O termo fetiche liga-se à perversão sexual designada
fetichismo, na qual a pessoa (normalmente um homem) só consegue excitar-se sexualmente se o objeto possuir uma característica específica (cor de cabelo, defeito físico, tipo de vestimenta) ou por determinado objeto bem específico (sapato, lingerie, nariz, etc.) Trata-se, para Freud, da perversão sexual que mais se aproxima de uma situação sexual aberrante. O desenvolvimento desta tara origina-se na infância do menino quando, ao ver o órgão sexual feminino (da mãe, da irmã, uma prima ou amiguinha), sente uma forte repulsa e angústia pelo que vê, produzindo uma clivagem entre uma parte sua que sabe que ali não há pênis algum, e outra que recusa enxergar tal fato. É a parte que nega a percepção da ausência do pênis na mulher que irá produzir o fetiche mais tarde, para substituir a falta insuportável do pênis na mulher. Mais tarde o termo foi apropriado por outras áreas para designar qualquer objeto que suplanta a falta constitutiva dos seres humanos. Por exemplo, o dinheiro é um fetiche no capitalismo. O horror que a ausência do pênis na mulher causa no menino não se deve a algum tipo de machismo congênito, mas ao medo que isso lhe desperta da castração. Em sua fantasia, a mãe foi castrada pelo marido, pai dele, destino que também será o seu. Na clínica, nenhum paciente vem buscar ajuda para livrar-se do seu fetiche sexual, algo que até lhe facilita a vida sexual até certo ponto por torná-lo menos dependente dos favores da mulher. Freud cita o caso de um paciente cujo fetiche era “o brilho do nariz”, no que se descobriu que era vislumbrar o nariz, já que em sua língua materna, o inglês, que ele havia esquecido completamente após vir para a Alemanha, glance significa vislumbre. O estudo do mecanismo de defesa envolvido na produção do fetiche permitiu à Freud compreender que é possível a pessoa cindir o seu ego em duas partes que se comportam de formas distintas em relação à percepção da realidade, sem ser psicótica por isso: no caso do fetichista, uma que percebe a ausência do pênis e outra que nega a percepção feita, ambas coexistindo lado a lado sem qualquer contradição entre si. No âmbito da normalidade, cita-se um exemplo de cisão egóica desse tipo no fato de todos nos sabermos mortais, ao mesmo tempo em que temos certeza que nós próprios nunca vamos morrer. É este tipo de pensamento que Freud detectou no fenômeno do fetiche: a ideia de que uma parte da mente que percebe a realidade desagradável convive lado a lado com outra, que não a percebe por defesa, uma desconhecendo a existência da outra, sem qualquer sentimento de contradição. Isso é muito frequente de se observar na clínica psicanalítica: o sujeito diz algo e depois diz o oposto do que havia dito antes, sem qualquer sentimento de contradição acerca disso. Trata-se de mecanismo diferente da escotomização da realidade, já que escotomizar significa não enxergar algo por completo, tal como o ponto cego de um motorista de carro. O mecanismo descrito aqui sendo mais fino e sofisticado que isso.
Repressão e rejeição
Em termos metapsicológicos, o fenômeno é explicado da
seguinte forma: o afeto desagradável (provocado pelo medo da morte ou da falta do pênis na mulher) é reprimido e a percepção de tal realidade é rejeitada (denegada ou forcluída), como se a pessoa nunca a tivesse enxergado aquilo antes. Trata-se obviamente de rejeitar algo que a pessoa já percebeu, mas que lhe causou tanta angústia ou mal-estar, que ela tenta se defender do que enxergou, recusando ter enxergado: (...) uma ação muito enérgica foi empreendida para manter a rejeição (da percepção). Não é verdade que, depois que a criança fez sua observação da mulher, tenha conservado inalterada a crença de que as mulheres possuem um falo. Reteve esta crença, mas também a abandonou. No conflito entre o peso da percepção desagradável e a força do seu contradesejo, chegou-se a um compromisso.
Daí o fetiche referir-se a um mecanismo de defesa e um
sintoma. Ele simboliza uma formação de compromisso da mente entre duas percepções opostas, mecanismo que só o inconsciente pode operar. Dirá o fetichista: sim, a mulher teve um pênis, mas agora ele se transformou em outra coisa. Digamos, num par de sapatos. Modo astucioso de aceitar e recusar a realidade ao mesmo tempo. Graças ao fetiche, muitos homens conseguem evitar de se tornar homossexuais, continuando a tolerar a mulher como objeto sexual ainda que driblem o seu repúdio pelo órgão sexual delas, sentindo excitação pelo lingerie, pelo sapato ou pelos seus cabelos, mas não pelos seus genitais, que lhe causarão horror, evidência de que houve uma repressão. Também, com o fetiche, estes homens libertam-se da necessidade de ter de conquistar a mulher para que esta lhe preste favores sexuais. Frequentemente são impotentes e têm uma constituição genital fraca. Freud não sabe responder o que determina o caminho da homossexualidade, do fetichismo ou da heterossexualidade no homem ante o horro do órgão sexual feminino. Compreendendo-os como pólos que vão do maior (homossexualismo) ao menor horror (heterossexualidade) a ele.
A escolha do fetiche
A última impressão antes da estranha e traumática visão do
órgão sexual feminino normalmente é retida como fetiche. Daí a preferência como fetiche por partes baixas do corpo feminino (pés, sapatos, pernas, lingerie). Também, o momento em que a mulher se despe é o último em que o expectador pode manter sua crença de que ela tem pênis. Nesse aspecto, as vestes servem para recobrir a castração feminina. O fetiche por peles e veludos representa a visão dos pêlos pubianos. Freud sugere o estudo do fetichismo para aqueles que ainda duvidam da presença do complexo de castração na mente masculina.
O fetiche entre a neurose e a psicose
A descoberta do mecanismo de defesa envolvido na criação
do fetiche, chamado rejeição ou foraclusão, força Freud a rever sua conceituação sobre a psicose. Pois, nos casos investigados não se trata de um desligamento completo da realidade por parte do ego, como ocorrem nas psicoses. O que ocorre nestes casos é uma divisão do ego, onde uma parte toma consciência e outra não toma consciência do evento desagradável, o desligamento da realidade sendo apenas parcial. A exemplo do jovem rapaz (caso Homem dos Ratos) que reconheceu e não reconheceu a morte do pai, ora uma ora outra predominando na personalidade. Quando prevalecia a parte que sabia da morte do pai, ele se enlutava. Predominando a outra, ele tratava o pai como um empecilho a seus negócios e amores. Esta atitude dividida encontra-se em todo caso de fetiche. O sujeito trata o objeto fetiche ora com afeição, ora com hostilidade. Em algumas vezes encarna ser o próprio agente castrador da mulher, a saber, o pai, com o qual está identificado. É o exemplo do fetiche de cortar cabelos femininos onde o fetichista é o executor da castração por identificação com o pai, cortando os cabelos, ao mesmo tempo em que renega a ausência do pênis feminino, multiplicando-o em seus milhares de fios.