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Neto (o Gugu)
Publicado em sua página pessoal no Facebook dia 23 de Abril de 2014
Quando o assunto é sexo o que há de mais comum hoje em dia é a mente ser empurrada
pelo doutrinarismo opaco dos religiosos, que nos dizem: “homossexualismo é contra a
natureza”, “o matrimônio é indissolúvel”, “adultério é pecado” ou pelo experimentalismo
vale tudo da modernidade, que reza: “sexo é um produto da evolução” “tudo tem uma
motivação sexual inconsciente” “o importante é não se reprimir”. Se, por um lado, os
religiosos não são capazes de nos oferecer mais do que vagas referências à tradição como
explicação para suas teses tão impopulares em nossos tempos, as atitudes modernas em
relação a sexo, por outro, têm consequências evidentemente corruptoras e tenebrosas. Se
sexo é mero produto da evolução, os machos nascem para espalhar sua semente e as
fêmeas, para escolher os parceiros mais fortes. Em termos humanos isso simplesmente
quer dizer que os homens nascem para ser adúlteros contumazes e as mulheres para ser
vadias de bandidos. Se tudo é sexo, como querem certas correntes da psicologia
moderna, quem morde um lápis ou fuma um charuto já cometeu adultério em seu
coração. Há também a vertente “mística nova era” segundo a qual sua espiritualidade é
medida de maneira mais ou menos direta pelo número e qualidade dos seus orgasmos.
No plano concreto das escolhas reais, é preciso lembrar que a verdade é necessária
mesmo quando não a compreendemos. Antes de encarar a questão teoricamente,
considere que se a posição religiosa parece opaca isso pode ser devido mais aos defeitos
intelectuais particulares dos fiéis e sacerdotes que a ensinam e à nossa própria
indiferença e estupidez ao ouvi-la do que ao conteúdo direto das doutrinas em questão. É
possível termos perdido de vista os dados fundamentais capazes de tornar essa doutrina
clara. Considere também que as doutrinas religiosas trouxeram para a humanidade a
companhia de multidões de santos e santas, enquanto o experimentalismo moderno só
teve por efeito nos obrigar a conviver com multidões de viciados e viciadas em
pornografia, pílulas, brinquedos e dietas. Isso devia bastar para escolher um lado. Dize-
me com quem queres andar e te direi quem és.
Para responder essa questão o primeiro que é necessário é recuperar a inocência. Falo
antes de inocência intelectual que de inocência moral, pois o telhado protetivo da moral
desaba fácil quando sobrecarregado de dúvidas. Inocência intelectual é um tipo de
abandono das noções em favor da percepção. É algo aparentado com a ignorância
socrática, com o unknowing do monge anônimo, com a não-mente do zen e a pobreza de
espírito do Evangelho. Não digo que essas atitudes são todas equivalentes perfeitos, mas
que todas elas guardam algo em comum e, de certo modo, apontam para a mesma
direção. No caso de que tratamos, é tentar olhar para as coisas que têm sexo antes de
criar um pseudo debate de explicações que só existe em nossa cabeca. Para quem faz
esse esforço na direção da inocência é evidente que sexo é em primeiro lugar a divisão
de papéis em relação à reprodução. É também evidente que meu próprio sexo é
facilmente verificável com um breve olhar para o conjunto de órgãos que tenho entre as
pernas.
É interessante notar que uma das primeiras coisas que Deus quis nos informar acerca da
condição humana depois da queda foi a vergonha de ter o sexo exposto. A nudez real e
direta — não a da arte, que é meramente representada — é capaz de causar diversos tipos
de reação, desejo, aversão, desdém e indiferença. Com o pecado original a semelhança
com Deus foi quebrada e a Imagem Divina no coração foi enterrada sob os fragmentos
desordenados da semelhança perdida. De todos os motivos para se envergonhar, porque
sentir vergonha da nudez? Creio que o sexo revela no corpo algo dessa semelhança
perdida. Homo representa a Imagem Divina, enquanto macho e fêmea indicam modos
fundamentais de semelhança. Talvez muito dos elementos “culturais” de masculinidade e
feminilidade resultem de esforços para reconstituir uma semelhança divina. O sexo então
indica algo que é simultaneamente menos que eu — essa é sua dimensão puramente
biológica, e algo que é mais que eu — na sua dimensão simbólica, o sexo é como um
indício de um potencial na direção de uma Virilidade Perfeita ou de uma Feminilidade
Perfeita. Nossos primeiros pais então sentiram vergonha de exibir uma promessa que
eles já não podiam cumprir e alguma apreensão ou mesmo medo do que sua nudez podia
causar ou deixar de causar. Vergonha de uma semelhança da qual o sexo (como mero
fato biológico) é só uma dolorosa lembrança.
Ninguém deseja o que já possui. Isso não é uma ordem, é simples bom uso da
linguagem. Se acontece de alguns homens desejarem outros homens e de algumas
mulheres desejarem outras mulheres, é simplesmente porque sentem que o desejado
possui algo que ao desejante faz falta. Nenhum homem é completamente masculino,
nenhuma mulher é completamente feminina. Em todos nos falta algo. Creio que essa é a
razão que leva alguns homossexuais a crer que somos todos homossexuais no fundo.
Também entendo que romper com as formas sociais — às vezes bem artificiais — de
masculinidade e feminilidade pode ser bastante libertador e até um ato que envolve
coragem e sinceridade.
Mas discordo das conclusões que normalmente se tiram dessas ideias. Se é verdade que
nenhum homem é perfeitamente masculino e nenhuma mulher é perfeitamente feminina
não se conclui que são todos masculino/feminina. Muito menos se conclui que o mero
contato erótico com outros indivíduos, sejam eles do mesmo ou de outro sexo, possa
fazer algo para curar essas deficiências.
Me parece que os homens são parte masculinos, parte fragmentos desordenados de uma
semelhança divina perdida e que o mesmo vale para as mulheres. Até onde vejo, a
relação entre este homem concreto e “Vir Perfeito” ou entre esta mulher concreta e
“Femina Perfeita” é a relação entre um fragmento de símbolo e a Perfeição simbolizada.
Acredito que o sexo é ao mesmo tempo sinal de um dom corporal e de uma dívida
espiritual. A quem foi dado nascer de um sexo cabe agradecer ao dom corporal de ser
homem ou mulher como Homo, isto é, completando o dom corporal com uma
Masculinidade ou Feminilidade espiritual.
Não escrevo estas linhas para dizer aos outros o que eles devem fazer (mais uma vez,
faço minhas as palavras do meu pai Olavo de Carvalho: “Quase nunca sei o que os
outros devem fazer”), mas simplesmente para informar meus amigos das possibilidades
que a virgindade consagrada e a sexualidade consagrada podem oferecer e para lembrar
que essas formas de consagração são as reais “opções” sexuais e espirituais para o ser
humano que quer ser perfeito.
É tão fácil e lugar comum nos nossos tempos denunciar os que consagraram sua
virgindade a Deus por não serem sempre fiéis a seus votos. Mas ninguém fala da culpa
dos casais que fazem pouco ou nenhum uso espiritual do matrimônio. A maior parte dos
casais sequer concebe o que é sexualidade consagrada.