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A Traducao de Politicas Educacionais de Superacao Do Fracasso Escolar Na Visao de Professores e Especialistas o Caso Das Classes de Aceleracao
A Traducao de Politicas Educacionais de Superacao Do Fracasso Escolar Na Visao de Professores e Especialistas o Caso Das Classes de Aceleracao
de superação do fracasso escolar estão sendo traduzidos para a prática pedagógica, sob a ótica
de professores e especialistas educacionais inseridos no projeto Reorganização da Trajetória
Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração.
1 Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Docente do curso de
Pedagogia e coordenadora do curso de especialização em Psicopedagogia da ASSER - Associação de Escolas
Reunidas de São Carlos.
2 Pesquisa realizada como uma das exigências para a obtenção do título de Doutora em Educação, junto ao
Programa de Pós - Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação da Profa.
Dra. Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali.
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DANI & ISAÍA (1997) refletem sobre uma concepção de fracasso escolar que não
se relaciona somente à questão da repetência ou reprovação do aluno, mas à situação em que o
aluno, em seu cotidiano escolar, não pensa a partir de suas próprias elaborações mentais e não
se sente autorizado a expressar o seu próprio pensamento. Essa situação se reflete, por
exemplo, nas dificuldades que o aluno apresenta para escrever com autonomia, levando-o a
apenas registrar ou copiar o pensamento dos outros, principalmente o de seu professor.
Entretanto, o aluno é visto como bem - sucedido, justamente por se comportar da forma como
o professor espera que um “bom” aluno se comporte.
Atualmente, o fracasso escolar vem sendo cada vez mais representado pela
situação em que o aluno efetivamente freqüenta a escola, é promovido de uma série para
outra, conclui cada um dos ciclos escolares mas, ao sair, apresenta um conhecimento sobre os
conteúdos acadêmicos muito aquém do desejado.
Com relação às teorias explicativas sobre o fracasso escolar, vários autores
fizeram análises importantes.
Dentre esses, tem-se VIAL (1987) que afirma que esse fenômeno pode ser
explicado por uma ideologia que encara o sucesso e o insucesso como uma questão do aluno
possuir ou não o dom para aprender. Para essa ideologia dos “dotes”, o problema reside na
existência de indivíduos mais ou menos dotados para aprender. Na escola, essa ideologia
permearia a concepção de que sempre existiram “bons” e “maus” alunos e, sendo assim, é
absolutamente desnecessário buscar-se explicações pedagógicas, científicas ou políticas para
justificar essa situação.
PATTO (1993) acredita que o fracasso escolar é um fenômeno produzido no
interior da própria escola e que o fracasso da escola pública elementar seria o resultado de um
sistema educacional que cria obstáculos à realização de seus próprios objetivos. Dessa forma,
as relações hierárquicas de poder, a segmentação e burocratização do trabalho pedagógico
criariam as condições no interior da instituição escolar para a adesão dos professores a uma
prática direcionada a interesses particulares e ao descompromisso social.
CARRAHER, CARRAHER & SCHILEMANN (1995) igualmente direcionam o
foco da atribuição do fracasso escolar para a própria escola. Para esses autores, o fracasso
escolar seria o fracasso da escola. A estrutura e organização escolar predisporiam ao fracasso
do aluno, na medida em que não se valorizam os saberes informais que os escolares trazem
consigo para a escola e o tipo de raciocínio que utilizam para solucionar os problemas do
cotidiano.
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do Ciclo Básico procurou trazer às escolas uma maior flexibilidade na organização curricular,
seja no agrupamento de alunos em classes, na revisão dos conteúdos programáticos, na
utilização de estratégias de aprendizagem coerentes com a heterogeneidade dos alunos, como
na escolha de critérios de avaliação do desempenho escolar.
No entanto, a flexibilidade na escolha de critérios para a formação de classes e a
possibilidade de remanejamento de alunos mostrou-se, com o tempo, prejudicial aos mesmos,
pois reforçou uma tendência tradicional nas escolas de se formarem classes relativamente
homogêneas, de acordo com o desempenho dos alunos, em especial, as classes compostas por
alunos com maiores dificuldades, denominadas de classes “fracas” (BARRETO &
MITRULIS, 1999).
De acordo com MAINARDES (1998), a proposta do Ciclo Básico, além da
eliminar a reprovação entre a 1a e a 2a série, consistiu-se basicamente:
- na mudança do enfoque da avaliação, o qual deveria passar a enfatizar o
processo ensino - aprendizagem, indicando o progresso do aluno e informando sobre as
necessidades de reforço e de atendimento de suas dificuldades específicas;
- na oportunidade de complementar os estudos dos alunos que apresentassem
dificuldades para a apropriação dos conteúdos curriculares;
- na possibilidade de capacitação dos professores que atuaram nessa reforma;
- na alteração da concepção e da prática de alfabetização, a partir da incorporação
de teorias da área da Psicolingüística, Sociolingüística, Lingüística e Psicologia.
Acerca do processo de capacitação de professores, segundo AMBROSETTI
(1989), houve o apoio do Projeto Ipê, iniciado em setembro de 1984, por iniciativa da
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Através da utilização de um sistema de
multimeios (televisão, rádio, textos impressos e telepostos nas escolas), esse projeto visava a
atualização e o aperfeiçoamento do corpo docente e especialistas educacionais para que se
adaptassem às inovações pedagógicas trazidas por essa reforma educacional. Desenvolveu-se
através de cursos feitos em módulos, voltados para uma orientação técnico - pedagógica,
realizados em telepostos sob a orientação de monitores e pelos programas “Fundamentos da
Educação”, veiculados pela televisão em datas previamente divulgadas.
A implantação do Ciclo Básico desencadeou discussões importantes sobre o
processo de avaliação de desempenho dos alunos, cuja ênfase recaiu, de uma visão de
avaliação centrada no rendimento isolado do aluno, próprio da década de 70, para a análise
dos fatores existentes no cotidiano escolar e de como poderiam estar influenciando esse
desempenho.
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telefone, fax e vídeos , e a criação do Banco de Projetos Educacionais, cujo objetivo seria a
documentação, análise e divulgação de experiências pedagógicas, promoção de intercâmbio
sistemático de materiais, métodos, técnicas e pesquisas sobre o processo ensino -
aprendizagem.
Em relação às condições de trabalho e de remuneração, a reforma previa que os
professores alterassem a sua carga horária , aderindo ao Regime de Dedicação Plena
Exclusiva, de modo a facilitar a sua permanência em cada escola. Dessa forma, os professores
das séries iniciais do 1o grau cumpririam jornada de 40 horas semanais, em caráter
obrigatório, sendo que desse total, 30 horas seriam cumpridas no interior das salas de aula,
cinco horas - aulas a serem realizadas em atividades pedagógicas no interior da escola e nove
horas - aula no local de preferência do professor. Já os professores de 5 a a 8a séries do 1o grau
e os do 2o grau escolheriam livremente a sua carga horária, mas a preferência na atribuição de
aulas seria dada àqueles que aderissem à carga horária de 40 horas.
No tocante à remuneração, aqueles que aderissem à proposta de dedicação
exclusiva receberiam uma gratificação de 30% do valor de referência da categoria a que
pertenciam; para os professores que lecionavam no ensino noturno e os especialistas em
educação, gratificação de 20% do valor da hora - aula.
A reforma previa a melhoria das condições físicas e materiais das escolas
participantes e a adequação dos prédios escolares às exigências pedagógicas, de modo a
possibilitar o funcionamento das unidades em três turnos. Em relação aos recursos materiais,
previa-se a implantação de Centros de Informação e Criação (CIC) e de Laboratórios de
Difusão de Ciência e Tecnologia (LDCT).
As mudanças no funcionamento das escolas determinadas pela proposta levavam
em consideração o número máximo de 30 alunos nas salas de aula do Ciclo Básico e 35 nas
demais séries.
Segundo DIAS (1998), a extinção do projeto Escola - Padrão deveu-se a uma série
de fatores que se relacionam, a grosso modo, à resistência dos órgãos administrativos e da
própria rede de ensino às inovações propostas e ao enfraquecimento do poder político da
Secretária da Educação daquele período, levando a um processo de descontinuidade político -
administrativa e, conseqüentemente, à extinção do projeto, logo no início da gestão Covas
(1995).
No período de 1995 a 1998, já no governo Mário Covas, foi implementado um
programa que visava a melhoria da qualidade do ensino, a partir da reorganização das
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São Paulo implantou a progressão continuada em dois ciclos para todos os alunos da rede
pública.
Segundo a proposta oficial, o objetivo da Progressão Continuada seria possibilitar
que os alunos aprendessem cada vez mais, mediante a eliminação de dificultadores os quais,
supostamente, estariam interrompendo o processo de aprendizagem dos alunos e levando-os à
reprovação, em especial, a desconsideração dos conhecimentos construídos pelos alunos no
decorrer do ano letivo.
As idéias básicas do regime de progressão continuada, fundamentadas em
princípios da psicologia do desenvolvimento, da aprendizagem e da teoria sócio -
construtivista da educação, são:
- toda criança é capaz de aprender;
- toda interação professor/aluno e aluno/aluno resulta em aprendizagem;
- a aprendizagem ocorre em um movimento não linear, o que permite que alunos
atrasados em relação ao seu grupo consigam avançar e dominar conteúdos que, até então,
eram considerados inacessíveis;
- a aprendizagem é um processo contínuo e sem retrocessos, conseqüentemente, a
repetência é capaz de destruir a auto - estima do aluno e sabotar a sua capacidade de aprender.
Em termos operacionais, a evolução escolar do aluno dentro dos ciclos é de
avanço contínuo. Assim, os alunos poderão progredir da 1a até a 4a série (Ciclo I) e da 5a até a
8a série (Ciclo II) continuamente, sem retenções e ,ao final de cada ciclo (4 a e 8a séries), caso
não atinjam os parâmetros de aprendizagem, conhecimento e habilidades desejáveis, devem
ficar retidos para reforço e recuperação por um ano letivo.
O processo de avaliação é contínuo e cumulativo, possibilitando que necessidade
de atividades de reforço e recuperação seja diagnosticada rapidamente e que as dificuldades
detectadas possam ser solucionadas o mais brevemente possível.
A avaliação diagnóstica não deve ser realizada apenas no início de cada etapa de
ciclo de aprendizagem; é indicada sempre pois, durante o percurso, é necessário situar os
alunos em termos de avanços e dificuldades, para que o plano de ação relacione os alvos
pretendidos às necessidades reais, subsidiando o trabalho pedagógico e orientando o professor
na seleção de intervenções mais adequadas para fazer o aluno avançar.
Portanto, a função da avaliação diagnóstica é oferecer subsídio à equipe escolar
para elaborar o planejamento das ações de recuperação de ciclo, bem como acompanhar o
desenrolar do trabalho ao longo do processo, dando pistas para a utilização de novos
procedimentos metodológicos necessários para o sucesso do trabalho.
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conhecimento escolar ou se esta iniciativa irá se limitar apenas à correção do fluxo escolar e à
alteração das estatísticas educacionais acerca do fracasso escolar.
Apesar da descontinuidade das políticas educacionais no sistema educacional e
das modificações trazidas por elas, os seus efeitos acabam se refletindo, de alguma maneira,
no cotidiano das escolas e na prática pedagógica realizada pelos professores dentro das salas
de aulas. A cada nova política implementada, os professores se vêem diante da tarefa de
conhecer as inovações preconizadas, refletir sobre elas e readaptar as suas práticas de acordo
com esses novos pressupostos sem que exista, na maior parte das vezes, um tempo apropriado
e um suporte adequado para que isso ocorra.
Nessa perspectiva, avaliações realizadas sobre o processo de implementação do
Ciclo Básico mostraram que apesar da programação prevista nos guias ser extensa e
complexa, os professores não estariam preparados para atuar diante dessas exigências, além
do fato de que o trabalho efetivo na sala de aula não foi sistematizado de forma a ser possível
o acompanhamento da programação oficial (BARRETO, 1989).
O papel dos professores no processo de implementação de políticas educacionais
que almejam a qualidade do ensino e a superação do fracasso escolar tem sido essencial,
justamente por serem esses profissionais considerados os maiores responsáveis pela
concretização ou não dos objetivos almejados pelas reformas educativas.
qualidade de ensino têm evidenciado a influência que o professor em efetivo exercício possui
na determinação do sucesso de reformas ou políticas educativas que se pretenda implementar.
Na perspectiva clássica de formação continuada de professores a ênfase
normalmente recai questão da reciclagem docente, que significa, como o próprio nome
sugere, refazer ou atualizar o ciclo da formação recebida anteriormente. Nesse sentido, o
professor em exercício geralmente volta à Universidade a fim de participar de cursos em
diferentes níveis (especialização, aperfeiçoamento, pós – graduação lato ou strictu sensu).
Uma outra possibilidade de reciclagem é freqüentar cursos promovidos pelas Secretarias de
Educação, assim como a participação em congressos, simpósios, encontros e outros eventos
destinados ao desenvolvimento profissional de professores.
Enfatiza-se a formação continuada em espaços tradicionalmente considerados
como locus de produção de conhecimento, seja a Universidade ou espaços a ela relacionados.
A visão tradicional da formação continuada pressupõe a dicotomia entre aqueles que
produzem o conhecimento ou a teoria pesquisadores e especialistas educacionais e
aqueles que aplicam esse conhecimento na prática pedagógica os professores.
No entanto, partindo-se da concepção de que o conhecimento docente se dá
através de um processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução, conclui-se que
a produção desse conhecimento também se dá na prática pedagógica cotidiana.
Em reação a esse modelo tradicional de formação continuada iniciaram-se, nos
últimos tempos, reflexões e pesquisas destinadas a desenvolver uma nova concepção de
formação continuada, ainda que não se encontrem na prática esses modelos em seu estado
puro.
CANDAU (1996) distingue três teses que fundamentariam essa nova concepção
de formação continuada. A primeira sustenta a idéia de que o locus de formação continuada a
ser privilegiado é a própria escola. Depoimentos de professores sustentam a idéia de que o
cotidiano escolar é um locus de formação docente. No entanto, não se garante a formação do
professor simplesmente pelo fato de se estar na escola e se realizar uma prática concreta. É
necessário que se ofereçam condições para que o professor possa desenvolver uma prática
reflexiva, onde ele seja capaz de identificar os problemas e de resolvê-los e que, além disso,
seja uma prática coletiva, construída em conjunto com seus pares dentro da instituição escolar
A segunda tese elencada pela autora diz respeito à valorização do saber docente
no contexto da formação continuada, em especial, os saberes advindos da experiência.
Considerado como núcleo vital do saber docente, os saberes advindos da experiência se
fundamentam na prática cotidiana e no conhecimento que o professor possui sobre o seu
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ambiente; é por meio desses saberes que os professores julgam a formação que adquiriram, a
pertinência ou realismo das políticas e reformas que lhe são propostas e elaboram modelos de
excelência profissional.
A terceira e última tese trata da necessidade de que sejam considerada, no
planejamento da formação continuada, as diferentes etapas ou fases do desenvolvimento
profissional do magistério. Segundo HUBERMAN (1989, citado por CANDAU, 1996), as
etapas básicas do desenvolvimento do professor são: a) a entrada na carreira; b) a fase de
estabilização; c) a fase de diversificação; d) a fase do distanciamento; e) a fase de
desinvestimento. Levando em conta a existências dessas etapas, faz-se necessário considerar a
formação de professores em exercício como um processo heterogêneo, pois as buscas, as
necessidades, os problemas e os desafios encontrados pelos professores não são os mesmos
nas diferentes etapas do desenvolvimento profissional a que estão submetidos.
Em síntese, pode-se afirmar que a formação continuada não deve ser considerada
como um mero processo de acumulação ou como a somatória de informações, mas um
trabalho onde se busca a reflexão crítica do professor sobre as suas práticas e de construção (e
reconstrução) contínua de sua identidade pessoal e profissional (CANDAU, 1996).
O processo de formação continuada ou de capacitação em serviço dos professores
e coordenadores pedagógicos envolvidos nas Classes de Aceleração foi coordenado pelas
especialistas educacionais da Diretoria Regional de Ensino, com o seguinte formato: a cada
bimestre, três dias seguidos de capacitação com oito horas diárias cada.
É importante ressaltar que as especialistas da Diretoria Regional de Ensino foram
submetidas a um processo de formação continuada semelhante ao que seria realizado junto
aos professores e coordenadores pedagógicos, a fim de que atuarem como agentes
capacitadores dos mesmos.
Segundo as especialistas entrevistadas, as características básicas das capacitações
foram o dinamismo e a articulação constante entre teoria e prática, ou seja, a análise da prática
pedagógica à luz dos referenciais teóricos contidos na proposta.
De acordo com “Classes de Aceleração: Orientações para Capacitação de
Professores” (SÃO PAULO - Estado, 1999), os procedimentos de capacitação devem ser
pensados a partir de três âmbitos de interação dos conteúdos: teoria, prática pedagógica e
situações concretas de sala de aula.
No primeiro âmbito, os conteúdos são tratados no plano estritamente teórico, onde
os fundamentos da proposta são apresentados, discutidos e relacionados às concepções
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prévias dos participantes sobre os temas abordados. Assim, o estudo da Proposta Pedagógica
Curricular das Classes de Aceleração era considerado essencial.
No segundo âmbito de interação com os conteúdos, os elementos da prática
pedagógica eram analisados por meio da realização de atividades de aprendizagem e de
avaliação contidas no próprio material de apoio das Classes de Aceleração.
No terceiro âmbito, eram discutidas as situações concretas de sala de aula, as
quais envolvem a articulação da análise do processo ensino - aprendizagem à prática docente,
sustentada pelos pressupostos teórico - metodológicos da proposta.
As capacitações locais não se limitavam apenas aos encontros formais; a
discussão sobre as dificuldades individuais e/ou coletivas, a troca de experiências entre as
participantes, as oportunidades de debate e de estudo nas reuniões de trabalho pedagógico,
também foram consideradas como aspectos fundamentais do processo de formação
continuada.
Um recurso importantíssimo utilizado no processo de capacitação foram as
dinâmicas de grupo, as quais tinham como objetivo geral possibilitar a discussão e a vivência
de situações relacionadas ao preconceito quanto aos alunos multirrepetentes, à
heterogeneidade das turmas e à avaliação, dentre outros assuntos, além de possibilitar às
professoras que se colocassem no lugar do “outro”, o que pode ter facilitado, segundo uma
das especialistas, o desenvolvimento de um “novo olhar” das docentes sobre os alunos e,
aparentemente, uma melhor compreensão das dificuldades e da heterogeneidade dos mesmos
na sua relação com o conhecimento.
As dificuldades citadas pelas professoras sobre a tradução do projeto Classes de
Aceleração para a prática estão relacionadas: à falta de interesse e de participação dos alunos;
à mudança do paradigma teórico - metodológico; à falta de tempo dos professores para
assimilar as informações recebidas nas capacitações, para a pesquisa e o planejamento das
atividades a serem realizadas; à composição das turmas com alunos que já poderiam estar
cursando séries mais avançadas.
A ausência de uma figura de apoio consistente, seja a direção ou a coordenação
escolar, também deve foi considerada como um dificultadores da tradução do projeto
educacional para a prática docente. A relevância do apoio do diretor, do coordenador
pedagógico, dos professores das séries regulares e, inclusive, dos supervisores de ensino,
coloca em evidência a necessidade de se repensar a escola como uma “comunidade de
aprendizagem”, a qual envolve os diferentes elementos que a compõe.
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Dessa forma, pode-se dizer que, em uma das escolas investigadas, a tradução do
projeto educacional para a prática docente ocorreu de forma mais distanciada dos
pressupostos teórico - metodológicos do projeto de Aceleração, pois as professoras relataram
muitas dificuldades na compreensão e/ou aceitação de suas premissas ou princípios
fundamentais (concepção de fracasso escolar que não culpabiliza o aluno, confiança no
potencial de aprendizagem dos alunos ou no potencial do professor para ensiná-los) e no
estabelecimento de vínculos positivos com os alunos.
Os dados obtidos junto às professoras e à coordenadora pedagógica da Escola II
mostram que a tradução do projeto educacional para a prática docente nessa instituição pode
ser considerada mais aproximada dos pressupostos teórico - metodológicos do projeto de
Aceleração, principalmente devido ao fato das professoras terem aderido e adotado os
princípios básicos do projeto em suas práticas pedagógicas.
Essas professoras, em sua tradução do projeto de Aceleração para a prática,
parecem ter ido além da premissa inicial de que “todo professor é capaz de ensinar e que todo
aluno é capaz de aprender”, atuando de acordo com a idéia de que seriam capazes de
aprender a ensinar de uma maneira diferente.
Dessa forma, é possível afirmar que o principal diferencial do processo de
tradução do projeto educacional da escola onde se realizou uma tradução mais aproximada do
projeto para a prática, parece ter sido a presença de uma crença muito intensa, tanto por parte
das professoras como da coordenadora pedagógica, de que seriam capazes de realizar um bom
trabalho junto aos alunos das Classes de Aceleração.
Os resultados obtidos possibilitam que se teçam algumas considerações
específicas sobre o perfil pessoal e profissional das professoras da escola considerada bem -
sucedidas por terem realizado uma tradução mais aproximada dos pressupostos do projeto
para a prática pedagógica.
Em primeiro lugar, foi possível perceber que essas professoras acreditaram no
projeto educacional e procuraram compreender os seus pressupostos teórico - metodológicos,
buscando atuar de acordo com os mesmos, mas não se deixando prender em demasia às
amarras das prescrições e recomendações contidas em tal proposta.
Portanto, mesmo atuando de acordo com tais pressupostos, as professoras bem -
sucedidas não abriram mão dos conhecimentos originados em suas experiências profissionais
anteriores, nem de sua capacidade de improvisação. A respeito da improvisação,
PERRENOUD (1997) coloca que os professores improvisam na medida em que se deparam
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A análise dos dados indica ainda que, assim como a professora bem - sucedida do
estudo de SOUZA, VIÉGAS & BONADIO (1999), as professoras que já possuíam uma
predileção pessoal pelo trabalho pedagógico junto a alunos com história de sucessivos
fracassos escolares, manifestaram uma atitude mais positiva em relação ao seu próprio
sucesso e ao de seus alunos no processo ensino - aprendizagem.
Entretanto, aquelas que, aparentemente, possuíam uma concepção mais
conservadora do fracasso escolar, diante da experiência nas Classes de Aceleração, não
parecem ter modificado as suas crenças em relação ao fracasso dos alunos, as quais, ao
contrário, podem ter sido reforçadas.
Ambas as situações parecem confirmar a idéia de MARRERO (1986, citado por
SADALLA, 1998) de que, assim como as crenças que os professores possuem sobre os alunos
influenciam as suas escolhas pedagógicas, as práticas cotidianas acabam por influenciar essas
mesmas crenças, o que possibilita ao professor elaborar e construir continuamente o seu
conhecimento prático e sua visão pessoal e contextualizada sobre o ensino.
Concluindo-se o delineamento do perfil pessoal e profissional das professoras
bem - sucedidas, pode-se dizer que os aspectos identificados até o momento se incorporam à
definição de professor adequado para atuar no projeto Classes de Aceleração, na visão das
especialistas educacionais: um professor pesquisador de sua própria prática, capaz de
acreditar e de confiar no sucesso de seu trabalho.
No entanto, não se pode considerar o perfil pessoal e profissional dessas
professoras de forma isolada, mas também como um produto da cultura escolar a que
pertencem. Portanto, além da dimensão pessoal do processo de tradução, deve-se
compreender como a cultura escolar recebe as mudanças propostas e as traduz, de forma que
as inovações se incorporem às concepções e aos valores já existentes na instituição.
Assim, as escolas não podem ser consideradas tábulas rasas ou folhas em branco,
onde as exigências e prescrições das políticas educacionais podem ser impostas com a
garantia de que serão seguidas a risca. Ao serem traduzidas para as sala de aula, as políticas
educacionais muito provavelmente serão ressignificadas para poderem se adequar às
características das culturas escolares (PATTO, 1998).
Não foi a intenção desse estudo investigar a cultura escolar das instituições
participantes do projeto Classes de Aceleração, mas há condições de se afirmar, baseadas
ainda PATTO (1998), que a tendência de muitas escolas públicas, depois de décadas expostas
a uma série de políticas e reformas educacionais, é possuir uma dinâmica institucional
perversa, a qual acaba por desvirtuar os reais objetivos da educação, atingindo negativamente
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em sua prática atual, para que consigam aprender a atuar de uma maneira nova. Entretanto, a
busca por essas respostas demanda, por parte dos professores, aquilo que o autor denominou
de “tempo e condições mentais propícias”, os quais, freqüentemente, não têm sido
considerados no desenvolvimento profissional docente.
Dessa forma, considera-se que o processo de implementação das políticas pelos
órgãos decisórios, de tradução das mesmas pelos professores e a avaliação dos efeitos, diretos
ou indiretos, que essas políticas acarretam, envolve a articulação de diferentes noções de
tempo.
Tem-se, dessa maneira, o tempo dos órgãos políticos e administrativos para
elaborarem e implementarem as reformas educacionais, o qual parece ser bem diferente do
tempo que os professores necessitam para se adaptarem a essas mesmas reformas e às
mudanças previstas por elas, assim como para repensarem as suas concepções e práticas, o
qual, por sua vez, também é diferente do tempo dos alunos para se adaptarem às novas
condições impostas ao processo ensino - aprendizagem e do tempo da realização de avaliações
institucionais e de pesquisas educacionais a fim de se analisar os resultados das reformas
implementadas.
Observando-se essa questão de tempo, pode-se dizer que a formação continuada
oferecida às professoras e coordenadoras pelas especialistas educacionais da Diretoria
Regional de Ensino., nos moldes em que se caracterizou, pode ser considerada como um dos
principais fatores facilitadores do processo de tradução, por ter possibilitado aos professores
alguns momentos para a reflexão sobre as situações vivenciadas na prática pedagógica e ao
buscar a articulação entre a teoria e a prática, apesar de não ter sido realizada nas escolas,
locus de formação ideal para processos dessa natureza.
Além disso, acredita-se que os dados revelam, de forma mais clara no caso das
professoras bem - sucedidas no processo de tradução, que o sucesso não parece estar
relacionado apenas aos fatores identificados até o momento, mas também no nível de
desenvolvimento profissional dessas professoras. Dessa forma, o fato de ter cursado ou de
estar cursando um curso de nível superior parece indicar que possuem uma necessidade de
formação continuada e de aprimoramento pessoal e profissional.
Anteriormente, foi feita a referência à cultura escolar e suas influências na
tradução do projeto Classes de Aceleração para a prática pedagógica. A esse respeito, o que os
dados parecem mostrar que existe a formação acadêmica e aspectos da trajetória profissional
de cada uma das professoras, os quais podem facilitar a compreensão dos pressupostos teórico
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Bibliografia
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proposta de mudança. São Paulo, PUC, 1989. Dissertação de Mestrado. Mimeografado,
164p
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.) Vidas
de professores. Porto: Porto Editora, 1995
PERRENOUD, P. La construcción del éxito y del fracaso escolar. Madrid: Morata, 1996 –
(Fundación Paideia)
SILVA, M. H. F. da. O professor como sujeito do fazer docente: a prática pedagógica nas 5 as
séries. SÃO PAULO: USP - Faculdade de Educação, 1992. Tese de Doutorado.
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uma experiência educacional bem sucedida em uma Classe de Aceleração. 22a. ANPEd,
1999
STUART, C. & THURLOW, D. Making it their own: preservice teachers’ experiences,
beliefs, and classrooms practices, Journal of Teacher Education, March - Vol. 51, nº 2,
pp. 113-121, April 2000