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*Dep. Fitossanidade – UFRGS, Cx.P 15100 CEP 90001-970 Porto Alegre RS,
fabiods@ufrgs.br; **Faculdade de Agronomia – UNICRUZ. lerry@terra.com.br.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a Agroecologia, Ciência que procura desenvolver modelos
sustentáveis de agricultura, deixou de ser um assunto restrito a poucos grupos, ligados
principalmente a Organizações Não Governamentais (ONGs), tornando-se um tema
de crescente interesse nas agendas dos governos e na academia. Entretanto, é
preciso reconhecer, que destarte um interesse crescente, há um longo caminho a
percorrer, pois apesar das pesquisas estarem demonstrando que o modelo de
agricultura industrializada, que chamaremos de convencional, tem promovido a
destruição dos agroecossistemas, colocando em risco nosso modo de vida (Tilman et
al., 2002), muito pouco tem sido feito de fato para alterar esse processo, ou ao menos
restringi-lo. Para a superação deste modelo hegemônico, produtivista, ligado a uma
noção equivocada de crescimento econômico sustentado, é necessário que as
pesquisas e experiências em Agroecologia sejam cada vez mais integradas às
políticas públicas e às demais áreas acadêmicas envolvidas no processo de
desenvolvimento rural. Nesse sentido, este documento procurará tratar da evolução
da Agroecologia como espaço acadêmico no Brasil, suas articulações e resultados, e
das perspectivas de organização deste campo.
Antecedentes Históricos
A Agroecologia surgiu como campo científico na primeira metade do século XX num
contexto de busca de modelos sustentáveis para a agricultura (Dalgaard et al., 2003).
Em sua primeira fase, tinha como objetivo integrar os conhecimentos da Ecologia à
Agronomia sob ponto de vista das Ciências Biológicas. Os trabalhos realizados nesse
sentido, no entanto, concluíram que a sustentabilidade da agricultura, ou seja, a
capacidade de produzirmos alimentos sem afetarmos a capacidade de regeneração
dos ecossistemas, não dependia apenas de conhecimentos biológicos sobre os
ecossistemas onde a agricultura era realizada, mas de uma complexa inter-relação
com a sociedade humana. Assim, atualmente a pesquisa em Agroecologia integra as
metodologias das ciências mais “duras”, como a Ecologia e a Agronomia com aquelas
provenientes das Ciências Sociais, Economia, Antropologia e Sociologia,
principalmente e sempre numa busca pela interdisciplinaridade.
Sociedade e Agroecologia
A crescente aceitação na academia e na política dos temas da Agroecologia pode ser
demonstrada pelo lançamento de editais de pesquisa do CNPq3 e pelos programas de
políticas públicas para o desenvolvimento rural, como aqueles desenvolvidos pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), incluindo o Plano Safra 2005-2006 e a
Política de Assistência Técnica e Extensão Rural4. Entretanto, o modelo produtivista
de crescimento econômico ainda é hegemônico nos planos do Governo Federal, em
especial nas políticas determinadas pelos Ministérios da Agricultura e Abastecimento
(MAPA), de modo que a aplicação da Agroecologia tem sido considerada como
referência para apenas uma pequena fração da agricultura no país. O discurso
brasileiro da responsabilidade social e ambiental está defasado em relação a políticas
de inclusão social e de respeito ao meio ambiente capazes de promover o
desenvolvimento sustentável. Esse modelo dualístico da agricultura brasileira,
certamente, é uma das principais causas dos fracassos de nossas políticas de
desenvolvimento agrário e de nossos baixos índices de desenvolvimento humano. A
inclusão dos princípios agroecológicos nos discursos sobre políticas públicas
aparentemente tem servido como o purgatório da incapacidade política brasileira em
alterar os rumos de seus próprios modelos de desenvolvimento baseados no
“agronegócio”: neologismo muito utilizado para justificar a manutenção do modelo de
agricultura industrializada, mecanizada, monocultora e excludente. Assim, podemos
comemorar a presença e a expansão da Agroecologia na cena acadêmica e na
política brasileira, mas precisamos admitir, no entanto, que ainda existe um longo
caminho a percorrer.
4
O Plano Safra 2005/2006 (http://www.pronaf.gov.br/home/plano_2005.pdf, acessado em 27/09/2005) e
a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão rural (http://www.pronaf.gov.br/dater/, acesso e.
27/09/20050) formulados pelo MDA, contemplam uma diretriz de apoiar, via crédito e extensão rural,
iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável, tendo os principíos da Agroecologia coo
norteadores do processo.
VII Congreso SEAE Zaragoza 2006 Nº 142
Agroecologia e Academia
A Agroecologia é uma área de pesquisa hoje aceita e pertinente tanto dentro das
academias como para os órgãos e agências financiadores de pesquisas,
principalmente nas áreas de desenvolvimento rural, e, mais precisamente, nas
Ciências Agrárias. No entanto, o fato de declarar-se pesquisador na área de
Agroecologia, em que pesem os consensos sobre os postulados gerais da mesma, em
muitos casos, tem se configurado como um protocolo de intenções, resultante de uma
alteridade em relação àquilo que se designou como a “ciência oficial” – ou clássica, ou
cartesiana. Procura-se pesquisar aquilo que foi “esquecido”, “excluído” ou “deixado de
lado” pelos esquemas generalizantes, como agricultura orgânica, manejo ecológico de
culturas, indicadores de sustentabilidade, etnografia de comunidades, mediadores e
extensão rural. Ou seja, temas referentes ao desenvolvimento rural de comunidades
ou indivíduos que encontram-se à margem dos agronegócios e das disputas
brasileiras para se tornar um dos maiores produtores de “commodities” do mundo (em
que pese ser essa uma visão superada de Segurança Alimentar5).
A possibilidade da Agroecologia gerar uma identidade que supere essa alteridade vai
depender, por um lado, das capacidades da própria Agroecologia e de seus
pesquisadores e teóricos. Isso significa refletir sobre e eleger suas problemáticas
legítimas, sua capacidade de representatividade social, acadêmica e nos organismos
financiadores de pesquisa, como também, nas suas possibilidades de organização. E,
ao mesmo tempo, vai também ser função da aceitação de seus postulados e do
trabalho conjugado e transitivo com extensionistas e ONG´s, bem como, e mais
importante, com os agricultores que são o elo mais fraco e mais importante dessa
cadeia.
5
Ver MARTINS, Sergio Roberto “A Academia e a Soberania Alimentar: (Des)Compromissos
Individuais e Coletivos”. In: CANUTO, João Carlos e COSTABEBER, José Antônio (orgs.).
Agroecologia: Conquistando a Soberania Alimentar. Porto Alegre: Emater/RS-Ascar; Pelotas: Embrapa
Clima Temperado, 2004.
6
Disponíveis em CANUTO, João Carlos e COSTABEBER, José Antônio (orgs.). Agroecologia:
Conquistando a Soberania Alimentar. Porto Alegre: Emater/RS-Ascar; Pelotas: Embrapa Clima
Temperado, 2004.
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Mas, para que se possa observar as direções que a Agroecologia vem tomando no
sentido de avançar e estabelecer sua identidade e, igualmente, como Ciência, superar
a alteridade de um protocolo de intenções, é necessário exceder ao fetiche dos
números e observar a qualidade dos dados que estão sendo obtidos. É preciso
assumir a postura de Ciência, sem receio dos enfrentamentos que deverão ocorrer,
naturais a qualquer campo do conhecimento. Para isso deve-se investir na construção
de referenciais que auxiliem na instrumentação necessária para superar a fase de
“Ciência em construção”. As condições que hoje se apresentam, e em especial no
Brasil, nos faz acreditar que isso poderá ocorrer em um curto espaço de tempo.
O primeiro deles refere-se ao recorte regional dado aos estudos. Em que pesem as
restrições reais de qualquer pesquisa quanto ao objeto e a área a ser estudada, isso
não exclui a articulação desse “recorte” com o ambiente econômico e político no qual
está inserido. Descartando alguns poucos trabalhos específicos sobre o impacto de
políticas públicas (e mesmo assim em muitos casos restritos às esferas do mundo
legal ou institucional), e também algumas poucas análises econômicas sobre práticas
7
Censos dos Grupos de Pesquisa, Plataforma Lattes, CNPq, em www.cnpq.br. Esses dados devem ser
relativizados, pois é comum os grupos de pesquisa mudarem seus temas então serem absorvidos em
temáticas mais amplas.
8
Cerca de 80% das dissertações e teses com o tema Agroecologia foram defendidas na área de Ciências
Agrárias. Ver Banco de Teses e Dissertações da CAPES em www.capes.gov.br
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Dalgaard, T.; Hutchings, N.J.; Porter, J.R. Agroecology, scaling and interdisciplinarity.
Agriculture, Ecosystems & Environment. 100:39-51. 2003.
Guanziroli, C.E.; Cardim, S.E. (Coord.) O Novo Retrato da Agricultura Familiar: o Brasil
redescoberto. Projeto de Cooperação Técnica INCRA-FAO: Brasília. 74p. 2000.
Leite, S. Revisitando o papel da agricultura no desenvolvimento brasileiro: notas sobre
a insustentabilidade do predomínio de uma estratégia agroexportadora. Trabalho
apresentado no “Seminário Nacional em Desenvolvimento Rural Sustentável”, 23 a
25 de agosto de 2005, Brasília, DF. Brasília – CONDRAF, 8p. 2005.
Santos, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente.Contra o Desperdício da
Experiência.Porto. Afrontamento. 2000
Tilman, D.; Cassman, K.G.; Matsons, P.A.; Naylor, R.; Polasky, S. Agricultural
sustainability and intensive production practices. Nature, 418:671-677. 2002.