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Revista de Psicologia
DE DEFESAS E SUAS IMPLICAÇÕES NA
Vol. 16, Nº. 25, Ano 2013
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO
TRABALHADOR
ABSTRACT
Labor is one of the main means through which human beings build
their own existence. Thus, it is necessary to take into consideration
those relationships that are structured at the workplace, and the
influences they might have on people’s daily lives. The labor
relationships developed within the capitalist context don´t take
subjectivity and human desires into account, causing to workers a
major psychological distress that shapes their social relationships. Here
it’s possible to realize that the working environment has hindered the
construction of an individual’s identity in the emancipatory sense of the
word. However, since an individual's identity is not built only at the
workplace, and since he/she brings to that environment the skills
he/she has acquired from other experiences, at the end of this text we
discuss the possibility of creating emancipatory alternatives, without
ignoring the existence of contexts that apparently cannot offer any way
out of this.
Anhanguera Educacional Ltda.
Keywords: personal identity; strategy defense; work.
Correspondência/Contato
Alameda Maria Tereza, 4266
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181
rc.ipade@anhanguera.com
Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 27/07/2012
Avaliado em: 10/12/2012
Publicação: 18 de dezembro de 2013 9
10 O ambiente de trabalho, as estratégias de defesas e suas implicações na construção da identidade do trabalhador
1. INTRODUÇÃO
Quais são as consequências desses aspectos para a prática laboral e para a saúde
do trabalhador?
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O presente artigo tem como intuito analisar no contexto laboral, os fatores que
auxiliam ou dificultam a construção de identidades emancipatórias, o papel deste
contexto como promotor de saúde ou doença e a construção das estratégias de defesas
como um dos mecanismos utilizado no cotidiano de trabalho para minimizar o sofrimento
dos trabalhadores.
2. IDENTIDADE
Ciampa (1987) nos ensina que a identidade, como metamorfose, é o processo que
se expressa empiricamente pelo movimento, ao mesmo tempo diacrônico e sincrônico, das
personagens que ora se sucedem, ora se repõem, ora se alternam, ora se opõem em
decorrência do desempenho dos numerosos papéis que cada indivíduo representa nas
suas relações sociais.
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Esse poder pode ser vivenciado por meio de ganhos pessoais que acabam por
reforçar a manutenção de personagens, mesmo que esses ganhos sejam simplesmente
conseguir evitar atritos e questionamentos. Essa evitação pode levar a anulação de uma
transformação questionadora, da assunção de uma personagem mais atuante, mais
emancipatória.
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Qualquer que seja as alternativas, haverá consequências que podem ser positivas
ou negativas, tanto para o indivíduo quanto pra organização.
3. O TRABALHO E O HOMEM
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Admite-se que é pela interação social que o sujeito constrói sua individualidade,
sua história de vida, sua subjetividade e que será junto aos outros, na relação com os
outros, que essa subjetividade se manifestará.
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Ciampa (1987) informa que é preciso conhecer aquilo que está implícito, velado e
considerar o jogo da aparência, pois nele se encontram conteúdos ocultos e seus
significados.
A pressão por exercer funções que violentam suas expectativas, funções estas que
se prestam inicialmente a atender interesses organizacionais, acaba por prejudicar o
exercício profissional deste sujeito, visto que impedido de ser o que se pretende, esse
indivíduo tem a sua criatividade, motivação e energia tolhidas.
1 Reapropriação é um termo utilizado por Dejours para definir um processo em que as pressões de trabalhos deixam de ser
suportadas passivamente pelo sujeito e passam a ser utilizadas estrategicamente visando a sua auto-realização.
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Diante deste fato, onde ficam os desejos e sonhos desse profissional que se vê
induzido a exercer papeis, demonstrar emoções e motivações que muitas vezes não
existem? Não importam os artifícios que utilize, ele se vê forçado a adotar, diariamente,
esse personagem pré-definido.
É necessário deixar bem claro que, mesmo sendo a constituição das estratégias de defesa
coletiva, produto de cooperação entre sujeitos, o sofrimento é singular, individual.
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através dessa experiência, desenvolver uma visão crítica da sua realidade para escolher,
livremente, formas benignas de lidar com ela.
Um sujeito que tem uma visão crítica da sua realidade de trabalho e consegue
lidar de forma equilibrada com os conflitos e as contradições nela existentes, consegue
promover sua saúde mental/física. Porém, aquele que tem dificuldade de lidar com essa
situação cria estratégias de defesa para não adoecer.
Essas estratégias, mesmo visando à proteção, podem fazer com que o sujeito
anule a sua capacidade de transformação. Ele passa a agir passivamente e silenciosamente
para que não desperte em si a conscientização e, consequentemente, o sofrimento.
Qualquer possibilidade de mudança no ambiente de trabalho pode significar uma ameaça
para as estratégias construídas, já que implica em adaptação. O que ele quer manter é o
ambiente conhecido, mesmo que promova sofrimento, pois não quer desestabilizar as
estratégias de defesa e, assim, correr o risco de sofrer. Não há aí transformação e
possibilidade de emancipação. A mesmice é cultivada para a manutenção da
sobrevivência, daí a resistência à mudança de comportamento.
Como não é fácil construir uma estratégia de defesa que anule o sofrimento,
quando se consegue construir uma, é preciso conservá-la, e, para isso, é imprescindível
impedir a mudança. Os sujeitos se tornam prisioneiros de suas estratégias de defesa e
alienado.
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Ética
Não se pode conceber o ambiente de trabalho apenas como um local de produtividade,
pois o relacionamento entre pessoas também faz parte desse ambiente. E, para que um
relacionamento seja saudável, deve haver o mínimo de confiança entre as pessoas.
“A confiança não é um problema psicológico, mas ético. Para ter uma relação de
confiança com o outro, devo conhecer as regras às quais ele se submete, as regras que
respeita e os acordos entre palavras e atos” (DEJOURS, 1999, p.81).
2 Segundo Dejours (1999), o sofrimento ético é o sofrimento que o sujeito pode experimentar ao cometer, por causa do seu
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Transgressão
Dejours (1999) identifica quatro casos típicos de transgressão no mundo do trabalho:
1. Infração inevitável: são infrações em que o sujeito não tem como não fazê-
las. Por exemplo, quando ele se vê diante de situações paradoxais
existentes dentro da própria instituição, das contradições existentes nas
regras elaboradas.
2. Infração a contragosto: são infrações em que a pessoa comete
conscientemente, mas a contragosto, sempre em benefício do chefe ou da
empresa.
3. Infração de má-fé: feita com o objetivo de enganar alguém em detrimento
de outro alguém.
4. Infração para si mesmo: não tem a intenção de prejudicar, é feita por
desejo ou por convicção.
A transgressão é sempre marcada pela ambivalência entre o desejo e a culpa. Por
isso, ela nem sempre traz prazer em executá-la.
O que faz uma pessoa transgredir e a outra não é a capacidade que o sujeito tem
de não se deixar influenciar pelo ambiente, de ter uma visão crítica da situação e buscar
alternativas que tragam benefícios.
Essas pessoas podem até usufruir a transgressão por meio de vantagens, ainda
que ilícitas, porém, correm o risco de ficarem prisioneiras do seu próprio comportamento,
se acomodando nas vantagens em vez de buscarem uma outra alternativa que não a
transgressão, uma alternativa emancipatória por meio da adoção de outros personagens.
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Conformismo e banalização
Toda essa situação contraditória em que os trabalhadores estão inseridos e a dificuldade
em transformar tal realidade tendem a torná-los tolerantes e indiferentes a elas. Eles
perdem a capacidade de se indignar com o sofrimento alheio e até mesmo com o próprio
sofrimento.
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Porém, a grande maioria colabora, com sua ação ou sua omissão, para a
manutenção do sistema excludente, tornando, cada vez mais frequentes e hegemônicos, o
comportamento de exploração da mão-de-obra, a competitividade. O bloqueio à
qualidade de vida (também no ambiente de trabalho) e a supervalorização da
lucratividade passam não só a serem vistos como algo normal, mas também benéficos
para o desenvolvimento econômico e social.
A novidade não está na iniquidade, na injustiça e no sofrimento impostos a outrem
mediante relações de dominação que lhe são coextensivas, mas unicamente no fato de
que tal sistema possa passar por razoável e justificado; que seja dado como realista e
racional; que seja aceito e mesmo aprovado pela maioria dos cidadãos; que seja, enfim,
preconizado abertamente, hoje em dia, como um modelo a ser seguido, no qual toda a
empresa deve inspirar-se, em nome do bem, da justiça e da verdade. A novidade,
portanto, é que um sistema que produz e agrava constantemente adversidades,
injustiças e desigualdades possa fazer com que tudo isso pareça bom e justo. (DEJOURS,
2001, p.139).
Visão crítica
Conforme foi citado, anteriormente, os trabalhadores, muitas vezes, utilizam uma
estratégia defensiva que os exime de pensar criticamente sobre a sua situação. Eles podem
até ficar insatisfeitos com a sua realidade no trabalho, porém não argumentam, não
contestam e nem se opõem verdadeiramente.
O sujeito, ao se apoiar nas instruções, nos comandos, deixa de ser verbo (alguém
que autodetermina suas ações) para se tornar substantivo (mantendo o papel determinado
externamente). Mesmo que haja mudanças, essas ocorrem em função da personagem que
as substantivou. Não há salto qualitativo, pois não há ação consciente.
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24 O ambiente de trabalho, as estratégias de defesas e suas implicações na construção da identidade do trabalhador
O sujeito perde a capacidade de desenvolver uma visão crítica; para não correr o
risco de perder o emprego, prefere se anular a ter que questionar as regras e normas no
seu ambiente de trabalho.
5. CONCLUSÃO
“A reprodução da vida precisa ser mediatizada pela interpretação do que merece ser
vivido, sob as condições dadas” (CIAMPA, 1987, p.212).
Outras alternativas precisam ser criadas para que o sujeito não se deixe
escravizar pelo sistema. E o que vai diferenciar aquele que se deixou escravizar daquele
que, mesmo estando dentro desse contexto, resistiu é a capacidade de agir, quase sempre
estrategicamente, para conseguir alguma liberdade e autonomia.
O que foi exposto, até então, incita a uma pergunta muito importante: Se a atual
conjuntura organizacional não facilita que os trabalhadores construam suas identidades
de maneira emancipatória, quais seriam as condições necessárias à ser desenvolvidas
nesse ambiente para que tais identidades fossem construídas de maneira livre?
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“Para ser compreendido, não basta ter a verdade; é preciso encontrar formas
pelas quais os outros possam compreendê-la” (DEJOURS, 1999, p.173).
3 Termo utilizado por Dejours (2001) para se referir ao espaço que prefigura e contribui para alimentar ou engendrar o
espaço público; que as pessoas intervêm para opor argumentos que não são somente técnicos.
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26 O ambiente de trabalho, as estratégias de defesas e suas implicações na construção da identidade do trabalhador
Diante de tudo o que foi analisado anteriormente, a conclusão mais viável seria a
de que a emancipação do trabalhador está praticamente inviabilizada.
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Essa nova relação que se inicia no trabalho vai criar várias transformações, e,
nela, o indivíduo desempenhará novos papéis (entre aqueles que já desempenham nas
relações sociais) construindo sua personagem “trabalhador”, que traz consigo
aprendizados, experiências, comportamentos que já existiam e estão abertos a acrescentar
outros que surgirão a partir dessa nova relação.
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28 O ambiente de trabalho, as estratégias de defesas e suas implicações na construção da identidade do trabalhador
Porém, como já foi dito anteriormente, a identidade do indivíduo não é construída apenas
por meio do trabalho, pois ele constrói sua identidade também na relação com seus
familiares, seus amigos, nos eventos sociais, entre outras situações vividas fora do
ambiente de trabalho. E, à medida que leva para esse ambiente o aprendizado adquirido
com suas outras vivências – desde que essas vivências sejam positivas no sentido de
desenvolver visão critica -, abre-se um leque de possibilidades para que ele crie
alternativas emancipatórias dentro de um contexto em que aparentemente não existe
saída.
Diante do que foi analisado até agora, persistem algumas perguntas: existe
possibilidade do trabalhador, enquanto tal, construir alternativas emancipatórias no
desenvolvimento de sua identidade? A historia de vida do sujeito constituída também
fora do ambiente de trabalho pode, de alguma forma, torna crítica a sua visão de mundo e
possibilitar, apesar do contexto descrito, a construção de uma identidade com sentido
emancipatório? Ou essa é uma ilusão necessária para a reposição de seu personagem
profissional a serviço do capital?
Lutar contra a colonização do mundo da vida pela ordem sistêmica, não ignorar
as contradições entre ambos, pode ser a forma de desenvolver um ceticismo não
derrotista. Ceticismo que ilumina os aspectos não emancipatórios de nossa sociedade,
para a crítica necessária, e não derrotismo que ilumina também possibilidades
emancipatórias, ainda que tênues, inesperadas, fragmentadas, que nos levam a continuar
lutando por uma vida que mereça ser vivida.
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