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UFJF - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

PPGLETRAS- Estudos Literários


Prof.ª. Drª Bárbara
Simões Daibert
Discente: Telma Cristina Jesus de Castro

Fichamento de: APPIAH, Kwane Antony. A invenção da África. In: Na casa do


meu pai. Rio de Janeiro: Contraponto, 1977.

No primeiro capítulo, A invenção da África, Antony Kwane Appiah afirma


que as elites francófonas e anglófonas usam as línguas colônias para
governarem, mas também adotaram o modelo europeu para escrever a
literatura africana moderna. Ele cita como exemplo a descolonização
portuguesa, que apesar de uma história brutal e de resistência, deixou como
herança uma elite que fez do português seu idioma oficial (p.20).

No entanto, o autor ressalta que tal fato não equivale a negar o poder da
tradição de cultura oral – religiosa, mitológica, poética e narrativa – das línguas
tradicionais da África abaixo do Saara e nem ignorar a importância de algumas
línguas tradicionais que usam a escrita.

Appiah aborda ainda outras razões para a persistência das línguas coloniais nos
estados africanos. Ele cita dificuldades como desenvolver um sistema educacional
moderno numa língua nativa, diferente da que os manuais e didáticos foram
redigidos. Outro fator seria o status que as línguas estrangeiras conferiram à elite
É preciso analisar se as verdades retiradas do Ocidente serão ou não
dignas de crédito, e de como administrar as relações entre a herança
conceitual de origem e as ideias vindas de outros mundos. (p.21).

Appiah cita a obra O futuro da África, de Crummell, que fala em nome de


todo o continente africano. A obra, que tem como único conceito norteador a
raça, sustentava que havia um destino comum para os povos da África já que
esta seria a pátria dos negros. Os textos de Crummell inauguram o pan-
africanismo, por conceber a África como um único povo, uma unidade política
natural. (p.22).

Em relação à postura de Crummell e de outros escritores, o autor pontua


que:

uma vez que conceberam os africanos em termos raciais, sua opinião


negativa sobre a África não foi fácil de distinguir de uma opinião
negativa sobre os negros; através da vinculação ao pan-africanismo,
eles nos deixaram um legado incômodo (APPIAH, 1977, p.22).

Segundo o autor, a centralidade da raça na história do nacionalismo é


presumida e ignorada. Assim como o pan-africanismo “a négritude começa
pela suposição da solidariedade racial dos negros” (p.20). Com a realidade do
racismo nazista, após a Segunda Guerra Mundial, veio à tona a consciência
dos malefícios potenciais da concepção de raça como princípio organizador da
solidariedade política. O que ficou como lição para os africanos não foi o perigo
do racismo, “mas a falsidade da oposição entre uma “modernidade” européia
humana e o “barbarismo” do mundo não-branco”. (p.24). Desse modo, fica
evidente que o colonialismo, além de devastar vidas africanas, “os povos
brancos podiam tomar os instrumentos mortíferos da modernidade e usá-los
uns contra os outros”. (p.24).

É pontuado que há variações sobre o conceito de raça, pois para os


nativos o que a raça significava emocionalmente não condizia com a percepção
dos negros instruídos do Novo Mundo. Ressalta-se também que enquanto
alguns afro-americanos, criados numa sociedade norte-americana
segregacionista, sofriam discriminação e preconceitos, outros, que provinham
de culturas em que os negros eram majoritários, viviam em relação de
igualdade com os brancos.
De acordo com Appiah, tais fatos são de suma importância para se
compreender a psicologia da África pós-colonial. (p.24).

Em outro momento, é citado Wole Soyinka que acredita que para a


maioria dos cidadãos das colônias européias na África foi de uma penetração
essencialmente superficial por parte do colonizador. É dado como exemplo o
fato de algumas crianças, arrancadas de sua cultura tradicional e de sua família
e colocadas nas escolas coloniais, continuarem plenamente imersas numa
experiência primária de suas próprias tradições. (p.25). Para Appiah:

Nessas condições insistir na alienação dos súditos coloniais de


educação ocidental, em sua capacidade de apreciar e valorizar suas
próprias tradições é correr o risco de confundir o poder dessa
experiência primária com o vigor de muitas formas de resistência ao
colonialismo. O sentimento de que os colonizadores superestimam o
alcance de sua penetração cultural é compatível com a raiva ou o
ódio, ou com a ânsia de liberdade; mas não implica as deficiências de
autoconfiança que levam à alienação. (APPIAH, 1977, p.25).

Para o autor, as pessoas que foram criadas durante ou após a era


colonial têm a consciência de que os colonizadores nunca tiveram um controlo
tão plena quanto os mais velhos supunham. O poder persistente das tradições
cognitivas e morais nas religiões, funerais, música, dança e intimidade da vida
familiar era vivenciado por todos, apesar das autoridades coloniais procurarem
estigmatizar suas crenças religiosas tradicionais. Como resposta a essa atitude
dos colonizadores, ocultava-se o desdém pelo cristianismo europeu através de
criativas fusões religiosas a serem detalhadas em outro momento (p.26).

Appiah cita a Segunda Guerra Mundial e afirma que os africanos


britânicos, após esse período de estadia na Europa, tomaram como verdadeiro
o sentimento de uma africanidade compartilhada, ou seja, a aceitação da visão
eurocêntrica do conceito de raça. É nos apresentada outra situação
semelhante na qual algumas crianças do Império Francês liam livros didáticos
que falavam dos gauleses como seus ancestrais, uma vez que se acreditava
que devido à política francesa de assimilation, todos eram franceses,
independente do que mais pudessem ser. Dessa forma, para a geração que
teorizou a descolonização da África, o termo “raça” foi um princípio organizador
central. Appiah ressalta que tal concepção foi herdada basicamente de seus
precursores no Novo Mundo (p.28).
Ao adentrar no conceito de raça, Appiah aborda algumas teorias. Ele cita
Crummell, para quem “as raças têm sua individualidade” (p.29).

Essa individualidade estaria sujeita às leis da vida racial, relacionada “à


integração do sangue e à permanência de essência” (p.29). A teoria de
Crummell representou uma novidade no século XIX, contudo, seus
pressupostos dialogam com alguns de seus predecessores. Há uma
correspondência com alguns escritos humanos primitivos que davam ênfase à
aparência física ao definir o outro, bem como à ascendência comum para
explicar por que os grupos de pessoas exibem diferenças em suas atitudes e
aptidões (p.30).

O autor cita também os gregos, que identificavam os povos por sua


aparência característica, tanto em aspectos biológicos quanto em questões
culturais. È ressaltado que os gregos respeitavam muitos indivíduos de
aparência diferente e presumiam ter adquirido muito de sua cultura do povo de
pele mais escura do Egito (p.30). Por outro lado, no Velho Testamento, o que
se considera característico nos povos é a sua relação através de um ancestral
comum, Deus (p.30).

Assim, ao pensarmos na ideologia racial de Crummell como moderna,


como implicando ideias que nós entendemos, “deveremos supor que ele
acreditava que as “propensões estabelecidas e determinadas” refletiam as
capacidades hereditárias de uma raça. Em nossa época, a raça tornou-se, por
definição, uma questão de herança” (p.32).

Appiah apresenta três concepções de doutrinas relacionadas ao


conceito de racismo:

* Racialismo - trata-se da visão na qual existem características hereditárias,


possuídas por membros de nossa espécie, que nos permite dividi-los num
pequeno conjunto de raças, de tal modo que todos os membros dessas raças
compartilham entre si certos traços e tendências que eles não têm em comum
com membros de nenhuma outra raça. Essa essência racial implica
predisposições morais e intelectuais. (Não é uma doutrina perigosa, desde que
as qualidades morais positivas distribuam-se por todas as raças, tendo seu
lugar separado, mas igual).
* Segundo Appiah, o racialismo tem sido o pressuposto de outras doutrinas e
“essas doutrinas têm sido, nos últimos séculos, a base de um bocado de
sofrimento humano e a fonte de inúmeros erros morais” (p.33).

* Racismo Extrínseco – distinções morais entre os membros das deferentes


raças, em que a essência racial implica certas qualidades moralmente
relevantes. A base da discriminação é a crença em que os membros das
diferentes raças diferem em aspectos que justificam o tratamento diferencial;
aspectos – como a honestidade, a coragem ou a inteligência –
incontrovertidamente considerados aceitáveis como base para o tratamento
diferencial das pessoas (exemplo: falta aos negros aptidões intelectuais; os
judeus são especialmente avarentos). Appiah chama a atenção para a recusa
de alguns racistas extrínsecos a aceitar provas contrárias a suas crenças, uma
vez que nossa espécie é propensa à parcialidade de julgamento e a
incapacidade de mudar de ideia diante das evidências é uma deficiência
cognitiva (p.34).
* Racismo Intrínseco – esse grupo seria composto por pessoas que acreditam
que cada raça tem um status moral diferente, independentemente das
características partilhadas por seus membros. Assim, o simples fato de ser de
uma mesma raça é suficiente para um racista intrínseco preferir uma pessoa à
outra e nenhuma quantidade de provas de que um membro de outra raça é
capaz de realizações morais, intelectuais ou culturais serve de base para que
ele trate essa pessoa como trataria um membro de sua própria raça. Appiah
compara esses racistas aos sexistas. Ele afirma ainda que a diferença entre os
“ismos” é o que o intrínseco declara que certo grupo é objetável, sejam quais
forem seus traços, ao passo que no extrínseco, suas aversões são
fundamentadas em alegações sobre características objetáveis (p.35).

Appiah retoma Crummell e acredita que ele era racialista e racista. Ele
sugere que Crummell seja racista intrínseco e extrínseco, ao mesmo tempo.
Isso se deve ao fato de que a simples realidade da raça lhe fornece uma base
para tratar os membros de sua própria raça de um modo diferente dos das
outras, e que existem características moralmente relevantes que se distribuem
diferencialmente entre as raças (p.37). O autor tece uma comparação entre os
racismos nazista e o sul-africano.
No primeiro, o que há de peculiarmente aterrador é o fato de ele ter
levado à opressão e depois ao assassinato em massa. Já no segundo, apesar
de não ter conduzido a matanças na escala do Holocausto, levou à opressão
sistemática e à exploração econômica das pessoas não classificadas como
“brancas”, bem como a imposição de sofrimentos aos cidadãos de todas as
classificações raciais, inclusive pelo estado policialesco exigido para manter
essa condição (p.37).

Contudo, apesar das considerações anteriores, o autor identifica um


padrão significativo na retórica do racismo moderno: “o discurso da
solidariedade racial costuma expressar-se através do racismo intrínseco, já os
que usaram a raça como base da opressão e do ódio apelaram para ideias
raciais extrínsecas” (p.38). (ver pan-africanismo contemporâneo).

Em relação ao pan-africanismo, o autor argumenta que os pan-


africanistas reagiram à sua experiência de discriminação racial aceitando o
racialismo que ela propunha. Embora a raça realmente esteja no cerne do
nacionalismo pan-africanista, no entanto, parece tratar-se de uma raça comum
e não de um caráter racial comum, que proporciona a base para uma
solidariedade. Esse tipo de racismo, por estar entranhado na base da
solidariedade nacional é intrínseco. Para o autor “É a assemelhação do
“sentimento racial” ao “sentimento familiar” que faz o racismo intrínseco parecer
tão menos objetável do que o extrínseco” (APPIAH, 1977, p.39).

O racismo intrínseco é quase exclusivamente reconhecido como a base


dos sentimentos comunitários e serve de base para exageros, para um
tratamento melhor do que o desejo moral exige de nós É pontuado que não há
impossibilidade lógica na ideia de racialistas cujas crenças morais levam a
sentimentos de ódio contra outras raças, ao mesmo tempo não deixando
espaço para o amor pelos membros da sua. Por outro lado, reforça-se a ideia
de que a maior parte do ódio racial é expressa pelo racismo extrínseco, visto
que a maioria das pessoas que usaram a raça como base para fazer mal aos
outros sentiu necessidade de ver esses outros como moralmente falhos por si
mesmos (p.39).
Afirma-se que o pan-africanismo sofreu influência do racismo de
Crummell, calcada na retórica do nacionalismo africano pós-guerra. Tal
influência é percebida nos discurso de intelectuais africanos como Nkrumah, no
qual os afro-americanos que foram para a África (Du Bois, por exemplo)
estavam voltando para sua pátria racial natural.

É importante ressaltar que Crummell tinha em comum com seus


contemporâneos europeus e norte-americanos uma ideia essencialmente
negativa da cultura tradicional da África, anárquica, desprovida de princípios,
ignorante e selvagem, portanto, sem cultura (p.43).

A partir das considerações anteriores, o autor pontua que o preconceito


racial adquirido no século XIX e que se desenvolveu a partir do Iluminismo não
decorreu somente de um sentimento negativo em relação aos africanos. A falta
de capacidade de enxergar qualquer virtude nas culturas e tradições
africanas levou Crummell e também Blyden a frisarem reiteradamente a
receptividade dos africanos ao monoteísmo assim como os horrores do
paganismo africano. É importante ressaltar que os novos africanos
compartilhavam da concepção de Crummell na qual os africanos seriam unidos
pela raça, no entanto, a concepção de vazio cultural no continente é refutada.
Movimentos como a negritude procuravam celebrar o conceito de raça
baseando-se em suas virtudes, e não depreciando ou substituindo seus vícios.
(p.46).

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