sociedade industrial; apenas dois séculos de
indústria bastaram para provocar o advento pós-industrial.
O conhecimento desta última revolução ainda não está difundido e radicado, mas os novos tempos
estão aí sob os olhos de todos: no mercado de trabalho, os ligados ao setor terciário já superam os que se
dedicam à agricultura e à indústria reunidas; na formação do produto interno prevalecem o serviços sobre
os bens materiais; no sistema social, o conhecimento teórico, a ciência e a informação agora ocupam o papel
central que já pertenceu à produção manufatureira; no sistema cultural, o individualismo e o narcisismo
adquirem vigor crescente, enquanto os gostos se desmassificam e as modas pegam cada vez menos; no
sistema ideal, volta a emergir o senso estético como parâmetro para o valor das coisas.
Esta grande transformação aconteceu segundo modalidades e tempos diversos nas diferentes áreas
do mundo. Exatamente enquanto na Europa, no início deste século, maturava o advento pós-industrial, nos
Estados Unidos o taylorismo e o fordismo conferiam dignidade científica à organização industrial: verificava-
se desta forma, entre os dois continentes, uma marcante defasagem na transição para a nova era.
Nos Estados Unidos, a sociedade inteira tinha como modelo o paradigma do Scientific management, e
as técnicas para a especialização das tarefas, para a produção em massa, para o cálculo e a redução do tempo,
ao longo de todo o século XIX, chegavam finalmente há uma rigorosa formulação, tornando-se não apenas
um modo de trabalho, mas também um modo de vida.
Quando a taylorização dos Estados Unidos (e por tabela da Europa) alcança sua plenitude, a sociedade
industrial está no seu ápice, pronta a gerar, do seu próprio interior, a sociedade pós-industrial na qual agora
vivemos.

3. A Europa precursora

Diferentemente da indústria americana, parcelizada e estandardizada, no caminho europeu para a


organização do trabalho a prevalência é conferida ao grupo, ao familiarismo, à cooperação, à informalidade,
e à estética. Acontece que sendo menos atenta à quantidade, à massa, à eficiência, só poderá sair derrotada
– pelo menos em breve prazo – pelo confronto com o modo de produção e de vida estadunidense,
tipicamente industrial.
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Será uma derrota devida à assimetria de muitos gênios europeus com relação ao seu tempo, estando
eles adiantados na história de seus respectivos países. Todavia, sua obra precursora traçará itinerários
surpreendentes, plenamente compreensíveis e somente hoje repercorríveis com suficiente agilidade.
Durante anos os homens da organização estudaram Taylor, Fayol e Mayo, mas agora estes pilares da
indústria americana pouco servem para a organização do trabalho pós-industrial. E esse pouco já estava
presente na prática organizativa usada na Europa, entre os séculos XVII e XIX, por parte de grupos geniais
que finalmente são revisitados, não somente pelas coisas admiráveis que produziram, mas também pelo
modo inovattivo como qual organizaram suas produções.
Durante anos os homens da organização tomaram como modelo as experiências realizadas nas oficinas
da Midvale Steel, nas fábricas Hawthorne, da Renault, a Glacier Company, no Oscar Center e em todas as
outras “mecas” da sociologia industrial. Aqueles estudos, fundamentais para gerir os homens e as estruturas
da época passada, dedicados como eram a maximizar as vantagens do trabalho executivo, pouco tem a
ensinar nos dias de hoje, quando os desejos convergem para as necessidades radicais da introspecção, da
competição, da auto-realização, da convivência e da estética, enquanto as tecnologias concorrem, nunca
como agora, para satisfazer essas necessidades, delegando às máquinas o trabalho executivo, reservando ao
homem o trabalho criativo, opondo-se ao culto da especialização, da sincronização e dos outros dogmas do
paradigma industrial.
Os homens da organização pós-industrial podem atingir exemplos bem mais pertinentes, que são
reconstruídos, desmontados, analisados, reproduzidos onde é possível, para maximizar – desta vez – as
vantagens do trabalho criativo.

4. Em busca dos modelos perdidos

A nossa pesquisa nasceu, quase que por geração espontânea, de um longo estudo realizado entre 1969
e 1986 sobre trabalhadores e indústrias manufatureiras na Itália. Os dados emergentes das milhares de
entrevistas convergiam todos para a composição de um quadro complexo, no qual a máquina libera o homem
do trabalho bruto e, também, no qual a produção de bens materiais requer trabalho humano
quantitativamente inferior, mas qualitativamente mais refinado.
Com o passar dos anos, a indústria manufatureira perdeu centralidade e seus modelos organizativos
foram cada vez menos adotados por imitação de outros sistemas. Aliás, aconteceu que em determinado
momento a própria organização industrial, desvirtuada pela insólita prevalência dos colarinhos-brancos e do
trabalho intelectual, teve de admitir a inadequação de seus métodos consolidados, tendo de tomar
emprestado modelos de outras organizações e de outras disciplinas, como por exemplo a teoria dos sistemas
da biologia, o project management dos empreendimentos espaciais e da produção cinematográfica. Palavras
como “matriz”, “projeto”, network circularam com frequência crescente nos escritórios e nas fábricas; as
células e os organismos substituíram os relógios como exemplos e objetivos aos quais reportar a estrutura
dos empreendimentos.
Daí nasceu a nossa curiosidade científica de explorar as ciências organizativas não industriais e
retroceder na sua história até os decênios que precederam o taylorismo e o fordismo. Teriam existido
organizações especificamente dirigidas à produção de ideias, de preferência à produção de bens materiais?
Onde foram mais numerosas? Como eram estruturadas? Quais eram suas características financeiras,
comerciais, gerenciais?
Também no passado remoto emergiam exemplos ilustres: as oficinas renascentistas, por exemplo, e
as academias que – de Leonardo da Vinci em diante – competiram com elas na formação de artistas e
cientistas. Mas a nós interessava, principalmente, o período no qual a indústria conquistou a sua hegemonia
social, quando ocorreu a sua organização científica: a idade de Marx e de Weber, de Taylor e de Mayo. Por
isso podemos reencontrar e fechar dezenas de exemplos importantes e menos importantes para reconstruir
uma primeira história aproximativa: grupos variados de artistas, dos nazarenos aos pré-rafaelistas, dos
impressionistas aos primeiros grandes estilistas; equipes de cientistas, desde os médicos franceses aos físicos
italianos e biólogos ingleses.
Logo ficou claro para nós que, excluída a grande aventura do cinema, na qual a América tomou a
dianteira, e se excluirmos casos brilhantes como o de Louis Comfort Tiffany, de Helbert Hubbard com suas
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Roycroft shops, de Charles e Henry Greene e de poucos outros, quase todos os grupos com os quais nos
defrontávamos eram europeus.
A segunda constatação, sugerida pelas mesmas fichas que andávamos catalogando, é que, cada um
destes grupos, criados para produzir arte e ciência, havia elaborado também o seu modelo original de
organização, de financiamento e, com frequência, de venda.
O distrito, a rede, o lobby, o management by objectives, o project work, o congresso permanente, todas
as mais variadas inovações das quais, de alguns anos para cá, os maiores teóricos das ciências organizativas
estão se vangloriando, já haviam sido pensadas e perfeitamente adotadas pelos grupos cuja história florescia
sob nossos olhos.

5. A hipótese central

Nasce assim a nossa hipótese central: enquanto os Estados Unidos realizavam o grande esforço teórico
prático que, juntamente com o teria levado à descoberta dos princípios e das leis que marcariam o trabalho
executivo da produção em série, a Europa percorria um caminho autônomo, buscando e praticando
modalidades originais para organizar o trabalho criativo desenvolvido de forma coletiva. Estes esforços
levaram a admiráveis casos concretos que, além de representar a síntese deu uma longa experiência histórica
acumulada construindo templos, catedrais e palácios, abrindo oficinas de arte, fundando mosteiros e
academias, antecipavam também formas futuras de organização pós-industrial, funcionais para a
criatividade.
Primeiramente, estas formas flexíveis e frágeis por sua própria natureza pareceram perdedoras em
relação ao prepotente avanço dos modelos industriais. Mas hoje, que a organização da fábrica tradicional
exaure o seu ciclo histórico, que a linha de montagem começa a ser uma peça arqueológica, Que é preciso
organizar o tempo livre, a atividade artística e científica, os esforços e os exemplos da velha Europa voltam a
emergir como patrimônio precioso para inspirar as estruturas e as funções dos grupos empenhados no
trabalho idealizador.
Entre tantos grupos históricos examinados, no primeiro reconhecimento selecionamos 13 que, além
de serem quase todos famosos pela sua genialidade criativa, pareceram-nos particularmente originais por
suas características organizativas. Reconstruímos a história de cada um através dos documentos encontrados
e dos testemunhos vivos que conseguimos obter.

6. A criatividade de grupo, hoje

Para melhor compreender os mecanismos organizativos dos grupos exemplares do passado e utilizar
um quadro de referência atual capaz de fornecer os necessários pontos de comparação, foi efetuada análise
comparativa de numerosas organizações atuais, essas também caracterizadas por uma forte dimensão
criativa.
Foi uma rápida enquete, sem pretensões de ser completa, em organizações extremamente
diversificadas: os vários subsistemas operacionais nos quais se articulam a Cinecittà e outras empresas
menores dedicadas à produção cinematográfica; uma dezena de sociedades de consultoria e formação
gerencial; uma dezena de soft houses; uma dezena de teatros líricos, de prosa e de variedades; quatro
equipes cinematográficas durante a rodagem de alguns filmes; duas clínicas cirúrgicas com suas respectivas
salas operatórias; dois laboratórios químicos biológicos; dois grandes festivais, um cinematográfico, o outro
de música; uma rede de empresas operantes no setor de biologia e ecologia; o laboratório de uma
multinacional farmacêutica.
Toda essa massa de observações, além de fixar as bases para a elaboração de uma pesquisa correta
sobre grupos criativos atuais, ofereceu a possibilidade de esclarecimento em dois sentidos: os casos
“clássicos” orientaram as escutas para grupos atuais; estes, por sua vez, permitiram melhor compreensão de
algumas passagens organizativas fundamentais na história dos primeiros que certamente nos teriam
escapado devido à escassez de documentos.
Este volume é inteiramente dedicado aos 13 grupos clássicos chamados a compor uma casuística das
modalidades organizativas experimentadas na arte e na ciência europeia entre a metade do século XIX e a
metade do século XX. Os casos atuais ficam como pano de fundo alimentando, mesmo sem serem citados,
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muitas observações sobre as relações entre criatividade, inovação e execução, entre ciência pura e ciência
aplicada.

7. A fenomenologia do criativo

Análise dos 13 grupos históricos, unida ao estudo da literatura sobre criatividade permitiram nos
ressaltar algumas constantes que dizem respeito à personalidade dos criativos individuais e a organização
dos grupos nos quais eles operam.
Quanto aos fatores individuais, destaca se a forte motivação dos artistas e dos cientistas para com a
atividade idealizadora e realizadora, frequentemente espaçada ou definitivamente interrompida por fases
de abulia, desinteresse ostensivo, repulsas improvisadas.
As habilidades intelectuais e preparação rigorosa dos indivíduos são exaltadas por um forte
envolvimento emotivo e, quase sempre, por uma admirável correção profissional, além de um forte senso
de união por pertencer ao mesmo grupo. Espírito de iniciativa, confiança recíproca, vontade firme, dedicação
total, flexibilidade, precedência ligada à expressividade do trabalho mais do que a instrumentalidade,
orientação para o trabalho criativo, de preferência à vida extralaboral, mas também multiplicidade de
interesses, competitividade nos confrontos com grupos concorrentes e solidariedade para com os colegas do
mesmo grupo, segurança das próprias ideias e capacidade organizativa às vezes acompanhada de
ingenuidade exagerada e de ousada disponibilidade para com o risco, culto pela estética, pelos valores, pela
dignidade e pela supremacia da arte e da ciência acima de qualquer outra expressão da atividade humana.
Quanto às características dos grupos criativos, destaca se a frequente convivência pacífica, na mesma
equipe, de personalidades maníaco-depressivas com personalidades dotadas de grande equilíbrio; a procura
obstinada de um ambiente físico acolhedor, bonito, digno, funcional; a flexibilidade dos horários, mas
também a capacidade de sincronismo e de pontualidade; a interdisciplinaridade e a forte
complementaridade e afinidade cultural de todos os membros; habilidade na concentração de energias de
cada um no objetivo comum; a capacidade de captar tempestivamente as ocasiões, de calibrar a dimensão
do grupo em relação à tarefa, de encontrar os recursos, de contemporizar a natureza afetiva com o
profissionalismo de modo a facilitar o intercâmbio entre desempenhos e funções.
Mas o que se destaca acima de qualquer outro aspecto é a proeminência do líder-fundador, capaz de
uma dedicação quase heróica para com o objetivo; excepcionalmente eficaz na criação de set psicossocial,
um clima, um fervor fora do comum; fortemente orientado, com tensões equivalentes, seja para com a
tarefa, seja para com o grupo, seja para consigo próprio; carismático e competente acima de qualquer
expectativa; inconscientemente inclinado a comportar-se quase como se desejasse que a organização por
ele criada morresse com ele; atento em alimentar a memória e a história do grupo com notas biográficas,
cartas, fotografias, documentação meticulosa; capaz de transformar os conflitos em estímulos para a
idealização e a solidariedade.
O grupo quase sempre aceita a liderança com respeito e até com veneração, honrando os imperativos
éticos do universalismo, do interclassismo, do antiburocratismo, do antiacademismo, do internacionalismo
e os imperativos práticos da parcimônia, do amor pelo belo e pela modernidade tecnológica.
Como já dissemos, o nosso estudo limitou-se a casos europeus que resultaram historicamente mais
numerosos e mais precursores do que os americanos. Se tivéssemos, porém, estendido a análise também ao
outro lado do oceano, muito provavelmente o elenco dos grupos analisados teria compreendido a equipe
dos irmãos Mayo, dois cirurgiões que no início do século XX fundaram a Rochester, em Minnesota, uma
clínica revolucionária por seus métodos organizativos: baseada em equipes de médicos especialistas, cada
uma coordenada por um líder. Alguns anos mais tarde, Frederick W. Taylor, pai do scientific management,
citou a clínica Mayo como “a única administração científica completa e de sucesso” que já conhecera; e
muitos anos depois, em 1985, Peter F. Drucker citava o empreendimento organizativo dos Mayo como um
caso precursor da estratégia empresarial baseada no critério do fastest with the mostest, do máximo
resultado no menor espaço de tempo.
Profetas e a geógrafos da sociedade industrial, Taylor e Drucker não puderam colher os benefícios pós-
industriais da aventura científica realizada há tantos anos pelos cirurgiões de Minnesota. Mas nós, que
felizmente podemos viver e comparar os últimos tempos da sociedade industrial e o advento pós-industrial,
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podemos avaliar melhor o esforço intuitivo de todos os pioneiros que abriram novos caminhos e conferiram
originalidade à organização da criatividade coletiva.
Das suas experiências podemos destilar apenas algumas primeiras, tímidas conclusões, que passamos
ao leitor em forma de hipóteses.

Capítulos do livro e seus autores:


1. Bom gosto e bom senso na produção em série: A Casa Thonet
Maria Rita Palumbo

2. Um congresso permanente: Anton Dohrn e a Estação Zoológica de Nápoles


Domenico De Masi e Paolo Gentile

3. Um rede internacional na Sicília liberty: O Círculo Matemático de Palermo


Domenico De Masi

4. O Instituto Pasteur de Paris


Patrizia Cinti e Susanna Lupi

5. Um lobby pacifista e elitista: O grupo de Bloomsbury


Emma Gori

6. Uma cooperativa e artistas e artesões: A genialidade politécnica da Wiener Werkstätte


Domenico De Masi

7. Um grupo de discussão aberta sobre a linguagem e a ciência: O Círculo Filosófico de Viena


Dunia Pepe

8. Uma ponte entre artesanato, arte, indústria e academia: a criatividade racional da Bauhaus
Fabrizio Caristi

9. Uma organização itinerante: o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt


Roberto Palermo

10. Uma equipe de cientistas: Enrico Fermi e o grupo da rua Panisperna


Domenico De Masi

11. Uma equipe multidisciplinar: o Instituto Central de Restauração de Roma


Giancarlo Buzzanca e Patrizia Cinti

12. A parceria criativa: A Escola de Biologia de Cambridge


Gilda Morelli e Gabriella Natoli

13. Os europeus fora da Europa: O Projeto Manhattan em Los Alamos


Giovanna Spagnuolo

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