Você está na página 1de 30

A TRADUÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE SUPERAÇÃO

DO FRACASSO ESCOLAR NA VISÃO DE PROFESSORES E ESPECIALISTAS:


O CASO DAS “CLASSES DE ACELERAÇÃO”

Juliana Zantut Nutti 1

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo implementou, no decorrer das


década de 80 e 90, políticas e projetos educacionais que buscaram, de forma direta ou
indireta, a superação do fracasso escolar.
Dentre essas políticas e projetos destacam-se o Ciclo Básico, o Programa de
Formação Integral da Criança, a Escola - Padrão, a reorganização da rede pública estadual, a
Progressão Continuada e, finalmente, a Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração.
Nessa perspectiva, este trabalho visa relatar e discutir os principais achados de
pesquisa realizada pela autora , cujo objetivo geral foi analisar como as políticas ou projetos
2

de superação do fracasso escolar estão sendo traduzidos para a prática pedagógica, sob a ótica
de professores e especialistas educacionais inseridos no projeto Reorganização da Trajetória
Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração.

Fracasso escolar: breve retrospectiva sobre definições e teorias explicativas


Primeiramente, é importante situar o leitor sobre como tem sido problematizado o
conceito de fracasso escolar mediante uma retrospectiva sobre as definições e teorias
explicativas atribuídas a esse grave fenômeno, o qual vem desafiando o sistema educacional e
a sociedade brasileira há, pelo menos, cinco décadas.
RIBEIRO (1993) coloca que o fracasso escolar pode ser entendido como as
sucessivas repetências, excessiva permanência e o posterior abandono da escola pelo aluno
pertencente, em sua maioria  mas não exclusivamente , às classes economicamente
desfavorecidas da população.

1 Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Docente do curso de
Pedagogia e coordenadora do curso de especialização em Psicopedagogia da ASSER - Associação de Escolas
Reunidas de São Carlos.
2 Pesquisa realizada como uma das exigências para a obtenção do título de Doutora em Educação, junto ao
Programa de Pós - Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, sob a orientação da Profa.
Dra. Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali.
2

DANI & ISAÍA (1997) refletem sobre uma concepção de fracasso escolar que não
se relaciona somente à questão da repetência ou reprovação do aluno, mas à situação em que o
aluno, em seu cotidiano escolar, não pensa a partir de suas próprias elaborações mentais e não
se sente autorizado a expressar o seu próprio pensamento. Essa situação se reflete, por
exemplo, nas dificuldades que o aluno apresenta para escrever com autonomia, levando-o a
apenas registrar ou copiar o pensamento dos outros, principalmente o de seu professor.
Entretanto, o aluno é visto como bem - sucedido, justamente por se comportar da forma como
o professor espera que um “bom” aluno se comporte.
Atualmente, o fracasso escolar vem sendo cada vez mais representado pela
situação em que o aluno efetivamente freqüenta a escola, é promovido de uma série para
outra, conclui cada um dos ciclos escolares mas, ao sair, apresenta um conhecimento sobre os
conteúdos acadêmicos muito aquém do desejado.
Com relação às teorias explicativas sobre o fracasso escolar, vários autores
fizeram análises importantes.
Dentre esses, tem-se VIAL (1987) que afirma que esse fenômeno pode ser
explicado por uma ideologia que encara o sucesso e o insucesso como uma questão do aluno
possuir ou não o dom para aprender. Para essa ideologia dos “dotes”, o problema reside na
existência de indivíduos mais ou menos dotados para aprender. Na escola, essa ideologia
permearia a concepção de que sempre existiram “bons” e “maus” alunos e, sendo assim, é
absolutamente desnecessário buscar-se explicações pedagógicas, científicas ou políticas para
justificar essa situação.
PATTO (1993) acredita que o fracasso escolar é um fenômeno produzido no
interior da própria escola e que o fracasso da escola pública elementar seria o resultado de um
sistema educacional que cria obstáculos à realização de seus próprios objetivos. Dessa forma,
as relações hierárquicas de poder, a segmentação e burocratização do trabalho pedagógico
criariam as condições no interior da instituição escolar para a adesão dos professores a uma
prática direcionada a interesses particulares e ao descompromisso social.
CARRAHER, CARRAHER & SCHILEMANN (1995) igualmente direcionam o
foco da atribuição do fracasso escolar para a própria escola. Para esses autores, o fracasso
escolar seria o fracasso da escola. A estrutura e organização escolar predisporiam ao fracasso
do aluno, na medida em que não se valorizam os saberes informais que os escolares trazem
consigo para a escola e o tipo de raciocínio que utilizam para solucionar os problemas do
cotidiano.
3

PERRENOUD (1996), considera o sucesso, o fracasso e as desigualdades entre os


alunos como realidades construídas pelo sistema escolar. Esboça uma sociologia da avaliação
escolar, dos procedimentos e normas mediante as quais a escola elabora suas hierarquias de
excelência e decidem o fracasso ou o sucesso escolar e suas conseqüências. Segundo o autor,
na busca de respostas sobre as possíveis causas da existência de bons e maus alunos, a
sociologia da educação analisa os mecanismos que transformam as diferenças culturais em
desigualdades escolares, que são reais no que diz respeito ao saber e saber fazer que se
valoriza na escola, mas que não teriam a mesma importância simbólica, nem as mesmas
conseqüências práticas, caso a avaliação escolar não as traduzisse em hierarquias explícitas.
Apesar da existência de diferentes definições e teorias explicativas sobre o
fracasso escolar, não se contesta o fato de que esse fenômeno têm trazido conseqüências
extremamente danosas aos escolares e suas famílias, ao sistema educacional e à sociedade
brasileira como um todo, na medida em que interfere diretamente no desenvolvimento
psicológico e social dos alunos e que impõe limites rigorosos ao processo de apropriação dos
conteúdos pedagógicos e das habilidades acadêmicas necessárias para a inserção social e
exercício da cidadania.

Políticas educacionais: em busca da superação do fracasso escolar


Uma análise das políticas e projetos educacionais implementados no decorrer das
últimas décadas pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo demostra que os mesmos
buscaram, em suas proposições gerais, a melhoria da qualidade do ensino e, direta ou
indiretamente, a superação do fracasso escolar.
Dentre essas deve-se considerar, inicialmente, o Ciclo Básico, reforma
educacional implementada no Estado de São Paulo, a partir de 1984, fruto de uma tentativa de
redemocratização do ensino, idealizada pelos governos de oposição que assumiam o poder a
partir do processo de abertura política que caracterizou o início dos anos 80.
A implementação do Ciclo Básico pode ser considerada como medida inicial na
tentativa de diminuição da distância existente entre o desempenho dos alunos provenientes de
diversas classes sociais, garantindo a todos o direito à escolaridade.
O Ciclo Básico trouxe consigo implicações administrativas, organizacionais e
pedagógicas, tendo como uma de suas principais conseqüências a instauração da promoção
automática na passagem da 1a para a 2a série.
Além da promoção automática das 1as para as 2as séries do 1o grau (que passam a
ser denominadas Ciclo Básico Inicial - CBi e Ciclo Básico Continuidade - CBc), a proposta
4

do Ciclo Básico procurou trazer às escolas uma maior flexibilidade na organização curricular,
seja no agrupamento de alunos em classes, na revisão dos conteúdos programáticos, na
utilização de estratégias de aprendizagem coerentes com a heterogeneidade dos alunos, como
na escolha de critérios de avaliação do desempenho escolar.
No entanto, a flexibilidade na escolha de critérios para a formação de classes e a
possibilidade de remanejamento de alunos mostrou-se, com o tempo, prejudicial aos mesmos,
pois reforçou uma tendência tradicional nas escolas de se formarem classes relativamente
homogêneas, de acordo com o desempenho dos alunos, em especial, as classes compostas por
alunos com maiores dificuldades, denominadas de classes “fracas” (BARRETO &
MITRULIS, 1999).
De acordo com MAINARDES (1998), a proposta do Ciclo Básico, além da
eliminar a reprovação entre a 1a e a 2a série, consistiu-se basicamente:
- na mudança do enfoque da avaliação, o qual deveria passar a enfatizar o
processo ensino - aprendizagem, indicando o progresso do aluno e informando sobre as
necessidades de reforço e de atendimento de suas dificuldades específicas;
- na oportunidade de complementar os estudos dos alunos que apresentassem
dificuldades para a apropriação dos conteúdos curriculares;
- na possibilidade de capacitação dos professores que atuaram nessa reforma;
- na alteração da concepção e da prática de alfabetização, a partir da incorporação
de teorias da área da Psicolingüística, Sociolingüística, Lingüística e Psicologia.
Acerca do processo de capacitação de professores, segundo AMBROSETTI
(1989), houve o apoio do Projeto Ipê, iniciado em setembro de 1984, por iniciativa da
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Através da utilização de um sistema de
multimeios (televisão, rádio, textos impressos e telepostos nas escolas), esse projeto visava a
atualização e o aperfeiçoamento do corpo docente e especialistas educacionais para que se
adaptassem às inovações pedagógicas trazidas por essa reforma educacional. Desenvolveu-se
através de cursos feitos em módulos, voltados para uma orientação técnico - pedagógica,
realizados em telepostos sob a orientação de monitores e pelos programas “Fundamentos da
Educação”, veiculados pela televisão em datas previamente divulgadas.
A implantação do Ciclo Básico desencadeou discussões importantes sobre o
processo de avaliação de desempenho dos alunos, cuja ênfase recaiu, de uma visão de
avaliação centrada no rendimento isolado do aluno, próprio da década de 70, para a análise
dos fatores existentes no cotidiano escolar e de como poderiam estar influenciando esse
desempenho.
5

O Ciclo Básico, enquanto política, foi substituído em 1997 pelo sistema de


Progressão Continuada, que será discutido posteriormente, neste mesmo capítulo.
O Programa de Formação Integral da Criança (Profic), enquanto política pública,
funcionou de 1986 a 1993, num contexto socioeducacional em que as taxas de evasão e
repetência incidiam sobre mais de 30% dos alunos das séries iniciais da rede estadual de
ensino (GIOVANI & SOUZA, 1999).
As teorias explicativas para essas estatísticas apontavam para fatores de ordem
interna, vinculados ao sistema educacional  baixos salários, baixa qualidade da formação do
professor, excesso de alunos nas salas de aula, inadequação curricular, dentre outros , e
fatores de ordem externa, como a crescente pauperização da população escolar, que se
expressava num conjunto de condições adversas para a realização dos processos ensino -
aprendizagem, as quais iam desde a inexistência de um ambiente familiar favorável à
educação do aluno, até razões socioeconômicas e de natureza prática, que o afastariam da
escola.
A proposta do Profic levava em consideração especialmente a situação de
pauperização da população escolar e se propunha a ir além da finalidade instrucional da
escola, considerando a proteção ao aluno como uma missão institucional paralela. A criança
participante do Profic estaria, supostamente, protegida da violência, do desamparo
circunstancial, das doenças, da fome e da pobreza.
Os objetivos gerais do Profic eram:
- a transformação conceitual e prática da escola de ensino fundamental,
gradualmente, de instituição dedicada à instrução formal da infância em instituição dedicada à
formação integral da criança;
- a transformação conceitual e prática da pré - escola, gradualmente, de instituição
dedicada à preparação para a alfabetização em instituição dedicada à formação integral da
criança;
- a ampliação do período de permanência da criança na escola de 1o grau;
- o estabelecimento, de maneira direta ou indireta, de uma rede de pré - escolas no
Estado, de modo a atender a criança até os seis anos de idade, de maneira integral e integrada;
- a criação de condições para que o período de permanência da criança na pré -
escola correspondesse ao período de trabalho dos pais;
- a criação de condições para que as mães, especialmente aquelas de classes mais
pobres, pudessem estar junto de seus filhos, amamentando-os, se possível, nos dois primeiros
anos de vida;
6

- a cooperação com entidades públicas e privadas no sentido de encontrar


fórmulas para resolver o problema do menor já abandonado.
Esses objetivos orientavam dois tipos de estratégias: as diretas, através da
execução de projetos dentro da rede de ensino oficial do Estado, e as indiretas, via convênios
com Prefeituras Municipais e entidades assistenciais privadas, sempre articulados com a idéia
de integralização do atendimento e de atividades complementares à instrução. As atividades
realizadas na escola giravam em torno de aulas regulares, da alimentação, do reforço escolar e
de tarefas diversificadas e de ações voltadas para a saúde individual e coletiva das crianças
participantes, como o atendimento médico, odontológico, psicológico e realização de
programas de educação em saúde.
O Profic foi, inicialmente, dividido em quatro projetos, os quais procuravam dar
assistência à criança, desde a fase anterior à sua entrada nas instituições de ensino até quando
completasse quatorze anos; buscou-se, igualmente, a definição de uma política de
atendimento ao menor já em estado de abandono, como as crianças moradoras de rua.
Dos quatro projetos que fizeram parte do Profic é interessante explorar um pouco
mais aquele dedicado às crianças na faixa etária de sete à quatorze anos, denominado Projeto
de Formação Integral do Escolar.
O fundamento do Projeto de Formação Integral do Escolar foi o aumento do
tempo de permanência da criança na escola (oito horas diárias), o qual era facultativo e não
levava necessariamente ao aumento da atividade escolar, mas ao acréscimo de atividades
recreativas, artísticas, esportivas, assim como ao reforço da aprendizagem. O Projeto de
Formação Integral do Escolar teve bom potencial de aceitação, tendo sido implementado em
um número significativo de municípios e de escolas no Estado de São Paulo.
A fase de declínio do Profic iniciou-se a partir de 1990, culminando na sua
extinção total no ano de 1993.
O declínio do Profic deveu-se, em suma, a dificuldades relacionadas ao repasse de
recursos financeiros, no caso das entidades assistenciais e, no caso das prefeituras, no
gerenciamentos dos recursos humanos, além de mudanças sucessivas de orientação política na
Secretaria de Estado da Educação. Um outro fator importante para a extinção do Profic foi a
mudança no governo estadual, em 1991, o qual, ao propôr reformas no sistema público de
ensino, não deixou espaço para a continuidade de programas considerados não prioritários e
que não respondessem ao requisito de atendimento universal no interior da rede de ensino
(GIOVANI & SOUZA, 1999).
7

Outra reforma do ensino foi implementada no decorrer do governo Fleury (1991-


1995), denominada Programa de Modernização do Sistema Educacional do Estado de São
Paulo, o qual foi lançado a partir da criação de um grupo de trabalho paralelo à estrutura
administrativa do sistema educacional, denominado Núcleo de Gestão Estratégica (NGE),
cuja função seria realizar estudos diagnósticos sobre o sistema de ensino e, a partir dos
resultados de tais avaliações, propôr planos de intervenção.
O Programa de Modernização do Sistema Educacional do Estado de São Paulo
constava de treze áreas ou subprojetos, dentre eles, o Projeto de Modernização da Escola que,
de modo geral, visava a criação de uma nova escola, denominada Escola - Padrão, que
pudesse oferecer um ensino de qualidade à população.
A Escola - Padrão se configurava, basicamente, como uma escola mais autônoma
administrativa e pedagogicamente, a qual deveria oferecer ao seu corpo docente e
funcionários capacitações e aperfeiçoamentos constantes, melhores condições de trabalho e de
salário, além de uma rede física de boa qualidade.
A maior autonomia dada a essas escolas criava condições para a implementação
de mudanças como a presença de todos os professores, coordenadores de cursos, áreas e
disciplinas, além dos coordenadores da área administrativa, nas Horas de Trabalho
Pedagógico (HTP).
Cada Escola - Padrão deveria estabelecer o seu Plano Diretor, o qual seria
composto da programação do trabalho a ser desenvolvido em cada ano, além de suas metas
educacionais e projetos pedagógicos.
O objetivo do processo de capacitação dos recursos humanos de cada escola seria
contribuir para o processo de transformação da qualidade do ensino público. Foram indicados
vários modelos de capacitação, como cursos presenciais, ensino a distância, além de ações de
capacitação promovidas pelas Oficinas Pedagógicas das Delegacias de Ensino, pela Fundação
de Desenvolvimento da Educação (FDE), da Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas (CENP). Para tal finalidade seriam criados Centros de Aperfeiçoamento de
Recursos Humanos (CARH), os quais deveriam promover regularmente cursos, oficinas
pedagógicas, palestras e debates destinados à equipe escolar.
A proposta de capacitação indicava a necessidade de estabelecimento de parcerias
com Universidades e a divulgação de artigos de profissionais do meio acadêmico e
educacional, por meio de uma publicação específica, a Série Idéias. A reforma ainda previa a
implementação de mais dois projetos de formação e capacitação de recursos humanos das
escolas, o Sistema Integrado de Multimeios  que utilizaria de canais de satélite, telex,
8

telefone, fax e vídeos , e a criação do Banco de Projetos Educacionais, cujo objetivo seria a
documentação, análise e divulgação de experiências pedagógicas, promoção de intercâmbio
sistemático de materiais, métodos, técnicas e pesquisas sobre o processo ensino -
aprendizagem.
Em relação às condições de trabalho e de remuneração, a reforma previa que os
professores alterassem a sua carga horária , aderindo ao Regime de Dedicação Plena
Exclusiva, de modo a facilitar a sua permanência em cada escola. Dessa forma, os professores
das séries iniciais do 1o grau cumpririam jornada de 40 horas semanais, em caráter
obrigatório, sendo que desse total, 30 horas seriam cumpridas no interior das salas de aula,
cinco horas - aulas a serem realizadas em atividades pedagógicas no interior da escola e nove
horas - aula no local de preferência do professor. Já os professores de 5 a a 8a séries do 1o grau
e os do 2o grau escolheriam livremente a sua carga horária, mas a preferência na atribuição de
aulas seria dada àqueles que aderissem à carga horária de 40 horas.
No tocante à remuneração, aqueles que aderissem à proposta de dedicação
exclusiva receberiam uma gratificação de 30% do valor de referência da categoria a que
pertenciam; para os professores que lecionavam no ensino noturno e os especialistas em
educação, gratificação de 20% do valor da hora - aula.
A reforma previa a melhoria das condições físicas e materiais das escolas
participantes e a adequação dos prédios escolares às exigências pedagógicas, de modo a
possibilitar o funcionamento das unidades em três turnos. Em relação aos recursos materiais,
previa-se a implantação de Centros de Informação e Criação (CIC) e de Laboratórios de
Difusão de Ciência e Tecnologia (LDCT).
As mudanças no funcionamento das escolas determinadas pela proposta levavam
em consideração o número máximo de 30 alunos nas salas de aula do Ciclo Básico e 35 nas
demais séries.
Segundo DIAS (1998), a extinção do projeto Escola - Padrão deveu-se a uma série
de fatores que se relacionam, a grosso modo, à resistência dos órgãos administrativos e da
própria rede de ensino às inovações propostas e ao enfraquecimento do poder político da
Secretária da Educação daquele período, levando a um processo de descontinuidade político -
administrativa e, conseqüentemente, à extinção do projeto, logo no início da gestão Covas
(1995).
No período de 1995 a 1998, já no governo Mário Covas, foi implementado um
programa que visava a melhoria da qualidade do ensino, a partir da reorganização das
9

Delegacias de Ensino e, conseqüentemente, da racionalização e agilização da rede pública de


ensino do Estado de São Paulo (SÃO PAULO - Estado, 2000a).
Iniciou-se, também, uma política de fortalecimento das escolas estaduais, que
passaram a receber verbas para manutenção, diretamente na conta da Associação de Pais e
Mestres.
Posteriormente, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo realizou a
operação Cadastramento, que acabou comprovando a existência de um grande número de
alunos “fantasmas” no sistema de ensino, fato esse que preveniu desperdícios futuros no envio
de recursos, merenda e material didático para as escolas.
Foram estabelecidas parcerias com as Prefeituras Municipais para a manutenção e
gestão do Ensino Fundamental, medida que atingiu mais de 1000 escolas e,
aproximadamente, 700.000 alunos, transferidos da rede estadual para as redes municipais. A
partir do momento em que a gestão e a supervisão das quatro primeiras séries se tornasse
responsabilidade dos municípios, o Estado passaria, então, a atuar prioritariamente na gestão
da escolaridade a partir das 5as séries.
Houve a reorganização da rede escolar, adequando-se as escolas para crianças de
1a a 4a séries, escolas para pré - adolescentes e adolescentes, matriculados nas 5 as e 8as séries e
do Ensino Médio, as quais possuíam coordenadores pedagógicos em cada unidade escolar,
passando a ser mais autônomas e capazes de definir planos pedagógicos específicos.
Os recursos poupados pelo Estado na reorganização da rede seriam aplicados na
melhoria dos salários docentes, na construção, reforma e ampliação de salas de aula e no
envio de material didático adequado e em quantidade suficiente para as escolas (incluindo
computadores e periféricos). Surgiram, também, as Salas - Ambiente e os Cantinhos
Pedagógico, espaços especialmente montadas para o ensino de cada disciplina, com materiais
específicos, idealizados para que o processo ensino - aprendizagem se tornasse mais dinâmico
e interessante para os estudantes (SÃO PAULO - Estado, 2000b).
A partir da reorganização, as Delegacias de Ensino, que passam a ser chamadas de
Diretorias de Ensino, foram reduzidas em todo o Estado.
Uma das inovações trazidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9394/96, foi a organização do Ensino Fundamental em ciclos de aprendizagem, por meio
do regime de progressão continuada e da utilização de múltiplos critérios de avaliação do
desempenho escolar (SÃO PAULO - Estado, 2000c).
O Conselho Estadual de Educação de São Paulo instituiu, a partir de 1997, o
regime de progressão continuada em ciclos e, em 1998, a Secretaria de Estado da Educação de
10

São Paulo implantou a progressão continuada em dois ciclos para todos os alunos da rede
pública.
Segundo a proposta oficial, o objetivo da Progressão Continuada seria possibilitar
que os alunos aprendessem cada vez mais, mediante a eliminação de dificultadores os quais,
supostamente, estariam interrompendo o processo de aprendizagem dos alunos e levando-os à
reprovação, em especial, a desconsideração dos conhecimentos construídos pelos alunos no
decorrer do ano letivo.
As idéias básicas do regime de progressão continuada, fundamentadas em
princípios da psicologia do desenvolvimento, da aprendizagem e da teoria sócio -
construtivista da educação, são:
- toda criança é capaz de aprender;
- toda interação professor/aluno e aluno/aluno resulta em aprendizagem;
- a aprendizagem ocorre em um movimento não linear, o que permite que alunos
atrasados em relação ao seu grupo consigam avançar e dominar conteúdos que, até então,
eram considerados inacessíveis;
- a aprendizagem é um processo contínuo e sem retrocessos, conseqüentemente, a
repetência é capaz de destruir a auto - estima do aluno e sabotar a sua capacidade de aprender.
Em termos operacionais, a evolução escolar do aluno dentro dos ciclos é de
avanço contínuo. Assim, os alunos poderão progredir da 1a até a 4a série (Ciclo I) e da 5a até a
8a série (Ciclo II) continuamente, sem retenções e ,ao final de cada ciclo (4 a e 8a séries), caso
não atinjam os parâmetros de aprendizagem, conhecimento e habilidades desejáveis, devem
ficar retidos para reforço e recuperação por um ano letivo.
O processo de avaliação é contínuo e cumulativo, possibilitando que necessidade
de atividades de reforço e recuperação seja diagnosticada rapidamente e que as dificuldades
detectadas possam ser solucionadas o mais brevemente possível.
A avaliação diagnóstica não deve ser realizada apenas no início de cada etapa de
ciclo de aprendizagem; é indicada sempre pois, durante o percurso, é necessário situar os
alunos em termos de avanços e dificuldades, para que o plano de ação relacione os alvos
pretendidos às necessidades reais, subsidiando o trabalho pedagógico e orientando o professor
na seleção de intervenções mais adequadas para fazer o aluno avançar.
Portanto, a função da avaliação diagnóstica é oferecer subsídio à equipe escolar
para elaborar o planejamento das ações de recuperação de ciclo, bem como acompanhar o
desenrolar do trabalho ao longo do processo, dando pistas para a utilização de novos
procedimentos metodológicos necessários para o sucesso do trabalho.
11

Com a proposta de atender aos agrupamentos de alunos com ritmos e dificuldades


variados sugere-se, além da realização de atividades coletivas, em pequenos grupos ou
individuais, o planejamento de situações de trabalho diversificado, o que exigiria do professor
a elaboração o planejamento de atividades diferentes e o equilíbrio na formação de grupos
mais autônomos, para que os alunos mais adiantados possam auxiliar aqueles que precisam de
maior colaboração.
O ponto de partida do trabalho deve ser o cotidiano do aluno, seu real contexto de
aprendizagem, trazendo-se para a sala de aula o que já se conhece para ser retomado e
reconhecido e, a partir daí, ampliar-se em direção a um outro patamar de conhecimento
sistematizado.
De acordo com a Secretaria de Estado da Educação (SÃO PAULO - Estado,
2000c), a organização das turmas dos alunos do Ciclo I (1 a a 4a série) que necessitam do
trabalho de recuperação pode ocorrer das seguintes maneiras:
- Classes de recuperação de ciclo: classe comum montada e organizada para esse
fim e com propostas criativas de trabalho pedagógico;
- Classes em escola pólo: atendimento em uma escola pólo, nos moldes da
sugestão anterior;
- Classes de 4a série: se a escola não conseguir viabilizar nenhuma das alternativas
anteriores, é possível encaminhar os alunos para uma classe de 4 a série, desde que
comprometida com a realização de um trabalho e acompanhamento diferenciados para esse
grupo.
Uma outra alternativa para a recuperação dos alunos do Ciclo I, é o
encaminhamento para uma Classe de Aceleração II (cujos pressupostos serão apresentados na
próxima seção), da própria escola ou de uma escola próxima.
Para que a proposta de recuperação de ciclo atinja seus objetivos, é necessário um
esforço concentrado no planejamento de recuperação que comprometa não só o professor,
mas todos os envolvidos no processo educacional. A recuperação de ciclo não deve significar,
simplesmente, refazer-se a 4a série, mas algo mais abrangente e complexo, já que envolve,
como o próprio nome sugere, a recuperação do trabalho realizado em uma etapa específica da
trajetória educacional do aluno.
Esse planejamento depende da direção, da coordenação pedagógica, dos
professores, dos alunos e seus pais e da supervisão escolar. Finalmente, é fundamental que a
escola acolha a proposta de recuperação e de avaliação, entendendo que todos serão
12

beneficiados: os alunos, por receberem orientação de boa qualidade e obterem chances de


sucesso, e os profissionais de ensino, por cumprirem sua tarefa maior de educar.
Até esse momento foram apresentadas as características gerais de políticas ou
projetos educacionais que têm em comum, pelo menos em suas proposições oficiais, a
implementação de reformas administrativas e pedagógicas com vistas à melhoria da qualidade
do ensino à minimização ou superação dos efeitos do fracasso escolar.
De modo geral, os objetivos dessas políticas educacionais parecem girar em torno
do oferecimento de um ensino de qualidade para todos os alunos, da aceitação da diversidade
social, cultural e cognitiva existente entre esses alunos, da formação de cidadãos críticos,
éticos e participativos e da preparação dos indivíduos para ingressarem e se manterem ativos
no mercado de trabalho.
Através da retrospectiva realizada, pôde-se perceber que algumas políticas
educacionais foram sendo paulatinamente substituídas por outras,  como no caso do Ciclo
Básico que foi substituído pela Progressão Continuada , enquanto outras foram
simplesmente extintas, como ocorreu com as Escolas - Padrão e o Profic.
O movimento de alternância das políticas educacionais parece acarretar rupturas
ou continuidades nas orientações teórico - metodológicas a serem seguidas pelo sistema
educacional. Um exemplo de continuidade entre uma política educacional e outra foi a adoção
da promoção automática de alunos no decorrer de um ciclo de aprendizagem, a qual se iniciou
no Ciclo Básico, de forma ainda restrita, e se manteve no regime de Progressão Continuada, já
de forma ampliada.
No entanto, a continuidade das inovações propostas pelas políticas educacionais
não parece associar-se à sua aceitação na comunidade escolar. Assim, apesar da promoção
automática ter sido adotada no sistema educacional do Estado de São Paulo, muitos
educadores e pais de alunos ainda são partidários do antigo sistema de reprovação ao final de
cada série.
Com relação ao projeto Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração, contexto dessa investigação, a polêmica de que tem sido
alvo não parece centrar-se na questão de sua continuidade enquanto projeto educacional, já
que possui um tempo limitado de existência, mas sim na real possibilidade dos alunos
participantes desse projeto alcançarem níveis de aprendizagem escolar que permita a
continuidade de seus estudos, no momento em que retornarem às séries regulares. Em outras
palavras, o que tem sido questionado pelos estudiosos em relação a esse projeto educacional é
se a participação do aluno na Classe de Aceleração poderá garantir a efetiva apropriação do
13

conhecimento escolar ou se esta iniciativa irá se limitar apenas à correção do fluxo escolar e à
alteração das estatísticas educacionais acerca do fracasso escolar.
Apesar da descontinuidade das políticas educacionais no sistema educacional e
das modificações trazidas por elas, os seus efeitos acabam se refletindo, de alguma maneira,
no cotidiano das escolas e na prática pedagógica realizada pelos professores dentro das salas
de aulas. A cada nova política implementada, os professores se vêem diante da tarefa de
conhecer as inovações preconizadas, refletir sobre elas e readaptar as suas práticas de acordo
com esses novos pressupostos sem que exista, na maior parte das vezes, um tempo apropriado
e um suporte adequado para que isso ocorra.
Nessa perspectiva, avaliações realizadas sobre o processo de implementação do
Ciclo Básico mostraram que apesar da programação prevista nos guias ser extensa e
complexa, os professores não estariam preparados para atuar diante dessas exigências, além
do fato de que o trabalho efetivo na sala de aula não foi sistematizado de forma a ser possível
o acompanhamento da programação oficial (BARRETO, 1989).
O papel dos professores no processo de implementação de políticas educacionais
que almejam a qualidade do ensino e a superação do fracasso escolar tem sido essencial,
justamente por serem esses profissionais considerados os maiores responsáveis pela
concretização ou não dos objetivos almejados pelas reformas educativas.

As Classes de Aceleração no contexto das políticas educacionais de superação


do fracasso escolar
No contexto das políticas educacionais de superação do fracasso escolar, projetos
de aceleração de aprendizagem vêm sendo implementados na rede pública de ensino de vários
Estados brasileiros, objetivando o combate ao fracasso escolar. Tais projetos procuram, de
modo geral, corrigir o fluxo escolar, recolocando os alunos multirrepetentes
(conseqüentemente, com grande defasagem série/idade) de volta às suas séries originais.
Em 1997, o Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Estado da
Educação propôs a implantação de um programa de aceleração da aprendizagem, denominado
Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração.
Nesse mesmo período, uma análise realizada pelos órgãos oficiais revelava que a
defasagem série/idade, até a 4a série, aproximava-se dos 30%, ultrapassando os 40% a partir
da 5a série do Ensino Fundamental.
A Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental, enquanto projeto
educacional, com caráter emergencial e duração limitada, decorreu de uma proposta
14

pedagógica e curricular idealizada para minimizar um dos graves problemas decorrentes do


fenômeno do fracasso escolar: a defasagem série/idade na rede pública de ensino.
Dessa forma, através de uma proposta de aceleração da aprendizagem, realizada
nas chamadas Classes de Aceleração, esperava-se a recuperação da trajetória dos alunos em
situação de defasagem série/idade e sua reintegração ao percurso escolar regular.
A concepção de fracasso escolar que permeia a proposta das Classes de
Aceleração atribui a origem do fracasso à escola, especificamente devido à inadequação da
metodologia de ensino em relação à clientela escolar atendida.
Para que possa intervir nessa realidade geradora dos altos índices de seletividade e
exclusão, é fundamental que as Classes de Aceleração ofereçam um ensino adequado à
clientela de alunos com altos índices de defasagem série/idade.
Adequar a proposta pedagógica à realidade do educando, entretanto, não significa
o rebaixamento das expectativas escolares, mas a elaboração de uma abordagem que parta das
necessidades reais dos alunos, além da necessidade de criação de condições favoráveis e de
utilização de um processo de avaliação do trabalho que considere mais do que a simples
quantidade de informações memorizadas e verificadas nas provas.
A repetência sucessiva é vista como o maior sintoma do fenômeno fracasso
escolar, já que os alunos repetentes congestionam o fluxo e expõem a fragilidade do sistema
de ensino.
O ponto de partida para a realização da proposta pedagógica de Classes de
Aceleração é o claro entendimento a respeito do fracasso escolar, das conseqüências da
defasagem série/idade e do processo de aceleração da aprendizagem, além da necessidade de
observação cuidadosa das crianças que compõem as classes.
Em linhas gerais, as premissas básica das Classes de Aceleração são o
compromisso da escola com o processo ensino - aprendizagem dos alunos que estão
estacionados no percurso acadêmico, de maneira que os mesmos adquiram os instrumentos
(via conteúdos pedagógicos) que a escola oferece e que podem contribuir para a inserção
adequada no seu tempo e na sua realidade, e a crença de que “todo professor é capaz de
ensinar e que todo aluno é capaz de aprender”.
Para essa proposta pedagógica, o processo ensino - aprendizagem deve ser o mais
flexível possível, favorecendo a criação de um ambiente descontraído, estimulando esforços e
tentativas e desenvolvendo a persistência e os sentimentos de autoconfiança e cooperação no
grupo de alunos.
Para a sua realização, é necessário que:
15

- se utilizem recursos metodológicos que favoreçam a mobilização de interesses


e a participação dos alunos no processo ensino - aprendizagem, enfatizando os processos de
conhecimento e desenvolvendo nos alunos sentimentos de segurança e auto - estima;
- se estabeleçam alvos pedagógicos que se explicitem em termos de conceitos,
habilidades, operações de pensamento, hábitos ou valores, além de se especificar as diferentes
dimensões ou níveis de aquisição;
- se conheçam os alunos em sua semelhanças e especificidades, de forma a
organizar projetos de trabalho que possam atendê-los individualmente ou em grupos;
- se considerem as aprendizagens prévias e os interesses dos alunos, integrando-
os ao processo ensino - aprendizagem.
Na proposta curricular de Classes de Aceleração, o ensino e a aprendizagem são
considerados processos articulados, dinâmicos e significativos. A premissa fundamental é
que, para que ocorra a aprendizagem é necessário que o ensino faça sentido para o aluno,
requerendo não só situações de aprendizagem significativa como a existência de conteúdos
contextualizados, que respeitem os valores e os hábitos dos alunos, além das características do
espaço em que vivem e a sua história.
Nessa perspectiva, sugere-se a realização de atividades problematizadoras que
possam enriquecer e ampliar a capacidade de interação dos alunos com o meio sociocultural
em que vivem.
Para que se consiga atuar diante da heterogeneidade de níveis e ritmos de
aprendizagem dos alunos, há necessidade de se diversificar a apresentação e o
desenvolvimento dos conteúdos curriculares, assim como o tipo de agrupamento dos alunos
no decorrer das atividades em sala de aula, ora com momentos de trabalho coletivo, ora com
atividades individuais.
A metodologia de ensino proposta procura respeitar a especificidade de cada área
do conhecimento e busca a participação intensiva dos alunos no processo ensino -
aprendizagem, de forma que possam manifestar suas opiniões e discuti-las com o grupo e
professor, levantando hipóteses e buscando informações em fontes variadas de conhecimento.
O objetivo maior da proposta é o desenvolvimento da autonomia do aluno. A
autonomia, juntamente com a capacidade de pesquisa, são consideradas habilidades
fundamentais para que o aluno dê continuidade aos estudos e para que possa exercer
plenamente a sua cidadania.
O processo de avaliação nas Classes de Aceleração tem como foco a análise
contínua das produções dos alunos, buscando a identificação dos progressos e avanços e dos
16

pontos críticos e dificuldades que os mesmos apresentam em sua aprendizagem. A avaliação


contínua permite que o professor planeje intervenções de modo que os alunos consigam
avançar na direção dos pontos de chegada (alvos a serem conquistados) e marcos de
aprendizagem (indicadores de que a aprendizagem se aproxima dos alvos), que estão
estabelecidos na proposta. Alvos e marcos podem ser traduzidos em noções, conceitos,
habilidades, valores e atitudes presentes em cada disciplina.
Um ponto importante de ser ressaltado é que a busca pelos alvos não exige o
cumprimento rigoroso do desenvolvimento de todos os conteúdos curriculares previstos no
programa. Não se espera que todos os alunos alcancem os mesmos alvos, da mesma forma e
ao mesmo tempo. Os alvos ou pontos de chegada constituem-se em parâmetros de
aproximação, possibilitando a avaliação dos diferentes desempenhos dos alunos mas, ao
mesmo tempo, assegurando o avanço de todos.
A mudança do enfoque pressupõe a devolução ao aluno, pelo professor, dos
indícios de seu progresso na direção pretendida. A concepção de avaliação presente na
Proposta Pedagógica Curricular das Classes de Aceleração não é a de uma arma a ser usada
contra o aluno, mas sim um processo favorável a ele.
De acordo com essa proposta, o professor é o principal responsável pela
identificação das necessidades dos alunos e pelo desenvolvimento de um trabalho flexível,
porém norteado por claros referenciais teórico - metodológicos. Ainda cabe ao docente ser
um conhecedor, buscando compreender a interação dos fenômenos da realidade e a
construção do conhecimento sistematizado como um processo histórico - social (SÃO
PAULO - Estado, 1997b: 11).
Em suma, as principais diretrizes da atuação docente em Classes de Aceleração
são mobilizar interesses, incentivar a participação, desafiar o pensamento, estimular o
entusiasmo e a confiança, possibilitar acertos, valorizar avanços e melhorar a auto - estima
dos alunos.

As Classes de Aceleração na visão de professores e especialistas


Como foi dito anteriormente, a pesquisa que deu origem a este trabalho utilizou
como cenário de investigação o projeto “Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração” e procurou analisar de que maneira as políticas de
superação do fracasso escolar estão sendo traduzidas e colocadas em prática no cotidiano das
salas de aula, a partir das concepções de professores e especialistas educacionais envolvidos.
17

Partindo-se da suposição de que os professores possuem as suas próprias teorias


sobre o ensino, as quais influenciam intensamente a sua prática pedagógica e são construídas
ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, justificou-se a busca de entendimento
acerca da forma como esses profissionais traduzem as políticas educacionais para a sua
própria prática.
Dessa maneira, o eixo teórico que fundamentou a pesquisa realizada está voltado
para as recentes tendências na pesquisa educacional sobre o pensamento do professor
(PÉREZ GÓMEZ, 1995; SCHÖN, 1995; GARCÍA, 1995) e para o estudo das crenças de
professores e suas relações com a ações pedagógicas (KNOWLES, COLE & PRESSWOOD,
1994; SADALLA, 1998; STUART & THURLOW, 2000). Essas tendências, mesmo
possuindo diversidades teóricas e conceituais entre si, buscam identificar e compreender o
pensamento, as crenças e os valores que os professores possuem sobre o ensino, na medida
em que esses elementos influenciam fortemente as ações e decisões tomadas pelos docentes
em sala de aula.
Estudos e pesquisas sobre o projeto Classes de Aceleração (SOUZA, VIÉGAS &
BONADIO, 1999; PLACCO, ANDRÉ & ALMEIDA, 1999) também devem ser considerados
importantes referenciais para a realização da presente investigação.
Os procedimentos de coleta de dados utilizados foram a entrevista individual e em
grupo, a observação de aulas, o questionário e a análise documental.
Participaram da pesquisa, de tipo qualitativo, sete professoras de Classes de
Aceleração de duas escolas, a coordenadora pedagógica de uma dessas escolas, além de duas
especialistas educacionais da Diretoria Regional de Ensino, as quais foram as principais
responsáveis pela implementação e acompanhamento dessas classes nas escolas de São Carlos
e região.
Dentre as sete professoras participantes, todas cursaram a Habilitação Específica
para o Magistério, porém, dentre essas, apenas três possuem graduação em nível superior, em
instituições privadas ou universidade pública estadual, sendo uma professora graduada em
História e duas em Pedagogia. Uma professora estava cursando a faculdade de Ciências
Sociais em uma universidade pública federal no período de realização da pesquisa.
A média do tempo de experiência docente de todas as professoras é de 10 anos,
atuando prioritariamente nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental. Apenas uma das
professoras não possui experiência anterior em classes formadas por alunos com histórico de
repetências sucessivas ou com necessidades de reforço escolar.
18

Quanto às especialistas educacionais, uma exercia o cargo de Supervisora de


Ensino enquanto a outra especialista exercia o cargo de Assistente Técnico Pedagógico. A
primeira possuía mais de 30 anos de experiência no sistema educacional, tendo passado por
vários cargos e funções administrativas e estava às vésperas de sua aposentadoria. A outra
especialista iniciou a sua carreira como professora do Ensino Fundamental na rede de ensino
estadual por aproximadamente cinco anos e no desenvolvimento da função de Assistente
Técnico Pedagógico passou a atuar como capacitadora docente, inclusive no projeto de
Aceleração; ao final de 1999, assumiu temporariamente a função de supervisora pedagógica.
Com relação à opção pelas Classes de Aceleração, três professoras as escolheram
por fatores como a atração que sentiram pela possibilidade de enfrentar de novos desafios
profissionais, como também a necessidade de um maior aperfeiçoamento profissional, através
do processo de formação continuada proporcionado aos professores integrantes do projeto
Classes de Aceleração e pelo efetivo exercício docente frente a uma clientela comumente
rejeitada e rotulada pela maioria dos professores: os alunos multirrepententes.
Duas professoras ofereceram-se espontaneamente para atuar nas Classes de
Aceleração pelos seguintes fatores: uma delas porque já estava realizando um trabalho
pedagógico de base construtivista o que a levou, a partir da divulgação do projeto dentro da
escola e de sua própria avaliação do material, a interessar em participar das Classes de
Aceleração; a outra professora, devido ao fato de que, desde o primeiro ano de implementação
do projeto, sentia-se motivada para atuar em uma Classe de Aceleração.
As duas professoras restantes optaram pelas Classes de Aceleração pela falta de
outras classes a serem escolhidas no processo de atribuição. Mesmo assim, mostraram-se
satisfeitas com a sua opção e experiência nessas classes.
Com relação à avaliação das professoras e especialistas sobre o projeto Classes de
Aceleração, esse foi considerado positivo e bem - sucedido. As professoras e especialistas
mencionaram como fatores de sucesso a proposta pedagógica, desafiadora para o professor e
o aluno; o material didático, adequado às necessidades dos alunos; a redução do número de
alunos por classe; o oferecimento de uma formação continuada considerada de alta qualidade.
Com relação à formação continuada, julga-se necessário realizar um rápido
panorama das tendências atuais da formação continuada e, para isso, recorre-se ao trabalho de
CANDAU (1996).
De acordo com a autora, a preocupação com a formação continuada de
professores não é recente e sempre é um tema emergente quando se fala sobre políticas ou
reformas educativas. Além disso, como foi discutido anteriormente, os debates sobre a
19

qualidade de ensino têm evidenciado a influência que o professor em efetivo exercício possui
na determinação do sucesso de reformas ou políticas educativas que se pretenda implementar.
Na perspectiva clássica de formação continuada de professores a ênfase
normalmente recai questão da reciclagem docente, que significa, como o próprio nome
sugere, refazer ou atualizar o ciclo da formação recebida anteriormente. Nesse sentido, o
professor em exercício geralmente volta à Universidade a fim de participar de cursos em
diferentes níveis (especialização, aperfeiçoamento, pós – graduação lato ou strictu sensu).
Uma outra possibilidade de reciclagem é freqüentar cursos promovidos pelas Secretarias de
Educação, assim como a participação em congressos, simpósios, encontros e outros eventos
destinados ao desenvolvimento profissional de professores.
Enfatiza-se a formação continuada em espaços tradicionalmente considerados
como locus de produção de conhecimento, seja a Universidade ou espaços a ela relacionados.
A visão tradicional da formação continuada pressupõe a dicotomia entre aqueles que
produzem o conhecimento ou a teoria  pesquisadores e especialistas educacionais  e
aqueles que aplicam esse conhecimento na prática pedagógica  os professores.
No entanto, partindo-se da concepção de que o conhecimento docente se dá
através de um processo contínuo de construção, desconstrução e reconstrução, conclui-se que
a produção desse conhecimento também se dá na prática pedagógica cotidiana.
Em reação a esse modelo tradicional de formação continuada iniciaram-se, nos
últimos tempos, reflexões e pesquisas destinadas a desenvolver uma nova concepção de
formação continuada, ainda que não se encontrem na prática esses modelos em seu estado
puro.
CANDAU (1996) distingue três teses que fundamentariam essa nova concepção
de formação continuada. A primeira sustenta a idéia de que o locus de formação continuada a
ser privilegiado é a própria escola. Depoimentos de professores sustentam a idéia de que o
cotidiano escolar é um locus de formação docente. No entanto, não se garante a formação do
professor simplesmente pelo fato de se estar na escola e se realizar uma prática concreta. É
necessário que se ofereçam condições para que o professor possa desenvolver uma prática
reflexiva, onde ele seja capaz de identificar os problemas e de resolvê-los e que, além disso,
seja uma prática coletiva, construída em conjunto com seus pares dentro da instituição escolar
A segunda tese elencada pela autora diz respeito à valorização do saber docente
no contexto da formação continuada, em especial, os saberes advindos da experiência.
Considerado como núcleo vital do saber docente, os saberes advindos da experiência se
fundamentam na prática cotidiana e no conhecimento que o professor possui sobre o seu
20

ambiente; é por meio desses saberes que os professores julgam a formação que adquiriram, a
pertinência ou realismo das políticas e reformas que lhe são propostas e elaboram modelos de
excelência profissional.
A terceira e última tese trata da necessidade de que sejam considerada, no
planejamento da formação continuada, as diferentes etapas ou fases do desenvolvimento
profissional do magistério. Segundo HUBERMAN (1989, citado por CANDAU, 1996), as
etapas básicas do desenvolvimento do professor são: a) a entrada na carreira; b) a fase de
estabilização; c) a fase de diversificação; d) a fase do distanciamento; e) a fase de
desinvestimento. Levando em conta a existências dessas etapas, faz-se necessário considerar a
formação de professores em exercício como um processo heterogêneo, pois as buscas, as
necessidades, os problemas e os desafios encontrados pelos professores não são os mesmos
nas diferentes etapas do desenvolvimento profissional a que estão submetidos.
Em síntese, pode-se afirmar que a formação continuada não deve ser considerada
como um mero processo de acumulação ou como a somatória de informações, mas um
trabalho onde se busca a reflexão crítica do professor sobre as suas práticas e de construção (e
reconstrução) contínua de sua identidade pessoal e profissional (CANDAU, 1996).
O processo de formação continuada ou de capacitação em serviço dos professores
e coordenadores pedagógicos envolvidos nas Classes de Aceleração foi coordenado pelas
especialistas educacionais da Diretoria Regional de Ensino, com o seguinte formato: a cada
bimestre, três dias seguidos de capacitação com oito horas diárias cada.
É importante ressaltar que as especialistas da Diretoria Regional de Ensino foram
submetidas a um processo de formação continuada semelhante ao que seria realizado junto
aos professores e coordenadores pedagógicos, a fim de que atuarem como agentes
capacitadores dos mesmos.
Segundo as especialistas entrevistadas, as características básicas das capacitações
foram o dinamismo e a articulação constante entre teoria e prática, ou seja, a análise da prática
pedagógica à luz dos referenciais teóricos contidos na proposta.
De acordo com “Classes de Aceleração: Orientações para Capacitação de
Professores” (SÃO PAULO - Estado, 1999), os procedimentos de capacitação devem ser
pensados a partir de três âmbitos de interação dos conteúdos: teoria, prática pedagógica e
situações concretas de sala de aula.
No primeiro âmbito, os conteúdos são tratados no plano estritamente teórico, onde
os fundamentos da proposta são apresentados, discutidos e relacionados às concepções
21

prévias dos participantes sobre os temas abordados. Assim, o estudo da Proposta Pedagógica
Curricular das Classes de Aceleração era considerado essencial.
No segundo âmbito de interação com os conteúdos, os elementos da prática
pedagógica eram analisados por meio da realização de atividades de aprendizagem e de
avaliação contidas no próprio material de apoio das Classes de Aceleração.
No terceiro âmbito, eram discutidas as situações concretas de sala de aula, as
quais envolvem a articulação da análise do processo ensino - aprendizagem à prática docente,
sustentada pelos pressupostos teórico - metodológicos da proposta.
As capacitações locais não se limitavam apenas aos encontros formais; a
discussão sobre as dificuldades individuais e/ou coletivas, a troca de experiências entre as
participantes, as oportunidades de debate e de estudo nas reuniões de trabalho pedagógico,
também foram consideradas como aspectos fundamentais do processo de formação
continuada.
Um recurso importantíssimo utilizado no processo de capacitação foram as
dinâmicas de grupo, as quais tinham como objetivo geral possibilitar a discussão e a vivência
de situações relacionadas ao preconceito quanto aos alunos multirrepetentes, à
heterogeneidade das turmas e à avaliação, dentre outros assuntos, além de possibilitar às
professoras que se colocassem no lugar do “outro”, o que pode ter facilitado, segundo uma
das especialistas, o desenvolvimento de um “novo olhar” das docentes sobre os alunos e,
aparentemente, uma melhor compreensão das dificuldades e da heterogeneidade dos mesmos
na sua relação com o conhecimento.
As dificuldades citadas pelas professoras sobre a tradução do projeto Classes de
Aceleração para a prática estão relacionadas: à falta de interesse e de participação dos alunos;
à mudança do paradigma teórico - metodológico; à falta de tempo dos professores para
assimilar as informações recebidas nas capacitações, para a pesquisa e o planejamento das
atividades a serem realizadas; à composição das turmas com alunos que já poderiam estar
cursando séries mais avançadas.
A ausência de uma figura de apoio consistente, seja a direção ou a coordenação
escolar, também deve foi considerada como um dificultadores da tradução do projeto
educacional para a prática docente. A relevância do apoio do diretor, do coordenador
pedagógico, dos professores das séries regulares e, inclusive, dos supervisores de ensino,
coloca em evidência a necessidade de se repensar a escola como uma “comunidade de
aprendizagem”, a qual envolve os diferentes elementos que a compõe.
22

As especialistas educacionais consideraram que os principais obstáculos à


tradução do projeto para a prática foram o processo de seleção dos professores para as Classes
de Aceleração e o não envolvimento de alguns professores com o trabalho pedagógico a ser
desenvolvido.
Com relação ao processo de seleção docente, é importante ressaltar que os
diretores das escolas deveriam destinar as Classes de Aceleração para professores interessados
em atuar no projeto e com experiência em alfabetização. No entanto, segundo as especialistas,
isso não aconteceu em todas as escolas participantes, pois muitos professores com motivação
e experiência aquém do recomendado assumiram aulas em Classes de Aceleração.
Na avaliação das especialistas, esse desvirtuamento do processo de seleção de
professores trouxe dificuldades tanto para a adequação do projeto nas escolas como para o
trabalho de supervisão e capacitação docente; o fato das Classes de Aceleração entrarem no
processo de atribuição geral de classes, sem uma diferenciação específica, fez com que muitos
professores as escolhessem por não terem outra alternativa de trabalho e não pela
identificação com os seus pressupostos teórico - metodológicos do projeto, como seria o mais
adequado.

A tradução de um projeto educacional de superação do fracasso escolar para a


prática docente
Com relação ao processo de tradução do projeto educacional de superação do
fracasso escolar para a prática docente, os resultados obtidos permitem afirmar que, na
situação investigada, ocorreram diferentes níveis de tradução, especificamente quando se
toma como parâmetro básico para esse processo os pressupostos teórico - metodológicos do
projeto de Aceleração, contidos na Proposta Pedagógica Curricular das Classes de
Aceleração.
Dessa maneira, percebe-se a existência de um nível de tradução mais aproximado
e, em contraposição, um nível de tradução mais distanciado do projeto de Aceleração para a
prática docente.
Dentre os vários fatores que podem vir a influenciar tal diferenciação nos níveis
de tradução, chama a atenção aqueles relacionados aos diferentes momentos ou níveis de
aprendizagem e desenvolvimento profissional em que as professoras e especialistas
educacionais se encontravam no decorrer do processo de implementação do projeto de
Aceleração.
23

Dessa forma, pode-se dizer que, em uma das escolas investigadas, a tradução do
projeto educacional para a prática docente ocorreu de forma mais distanciada dos
pressupostos teórico - metodológicos do projeto de Aceleração, pois as professoras relataram
muitas dificuldades na compreensão e/ou aceitação de suas premissas ou princípios
fundamentais (concepção de fracasso escolar que não culpabiliza o aluno, confiança no
potencial de aprendizagem dos alunos ou no potencial do professor para ensiná-los) e no
estabelecimento de vínculos positivos com os alunos.
Os dados obtidos junto às professoras e à coordenadora pedagógica da Escola II
mostram que a tradução do projeto educacional para a prática docente nessa instituição pode
ser considerada mais aproximada dos pressupostos teórico - metodológicos do projeto de
Aceleração, principalmente devido ao fato das professoras terem aderido e adotado os
princípios básicos do projeto em suas práticas pedagógicas.
Essas professoras, em sua tradução do projeto de Aceleração para a prática,
parecem ter ido além da premissa inicial de que “todo professor é capaz de ensinar e que todo
aluno é capaz de aprender”, atuando de acordo com a idéia de que seriam capazes de
aprender a ensinar de uma maneira diferente.
Dessa forma, é possível afirmar que o principal diferencial do processo de
tradução do projeto educacional da escola onde se realizou uma tradução mais aproximada do
projeto para a prática, parece ter sido a presença de uma crença muito intensa, tanto por parte
das professoras como da coordenadora pedagógica, de que seriam capazes de realizar um bom
trabalho junto aos alunos das Classes de Aceleração.
Os resultados obtidos possibilitam que se teçam algumas considerações
específicas sobre o perfil pessoal e profissional das professoras da escola considerada bem -
sucedidas por terem realizado uma tradução mais aproximada dos pressupostos do projeto
para a prática pedagógica.
Em primeiro lugar, foi possível perceber que essas professoras acreditaram no
projeto educacional e procuraram compreender os seus pressupostos teórico - metodológicos,
buscando atuar de acordo com os mesmos, mas não se deixando prender em demasia às
amarras das prescrições e recomendações contidas em tal proposta.
Portanto, mesmo atuando de acordo com tais pressupostos, as professoras bem -
sucedidas não abriram mão dos conhecimentos originados em suas experiências profissionais
anteriores, nem de sua capacidade de improvisação. A respeito da improvisação,
PERRENOUD (1997) coloca que os professores improvisam na medida em que se deparam
24

com um problema ou uma situação imprevista, ambígua ou complexa, necessitando transpor,


diferenciar, ajustar os esquemas disponíveis ou coordená-los de uma maneira original.
Um outro aspecto a ser mencionado é que essas professoras parecem ter aceitado
com maior naturalidade os desafios impostos pelo trabalho, enfrentando os dilemas da prática
como oportunidade de crescimento profissional.
A esse respeito, deve-se salientar que a busca por novos desafios e maior
comprometimento profissional de professores remete a alguma das características indicadas
por COOPER (1982) como parte do estágio de diversificação da carreira docente, analisado
por HUBERMAN (1995).
A utilização dos conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória profissional, a
capacidade de improvisação e a atitude positiva diante dos dilemas e desafios da prática,
parece reforçar a idéia de que essas professoras encontravam-se em um momento de
desenvolvimento profissional mais avançado do que as professoras da Escola I.
As professoras bem - sucedidas parecem ter compartilhado de uma visão crítica
sobre o fracasso escolar, não compactuando com a concepção de que o fracasso escolar é
causado por fatores individuais; posicionaram-se contrariamente à discriminação e à exclusão
do aluno, procurando atuar de maneira favorável ao processo de inclusão escolar, mas não se
comportando de forma onipotente em relação às dificuldades dos alunos.
Na mesma perspectiva, foi possível perceber que a criação e a manutenção de um
bom vínculo afetivo com o grupo de alunos, expresso por gestos e palavras, foi uma
preocupação constante das professoras bem - sucedidas, devido à crença de que a existência
desse vínculo positivo seria crucial para o sucesso do processo ensino - aprendizagem dos
alunos.
Também houve, por parte dessas professoras, a valorização do trabalho em
equipe, através de uma atuação colaborativa com as outras professoras de Classes de
Aceleração e, até mesmo, com as professoras de séries regulares.
Valorizaram, igualmente, o processo de formação continuada oferecido no
decorrer do projeto, o que foi expresso pelo envolvimento das mesmas no momento das
capacitações. A valorização da formação continuada foi confirmada pelas professoras quando
selecionaram os critérios ou condições necessárias para que políticas de superação do fracasso
escolar obtenham sucesso, citando como critério básico a necessidade de um maior
investimento na formação docente, seja inicial ou continuada, e a necessidade de que os
próprios professores valorizem mais a sua profissão.
25

A análise dos dados indica ainda que, assim como a professora bem - sucedida do
estudo de SOUZA, VIÉGAS & BONADIO (1999), as professoras que já possuíam uma
predileção pessoal pelo trabalho pedagógico junto a alunos com história de sucessivos
fracassos escolares, manifestaram uma atitude mais positiva em relação ao seu próprio
sucesso e ao de seus alunos no processo ensino - aprendizagem.
Entretanto, aquelas que, aparentemente, possuíam uma concepção mais
conservadora do fracasso escolar, diante da experiência nas Classes de Aceleração, não
parecem ter modificado as suas crenças em relação ao fracasso dos alunos, as quais, ao
contrário, podem ter sido reforçadas.
Ambas as situações parecem confirmar a idéia de MARRERO (1986, citado por
SADALLA, 1998) de que, assim como as crenças que os professores possuem sobre os alunos
influenciam as suas escolhas pedagógicas, as práticas cotidianas acabam por influenciar essas
mesmas crenças, o que possibilita ao professor elaborar e construir continuamente o seu
conhecimento prático e sua visão pessoal e contextualizada sobre o ensino.
Concluindo-se o delineamento do perfil pessoal e profissional das professoras
bem - sucedidas, pode-se dizer que os aspectos identificados até o momento se incorporam à
definição de professor adequado para atuar no projeto Classes de Aceleração, na visão das
especialistas educacionais: um professor pesquisador de sua própria prática, capaz de
acreditar e de confiar no sucesso de seu trabalho.
No entanto, não se pode considerar o perfil pessoal e profissional dessas
professoras de forma isolada, mas também como um produto da cultura escolar a que
pertencem. Portanto, além da dimensão pessoal do processo de tradução, deve-se
compreender como a cultura escolar recebe as mudanças propostas e as traduz, de forma que
as inovações se incorporem às concepções e aos valores já existentes na instituição.
Assim, as escolas não podem ser consideradas tábulas rasas ou folhas em branco,
onde as exigências e prescrições das políticas educacionais podem ser impostas com a
garantia de que serão seguidas a risca. Ao serem traduzidas para as sala de aula, as políticas
educacionais muito provavelmente serão ressignificadas para poderem se adequar às
características das culturas escolares (PATTO, 1998).
Não foi a intenção desse estudo investigar a cultura escolar das instituições
participantes do projeto Classes de Aceleração, mas há condições de se afirmar, baseadas
ainda PATTO (1998), que a tendência de muitas escolas públicas, depois de décadas expostas
a uma série de políticas e reformas educacionais, é possuir uma dinâmica institucional
perversa, a qual acaba por desvirtuar os reais objetivos da educação, atingindo negativamente
26

a todos os atores envolvidos no processo ensino - aprendizagem, principalmente, os alunos e


suas famílias.
Apesar das instituições escolares estarem há muito tempo descrentes quanto ao
potencial das políticas educacionais públicas em transformar a realidade escolar, podem-se
encontrar escolas onde os profissionais compartilham efetivamente do desejo de melhorar a
qualidade do ensino numa perspectiva ética e que buscam transpor essa intenção para a
prática cotidiana, através de sua competência ou de seu talento artístico profissional,
expressão cunhada por SCHÖN (2000: 29) para se referir aos tipos de competência que os
profissionais demostram em certas situações da prática que são únicas, incertas e
conflituosas.
Acredita-se que a escola onde se realizou a tradução mais aproximada do projeto
para a prática é uma dessas instituições onde se busca construir uma cultura do sucesso e que
as professoras e coordenadora pedagógica dessa instituição são profissionais que possuem um
forte desejo de melhorar a qualidade do ensino oferecido a todos os alunos, expresso pelo seu
comprometimento em relação ao projeto Classes de Aceleração e, especialmente, em relação
ao sucesso dos alunos multirrepetentes.
Considera-se que este trabalho trouxe algumas contribuições ou subsídios para a
compreensão de como professores e especialistas educacionais recebem, pensam e agem
diante da tarefa de traduzir para o seu cotidiano de atuação profissional as políticas ou
projetos educacionais de superação do fracasso escolar.
A pesquisa realizada mostrou que a tradução das políticas ou projetos
educacionais de superação do fracasso escolar para a prática docente não é uma tarefa fácil,
pois envolve desafios e apostas pessoais dos professores e a articulação de crenças que os
mesmos possuem sobre diversos aspectos da prática profissional (alunos, conteúdo curricular,
processo ensino - aprendizagem) com os pressupostos contidos na proposta pedagógica dessas
políticas, reforçando a idéia de que não é possível esperar que os professores modifiquem as
suas práticas apenas porque assim foi decretado.
Portanto, diante da complexidade do processo de tradução das políticas ou
projetos de superação do fracasso escolar para a prática, não se pode acreditar que a simples
implementação das políticas irá garantir que essas sejam interpretadas e colocadas em prática
pelo professor da maneira como são previstas pelos órgãos decisórios.
Segundo McDIARMID (1995) é necessário que os professores tenham a
oportunidade para refletir criticamente sobre a nova prática preconizada pelas reformas
educacionais, sobre o que está sendo solicitado deles, sobre as alterações que precisam fazer
27

em sua prática atual, para que consigam aprender a atuar de uma maneira nova. Entretanto, a
busca por essas respostas demanda, por parte dos professores, aquilo que o autor denominou
de “tempo e condições mentais propícias”, os quais, freqüentemente, não têm sido
considerados no desenvolvimento profissional docente.
Dessa forma, considera-se que o processo de implementação das políticas pelos
órgãos decisórios, de tradução das mesmas pelos professores e a avaliação dos efeitos, diretos
ou indiretos, que essas políticas acarretam, envolve a articulação de diferentes noções de
tempo.
Tem-se, dessa maneira, o tempo dos órgãos políticos e administrativos para
elaborarem e implementarem as reformas educacionais, o qual parece ser bem diferente do
tempo que os professores necessitam para se adaptarem a essas mesmas reformas e às
mudanças previstas por elas, assim como para repensarem as suas concepções e práticas, o
qual, por sua vez, também é diferente do tempo dos alunos para se adaptarem às novas
condições impostas ao processo ensino - aprendizagem e do tempo da realização de avaliações
institucionais e de pesquisas educacionais a fim de se analisar os resultados das reformas
implementadas.
Observando-se essa questão de tempo, pode-se dizer que a formação continuada
oferecida às professoras e coordenadoras pelas especialistas educacionais da Diretoria
Regional de Ensino., nos moldes em que se caracterizou, pode ser considerada como um dos
principais fatores facilitadores do processo de tradução, por ter possibilitado aos professores
alguns momentos para a reflexão sobre as situações vivenciadas na prática pedagógica e ao
buscar a articulação entre a teoria e a prática, apesar de não ter sido realizada nas escolas,
locus de formação ideal para processos dessa natureza.
Além disso, acredita-se que os dados revelam, de forma mais clara no caso das
professoras bem - sucedidas no processo de tradução, que o sucesso não parece estar
relacionado apenas aos fatores identificados até o momento, mas também no nível de
desenvolvimento profissional dessas professoras. Dessa forma, o fato de ter cursado ou de
estar cursando um curso de nível superior parece indicar que possuem uma necessidade de
formação continuada e de aprimoramento pessoal e profissional.
Anteriormente, foi feita a referência à cultura escolar e suas influências na
tradução do projeto Classes de Aceleração para a prática pedagógica. A esse respeito, o que os
dados parecem mostrar que existe a formação acadêmica e aspectos da trajetória profissional
de cada uma das professoras, os quais podem facilitar a compreensão dos pressupostos teórico
28

- metodológicos do projeto educacional em questão e a tradução adequada do mesmo para a


prática pedagógica, e uma cultura escolar específica, a qual atuaria a favor dessa tradução.
Assim, no processo de tradução parecem existir, de um lado, os aspectos
relacionados ao um nível pessoal e específico do professor, como as suas crenças ou teorias
pessoais, sua formação acadêmica e trajetória profissional e, de outro, os aspectos
relacionados a um nível institucional, como as concepções e valores que a cultura escolar
possui sobre o processo ensino - aprendizagem de alunos com história de fracasso escolar, o
apoio dado ao trabalho docente realizado com os alunos multirrepentes, o investimento que é
feito na formação continuada do corpo docente e a valorização do professor enquanto
profissional.
Acredita-se que novas pesquisas sobre os efeitos das Classes de Aceleração
devam ser realizadas, pois apesar da impressão imediata que esse projeto possibilitou uma
melhoria no nível de auto - estima e de motivação dos alunos para aprender, é urgente
verificar-se como os alunos egressos estão se adaptando às séries regulares e se o conjunto de
conhecimentos, habilidades e valores adquiridos no decorrer de sua passagem por essas
classes foi o suficiente para que venham a obter efetivo sucesso em suas vidas acadêmicas e
no exercício de sua cidadania, indo além do indicador “resgate da auto - estima” (o que não
desmerece a importância da relação entre auto - estima e aprendizagem).
A preocupação com a realização de pesquisas nessa direção advém do fato de que
o projeto Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental - Classes de
Aceleração teve como objetivo geral a correção do fluxo escolar o que, por um lado,
possibilita a modificação das estatísticas e indicadores educacionais mas, por outro, não
possibilita que alterações na estrutura do sistema educacional sejam realizadas, de forma a
contribuir para a efetiva superação do fracasso escolar.

Bibliografia
AMBROSETTI, N. B. Ciclo Básico: o professor da escola pública paulista frente a uma
proposta de mudança. São Paulo, PUC, 1989. Dissertação de Mestrado. Mimeografado,
164p

BARRETO, E. S. S. Organização do trabalho escolar no Ciclo Básico na perspectiva da


superação do fracasso escolar. São Paulo: F.D.E., Caderno Idéias no 6, pp. 101-107, 1989

BARRETO, E. S. S. & MITRULIS, E. Os ciclos escolares: elementos de uma trajetória.


Cadernos de Pesquisa, nº 108, pp. 27-48, novembro/1999
29

CANDAU, V. M. F. Formação continuada de professores: tendências atuais. In: REALI, A.


M. M. R. & MIZUKAMI, M. G. N. (Orgs.) Formação de professores - tendências atuais.
São Carlos: EDUFSCar, 1996

CARRAHER, T. N., CARRAHER, D. & SCHLIEMANN, A. (org.) Na vida dez, na escola


zero. São Paulo: Cortez, 1995, 10a ed.

DANI, L. S. C. & ISAÍA, S. M. A. Resignificando o fracasso escolar no ensino fundamental.


20a ANPEd, 1997

DIAS, P. E. S. C. Escola – Padrão: da intencionalidade do discurso reformista à realidade


educacional. São Carlos, UFSCar, PPGE, 1998. Dissertação de Mestrado. Mimeografado,
215p

GARCÍA, C. M. “A Formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação


sobre o pensamento do professor.” In: NÓVOA, A.(org.).Os professores e sua formação.
Lisboa: Dom Quixote, 1995.

GIOVANI, G. & SOUZA, A. N. Criança na escola? Programa de Formação Integral da


Criança. Educação & Sociedade, ano XX, nº 67, pp. 70-111, agosto/99

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.) Vidas
de professores. Porto: Porto Editora, 1995

KNOWLES, J. G., COLE, A. L. & PRESSWOOD, C. S. Through preservice teacher’s eyes:


exploring field experiences through narrative and inquiry. New York: Merrill, 1994.
MAINARDES, J. A promoção automática em questão. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. v. 79, nº 192, maio/agosto, 1998

NUTTI, J. Z. Professores e especialistas diante do fracasso escolar: um estudo no cenário das


Classes de Aceleração. São Carlos: UFSCar - PPGE. Tese de doutorado, 2001, 250 p,
mimeografado.
PÉREZ GÓMEZ, A. O pensamento prático do professor: a formação do professor como
profissional reflexivo. In: NÓVOA, A.(Org.) Os professores e sua formação. Lisboa:
Dom Quixote, 1995
PATTO, M. H. de S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São
Paulo: T. A. Queiroz, 1993

_____________ Colóquio sobre programas de Classes de Aceleração. São Paulo: Cortez:


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: Ação Educativa, 1998.- (Série Debates; 7)

PERRENOUD, P. La construcción del éxito y del fracaso escolar. Madrid: Morata, 1996 –
(Fundación Paideia)

_______________ Práticas pedagógicas, profissão docente e formação - perspectivas


sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1997
PLACCO, V. M. N. S., ANDRÉ, M. E. D. A. & ALMEIDA, L. R. Estudo avaliativo das
classes de aceleração na rede estadual paulista. Cadernos de Pesquisa, nº 108, pp. 49-79,
novembro/1999
30

RIBEIRO, S. C. Educação e cidadania. In: VELLOSO, J. P. R e ALBUQUERQUE, R. C.


Educação e modernidade. As bases do desenvolvimento moderno: Fórum Nacional. São
Paulo: Nobel, 1993

SADALLA, A. M. F. A. Com a palavra, a professora: suas crenças, suas ações. Campinas:


Alínea, 1998
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação e Fundação para o
Desenvolvimento da Educação. Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração - documento de implementação. 1997a

___________________. Secretaria de Estado da Educação e Fundação para o


Desenvolvimento da Educação. Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração - proposta pedagógica curricular. 1997b

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação e Coordenadoria de Estudos e


Normas Pedagógicas. Classes de Aceleração: orientações para capacitação de
professores. 1999

___________________. Secretaria de Estado da Educação. Ações – reorganização.


Disponível no site da Secretaria de Estado da Educação:
<http://www.educação.sp.org.br/acoes/reorganiz/i_reorg.htm>. Acessado em
01/08/2000a

___________________. Secretaria de Estado da Educação. Ações – sala ambiente.


Disponível no site da Secretaria de Estado da Educação:
<http://www.educação.sp.org.br/acoes/s_ambien/slamp0t.htm>. Acessado em
01/08/2000b

SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A.(org.).Os


professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
__________ Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed, 2000

SILVA, M. H. F. da. O professor como sujeito do fazer docente: a prática pedagógica nas 5 as
séries. SÃO PAULO: USP - Faculdade de Educação, 1992. Tese de Doutorado.
Mimeografado. 262p.
SOUZA, M. P. R., VIÉGAS, L. S. & BONADIO, A. N. O resgate do desejo de aprender:
uma experiência educacional bem sucedida em uma Classe de Aceleração. 22a. ANPEd,
1999
STUART, C. & THURLOW, D. Making it their own: preservice teachers’ experiences,
beliefs, and classrooms practices, Journal of Teacher Education, March - Vol. 51, nº 2,
pp. 113-121, April 2000

Você também pode gostar