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Os diferentes tipos de educação: a portuguesa e a

inglesa e as suas consequências em Pedro e em


Carlos,
A temática da educação é frequentemente tratada por Eça de Queirós e surge n’Os Maias
como um dos principais factores de comportamento e mentalidade do Portugal romântico,
e não do novo Portugal virado para o futuro. Deparamo-nos com dois sistemas educativos
opostos ao longo da obra através de opiniões das personagens ou das mentalidades e
cultura que revelam. Pedro da Maia e Eusebiozinho protagonizam a educação tradicionalista
e conservadora, enquanto Carlos recebe a educação inglesa. A incapacidade para enfrentar
as contrariedades ou a capacidade para se tornar interveniente na sociedade são as
consequências imediatas dos processos educativos opostos.
A educação tradicionalista e conservadora caracteriza-se pelo recurso à memorização; ao
primado da cartilha apenas com os saberes e os valores aí insertos; à "moral do catecismo"
e da devoção religiosa com a conceção punitiva do pecado; ao estudo do latim como língua
morta; à fuga ao ar livre e ao receio do contacto com a Natureza.
A educação inglesa caracteriza-se pelo desenvolvimento da inteligência graças ao
conhecimento experimental; pelo desprezo da cartilha, embora com a defesa do "amor da
virtude" e "da honra" como convém a "um cavalheiro" e a "um homem de bem"; pela
ginástica e pela vida ao ar livre; pelo contacto direto com a Natureza, pelo gosto das línguas
vivas.
A educação tradicionalista e conservadora desvalorizou a criatividade e o juízo crítico,
deformou a vontade própria, arrastou os indivíduos para a decadência física e moral. Em
Pedro da Maia, por exemplo, levou-o a uma devoção histérica pela mãe e tornou-o incapaz
de encontrar uma solução para a sua vida, quando Maria Monforte o abandonou; em
relação à personagem Eusebiozinho, tornou-o "molengão e tristonho", arrastou-o para uma
vida de corrupção, para um casamento infeliz e para a debilidade física.
A educação inglesa procurou "criar a saúde, a força e os seus hábitos", fortalecendo o corpo
e o espírito. Graças a ela, Carlos da Maia adquiriu valores do trabalho e do conhecimento
experimental que o levaram a abraçar um curso de medicina e a projetos de investigação,
de empenhamento na vida literária, cultural e cívica.
A vida de ociosidade de Carlos e o sequente fracasso dos seus projetos de trabalho útil e
produtivo não resultaram da educação, mas da sociedade em que se viu inserido. A
ausência de motivações no meio em que se movimentou, o próprio estatuto económico que
não lhe exigia qualquer esforço e a paixão romântica que o seduziu foram causas suficientes
para, apesar de culturalmente bem formado, desistir, sentir o desencanto e afastar-se das
atividades produtivas. Mas ao contrário do seu pai, Pedro da Maia, que, perante o fracasso
amoroso, se suicidou, Carlos procura um novo caminho, elaborando uma filosofia de vida, a
que chama "fatalismo muçulmano": "Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma
esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a
tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves."

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